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Maria Luiza Sena – Med XIV FASA A nefrolitíase constitui uma das doenças urológicas mais comuns, sendo também a causa mais comum de obstrução das vias urinárias superiores. Embora os cálculos possam formar-se em qualquer parte do sistema urinário, a maioria desenvolve-se nos rins -> os cálculos são agregados policristalinos formados de materiais que os rins excretam normalmente na urina. A calculose urinária pode ser entendida como uma forma de biomineralização. E a litíase é um processo que ocorre em um sistema biológico, que o influencia. Apesar de a urina ser frequentemente supersaturada com sais de cálcio e oxalato, na maioria das pessoas não se formam cálculos. ❖ O mecanismo exato da sequência “supersaturação- cristalização-litíase urinária” ainda não é totalmente conhecido. EPIDEMIOLOGIA A nefrolitíase representa uma das afecções mais comuns do trato urinário, cuja incidência tem aumentado nos últimos anos, em ambos os sexos e em todas as etnias. Atinge 10 a 15% da população, com frequência maior em homens. A maior incidência se dá entre a 3ª e 5ª décadas, com taxas de recorrência, sem tratamento, de 50% em 10 anos. Os cálculos são mais comuns em climas quentes e secos, talvez porque a maior perda de líquido através da pele e da respiração resulte em urina mais concentrada. Muitas profissões criam embaraços ao uso do banheiro, e esses indivíduos frequentemente não bebem tentando evitar a micção, levando à excreção de urina concentrada. A reidratação insuficiente das pessoas que praticam atividade física e têm grandes perdas insensíveis também resulta em urina concentrada. ! A obesidade está correlacionada ao risco de formação de cálculo renal. Indivíduos com peso >99,7 kg ou IMC >30 apresentam probabilidade significativamente maior de formar cálculo do que indivíduos com peso <68 kg ou IMC entre 21-22,9. Brasil -> as informações epidemiológicas são escassas e não há estudos populacionais precisos. Pelos dados do DATASUS obtidos em 2010, estima-se que a urolitíase foi responsável por aproximadamente 0,61% das internações em hospitais públicos. ETIOLOGIA A etiologia da formação dos cálculos urinários é complexa e parece envolver alguns fatores, inclusive aumentos dos níveis sanguíneos e urinários dos componentes dos cálculos e interações entre eles; anormalidades anatômicas das estruturas do sistema urinário; fatores metabólicos e endócrinos; fatores dietéticos e relacionados com a absorção intestinal; e infecção urinária. A maioria dos cálculos de cálcio é devida à hipercalciúria idiopática, com hiperuricosúria e hiperparatireoidismo. Os cálculos de ácido úrico, geralmente, são causados por hiperuricosúria, sobretudo em pacientes com uma história de gota ou ingestão excessiva de purina (ex.: dieta rica em carne). Transporte defeituoso de aminoácidos, como ocorre na cistinúria, pode resultar na formação de cálculos. Finalmente, cálculos de estruvita, compostos por magnésio, amônio e sais fosfatos, são resultantes de infecção crônica ou recorrente do trato urinário por microrganismos produtores de urease (normalmente Proteus). A formação de cálculos no trato urinário exige que estejam presentes um ou mais fatores de risco, os quais causam aumento da saturação urinária em relação a determinado sal ou promovem diminuição da atividade inibidora da urina. Logo, são fatores de risco: ❖ Baixo volume urinário. ❖ Hipercalciúria (excreção urinária de cálcio >4mg/kg/dia). ❖ Hiperoxalúria (excreção de oxalato >40-45mg/dia). ❖ Hiperuricosúdira (excreção urinária >800mg/dia). ❖ Hipocitratúria (excreção de citrato <640mg/dia). ❖ Infecção por bactérias produtoras de urease (Proteus, Staphylococcus, Providencia, Ureaplasma). ❖ Cistinúria (doença hereditária). ❖ Deficiência de proteínas inibidoras da cristalização. ❖ Medicações (tratamento de HIV, ingestão excessiva de vitamina A e D, uso de triantereno, acetazolamida e sulfadiazina). FISIOPATOLOGIA A formação dos cálculos renais depende da supersaturação da urina e de condições que favoreçam o crescimento do cálculo. O risco de formá-los aumenta quando a urina está supersaturada com componentes formadores de cálculo. ❖ A supersaturação depende do pH urinário, da temperatura, da concentração do soluto, da força iônica e da formação de complexos. Quanto maiores as concentrações de 2 íons, maiores as chances de precipitação. Além da urina supersaturada, a formação do cálculo urinário requer um nicho ou núcleo que facilite a agregação dos cristais. Na urina supersaturada, a formação do cálculo começa com diminutos grumos de cristais -> a maioria dos grumos tende a dispersar porque as forças internas que os reúnem são muito fracas para suplantar a tendência aleatória de dispersão dos íons. Os grumos iônicos maiores formam núcleos e são estáveis porque as forças de atração equiparam-se às perdas de superfície. Quando estáveis, os núcleos podem crescer com níveis de saturação menores que os necessários para sua formação. APG 16 - NEFROLITÍASE Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ O fato de muitas pessoas terem supersaturação urinária, mas não desenvolverem cálculos renais, parece uma consequência da existência de inibidores naturais da formação de cálculos, inclusive magnésio e citrato. Resumidamente, pode-se admitir que a formação de cálculos se dê pelo desequilíbrio entre a solubilidade a precipitação de sais na urina -> os rins têm como função conservar água e excretar elementos de baixa solubilidade, principalmente sais de cálcio. Quando a excreção de sair ou a conservação de água aumenta, cristais se formam, os quais podem crescer e se agregar para formar um cálculo. Ou seja: Nos indivíduos adultos, a quantidade de cálcio absorvida tem de ser excretada na urina, bem como o fosfato que não é mais necessário para a mineralização óssea ou crescimento celular, e também o oxalato. Porém, a necessidade de conservação de água por humanos, frequentemente leva à excreção desses íons em volumes pequenos na urina, promovendo saturação aumentada em relação às fases sólidas de oxalato e fosfato de cálcio. O aumento progressivo dessa saturação impulsiona a formação da fase sólida de cristal -> com a urina supersaturada, os íons conseguem se ligar para formar a fase sólida mais estável (nucleação). ❖ Nucleação homogênea -> refere-se à ligação de íons semelhantes em cristais. ❖ Nucleação heterogênea -> ocorre quando os cristais se tornam cristais ou substancias diferentes como restos celulares na urina. Embora os seres humanos produzam inibidores da formação de cálculos, como a osteopontina e a proteína de Tamm-Horsfall, a supersaturação pode sobrepor essa inibição e uma fase sólida se formará. TIPOS DE CÁLCULO Foram identificados 4 tipos básicos de cálculo renal: Cálculos de cálcio -> estão associados às concentrações altas desse elemento no sangue e na urina. A reabsorção óssea excessiva causada por imobilidade, doença óssea, hiperparatireoidismo e acidose tubular renal (ATR) são condições que contribuem para sua formação. Concentrações altas de oxalato no sangue e na urina predispõem à formação dos cálculos de oxalato de cálcio. ❖ A formação desse tipo de cálculo apresenta um forte componente genético e correspondem a 70-80% dos casos. Esses cálculos são formados quando há urina alcalina, que aumenta a supersaturação de fosfato. Em geral, são cálculos arredondados, radiodensos e não costumam apresentar aspecto coraliforme. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Cálculos de ácido úrico -> estão associados a um IMC aumentado e a um pH urinário baixo. Os formadores de cálculos de ácido úrico têm maior peso corporal e maior incidência de resistência à insulina e DM2. São radiotransparentes, não visíveis à radiografia simples. Cálculos de estruvita-> também são conhecidos como cálculos de fosfato triplo, de fosfato de magnésio e amônio e cálculos de infecção. São mais comuns em mulheres. Se formam apenas quando há íons amônio e urina alcalina, o que ocorre somente quando há bactérias produtoras de urease, como a Proteus. ❖ Em geral, são muito grandes para que possam ser eliminados e requerem litotripsia ou remoção cirúrgica. ❖ Estes cálculos crescem à medida que as contagens de bactérias aumentam e suas dimensões podem aumentar até que preencham toda a pelve renal. Cálculos coraliformes. Os rins tinham hidronefrose e cálculos que estavam moldados aos cálices dilatados. Cálculos de cistina -> são pouco radiopacos e com aspecto de vidro moído. Representam menos de 1-3% dos cálculos renais, mas acontecem muito na infância. Ocorrem nos pacientes com cistinúria, uma anomalia genética autossômica recessiva do transporte renal de cistina, diminuindo a absorção tubular desse aminoácido. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A dor é uma das principais manifestações clínicas dos cálculos renais. Dependendo de sua localização, existem 2 tipos de dor associados à presença dos cálculos: Cólica renal -> é o termo usado para descrever a dor espasmódica que acompanha o estiramento do sistema coletor ou do ureter. Os sinais e sintomas são causados por cálculos com diâmetros entre 1- 5 mm, que podem entrar no ureter e obstruir o fluxo da urina. ❖ A cólica ureteral clássica evidencia-se por dores excruciantes agudas e intermitentes no flanco e no quadrante superior externo do abdome do lado afetado. ❖ A dor pode irradiar-se para o quadrante inferior do abdome, a região da bexiga, o períneo ou o escroto. ❖ A pele pode estar fria e úmida e náuseas e vômitos são comuns. Dor não espasmódica -> é causada por cálculos que provocam distensão dos cálices ou da pelve renal. Em geral, é difusa, profunda, localizada no flanco ou no dorso, com uma intensidade que pode ser branda a grave. Costuma ser agravada pela ingestão de grandes volumes de líquido. A dor desaparece somente depois que o cálculo é eliminado ou é removido. Hematúria microscópica ou macroscópica é comum e os pacientes ocasionalmente apresentam hematúria indolor. O achado de um cálculo no exame radiográfico não exclui outra causa. Por outro lado, mesmo cálculos grandes podem ser assintomáticos e ser descobertos durante a investigação de sintomas não relacionados. ❖ A obstrução causada por cálculos também pode ser indolor, e a nefrolitíase deve sempre ser considerada no diagnóstico diferencial de doença renal aguda ou crônica inexplicada. Alguns pacientes, principalmente os portadores de nefrolitíase de repetição, podem apresentar eliminação espontânea de cálculos, sem dor ou hematúria macroscópica. Quando da ocorrência de infecções urinárias de repetição, principalmente as causadas por bactérias do gênero Proteus, deve- se suspeitar de cálculos renais. Além disso, a combinação de dor lombar, febre, calafrios e sepse se dá na pielonefrite obstrutiva calculosa, situação de elevadas morbidade e mortalidade. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Logo, tem-se: ❖ Sinal de Giordano positivo. ❖ Náuseas, vômitos, taquicardia e sudorese. ❖ Crises de 20-60min. ❖ Cólica nefrética. DIAGNÓSTICO EXAME FÍSICO Pode revelar indícios, mas não é o diagnóstico. Alguns pacientes apresentam dor à palpação do flanco. É mais útil para não mostrar outras causas potenciais de dor. A suspeita de cálculo renal geralmente obriga a realização de avaliação radiográfica. LABORATORIAL A avaliação mínima baseia-se na realização de urina, ureia, creatinina, cálcio e ácido úrico. Exames como hemograma e urocultura dependem do exame físico e laboratoriais iniciais. Para os pacientes que não são de baixo risco, deve-se fazer uma avaliação metabólica completa, de preferência com 2 coletas de urina em momentos distintos. ULTRASSONOGRAFIA (US) É uma maneira fácil e rápida de detectar possível obstrução urinária sem expor o paciente à radiação ionizante. Consegue detectar cálculos renais clinicamente significativos, com cerca de 85% de sensibilidade para detectar cálculos uretrais que causam sintomas agudos. TC HELICOIDAL TC helicoidal sem contraste radiográfico consegue detectar cálculos renais com sensibilidade e especificidade >95%. Com base na densidade do cálculo, muitas vezes também pode diferenciar um cálculo de cálcio de cistina ou de ácido úrico. Em determinadas situações, como em pacientes infectados pelo HIV, que se acredita terem cálculos induzidos por um inibidor de protease, a TC helicoidal com contraste geralmente é necessária porque os cálculos não são radiopacos e não obstruem o ureter. RADIOGRAFIA Aproximadamente 90% dos cálculos renais são radiopacos e podem ser detectados por uma radiografia abdominal. Infelizmente, no entanto, o cálculo costuma ser obscurecido por fezes, pelas vértebras ou por gases abdominais, de modo que a sensibilidade de uma radiografia simples de abdome é de cerca de 55% e sua especificidade é de apenas cerca de 75%. ! Os cálculos de ácido úrico são radiotransparentes e não podem ser detectados radiograficamente sem contraste. PIELOGRAFIA TRANSVERSA (UROGRAFIA EXCRETORA) Tem sensibilidade de cerca de 75% e especificidade de mais de 90% para detecção de cálculos renais. A pielografia IV também é útil para identificar anormalidades estruturais do sistema urinário, como um rim esponjoso medular, que predispõe à formação de cálculos. No entanto, uma pielografia intravenosa frequentemente não detecta cálculos radiotransparentes não obstrutivos porque eles não criam um defeito de enchimento. ❖ A urografia excretora expõe o paciente a mais radiação do que uma radiografia simples, mas menos do que uma TC. Também há o risco inerente ao material de contraste radiográfico, que é mais alto para indivíduos com comprometimento renal subjacente. Com a ampla disponibilidade de ultrassonografia e TC helicoidais, raramente é indicada urografia excretora. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA TRATAMENTO O tratamento da cólica renal aguda geralmente consiste em medidas de suporte. Pode ser necessário aliviar a dor durante as fases agudas da obstrução e antibióticos podem ser usados para erradicar infecção urinária. A maioria dos cálculos <5 mm de diâmetro é eliminada espontaneamente. ❖ Toda a urina do paciente deve ser filtrada durante a crise na tentativa de recuperar o cálculo para análise química e determinação do seu tipo. Em combinação com a histórica clínica detalhada e os exames laboratoriais, essa informação constitui a base das medidas profiláticas a longo prazo. Um dos objetivos principais do tratamento dos pacientes que eliminaram cálculos renais ou dos quais foram removidos cálculos é evitar sua recidiva. ❖ A profilaxia depende da investigação da causa que levou à formação do cálculo por meio de exames de urina, bioquímica sanguínea e análise da sua composição. ❖ As doenças coexistentes como hiperparatireoidismo devem ser tratadas. A ingestão adequada de líquidos diminui a concentração dos cristais formadores de cálculo na urina e também deve ser recomendada. Dependendo do tipo de cálculo formado, podem ser usadas alterações dietéticas, fármacos ou ambos para alterar as concentrações urinárias dos elementos formadores de cálculo. A suplementação de sais de cálcio, inclusive carbonato e fosfato de cálcio, também pode ser usada para quelação do oxalato no intestino e redução de sua absorção. Os diuréticos tiazídicos reduzem o cálcio urinário aumentando a reabsorção tubular, de modo que quantidades menores permaneçam na urina. Os fármacos que se ligam ao cálcio no intestino podem ser usados para inibir a absorção de cálcio e sua excreção urinária. As medidas para alterar o pH da urina tambémpodem dificultar a formação de cálculos renais. A formação dos cálculos de ácido úrico é favorecida na urina ácida; sua formação pode ser reduzida com a elevação do pH urinário com sais alcalinos de potássio. Em alguns casos, pode ser necessário remover cálculos. Existem várias técnicas disponíveis para isso: ❖ Remoção ureteroscópica ou percutânea. ❖ Litotripsia extracorpórea. Todos esses procedimentos evitam a realização de uma cirurgia aberta, que também é uma abordagem terapêutica disponível. Ela pode ser necessária para retirar cálculos grandes ou resistentes às outras técnicas de remoção. A remoção ureteroscópica consiste em introduzir um instrumento pela uretra até a bexiga e, em seguida, até o ureter. ❖ Tal procedimento se dá com controle radioscópico e requer a utilização de vários instrumentos para dilatar o ureter e capturar, fragmentar e remover o cálculo. A nefrolitotripsia percutânea é o tratamento preferido para remover cálculos dos rins ou dos segmentos proximais dos ureteres -> requer a introdução de uma agulha fina no flanco até o sistema coletor renal. Em seguida, o trajeto da agulha é dilatado e um nefroscópio é introduzido na pelve renal. ❖ O procedimento é realizado com controle radioscópico. ❖ Cálculos de até 1cm podem ser retirados por essa técnica. Os maiores devem ser fragmentos com um litotripsor ultrassônico. O tratamento não cirúrgico conhecido como litotripsia por ondas de choque extracorpóreas usa ondas de choque acústicas para fragmentar os cálculos em partículas do diâmetro de grãos de areia, que são, então, eliminados na urina nos dias subsequentes.
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