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1 e CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS - FMU CURSO DE DIREITO “CRÍTICAS À DELAÇÃO PREMIADA LARISSA JORGE DE PAULA RA: 5887364 TURMA: 003210A04 FONE: (11) 97697-0882 E-MAIL: LARIJORGE@GMAIL.COM SÃO PAULO 2016 2 CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS - FMU CURSO DE DIREITO “CRÍTICAS À DELAÇÃO PREMIADA” LARISSA JORGE DE PAULA RA: 5887364 Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito sob a orientação do Professor Acacio Miranda da Silva Filho SÃO PAULO 2016 3 BANCA EXAMINADORA __________________________________________ Prof. Acácio Miranda da Silva Filho Orientador _________________________________________ Professor Arguidor _________________________________________ Professor Arguidor 4 À Deus por sempre ter guiado meus passos para que chegassem a este momento. Em especial a minha mãe por ser a grande responsável pela minha formação pessoal, por todo incentivo e apoio. 5 AGRADECIMENTOS Aos meus pais Patrícia e Carlos Eduardo por terem me ensinado o real significado de dignidade e perseverança, e por terem sempre me incentivado nesta longa caminhada. Aos meus irmãos Fernando, Felipe, Camila e Rafael, por estarem sempre presentes e pelas palavras de ânimo. À minha avó e as minhas tias que tanto torceram para que este dia chegasse, nunca deixando que eu desistisse. Às amigas Marilia, Luiza, Bruna e Soraya e ao meu melhor amigo André, que mais do que amigas são uma segunda família, obrigada por todo incentivo, palavras de apoio e tempo para me ouvir. Aos meus animais de estimação que mesmo com a vida tão curta, ainda assim, passam a maior parte do tempo esperando que eu volte para casa todos os dias. Aos professores que desempenharam com dedicação as aulas ministradas, e que com paciência sempre contribuíram para que este momento fosse possível. Sem vocês nada disso seria possível. 6 SINOPSE Esta monografia pretende abordar o tema “Críticas à delação premiada”, que é um instituto muito controverso no ordenamento jurídico brasileiro, contando com posicionamentos favoráveis e contrários à sua prática. O tema a ser tratado traz possibilidades de diminuição da prática criminosa e um aumento no que se refere à segurança pública, tal estudo deve ser minuciosamente estudado e compreendido para ser possível chegar a uma conclusão lógica e eficaz para todo os sistema. Durante o desenvolvimento do tema será abordado seu conceito, requisitos, benefícios, momentos, bem como seu valor como meio de prova, além de fazer-se constar as críticas dirigidas ao instituto, mostrando a equiparação a outros ordenamentos jurídicos para que após conclua-se como o instituto da delação premiada pode ajudar no combate ao crime organizado e quais os benefícios e prejuízos que ele pode trazer para a sociedade. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................09 1. O INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA............................................................10 1.1 BREVE HISTÓRICO.............................................................................................10 1.2 CONCEITO DE NATUREZA JURÍDICA...............................................................12 1.3 BENEFÍCIOS E REQUISITOS PARA SUA CONCESSÃO...................................13 1.3.1 O INSTITUTO E A DIMINUIÇÃO DE PENA......................................................15 1.3.2 O INSTITUTO E O PERDÃO JUDICIAL............................................................17 1.4 DELAÇÃO PREMIADA COMO MEIO DE PROVA...............................................19 2. DELAÇÃO PREMIADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO...........20 2.1 DISCIPLINAS NORMATIVAS..............................................................................21 2.1.1 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS (LEI Nº 8.072) ...............................................21 2.1.2 LEI DA LAVAGEM DE DINHEIRO (LEI Nº 12.683/12) .....................................22 2.1.3 LEI DE EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO (LEI Nº 9.269/96)...................22 2.1.4 LEI CONTRA O CRIME ORGANIZADO (LEI Nº 12.850/13).............................23 2.1.5 LEI DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (LEI Nº 7.492/86). ..................................................................................................................23 2.1.6 LEI DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E ECONÔMICA (LEI Nº 8.137/90) ...................................................................................................................24 2.1.7 LEI DA LAVAGEM DE DINHEIRO (LEI Nº 9.613/98)........................................24 8 2.1.8 LEI DE PROTEÇÃO A VITIMA E TESTEMUNHAS (LEI Nº 9.807/99)..............24 2.1.9 LEI DE DROGAS (11.343/06) ...........................................................................25 2.1.10 ACORDO DE LENIÊNCIA (10.149/00) ...........................................................25 3. NO DIREITO COMPARADO..................................................................................26 3.1 DELAÇÃO PREMIADA NA ITALIA.......................................................................26 3.2 DELAÇÃO PREMIADA NA ESPANHA.................................................................27 3.3 DELAÇÃO PREMIADA NOS ESTADOS UNIDOS...............................................28 3.4 DELAÇÃO PREMIADA NA ALEMANHA..............................................................29 4. OS ASPECTOS CRÍTICOS DA DELAÇÃO PREMIADA......................................29 4.1 A ÉTICA E A DELAÇÃO PREMIADA...................................................................30 4.2 DIFERENÇA ENTRE ÉTICA, MORAL E DIREITO...............................................32 4.3 A PROTEÇÃO DO ESTADO COM O DELATOR E A LEI Nº 9.807/99................33 4.4 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS.................................................................35 4.5 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS..................................................................36 4.6 NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS ..........................................................37 4.6.1 NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.........................................................37 4.6.2 NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL..............................................................38 CONCLUSÃO............................................................................................................39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................40 9 INTRODUÇÃO Perante quadro da segurança pública no Brasil, que há tempos vem se agravando a níveis inadmissíveis, buscou o legislador uma forma de reduzir a criminalidade – que vem adquirindo crescente organização, unindo violência e sofisticação sofisticação. Para tanto, introduziu, por meio da Lei nº 8.072/90 e, posteriormente, nas Leis nº 9.034/95, 9.080/95, 9.613/98, 9.807/99 e 10.409/02, o instituto da delação premiada no ordenamento jurídico brasileiro. No primeiro capítulo tratar-se à dos aspectos jurídicos da delação premiada, bem como seu conceito, requisitos, benefícios para a sociedade e seu valor como meio de prova. No segundo capítulo a delação premiada será analisada no contexto brasileiro, como está inserida no nosso ordenamento jurídico de modo que seja possível tornar conhecido sua estrutura básica de funcionamento no país. O TerceiroCapítulo tratará da delação premiada no Direito Comparado, bem como seu breve histórico em diversos países que adotaram o instituto. Por fim, serão analisadas as principais críticas dirigidas à delação, principalmente quanto à eticidade, englobando os posicionamentos que defendem sua utilização bem como os que a desapoiam. Esse trabalho destina-se a propor questões polêmicas dirigidas à figura da delatio, induzindo, destarte, a uma reflexão crítica acerca do tema. 10 1. O INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA 1.1 BREVE HISTÓRICO Apesar de recentemente introduzida no direito brasileiro através da Lei nº 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), a delação premiada teve seus primeiros indícios na Idade Média, durante o período da Inquisição, no qual se costumava diferenciar o valor da confissão de acordo com a forma em que ela acontecia, época quando ainda vigoravam as Ordenações Filipinas às últimas da legislação portuguesa, que predominaram até a entrada em vigor do Código Penal de 1830. Há de se ressaltar que nessas ordenações não havia a designação de delação premiada, que viria posteriormente no direito moderno, mas sim de perdão. A primeira previsão legal de tal instituto pode ser encontrada em dois dispositivos, ambos do Livro V das Ordenações Filipinas. O primeiro, foi disposto no Título VI, que diz respeito ao crime de “Lesa Magestade”1 “Lesa-majestade quer dizer traição comettida contra a pessoa do Rey, ou seu Real Stado, que he tão grave e abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharão, que o comparavão à lepra; porque assi como esta enfermidade enche todo o corpo, sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e aos que com ele conversão, polo que he apartado da comunicação da gente: assi o erro da traição condena o que a commette, e empece e infama os de sua linha descendem, pos-toque não tenhão culpa”. Nesta hipótese o perdão atribuído ao participante e delator encontra-se no item 122, conforme vejamos: “(...) 12. E quanto ao que fizer conselho e confederação contra o Rey, se logo sem algum spaço, e antes que per outrem seja descoberto, elle o descobrir, merece perdão. E ainda por isso lhe deve ser feita mercê, segundo o caso merecer, se elle não foi o principal tratador desseconselho e confederação. E não o 1 Códigos penais do Brasil. Evolução histórica. 2ª Ed. São Paulo, RT, 2001. p.100. 2 Op.cit. pp. 100-101 11 descobrindo logo, se o descobrir depois per spaço de tempo, antes que o Rey seja disso sabedor, nem feita obra por isso, ainda deve ser perdoado, sem outra mercê. E em todo o caso que descobrir o tal conselho, sendo já per outrem descoberto, ou posto em ordem para se descobrir, será havido por commettedor do crime de Lesa Magestade, sem ser relevado da pena, que por isso merecer, pois o revelou em tempo, que o Rey já sabia, ou stava de maneira para o não poder deixar saber.” Note-se que este primeiro dispositivo privilegia a delação anterior ao conhecimento do fato pelo rei ou à possibilidade da ciência do fato por ele. Dessa forma, verifica-se que a impunidade do agente está associada à capacidade de sua informação prestada acabar com o delito, tal como ocorre na atualidade. O segundo dispositivo encontra-se no Título CXVI, que diz respeito ao perdão dado aos malfeitores que derem prisão à outros com quem tenha se associado na empreitada para crimes especificados na redação do referido3. É de salientar que caso o delator não tivesse participado do crime relatado, o benefício não deixaria de alcançá-lo, desde que o delito cometido não tivesse ultrapassado, em gravidade, a infração delatada. Ainda neste período de Ordenações Filipinas, deve-se observar um movimento histórico-político clássico da história do Brasil, que foi a Inconfidência Mineira, onde o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, popularmente conhecido como Tiradentes, obteve o perdão de suas dívidas com a Coroa Portuguesa em troca da delação de seus colegas acusados do crime de Lesa Magestade. Apesar desses registros, a delação premiada propriamente dita passou a fazer parte do nosso ordenamento jurídico com a Lei nº 8.072/90 (Lei de crimes hediondos) que trouxe como pressuposto o efetivo desarmamento do crime organizado; possibilitando assim uma diminuição de pena para os crimes previstos. Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci4, a delação 3 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil – Evolução Histórica. 2 ed. São Paulo: RT, 2004, p. 181 e 182. 4 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 716. 12 “(...) significa a possibilidade de se reduzir a pena do criminoso que entregar o(s) comparsa(s). É o ‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade.” A partir de então delação premiada passou a fazer parte de diversas legislações, a saber a Lei nº 8.137/90 (Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária); Lei nº12.683/12 (Lei de Lavagem de Dinheiro); Lei nº 9.269/96 (Lei de Extorsão Mediante Sequestro); Lei nº 9.034/95 (Lei do Crime Organizado), e, por fim, seguiu-se a Lei nº 9.807/99 (Lei de Programas Especiais de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas) onde houve maior abrangência ao tratar da delação. 1.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA A delação premiada é uma estratégia de investigação que consiste na oferta de benefícios pelo Estado àquele que confessar e prestar informações úteis ao esclarecimento do fato delituoso. Nas palavras de Fernando Capez5 a delação premiada “consiste na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia. Além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa”. Nesse sentido, a delação premiada poderá ser mais precisamente chamada de “colaboração premiada” – visto que nem sempre dependerá ela de uma delação. 5 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – legislação penal especial. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 255. 13 Sendo assim, Inellas6 define: “Só se pode falar em delação quando o réu também confessa, porque, se negar a autoria, atribuindo-a a outrem, estará escusando-se da prática criminosa, em verdadeiro ato de defesa e, portanto, o valor da assertiva, como prova, será nenhum. Dessarte, o elemento subjetivo essencial na delação, para sua credibilidade como prova, é a confissão do delator.” Posto isso, a delação não se configura como confissão strictu sensu, pois para isso o fato é tão somente dirigido a quem depõe. Ela também não se configura como mero testemunho, porque quem o presta mantém-se paralelo às partes. Sendo assim, a natureza jurídica da delação premiada variará conforme a situação do caso concreto, podendo ser, por exemplo, uma causa de diminuição de pena, ou uma causa de extinção da punibilidade. Além disso, a delação premiada também pode valer-se valer como meio de prova na instrução processual penal, porém, servindo apenas como indicador da materialidade e da autoria do crime, devendo o processo ser instruído também por outras provas. Ressalta-se que devido à maior parte da doutrina usar o termo “delação premiada”, mesmo entre os autores citados acima e sua distinção de “colaboração premiada”, este será o termo utilizado neste trabalho. 1.3 BENEFÍCIOS E REQUISITOS PARA SUA CONCESSÃO Como pode se verificar anteriormente a delação premiada no Brasil não possui um tratamento específico,devido à sua incidência em diversas lei não conexas, como por exemplo a Lei dos Crimes Hediondos, Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e a Lei e Proteção às Vítimas e às Testemunhas. Sendo assim, para se definir os requisitos necessários para sua concessão é necessário observar as normas contidas em todas as leis que a conjuram, devendo o jurista se valer de uma interpretação sistêmica. 6 INELLAS, Gabriel C. Zacarias de. Da prova em matéria criminal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 93. 14 Os requisitos analisados serão os da Lei 9.807/99 (Lei de Proteção às Vítimas e às Testemunhas), devido ao seu caráter mais benéfico perante as outras leis, e assim a razão da delação premiada dever centrar-se nela. Primeiramente, antes de serem estabelecidos os requisitos deve-se notar que em todas as leis da qual incide a delação premiada verifica-se apenas dois tipos de benefícios, a redução da pena de um a dois terços e o perdão judicial (este previsto apenas na Lei de Lavagem de Capitais7 e Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas8) Na análise da Lei de Proteção às Vítimas e às Testemunhas podemos verificar os requisitos objetivos e subjetivos para a concessão de ambos os benefícios em seu Art.13, e Art. 14, in verbis: “Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.” 7 Lei nº 9.613/98 (posteriormente alterada pela Lei 12.683/12) 8 Lei nº 9.807/99 15 No que se refere a “voluntariedade” e a “espontaneidade” a diferença entre ambos é fundamental. No ato espontâneo a iniciativa de praticá-lo vem da vontade do próprio delator, sem a interferência de terceiros. Já no ato voluntário não se exige que a ideia de realizá-lo tenha partido do próprio agente, basta que ele se efetive sem coação, sendo irrelevante a causa que o motivou. É necessário atenção neste caso pois nem em todas as legislações estão presentes tais requisitos. A espontaneidade se encontra na Lei de Crime Organizado9; Lei Contra o Sistema Financeiro nacional 10 ; Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária11 e Lei da Lavagem de Dinheiro, já a voluntariedade está presente na Lei de Proteção à Vítimas e Testemunhas e na Lei de Drogas12. A Lei de Crimes Hediondos13 por sua vez, se silencia em relação a esses requisitos, e não faz menção a concessão dos benefícios. 1.3.1 O INSTITUTO E A DIMINUIÇÃO DE PENA Conforme visto anteriormente o beneficio da diminuição da pena encontra-se no Art. 14 da Lei nº 9.807/99, na análise do referido artigo têm-se que a delação poderá ocorrer tanto na fase investigatória quanto na fase judicial, ou seja, quando há processo em curso. Para a diminuição da pena o requisito é que a colaboração seja voluntária. Assim, temos as palavras de José Carlos de Oliveira Robaldo14 “Não se exige que a colaboração seja espontânea, basta que ela ocorra como um ato de vontade, sob o domínio dela. Ainda que sugerida ou motivada por terceiro. Isso significa que a colaboração não precisa partir necessariamente da iniciativa do colaborador, ou seja, com a voluntariedade”. 9 Lei nº 12.850/13 10 Lei nº 7.492/86 11 Lei nº 8.137/90 12 Lei nº 11.343/06 13 Lei 8.072/90 14 ROBALDO, José Carlos de Oliveira, Legislação criminal especial. Ciências criminais v. 6. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009. p. 867 16 Portanto, entende-se que, apesar da lei não ter maiores exigências para a concessão da redução da pena, a redução poderá advir ou da não efetividade da colaboração ou da ineficácia da mesma. Assim, se o réu colaborar na investigação voluntariamente, mas sem muito esforço a colaboração não terá efetividade, mas mesmo assim permitirá a redução da reprimenda15. Verifica-se também que a lei não estabelece a base que servirá de apoio para o magistrado determinar a quantidade da redução que deverá ser aplicada no caso concreto. Sendo assim, ao que tudo indica, o melhor critério que deve ser levado em consideração é o nível de colaboração do delator, pois é exatamente essa colaboração que dará sentido a concessão do benefício da redução de pena. Ainda nesse sentido deve-se se destacar a regra básica do ponto de vista constitucional, que toda decisão do Poder Judiciário deverá ser fundamentada, sob pena de nulidade, conforme Art. 93, inciso IX, CF16. Assim decidiu o Tribunal Regional da 1ª Região: “Reconhecido pelo magistrado que a colaboração do acusado foi fundamental para desmantelamento da quadrilha e para conhecer o funcionamento de toda a organização criminosa, possibilitando a condenação inclusive, de autoridades, a diminuição da pena no patamar máximo pelo beneficio da delação premiada se impõe” 17. Conclui-se que o ato de colaboração voluntaria é por si só suficiente para que o agente consiga a redução da pena, contanto que fundamentada pelo magistrado, independente de em decorrência dela haver um resultado positivo. 15 AZEVEDO, David Teixeira de. A colaboração premiada num direito ético. São Paulo. In: Boletim IBCCrim n o 83, dezembro de 1999. p.07 16 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação 17 (TRF1, ACR – Apelação Criminal 758765200640013600, 3ª T., Rel. Des. Federal Cândido Ribeiro, DJF1, 26.07.2013, p.493). 17 1.3.2 O INSTITUTO E O PERDÃO JUDICIAL O perdão judicial está previsto na Lei de Lavagem de Capitais, e na Lei de Proteção à Vitimas e Testemunhas, sendo preliminarmente importante ressaltar que o perdão sob comento pode ser adotado em qualquer figura delitiva, desde que presentes os requisitos do Art. 13 da Lei 9.807/9918. O perdão judicial é norma pela qual o magistrado deixa de aplicar a pena devido à presença de justificadas particularidades. É para Nucci19 : “Clemência do Estado para determinadas situações expressamente previstas em lei, quando não se aplica a pena prevista para determinados crimes, ao serem preenchidos certos requisitos objetivos e subjetivos que envolvem a infração penal.” Para a concessão desse benefício, deverão haver os requisitos objetivos e subjetivos elencados no Art. 13 da Lei 9.807/99, e, ao contrário do instituto na diminuição de pena, para o perdão judicial ser concedido além da colaboração voluntária exige-se que também que essa tenha sido efetiva. Em verdade, tratam-se de requisitos alternativos, ou seja, uma vez atendido um deles, o delator poderá, se preencher os requisitos subjetivos, receber o perdão judicial. Nesse sentido é o pensamento do Promotor de Justiça Alexandre Demetrius Pereira20em artigo publicado na Internet sobre a questão: 18 Lei de Proteção à Vitimas e Testemunhas 19 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 20 PEREIRA, Alexandre Demetrius. Lei de proteção: às testemunhas ou aos criminosos?.In:Jus Navigandi, n. 34. [Internet] http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=100 http://jus.com.br/revista 18 "No crime de latrocínio consumado (crime mais severamente apenado do Código Penal Brasileiro) o réu delator diz onde estão os bens roubados que são parcialmente ou até totalmente recuperados, não obstante a vítima violentamente morta. Segundo a literalidade da lei fará jus ao perdão judicial, pois basta que alternativamente se façam presentes uma das condições dos incisos do art. 13 ( I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; OU II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; OU III - a recuperação total ou parcial do produto do crime." E ainda se expressa Guilherme de Souza Nucci21 : “Acolhendo-se a tese da cumulatividade, a lei perde o seu significado e reduz-se à aplicação ao crime de extorsão mediante sequestro. Pois é o único que permite a identificação de comparsa + a localização da vitima + a recuperação do produto do crime (valor do resgate). Não é logica essa posição, uma vez que não teria sentido editar uma lei de proteção a vitimas e testemunhas voltada, unicamente ao delito previsto no Art. 59 do Código Penal.” Como podemos ver o melhor entendimento é no sentido de que basta o atendimento de uma das três circunstâncias para a concessão do perdão judicial, pois caso contrário inviabilizaria a aplicação de tal benefício, uma vez que há crimes em que é impossível o cumprimento cumulativo, por exemplo, no crime de homicídio será inviável a localização da vítima com vida ou integridade física preservada. Além disso, ante a ausência de indicação expressa, deve-se interpretar a lei de maneira mais favorável ao réu, por se tratar de matéria de conteúdo penal e até mesmo por uma questão de politica-criminal. Todavia, para que seja possível a aplicação do instituto ao caso concreto, além dos requisitos objetivos, o julgador deverá fazer uma análise acerca dos requisitos subjetivos, sendo eles: a personalidade do agente, natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do crime. 21 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e processuais comentadas. 3ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008. p. 1026. https://jus.com.br/tudo/latrocinio 19 Este instituto constitui instrumento de isenção de pena, descabendo assim, a inclusão do nome do réu no rol dos culpados e sua condenação em custas, conforme pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça. 1.4 DELAÇÃO PREMIADA COMO MEIO DE PROVA Prova, em conceito é todo elemento pelo qual se procura mostrar a existência e a veracidade de um fato. Sua finalidade no processo é influenciar no convencimento do julgador. Os meios de prova por sua vez, são instrumentos ou atividades pelos quais os elementos de prova são introduzidos no processo22. Por exemplo testemunha, documento, perícia. Em relação à delação premiada e seu valor como meio de prova existe forte divergência doutrinária e jurisprudencial. Alguns atribuem à ela força incriminadora, enquanto outros a consideram como mera prova indiciária, devendo ser adotada nas demais provas dos autos23. Para Capez24, a delação possui "o valor de prova testemunhal na parte referente à imputação e admite perguntas por parte do delatado (Súmula nº 65 da Mesa de Processo Penal da USP)". Em sentido contrário, Aranha25 aduz que “a chamada do co-réu, como elemento único de prova acusatória, jamais poderia servir de base a uma condenação, simplesmente porque violaria o princípio constitucional do contraditório”. 22 Noronha, Edgar Magalhães. Curso de Direito Processual Penal.São Paulo: Saraiva, 15ª ed., 1983 23 KOBREN, Juliana Conter Pereira. Apontamentos e críticas à delação premiada no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 987, 15 mar. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8105>. 24 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 9. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.289. 25 ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal.5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 125-126. 20 Há de se ressaltar, que, que este entendimento foi proferido antes da vigência da Lei 10.792/200326, que alterou o Código de Processo Penal, concedendo natureza contraditória ao interrogatório, e, consequentemente, maior valor como prova. Recentemente há entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que nenhuma condenação penal pode ser proferida se for fundamentada unicamente em depoimento prestado em delação premiada, mesmo que diversos delatores façam a mesma acusação. Vale transcrever a jurisprudência27: “A colaboração premiada, que não é meio de prova, acha-se legalmente disciplinada como instrumento de obtenção de dados e subsídios informativos. Valor e restrição concernentes ao depoimento do agente colaborador. O “Caso Enzo Tortora” na Itália: um clamoroso erro judiciário (grifo pelo autor)”. Com isso entende-se que a delação premiada é um instrumento de obtenção de prova, e não meio de prova. Caso contrário, o Estado estaria incentivando falsas denúncias feitas sob o pretexto de colaborar com a Justiça, o que geraria erros judiciários e condenações de pessoas inocentes, conforme analisado pelo próprio Ministro28. 26 Lei de Execução penal 27 Petição 5.700, DF. STF, Rel., Min. Celso de Mello. Brasília, 22.09.2015. 28 Op. Cit p. 20 21 2. DELAÇÃO PREMIADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Como visto anteriormente, a delação premiada, que já vinha sendo utilizada em outros países29, voltou a ser introduzida definitivamente no Brasil por meio da Lei 8.072/90, em seu Art. 8º, Parágrafo único30. Esta regra trouxe para o Direito Penal inúmeras discussões e controvérsias entre os juristas. Guidi traz alguns comentários sobre os primeiros vestígios da delação no ordenamento penal: “Nosso Código Penal possui um arremedo de delação premiada utilizando como atenuante genérica, previsto no artigo 65, inciso III, alínea “b”, em que se “premia” o criminoso que tenha buscado, espontânea e eficazmente, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano. Nessa mesma linha de pensamento, nosso legislador também previu no artigo 16 do Código Penal o Arrependimento Posterior, beneficiando aquele que “voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza”. Frise-se que esses não são casos de delação premiada propriamente e dita, pois não se exigem os requisitos específicos e os benefícios mitigados.”31 A partir dessa introdução a delação premiada passou a integrar outras numerosas legislações. 29 Adotada no exterior no combate ao terrorismo 30 Art. 8º Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços) 31 GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no Combate ao Crime Organizado. Franca-SP: Lemos & Cruz, 2006, p. 112 22 2.1 DISCIPLINAS NORMATIVAS 2.1.1 Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90) A Lei dos Crimes Hediondos previu duas hipóteses de delação premiada, ambas como causa de diminuição de pena. A primeira delas está prevista no Artigo 7º, que incluiu o § 4º no artigo 159 do Código Penal, nos seguintes termos: “Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertaçãodo seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”. Após, em 1996,a Lei nº 9.269 alterou esse parágrafo para sua redação atual: “Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”. A outrahipótese de delação premiada na Lei dos Crimes Hediondos encontra-se no parágrafo único de seu artigo 8º: “Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.” Importante destacar que em cada hipótese há requisitos diferentes. Destaca-se ainda a utilização da expressão “participante e associado” pelo legislador, havendo então uma distinção entre os tipos de agentes. Nesse passo, Monteiro32 afirma que ambos os agentes poderiam sofrer a redução da pena “O associado, nas penas dos dois crimes. O participante, no crime praticado”. 32 MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 170-171. 23 2.1.2 Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 12.683/12), Em seu artigo 2º que alterou o dispositivo do 1º, § 5º da lei anterior de Lavagem de Capitais (9.613/98), a lei estabelece: “A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.” 2.1.3 Lei de Extorsão Mediante Sequestro (Lei nº 9.269/96) Em seu artigo 4º, in verbis: “Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços)”. 2.1.4 Lei Contra o Crime Organizado (Lei nº 12.850/13) Essa lei veio em função da necessidade do país se adaptar aos novos crimes que se estabeleciam em nosso sistema. Dessa forma, em seu Art. 6º prevê a possibilidade da aplicação da delação premiada, desde que presentes os requisitos necessários, in verbis: “Art. 6o O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11319672/artigo-2-da-lei-n-9613-de-03-de-mar%C3%A7o-de-1998 24 I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados; II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.” 2.1.5 Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 7.492/86). A delação premiada foi introduzida nesta lei, a partir da Lei n° 9.080/95, com o acréscimo de um novo parágrafo ao artigo 25 da Lei contra o Sistema Financeiro Nacional. Nesse contexto, entende-se que, para ocorrer a redução de pena, além da confissão de participação do delator no grupo, é necessária a revelação de toda a ação delituosa realizada pela quadrilha. Ademais, a lei evidencia que o sujeito pode revelar tudo o que sabe tanto para a autoridade policial quanto para a judicial, pois abrange a revelação para ambas. 2.1.6 Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária e Econômica (LEI Nº 8.137/90). Assim como ocorreu com a Lei contra o Sistema Financeiro Nacional, a Lei nº 8.137/90 sofreu alteração por meio da Lei nº 9.080/95, para a aplicação da delação premiada aos crimes cometidos contra a ordem tributária e econômica, especificamente em seu artigo 16, conforme transcrito abaixo: “Parágrafo único. Os crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.” 25 Aqui verifica-se que a simples revelação, com a espontaneidade do delator, já concede a ele o prêmio, com a sua efetiva redução de pena, não sendo necessário que ocorra por exemplo a recuperação de produtos. 2.1.7 Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98) Essa lei traz em seu Art. 1º a possibilidade do benefício do perdão judicial, já anteriormente estudado neste trabalho, além da redução de pena, como verifica-se: “Art. 1º. [...] §5º A pena será reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços) e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplica-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor, ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos e valores do crime.” 2.1.8 Lei De Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei nº 9.807/99) A diferença existente entre a Lei nº 9.807/99 e as demais normas que disciplinam a “Delação Premiada” está no fato de que aquela abrange caráter geral em relação aos requisitos necessários, ou seja, pode ser aplicada a qualquer delito, mesmo que sejam observadas individualmente. Já as demais leis são aplicáveis especificamente às categorias de crimes por elas disciplinados. 2.1.9 Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) Após a vigência da Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas, que, de certo modo, generalizou a aplicação do instituto a todos os crimes, surgiu a hipótese de benefícios na Lei de Drogas. Essa nova lei33 não faz menção ao beneficio do perdão 33 Posterior à Lei 10.409/02. 26 judicial, apenas à redução de pena. É importante destacar que na Lei de Drogas os requisitos para a concessão do benefício são cumulativos34. 2.1.10 Acordo de Leniência (Lei nº 10.149/00) Por fim a legislação traz a hipótese de celebração de um acordo de leniência35, que, em seus artigos 35-B e 35-C, traz benefícios para aqueles que colaborarem efetivamente com as investigações e o processo administrativo. Além da incidência da delação premiada na legislação brasileira, podemos citar um caso prático como por exemplo a Operação Lava Jato, que é o caso mais recente de delação premiada no Brasil. Trata-se do benefício concedido em favor do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Por meio de acordos de delação premiada, no qual confessaram seus crimes em troca de benefícios, ambos trouxeram à tona evidências que poderiam ajudar a mudar o combate aos chamados crimes de colarinho-branco, revelando em depoimentos à Policia Federal “que três governadores, seis senadores, um ministro e pelo menos 25 deputados federais embolsaram ou tiraram proveito de parte do dinheiro roubado dos cofres da estatal”.36 34 CORDEIRO, Néfi. Delação premiada na legislação brasileira. Revista da AJURIS, Porto Alegre , v. 37, n. 117, p. 273/296, mar. 2010. p. 287. 35 s.f. O mesmo que lenidade. S.f Suavidade, brandura, mansidão; leniência. LENIÊNCIA. Dicionário Online de Português. 36 REVISTA VEJA, Editora Abril, edição 2390 – ano 47, nº 37, 10 de setembro de 2014, p. 60 27 3. NO DIREITO COMPARADO 3.1 DELAÇÃO PREMIADA NA ITÁLIA Sobre a origem da colaboração com a Justiça no direito italiano, Eduardo Araújo da Silva ensina: “No direito italiano, as origens históricas do fenômeno dos “colaboradores da Justiça” é de difícil identificação; porém sua adoção foi incentivada nos anos 70 para o combate dos atos de terrorismo, sobretudo a extorsão mediante seqüestro, culminando por atingir seu estágio atual de prestígio nos anos80, quando se mostrou extremamente eficaz nos processos instaurados para a apuração da criminalidade mafiosa.”37 A valer, útil salientar sobre a sistemática de aplicação da delação premiada no direito italiano, posto que: A colaboração premiada nos moldes italiano apresenta-se de duas formas: os pentiti (arrependidos) e os dissociati (dissociados). Os primeiros tratam-se de criminosos que, antes da sentença condenatória, retiraram-se da associação e fornecem informações acerca da estrutura da organização à justiça. Quando a veracidade de suas denúncias é comprovada, logram a extinção da punibilidade e, tanto o colaborador quanto seus parentes próximos, passam a receber salário, moradia e plano de saúde do Estado, que se torna responsável por sua integridade física. Os dissociati, de maneira mais diversa, esforçavam-se para, antes da sentença, impedir ou diminuir as conseqüências danosas ou perigosas de crimes, obtendo a diminuição de um terço da pena.38 Também se insere na sistemática de aplicação o regime jurídico do “colaborador”, que antes da sentença condenatória, além dos comportamentos acima previstos, ajuda as autoridades policiais e judiciárias na colheita de provas decisivas 37 D´AMICO, Silvio. Il collaboratore della giustizia. Roma: Laurus Robuffo, 1995, p. 11-16 apud SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado: Procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003, p. 79. 38 KOBREN, Juliana Conter Pereira. Apontamentos e críticas à delação premiada no direito brasileiro Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 987, 15 mar. 2006. 28 para a individualização e captura de um ou mais autores dos crimes ou fornece elementos de prova relevantes para a exata reconstituição dos fatos e a descoberta dos autores.39 Verifica-se que independentemente da situação em que o agente se encontra, ele é beneficiado de alguma forma quando colabora com a justiça. 3.2 DELAÇÃO PREMIADA NA ESPANHA No Direito Espanhol a delação premiada encontra-se nos artigos 376 e 579, nº 3, do Código Penal Espanhol.40 A delação premiada na Espanha recebe a denominação de delincuente arrepentino (delinqüente arrependido), prevendo uma diminuição da pena. E para isso, imperioso a presença de alguns requisitos como: a) abandono das atividades delituosas; b) confissão dos delitos que tenha participado; c) ajuda a impedir o delito, auxiliar de forma eficaz na obtenção de provas paraa identificação e captura dos demais, impedindo o desenvolvimento das organizações criminosas que tenha participado.41 Ambos artigos possuem redações semelhantes, sendo que o artigo 376 trata dos crimes contra a saúde pública referindo-se, especificamente, a organizações ou associações dedicadas ao tráfico ilegal de drogas e o artigo 579, dos crimes de terrorismo.42 3.3 DELAÇÃO PREMIADA NOS ESTADOS UNIDOS 39 GRINOVER, Ada Pellegrini. O Crime organizado no sistema italiano. In: Penteado, J. de C. (Coord.) Justiça Penas, v. 3: críticas e sugestões, o crime organizado (Itália e Brasil): a modernização da lei penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 15 apud GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime organizado. Franca: Lemos & Cruz, 2006, p. 103-104. 40 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, parte especial 4 ed., São Paulo: Saraiva, 2008, v. 3, p. 124. 41 OBREN, Juliana Conter Pereira. Apontamentos e críticas à delação premiada no direito brasileiro Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 987, 15 mar. 2006. 42 GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime organizado. Franca: Lemos & Cruz, 2006, p. 108. 29 Nos Estados Unidos, a possibilidade da colaboração com a justiça encontra-se inserida no plea bargaining, que é a possibilidade ampla de negociação onde o representante do Ministério Público faz acordos com o acusado e sua defesa, estando reservada ao juiz a devida homologação desse acordo negociado43. Esse sistema é diferente do sistema adotado no Brasil, onde o Ministério Público tem obrigação na propositura da ação penal. Conforme ensina Fernando Capez44: “Identificada a hipótese de atuação, não pode o Ministério Público recusar-se a dar início à ação penal. Há, quanto à propositura desta, dois sistemas diametralmente opostos: o da legalidade (ou obrigatoriedade), segundo o qual o titular da ação está obrigado a propô-la sempre que presentes os requisitos necessários, e o da oportunidade, que confere a quem cabe promovê-la certa parcela de liberdade para apreciar a oportunidade e a conveniência de fazê-lo. No Brasil, quanto à ação penal pública, vigora o da legalidade, ou obrigatoriedade, impondo ao órgão do Ministério Público, dada a natureza indisponível do objeto da relação jurídica material, a sua propositura, sempre que a hipótese preencher os requisitos mínimos exigidos. Não cabe a ele adotar critérios de política ou de utilidade social” Um dos problemas do sistema americano é a concentração de poder nas mãos do Promotor de Justiça. Com ampla discricionariedade para fazer acordos com o acusado, o plea bargaining está passível de falhas, dando margem à manipulação política e social na aplicação do Direito Penal. Não existe ampla defesa, sendo assim, são atropelados os princípios constitucionais. 3.4 DELAÇÃO PREMIADA NA ALEMANHA 43 GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime organizado. Franca: Lemos & Cruz, 2006, p. 105. 44 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, parte geral. 6ª ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p. 477-478. 30 No direito alemão, a colaboração premiada é denominada Kronzeugenregelung, transmitindo uma ideia de “revelação à coroa”, encontra-se presente no artigo 129, alínea “a”, inciso V, do Código de Processo Penal alemão. O instituto é aplicável quando o colaborador impede, de modo voluntário, a continuidade da organização criminosa e/ou a denuncia às autoridades. O benefício legal pode ser obtido mesmo que o resultado desejado pela colaboração não seja alcançado, por circunstância alheias à sua vontade45. Ademais, o instituto na Alemanha permite a possibilidade de o Estado dispensar a ação penal, podendo ainda arquivar o procedimento já iniciado, atenuar ou dispensar a aplicação da pena quando o acusado prestar informações idôneas para impedir ou esclarecer o delito de terrorismo ou conexo ou capturar seus autores46. 45 GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no Combate ao Crime Organizado. Franca-SP: Lemos & Cruz, 2006, p. 109-110. 46 OLIVEIRA JUNIOR, Gonçalo Farias de. O direito premial brasileiro: breve excursus acerca dos seus aspectos dogmáticos. Presidente Prudente. In: Intertemas: Revista do Curso de Mestrado em Direito. v. 2, 2001 31 4. OS ASPECTOS CRÍTICOS DA DELAÇÃO PREMIADA O instituto da delação premiada gera muitas discussões entre os autores. Questões como a delação como meio de prova, quando o delator entrega outras pessoas sem provar suas alegações, o sigilo do acordo de delação premiada viola os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a questão ética e moral envolvida na delação premiada são alguns dos argumentos daqueles que estudam esse instituto. Por outro lado, os que se posicionam favoravelmente ao instituto afirmam que nada há de anti ético e que não se trata de uma traição, mas sim uma colaboração com o Estado como uma medida de diminuição na política criminal47, a qual possui inúmeras vantagens48. 4.1 A ÉTICA E A DELAÇÃO PREMIADA Preliminarmente importante dizer que a questão ética a ser tratada na delação premiada pode ser a ética de pontos de vista diferentes. Podemos tratar tanto sobre ética do conjunto da sociedade quanto a ética das associações criminosas. Se de um lado é possível a afirmar, que aquilo que importa são os resultados possíveis de serem alcançados com o uso doinstituto e, assim justificar a sua prática, por outro lado seria possível enxergá-lo como uma contradição do sistema normativo, posto que o Direito se pauta pela dignidade da ação humana e deve afastar valores negativos como a traição. 47 SZNICK, Valdir. Crime organizado – comentários. São Paulo: Livraria e editora universitária de direito, 1997, p. 366. 48 GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime organizado. Franca-SP: Lemos & Cruz: 2006, p. 145-147 32 Obvio que a traição sempre foi repudiada pela sociedade, isso desde os tempos de “Judas”. A grande polêmica gira em torno dos limites éticos, posto que, patrocinado pelo Estado, o acusado é incentivado a trair seus comparsas, e ainda se favorecer da própria indecência, vez que, além de cometer o crime, ainda se beneficia do fato de delatar seus companheiros. Sobre o assunto, leciona Alberto Silva Franco: “Dá-se o prêmio punitivo por uma cooperação eficaz com a justiça sem importar com o que motiva o colaborador, de quem não se exige nenhuma postura moral, muito pelo contrário, estimula-se a deslealdade, a perfídia, enfim, a traição. [...] Acredita-se que, na equação “custo-benefício”, só há valoração às vantagens que possam advir ao Estado no combate à criminalidade, não se atribuindo qualquer relevância aos reflexos negativos que podem surgir, como por exemplo, a rotulação eterna do delator”49 Em complemento, Luigi Ferrajoli argumenta: “questiona a moralidade da colaboração premiada, percebendo o perigo dos agentes estatais utilizarem os benefícios para pressionar o réu, influenciando seu livre arbítrio, de modo a transformer as delações na linha mestra dos processos, passando-se a negligenciar as demais modalidades probaterias”50. Em sentido oposto, Eduardo Araújo da Silva questiona: “Malgrado o questionamento sobre a moralidade do instituto hodiemamente dupla é a sua vantage: permite ao Estado quebrar ilicitamente a lei do silêncio que envolve as organizações criminosas, assim como colaborar para o espontâneo arrependimento de investigado ou acusado”51. Portanto pode-se verificar haver uma somatória dos esforços entre o Estado e o delator, insatisfeito e arrependido por ter infringido a lei, para juntos restaurarem a ordem perturbada. Os valores morais devem ser arguidos em defesa da sociedade e não para 49 FRANCO, 1994. p. 211 50 apud SILVA, 1999, p. 05 51 1999, p.05 33 garantir a impunidade de criminosos. Dessa forma, como se pode reclamar pela ética na aplicação da delação premiada se na realidade ela inexiste no crime, que em si mesmo é contrario aos valores sociais e morais impostos para a sobrevivência pacífica da sociedade. O Direito Penal manifesta a eticidade no momento em que cumpre a sua missão de pacificação social, por meio da delação premiada, ao alcançar criminosos que raramente seriam responsabilizados. Sendo assim, pode-se afirmar que a delação premiada deve prevalecer em relação a qualquer crítica que saliente a suposta ausência de ética em sua aplicação. Todavia, o Estado deve receber as informações do delator com muita cautela, como assevera Eduardo Araújo da Silva: “Outrossim, mister cautela no recebimento da delação, vez que o legislador pátrio não criminalizou a falsa colaboração como o fez o italiano. Por isso imprescindível a consideração de alguns critérios consagrados pela jurisprudência para a validade das palavras do co-réu delator: a) verdade da confissão; b) inexistência de ódio, em qualquer das manifestações; e c) inexistência de atenuação ou mesmo eliminação da própria responsabilidade”52. Nessa visão, o instituto reveste-se de eticidade, sendo que pode ser considerado moralmente reprovável podendo existe abusos por parte dos agentes estatais para a obtenção da delação. Por conta disso sua aplicação deve ocorrer com a imprescindibilidade do controle judicial, para não comprometer a dignidade do acusado. 4.2 DIFERENÇA ENTRE ÉTICA MORAL E DIREITO A ética, a moral e o direito são três áreas de conhecimento se distinguem, porém possuem vínculos e até mesmo coincidem. 52 1999, p.05. 34 Tanto a Moral como o Direito baseiam-se em regras que visam estabelecer uma certa previsibilidade para as ações humanas. A moral estabelece regras que são assumidas pela pessoa singular, como uma forma de garantir o seu bem-viver, não havendo limites geográficos. O direito por sua vez busca estabelecer a regulamentação da sociedade que é delimitada pelas fronteiras do Estado. Ambas, porém, têm uma base ética comum e constituem normas de comportamento53. Há quem afirme que o direito é sub-conjunto da moral e, por isso, toda a lei é moralmente aceitável. Acredita-se ser essa uma posição desacertada, vez que apesar de se referirem a uma mesma sociedade, podem ter perspectivas diferentes. A ética, diferentemente da moral e do direito, faz um estudo do que é bom ou mau, buscando justificativas para as regras propostas pela moral e pelo direito. Não estabelece regras, apenas reflete acerca da ação humana. 4.3 A PROTEÇÃO DO ESTADO COM O DELATOR E A LEI Nº 9.807/99 Convém comentar que a Lei nº 9.807/99, já citada neste trabalho, foi dividida em dois capítulos. O primeiro traz regras de conteúdo programático e estabelece normas para a proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas. O segundo, traz regras destinadas aos réus colaboradores. Ocorre que a mencionada lei não contempla a possibilidade de proteção do réu colaborador pelos programasse especiais de proteção, ela apenas prevê à adoção de medidas especiais de proteção e integridade física do réu preso ou em liberdade, conforme Art. 15, in verbis: 53 DINIZ, 1995, p. 343. 35 “Serão aplicados em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva”. Foi através do Decreto Federal nº 3518/00 que foi regulamentado os preceitos acima citados, definindo o perfil do depoente especial e as medidas a serem adotadas para a sua proteção. Entende-se por depoente especial, o réu detido ou preso, aguardando julgamento, indiciado ou acusado sob prisão cautelar, que testemunhe em inquérito ou processo judicial, se dispondo a colaborar efetiva ou voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração haja resultados. O artigo 11, caput, do decreto citado cima, por sua vez, dispõe que o Serviço de Proteção ao Depoente Especial consiste na prestação de medidas assecuratórias da integridade física e psicológica do depoente especial, aplicadas isolada ou cumulativamente, cconforme as especificidades de cada situação. Ocorre que o legislador não diferenciou o colaborador solto do colaborador preso no que diz respeito às de medidas de proteção determinadas pelo Poder Judiciário. Se estiver preso, sua proteção, como já vimos, incumbe ao Serviço de Proteção ao Depoente Especial. Logo, se estiver em liberdade, deverá ser protegido pelos programas moldados de acordo com os ditames da Lei 9.807/9954. Ademais, em relação aos presos por sentença condenatória ou prisão cautelar, a proteção não será oferecida nos moldes do programa, mas também não será negada, vez que a tutela da integridade física será exercida por parte dos órgãos de segurança pública, no local onde estão segregados55. A lei também elenca como medida de proteção, que durante a prisão provisória o colaborador fique em dependência separada dos demais, podendo durante a instrução criminal ser determinado pelo juiz medidas cautelares 54 TOMAS, Busnardo Ramadan - ASPECTOS LEGAIS DA PROTEÇÃO AO RÉU COLABORADOR: O PAPEL DO PROVITA/SP E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. p. 05 55 OLIVEIRA JÚNIOR, 1999, p. 52. 36 necessárias à eficácia da proteção e, por fim, na fase de execuçãoda pena, podem ser adotadas medidas especiais destinadas a garantir a segurança do colaborador em relação aos demais presos. 4.4 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS Segundo uma estendida opinião, o instituto da delação premiada pode gerar "acomodação" e desídia na autoridade incumbida da apuração, pois, passando ela a contar com a possibilidade de delação poderá deixar de dedicar-se com mais afinco na realização de seu ofício. É possível, afirma-se -que a delação proporcione de forma proposital o desvio no rumo das investigações, ainda que temporário, porém, com reflexos negativos à apuração da verdade56 No Brasil, os acordos de delação são firmados entre o Ministério Público e a defesa dos delatores, acordos esses sigilosos, inacessíveis no processo em que são usados, conforme têm decidido os tribunais. Tal inacessibilidade dos acordos por parte dos que são delatados fere os princípios do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, da Constituição Federal) e do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal), verificando-se a inconstitucionalidade desses acordos57. Outro argumento utilizado contra esse instituto é que os acordos de colaboração com a justiça ferem o postulado básico nulla poena sine iudicio, porque aplicam pena sem processo58, ofendendo a inderrogabilidade da jurisdição59. Isso porque ao firmar acordo de delação com o acusado, o Ministério Público invade o monopólio legal e jurisdicional da pena repressiva. A justiça negociada viola esse monopólio judicial, pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle 56 MARCÃO, 2005, p. 1 57 CARVALHO, Edward Rocha de; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Acordos de delação premiada e o conteúdo ético mínimo do Estado. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre: Fonte do Direito, ano VI, n. 22, 75-84, abr./jun. 2006. 58 MAIER, Julio Bernardo. Derecho procesal. Buenos Aires: Editores del Puerto, 1999, p. 489 apud CARVALHO, Edward Rocha de; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Acordos de delação premiada e o conteúdo ético mínimo do Estado. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre: Fonte do Direito, ano VI, n. 22, 75-84, abr./jun. 2006. 59 CARVALHO, Edward Rocha de; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Acordos de delação premiada e o conteúdo ético mínimo do Estado. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre: Fonte do Direito, ano VI, n. 22, 75-84, abr./jun. 2006. 37 jurisdicional e tampouco submete-se aos limites da legalidade, pois está nas mãos do Ministério Público e submetido à sua discricionariedade60. Argumenta-se também contra a delação premiada que esta fere o princípio da igualdade, pois oferece o benefício da redução de pena apenas aos delinqüentes de crimes hediondos e de crime organizado, não tendo oportunidade os criminosos de outros tipos de crimes. Fere também o princípio da proporcionalidade da pena, uma vez que se punirá com penas diferentes pessoas envolvidas no mesmo fato e com idênticos graus de culpabilidade, apenas levando em consideração o grau de importância da sua delação. A delação premiada é a prova da ineficiência do Estado atual para investigar e punir os crimes e os criminosos. Por falta de preparo técnico e de estrutura tecnológica, o Estado se vê obrigado a transigir com os mais elementares princípios éticos 61 jogando por terra os fundamentos éticos e morais que norteiam o ordenamento jurídico. Por fim, Luiz Flávio Gomes, reforçando os argumentos contrários à delação, diz: “Na base da delação premiada está a traição. A lei, quando a concebe, está dizendo: seja um traidor e receba um prêmio! Nem sequer o "código" dos criminosos admite a traição, por isso, é muito paradoxal e antiético que ela venha a ser valorada positivamente na legislação dos "homens de bem".62 60 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 133 apud CARVALHO, Edward Rocha de; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Acordos de delação premiada e o conteúdo ético mínimo do Estado. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre: Fonte do Direito, ano VI, n. 22, 75-84, abr./jun. 2006. 61 CERVINI, Raúl; GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e político-criminal. 2. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 166-167. 62 GOMES, Luiz Flávio. Seja um traidor e ganhe um prêmio. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 nov. 1994. Disponível em http://quexting.di.fc.ul.pt/teste/folha94/FSP.941112.txt>. 38 4.5 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS Não obstante a maioria da doutrina criticar o instituto da delação premiada, ele tem inúmeras vantagens, sendo uma forma eficaz de combater a criminalidade organizada, pois estas são muito bem estruturadas e organizadas, possuindo uma hierarquia definida e muito respeitada, o que dificulta as investigações63. Em favor do instituto da delação premiada posiciona-se Guilherme de Souza Nucci. De acordo com referido autor “a delação premiada ou “dedurismo” oficializado é um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade”64. Certamente, a delação, considerada como ato processual isolado, não pode fundamentar condenação, mas deve concordar com outros indícios. A denúncia do colaborador não deve ser uma simples afirmação, mas deve ser enquadrada em uma narração completa, que informe as modalidades de participação de outros envolvidos, podendo o detalhe revelar a veracidade ou a falsidade.65 4.6 NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS Nossos Tribunais demonstram que a delação premiada é um instrumento com pouca demanda, por isso, essa matéria ainda é escassa, ainda assim torna-se indispensável uma breve análise das decisões. 63 GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime organizado. Franca-SP: Lemos & Cruz: 2006, p. 145-147 64 NUCCI, 2009,p. 755. 65 ALTAVILLA, Enrico. La psicologia giudiziaria, Torino, 2005 apud GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime organizado. Franca-SP: Lemos & Cruz: 2006, p. 128. 39 No Brasil, os Tribunais têm entendido que nada há de imoral ou ilegal no instituto da delação premiada, trazido ao cenário nacional pela Lei n.º 9.807/99, pois o mesmo apenas é a efetivação legislativa do entendimento dos tribunais em relação à aplicabilidade da atenuante prevista no art. 65,inciso III, alínea “d”, do Código Penal66 4.6.1 NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Em pesquisa à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, verificaram-se os seguintes questionamentos relacionados à delação premiada: a) a respeito da aplicação conjunta dos benefícios da confissão espontânea e da delação premiada67; b) elação negada por ausência de contribuição para a revelação de coautores e partícipes, bem como em razão de o pretenso delator se dedicar à atividade criminosa68; c) delação no campo da improbidade administrativa69; d) prêmios concedidos na delação70; e) A delação da Lei dos Crimes Hediondos demanda a existência e o desmantelamento de quadrilha ou bando;71 4.6.2 NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Também em pesquisa à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verificaram-se os seguintes questionamentos relacionados à delação premiada: 66 TRF-2ªR., HC3299/RJ, 1ª T., Relator Abel Gomes, DJU 06.10.04, p. 95. 67STJ, HC 84609 / SP 68 ainda no HC 84609 / SP 69 STJ, REsp 1.477.982 / DF 70 STJ, HC 49.842 / SP 71 STJ, HC 41758 / SP 40 a) Colaboração como meio de prova72; b) Necessária a preservação do sigilo, acesso restrito às informações, com o fim de proteger coautores e partícipes quese oferecerem para fazer a delação73; c) Impugnação ao acordo de colaboração pelo eventual coautor ou partícipe dos crimes praticados74; d) Impossibilidade de extensão da delação para o correu delatado75; e) Obrigatoriedade do exame do grau de relevância da delação pelo julgador para fins de diminuição de pena76. 72 PET. 5.700/DF 73 STF, HC 90321 / SP. 74 STF, HC-127483 / PR 76 STF, HC 99736 / DF 41 CONCLUSÃO Propôs-se, a partir do exposto, uma reflexão crítica acerca da aplicação da delação premiada. Com este objetivo, a abordagem inicial do direito comparado se deu com o intuito de se identificar a eficácia de tal aplicação bem como seu histórico em outros países. Fica claro que a polêmica em torno da "delação premiada", em razão de sua eticidade, nunca deixará de existir. Se, de um lado, representa importante mecanismo de combate à criminalidade organizada, de outro, parte traduz-se num incentivo legal à traição. Diante das particularidades demonstradas pelo crime organizado foi necessário uma adaptação na moderna dogmática penal. O aumento visível na criminalidade obrigou a criação de estratégias diferenciadas para a obtenção de informações necessárias para a eficácia da aplicação da lei penal. Ao que tudo indica, conclui-se que apesar do esforço do Poder Judiciário na tentativa de resolver as peculiaridades práticas do processamento da delação premiada, imprescindível se faz uma regulamentação legal sobre o tema, com vistas a assegurar à defesa e à acusação o regular prosseguimento do feito e o resguardo da segurança jurídica, tão fundamental no Estado democrático de Direito. Sendo assim, o presente trabalho demonstrou que, atualmente, a colaboração ativa é um instrumento eficaz no combate ao crime organizado, no entanto, faz-se imprescindível um aprimoramento no que diz respeito à proteção dos colaboradores especial bem como de seus familiares, a fim de que tenham condições de sobrevivência na sociedade. 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal.5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. AZEVEDO, David Teixeira de. A colaboração premiada num direito ético. São Paulo. In: Boletim IBCCrim n o 83, dezembro de 1999. 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Crime organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e político-criminal. 2. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. Códigos Penais do Brasil. Evolução histórica. 2ª Ed.São Paulo, RT, 2001. CORDEIRO, Néfi. Delação premiada na legislação brasileira. Revista da AJURIS, Porto Alegre , v. 37, n. 117, p. 273/296, mar. 2010. D´AMICO, Silvio. Il collaboratore della giustizia. Roma: Laurus Robuffo, 1995. GOMES, Luiz Flávio. Seja um traidor e ganhe um prêmio. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 nov. 1994. GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no Combate ao Crime Organizado. Franca-SP: Lemos & Cruz, 2006. INELLAS, Gabriel C. Zacarias de. Da prova em matéria criminal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. KOBREN, Juliana Conter Pereira. Apontamentos e críticas à delação premiada no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 987, 15 mar. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8105>. 44 LOPES JÚNIOR, Aury. 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