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Medicina Vitória Boulhosa 1 Diabetes Mellitus Relembrando: fisiologia do pâncreas endócrino 2% da massa pancreática é composta pelas ilhotas de Langerhans, que produzem hormônios para a regulação da glicose. A maior concentração dessas ilhotas é na cauda pancreática. Insulina As células β pancreáticas secretam insulina em resposta às elevações dos níveis glicêmicos. Primeiramente, é produzida uma proteína precursora denominada pró- insulina, que é armazenada em gra ̂nulos citoplasmáticos. Em condições de aumento de glicemia, a pró-insulina é clivada em peptídeo C e insulina e, então, secretada na circulação. No diabetes mellitus tipo 1, há destruição das células beta pancreáticas, levando à deficiência absoluta de insulina, o que resulta em desbloqueio da cetogênese. O aumento exagerado da síntese de corpos cetônicos ocasiona o quadro de cetoacidose diabética! Diabetes mellitus (DM) é uma condição em que ocorre hiperglicemia, seja por defeito de ação e/ou secreção inadequada de insulina. Epidemiologia Segundo estimativas da International Diabetes Federation (IDF), 9,3% das pessoas entre 20 e 79 anos apresentavam diabetes mellitus em 2019. O Brasil é o quarto país com maior número de diabéticos no mundo; são 16,8 milhões de indivíduos diagnosticados, com projeção de aumento para 26 milhões em 2045. Esse crescimento de forma epidêmica é devido principalmente ao diabetes mellitus tipo 2, que é a etiologia mais frequente de DM, correspondendo a 85%-90% dos casos. Há dados que mostram encurtamento de 12 anos na expectativa de vida, afetando indivíduos em faixas etárias ainda produtivas. O diabetes mellitus é uma das principais causas de mortalidade mundial, correspondendo a 14,5% de todas as mortes, sendo que 75% delas são de causas cardiovasculares. Além disso, o aumento das comorbidades associadas e das complicações decorrentes do mau controle glicêmico ao longo do tempo levam à incapacidade individual precoce e à sobrecarga dos serviços de saúde. Classificação Medicina Vitória Boulhosa 2 Diabetes mellitus tipo 1 Epidemiologia O diabetes mellitus tipo 1 (DM tipo 1) corresponde a 5%-10% dos casos de DM e é caracterizado pela deficiência grave de insulina, ocasionada pela destruição das células beta pancreáticas. É o tipo de diabetes mellitus mais comum na infa ̂ncia e adolescência, representando cerca de 85% dos casos. A herança da doença é poligênica e, assim, há predisposição familiar, embora seja muito menor que a hereditariedade vista no MODY e no diabetes mellitus tipo 2. Para se ter uma ideia, indivíduos com parente de primeiro grau acometido (pais e irmãos) com DM tipo 1 têm 6% de chance de desenvolver a doença e esse risco pode chegar até 50% em gêmeos monozigóticos. Etiologia A maioria dos casos tem etiologia autoimune (85%), com positividade para anticorpos contra as células beta (anti ICA) e/ou para outros anticorpos, como o anticorpo antidescarboxilase do ácido gluta ̂mico (anti-GAD 65), anti-insulina (anti IAA), anti-tirosina fosfatase (anti IA2) e antitransportador de zinco (anti ZnT8). Quando é demonstrada a presenc ̧a de autoimunidade, classificamos a doença como diabetes mellitus tipo 1A. Entretanto, em cerca de 15% dos casos não há autoanticorpos, apesar da destruição das células beta e nenhuma outra causa provável para o desenvolvimento de diabetes. Assim, dizemos que esses pacientes apresentam diabetes mellitus tipo 1B, no qual os mecanismos de morte celular ainda não estão claramente compreendidos. É mais frequente em indivíduos de ascendência africana ou asiática. Fatores ambientais Protetores: aleitamento materno e níveis adequados de vitamina D Gatilhos: teoria da higiene, vIrus coxsackie B, componentes do leite de vaca e glúten. Uma das suspeitas é a teoria da higiene, que explica o aumento das doenças autoimunes devido ao desvio da resposta imunológica, que antes era destinada a agentes externos, para componentes do próprio organismo; é como se nosso sistema imunológico não tivesse mais que combater microrganismos e outros germes, já que vivemos em ambientes ultralimpos, então ele acaba virando-se contra o próprio corpo. Outras hipóteses envolvem mimetismos proteicos, como o vírus Coxsackie B, que se assemelha à descarboxilase do ácido gluta ̂mico (GAD), favorecendo a criação de processo imunológico contra o GAD (anticorpos anti-GAD), exposição à beta- caseína e ao glúten em idades precoces. Apresentação clínica É incomum o DM tipo 1 aparecer antes dos 6 meses de idade (nessa faixa etária, devemos pensar em diabetes neonatal) e seu pico de maior incidência é bimodal, ocorrendo entre 4-6 anos e no início da puberdade (10-14 anos). Pode ser diagnosticado em fase adulta, sendo denominado LADA (Latent Autoimmune Diabetes in Adults). Ao diagnóstico, podemos ter 3 situações diferentes: • Presença de sintomas sugestivos de hiperglicemia e hipoinsulinismo, como perda ponderal (estado de jejum), poliúria (ocasionada pela polidipsia), polidipsia (aumento da osmolaridade plasmática), polifagia. Níveis glicêmicos > 180mg/dL ultrapassam o limiar de reabsorção renal, levando à glicosúria e à poliúria; Já a perda ponderal ocorre devido ao hipoinsulinismo, que leva ao aumento dos hormônios contrarreguladores (glucagon, principalmente), com ação catabólica (lembre-se de que lipólise e a proteólise são estimuladas nessas situações). É a apresentação mais frequente de DM tipo 1; • Internação devido à cetoacidose diabética, que é o quadro de hipoinsulinismo grave associado a um fator precipitante, como infecção ou Medicina Vitória Boulhosa 3 trauma. Pode corresponder a até 40% das apresentações iniciais de DM tipo 1. • Paciente assintomático submetido a exames de glicemia: é a forma menos comum de diagnosticar o DM tipo1. Nem todos os casos de diabetes mellitus na infa ̂ncia e na adolescência são DM tipo 1 e, devido ao crescente aumento de obesidade infantil, cada vez mais observamos a elevação do número de pacientes com DM tipo 2 nessa faixa etária. Assim, fique atento para as características clínicas que possibilitam a diferenciação dos dois tipos: Diagnóstico Em pacientes assintomáticos, devem ser realizados 2 testes para confirmação diagnóstica. Em pacientes com sintomas clássicos de hiperglicemia (perda ponderal, poliúria, polidipsia), é necessário apenas 1 teste alterado ou glicemia aleatória ≥ 200mg/dL para diagnóstico de DM. Em pacientes com sintomas clássicos de hiperglicemia (perda ponderal, poliúria, polidipsia), é necessário apenas 1 teste alterado ou glicemia aleatória ≥ 200mg/dL para diagnóstico de DM. A glicemia em jejum é o teste de primeira escolha para rastreamento de casos. É simples, barata e fácil de ser realizada. Necessita de, pelo menos, 8 horas em jejum. TOTG é um teste mais sensível e específico para o diagnóstico de DM em pacientes com sobrepeso e obesidade. Não devemos indicar o TOTG em pacientes que já possuem glicemia em jejum ≥ 126mg/dL, pois há risco de induzir hiperglicemia grave. Portanto, quando precisamos confirmar o diagnóstico de diabetes mellitus em um paciente assintomático com glicemia em jejum ≥ 126mg/dL, devemos repetir a glicemia em jejum ou solicitar HbA1c. A hemoglobina glicada foi incluída como critério diagnóstico em 2010, sendo que a partir de HbA1c > 7%, o risco de complicações se tornava exponencial. Pode ser coletada em qualquer horário do dia, não necessita de jejum e não sofre alterações com o estresse. É um ótimo exame para acompanhar a eficácia do tratamento e, nessa situação, deve ser solicitado a cada 3- 4 meses, já que seus valores se correlacionam com o tempo de vida das hemácias (90-120 dias). O que é medido é a glicação, que é um processo não enzimático, da hemoglobina A, sendo que seus valoressão diretamente proporcionais à glicose existente no meio vascular nos últimos 90- 120 dias. Para o controle glicêmico, são solicitadas a glicemia em jejum e a hemoglobina glicada fração A1c, ambas de rotina. Sistemas de monitorização contínua de glicose (SMCG): medem a glicemia presente no interstício através de dispositivo colocado no subcutâneo. Tratamento A insulinoterapia deve imitar e corrigir as deficiências na secreção pancreática de insulina. Portanto, quanto maior o grau de Medicina Vitória Boulhosa 4 disfunção pancreática, maior será a necessidade de insulina exógena. Os pacientes com diabetes mellitus tipo 1 (DM1) possuem uma deficiência absoluta de insulina, logo, invariavelmente, necessitarão de insulina em doses plenas, ou seja, insulinas basal e prandial em doses suficientes para substituir a secreção pancreática em sua totalidade. - Farmacocinética das insulinas: Primeiramente, deve-se entender que a secreção basal de insulina corresponde a 40% – 60% da produção diária total do hormônio e tem como objetivo suprimir a produção hepática de glicose, a glicogenólise e a cetogênese (o que mantém a euglicemia no estado de jejum e, em menor grau, nos períodos pós-alimentares). Já os picos pós-prandiais de secreção de insulina destinam- se a cobrir a incursão glicêmica decorrente da ingestão alimentar, através da promoção da captação e armazenamento periféricos de glicose. É justamente esse padrão de secreção bifásica que a insulinoterapia deve imitar. Insulinas basais: NPH (ação intermediária), Detemir e Glargina (ação longa), Degludeca (Ação ultralonga) Insulinas prandiais: Regular (insulina humana de ação rápida), Lispro, Asparte, Glulisina, Faster aspart, Inalável tecnosfera (Análogos de ação ultrarrápida). Insulinas pré-mistura: congregam, em um só produto, uma insulina basal e uma insulina prandial: • Humulin® 70/30 (70% NPH + 30% regular). • Humalog® Mix 25 (25% lispro + 75% lispro protaminada). • Humalog® Mix 50 (50% lispro + 50% lispro protaminada). • NovoMix® 70/30 (30% asparte + 70% asparte protaminada). O acréscimo de protamina à molécula de um análogo ultrarrápido aumenta a duração do efeito da insulina, ou seja, transforma-se uma insulina prandial em uma insulina basal. A vantagem das insulinas em pré-mistura é a comodidade de o paciente poder aplicar a insulina basal e a insulina prandial em uma única injeção. O inconveniente é que o ajuste dessas insulinas é menos flexível, pois a proporção é fixa. Ou seja, se aumentarmos a dose de insulina basal, a dose de insulina prandial também será aumentada e vice- versa. Essas formulações podem representar uma mais valia nos seguintes grupos: • Pacientes com hábitos de vida regulares. • Pacientes com menores flutuações de glicemia. • Dificuldade cognitiva ou motora para realizar as aplicações de insulina. Diabetes Tipo 2 Epidemiologia: Segundo os dados mais recentes da International Diabetes Federation (IDF), 9,3% dos indivíduos entre Medicina Vitória Boulhosa 5 20 e 79 anos (463 milhões de pessoas) apresentavam diabetes mellitus em 2019; somam-se a esses números mais 350 milhões acometidos por pré-diabetes. O Brasil é o quarto país em população de diabéticos no mundo: são 16,8 milhões de indivíduos diagnosticados, com projeção de aumento para 26 milhões em 2045. Esse crescimento de forma epidêmica é devido, principalmente, ao DM tipo 2, uma vez que se associa a fatores como rápida urbanização, industrialização, adoção de estilos de vida não saudáveis, como padrões alimentares hipercalóricos (dieta rica em gorduras e açúcares e pobre em fibras) e sedentarismo, aumento do peso corporal e envelhecimento da população. Apesar do DM tipo 2 ser uma doença mais frequente em adultos, geralmente > 45 anos, sua prevalência tem aumentando na faixa etária pediátrica e em adultos jovens, correspondendo a quase 20% dos casos em crianças e adolescentes. Credita-se uma grande parte desses números à elevação simulta ̂nea da obesidade, condição relacionada com a piora da resistência à insulina. Cerca de 79% dos casos de DM estão concentrados nos países em desenvolvimento e, segundo estimativas, esse percentual aumentará ao longo dos anos. Esses países já enfrentam grandes desafios no controle de doenças infecciosas e esse aumento nos casos de DM, principalmente em indivíduos em idade produtiva, pode significar um impacto enorme nos recursos destinados à saúde. Em 2019, os custos de saúde relacionados com o DM foram da ordem de 53 bilhões de dólares, no Brasil, além de mais de 135 mil mortes associadas à doença no mesmo ano. O aumento de casos tem impacto não apenas no sistema de saúde, mas também nos setores produtivos da sociedade, uma vez que atinge faixas etárias economicamente ativas. Soma-se a isso o fato de que indivíduos com DM apresentam um encurtamento na sobrevida média de até 12 anos. Segundo estimativas da IDF, 40- 60% dos pacientes com DM morrem antes de completar 60 anos, no Brasil. Etiologia e fatores de risco: O desenvolvimento de DM tipo 2 resulta da combinação de herança poligênica e fatores ambientais. O genótipo é uma condição importante, uma vez que se observa maior prevalência de diabetes mellitus em determinadas etnias, como afro-americanos, nativos americanos, índios Pima e hispa ̂nicos. Além disso, a penetra ̂ncia desses genes é relativamente alta, visto que 39% dos indivíduos com DM tipo 2 têm, pelo menos, um parente afetado e, entre gêmeos monozigóticos, o risco de desenvolver DM tipo 2 chega a quase 90%. IDADE - O DM tipo 2 é, predominantemente, uma doença de adultos; assim, seu aparecimento é maior em indivíduos com > 45 anos. Entretanto, como dito antes, tem-se observado maior incidência em faixas etárias mais jovens, devido ao aumento da obesidade e dos maus hábitos de vida. ANTECEDENTE FAMILIAR POSITIVO Apesar da herança poligênica, há alta penetrabilidade dos genes que aumentam o risco de DM tipo 2. Assim, é comum encontrar familiares de primeiro e segundo graus acometidos. SOBREPESO/ OBESIDADE E DISTRIBUIÇÃO DE GORDURA O aumento progressivo do peso corporal está relacionado, de forma paralela, com o risco de desenvolver DM tipo 2. O padrão de distribuição da gordura corporal também é outro fator de risco para diabetes, sendo mais importante naqueles indivíduos com predomina ̂ncia de deposição em abdome. As medidas aumentadas da relação cintura- quadril e da circunferência abdominal refletem a gordura visceral, que tem maior implicação no desenvolvimento de resistência insulínica. A distribuição de gordura visceral tem influência genética e de fatores ambientais, como o uso de glicocorticoides, antipsicóticos e antirretrovirais. PADRÕES DIETÉTICOS: A dieta hipercalórica de padrão ocidental, caracterizada por consumo elevado de carne vermelha, carnes processadas, alimentos gordurosos e ricos em açúcares, é associada ao maior risco de desenvolver DM tipo 2, Medicina Vitória Boulhosa 6 independentemente do índice de massa corporal (IMC). Entretanto, esse risco é ainda mais elevado em indivíduos obesos, sendo até 11 vezes maior quando comparado a pessoas com IMC normal. Há estudos que correlacionam o consumo de bebidas açucaradas, como refrigerantes e sucos industrializados, à obesidade (durante a infa ̂ncia) e com DM tipo 2 (na vida adulta). A ingestão diária de grãos integrais, frutas, vegetais, castanhas, peixes, carnes brancas e azeite de oliva é associada à diminuição, de forma modesta, do risco de DM tipo 2. Entretanto, esse padrão de dieta, conhecido como “dieta do Mediterra ̂neo”, melhora o controle glicêmico de pacientes diabéticos e, assim, deve sempre ser estimulado. Os laticínios, principalmente aqueles com redução de gordura, correlacionam-se a menor risco de DM tipo 2, independentementedo IMC. SEDENTARISMO A falta de atividade física promove ganho de peso, baixa capacidade aeróbica e diminuição de força muscular, que são relacionados com o maior risco de desenvolver DM tipo 2. A prática frequente de exercícios moderados é efetiva na prevenção de diabetes mellitus, pois promove manutenção ou perda de peso, aumento da sensibilidade à insulina (através de maior translocação de receptores de glicose, denominados GLUT-4, nas células musculares) e utilização de ácidos graxos como fonte de energia pelos músculos. TABAGISMO Apesar do efeito causal não ser completamente esclarecido, há correlação positiva entre o hábito de fumar e o DM tipo 2. As principais hipóteses levam em consideração que o tabagismo possa ocasionar resistência à insulina e deposição de gordura abdominal. Após dez anos da interrupção do hábito de fumar, o risco de desenvolver diabetes é igual ao de quem nunca fumou. PESO AO NASCER E DURANTE A INFA ̂NCIA Indivíduos predispostos geneticamente ao baixo peso ao nascer, quando expostos ao ambiente de restrição de crescimento intrauterino, sofrem alterações epigenéticas que ocasionam resistência à insulina como forma de sobrevivência; porém, na vida adulta, tais modificações aumentam o risco de desenvolver diabetes mellitus tipo 2. Além disso, o aumento de peso durante a infa ̂ncia, mesmo em crianças nascidas com peso normal, correlaciona-se com o maior risco de desenvolver diabetes mellitus na vida adulta. Entretanto, se essas crianças normalizam o peso antes da puberdade, o risco de DM tipo 2 se iguala ao das crianças que sempre tiveram peso adequado. Caso a regularização do peso ocorra após a puberdade, ainda há um risco residual de desenvolver DM tipo 2, porém menor do que se não tivessem perdido peso. Síndrome metabólica A síndrome metabólica é caracterizada por um conjunto de fatores que elevam o risco cardiovascular e sua principal característica é a resistência à insulina. Os critérios variam conforme a entidade escolhida (OMS, IDF ou NCEP), mas, em geral, os componentes são o aumento de circunferência abdominal (CA), a resistência à insulina (expressa por meio de hiperglicemia), a hipertensão arterial, hipertrigliceridemia e os baixos níveis de HDL- colesterol. A síndrome metabólica, mesmo em indivíduos não obesos, aumenta, em até cinco vezes, o risco de desenvolver DM tipo 2, em até duas vezes, o de doenças cardiovasculares e em 60% o de mortalidade por todas as causas. Medicina Vitória Boulhosa 7 Fisiopatogenia: a predisposição genética e, na maior parte, os fatores ambientais propiciam o desenvolvimento da resistência à insulina, que aparece, em média, cinco anos antes do diagnóstico de diabetes. Nas fases iniciais, há hipersecrec ̧ão de insulina, com o intuito de vencer a barreira criada à sua ação, mantendo a normoglicemia. A secrec ̧ão de insulina também se encontra alterada nesses pacientes, uma vez que a pró-insulina não é clivada, adequadamente, em insulina. A principal hipótese é a de que, por conta da hipersecreção, os gra ̂nulos contendo pró-insulina não conseguem maturar por completo, com consequente diminuição da clivagem da molécula precursora em insulina e peptídeo C. Assim, apesar da hipersecreção de insulina pelas células-beta pancreáticas, uma parte do conteúdo do gra ̂nulo fica comprometida por não ter sido clivada, permanecendo sob a forma de pró-insulina. Além da resistência à insulina e dos defeitos de clivagem da pró-insulina, ocorre diminuição da produção de GLP-1 (glucagon like peptide-1) e resistência à ação do GIP (polipeptídeo inibitório gástrico), que correspondem a > 90% dos hormônios incretínicos (moléculas produzidas no intestino e que são capazes de estimular a secreção de insulina). O GIP é secretado pelas células K do duodeno e jejuno e o GLP- 1, pelas células L do íleo, em resposta à alimentação rica em carboidratos e gorduras. Ambos são metabolizados pela enzima peptidil peptidase-4 (DPP-4) e possuem meia-vida muito curta, ao redor de 2 minutos. Os níveis reduzidos de GLP-1 e a resistência ao GIP contribuem para a elevação da glicemia. A alteração dos hormônios incretínicos colabora para a elevação dos níveis plasmáticos de glucagon. Tanto o GIP quanto o GLP-1 diminuem a secreção de glucagon nos períodos pós-prandiais, levando à inibição da produção hepática de glicose, o que contribui com redução de 50% no valor glicêmico após as refeições. Assim, a maior secreção de glucagon, aliada à maior sensibilidade hepática a esse hormônio, proporcionam o surgimento de hiperglicemia. Além disso, o glucagon estimula a lipólise, com maior liberação de ácidos graxos na circulação, piorando a resistência à ação da insulina. Com a perda da secreção de insulina ao longo do tempo, aliada à resistência a sua ação no fígado e maiores níveis plasmáticos de glucagon, ocorre queda na relação insulina/glucagon. Quando essa razão cai, há estímulo à produção hepática de glicose (glicogenólise e gliconeogênese), colaborando para o surgimento de hiperglicemia, inclusive em estados de jejum. O rim também está presente nesse cenário de criação da hiperglicemia. Normalmente, toda a glicose filtrada é reabsorvida pelos rins, sendo 90% nos túbulos proximais, por meio de transportadores de sódio-glicose tipo 2 (SGLT-2). Em indivíduos diabéticos, há maior capacidade de reabsorção renal de glicose devido à elevada expressão de SGLT-2. Assim, só veremos glicosúria quando a hiperglicemia ultrapassar a capacidade de reabsorção, que, geralmente, ocorre em níveis glicêmicos superiores a 180 mg/ dL. Por fim, a insulina atua nos centros hipotala ̂micos de controle do apetite, inibindo a fome; nos pacientes obesos, apesar da hiperinsulinemia em resposta à alimentação, os efeitos no hipotálamo são reduzidos e retardados, mostrando resistência central à ação desse hormônio. Manifestações Clínicas: A resistência à insulina desencadeia, como resposta, a hipersecreção desse hormônio pelas células-beta pancreáticas, cuja principal função é aumentar a captação da glicose pelos diversos tecidos. Além disso, também tem efeitos no crescimento celular; assim, em estados de excesso de insulina, podemos observar alguns sinais clínicos, que são resultantes desse processo, como a acantose nigricans e o hiperandrogenismo. Ambos não são exclusividade do diabetes mellitus tipo 2, sendo encontrados em outras condições. A acantose nigricans é uma lesão em placa, hipercrômico, de aspecto aveludado, Medicina Vitória Boulhosa 8 presente, principalmente, em dobras cuta ̂neas. Os pacientes costumam referir-se a ela como “uma sujeira que não sai”. Isso acontece pois quando há excesso de insulina, há maior estimulação dos receptores de IGF-1, levando à proliferação de fibroblastos e queratinócitos. A resistência insulínica também pode propiciar o hiperandrogenismo em mulheres, manifestando-se clinicamente pela presença de hirsutismo, acne e alopecia de padrão androgenético. muitos indivíduos são identificados devido aos sintomas decorrentes da hiperglicemia. Os principais são a poliúria, a polidipsia e as infecções fúngicas recorrentes. A glicemia, ao ultrapassar o limiar de reabsorção renal, é excretada na urina, ocasionando diurese osmótica. Consequentemente, a diminuição de volume circulante leva à maior tonicidade plasmática, que ativa a sede, aumentando a ingestão de água. A hiperglicemia também acarreta disfunção imunológica e mudança de flora microbiótica local, propiciando infecções recorrentes, principalmente, as fúngicas. A pele e as mucosas são os locais mais acometidos, tanto que, nas provas, é comum a descrição de “candidíase vaginal” em pacientes com DM tipo 2. A hiperglicemia crônica é tóxica às células, pois leva à ativação de vias intracelulares que culminam como aumento do estresse oxidativo, causando injúrias e, até mesmo, morte celular. A perda ponderal e a polifagia também podem estar presentes e são relacionadas com a diminuição da ação da insulina pela resistência periférica. A insulina estimula a utilização da glicose, a síntese proteica e o estoque de lipídios; uma vez que ela não consegue agir adequadamente há elevação de hormônios contrarreguladores, caracterizados pelas ações catabólicas, como proteólise, lipólise e glicogenólise, levando à perda de peso. Rastreamento e diagnóstico: Rastreamento: feito com o intuito de diagnosticar e tratar precocemente o DM2. Quando fazer o rastreamento em adultos: 1. Indivíduos ≥ 45anos. 2. Indivíduos em qualquer idade, com sobre peso (IMC25-29,9kg/m2) ou obesidade (IMC≥30kg/m2), na presença de, pelo menos, mais um dos fatores abaixo: • Hipertensão arterial; • História familiar de DM tipo 2; • Doença cardiovascular; • Síndrome dos ovários policísticos; •HDL-colesterol < 35 mg/dL e/ou triglicérides > 250 mg/dL; • Sedentarismo; • Presença de obesidade grau 2 (IMC 35- 39,9 kg/m2) ou grau 3 (IMC ≥ 40 kg/m2); • Presença de sinais de resistência à insulina (acantose nigricans); • Etnias em que o risco de DM tipo 2 é maior que o da população em geral. * Asiáticos ou descendentes devem ser rastreados se IMC ≥ 23 kg/m2. 3.Indivíduos com pré-diabetes de vem ser testados, pelo menos, anualmente. 4.Mulheres com diabetes gestacional devem ser testadas, pelo menos, a cada três anos. 5. Indivíduos com teste de rastreamento normal devem ser testados a cada três anos ou em intervalo inferior, se o risco aumentar (por exemplo, se no período ocorrer o diagnóstico de hipertensão, o paciente deverá ser, novamente, testado). Em crianças e adolescentes o rastreamento de DM2 deve ser feito em toda criança ou adolescente com sobrepeso (IMC≥percentil85) ou obesidade (IMC≥percentil95) e pelo menos um dos fatores abaixo: • História materna de DM ou crianças nascidas de mães com diabetes gestacional; • Familiares de primeiro ou segundo grau com DM tipo 2; • Etnias de maior risco para DM tipo 2; •Sinais ou condições associadas à resistência insulínica: acantose nigricans, SOP, hipertensão, dislipidemia ou nascido pequeno para a idade gestacional (PIG). 2. Se os testes resultarem normais, repetir a cada três anos ou em intervalos menores, se o IMC continuar a subir. Diagnóstico: Voltar à página 4 Medicina Vitória Boulhosa 9 Tratamento: Todo paciente com doença crônica deve ser incluído em uma rede de cuidados, de preferência, multiprofissional. Um dos grandes desafios no tratamento de diabetes mellitus, principalmente quando diagnosticado durante exames de rotina, em condições assintomáticas, é convencer o paciente sobre a importa ̂ncia da adesão à terapêutica proposta. Além disso, devemos, também, tratar as comorbidades que ofereçam risco cardiovascular, a fim de diminuir a morbimortalidade. É nosso dever estimular a incorporação de hábitos mais saudáveis e ajudar na construção de um estilo de vida melhor, tanto alimentares quanto físicos. Além disso, o paciente deve entender que a ausência de sintomas, devido ao uso das medicações, não pode ser obstáculo para a manutenção dos hábitos mais saudáveis. É importante lembrar que a diabetes está associada a transtornos depressivos, que podem comprometer a adesão ao tratamento. O risco de depressão é 2-3 vezes maior em pacientes com diabetes mellitus e cerca de 2/3 dos casos não são diagnosticados. Segundo estudos, a depressão piora o controle glicêmico e, infelizmente, a piora metabólica agrava o quadro depressivo. A educac ̧ão dos familiares quanto à doença fortalece a adesão do paciente, uma vez que torna o ambiente doméstico mais propício a aceitar as mudanças necessárias para a condução adequada do tratamento, como melhorias alimentares e estímulos a hábitos mais saudáveis, além de imprimir responsabilidade de cuidado aos que rodeiam o indivíduo doente. Não medicamentoso - orientação nutricional individualizada, mantendo o equilíbrio entre os macronutrientes. Orientação quanto a prática de atividade física. A atividade física melhora a captação de glicose muscular de forma independente da insulina por até duas horas após o término do exercício; também melhora a sensibilidade da insulina, resultando na maior translocação de receptores GLUT-4 para a membrana celular, por até 48 horas. Por conta disso, é importante não ficar mais de dois dias seguidos sem praticar exercícios. Tratamento medicamentoso: Ø Medicações que aumentam a secreção de insulina de forma impendente dos níveis glicêmicos: Sulfonilureias - glibenclamina, glimepirida, glipizida, glicazida, clorpropamida. É importante lembrar que nós pacientes não diabéticos, o principal estímulo à secreção de insulina é o aumento dos níveis glicêmicos. A maior conversão de glicose em G6F leva a diversas reações intracelulares que fecham os canais de K+. Com isso, ocorre despolarização e o cálcio entra na célula, com consequente secreção de insulina. As sulfonilureias são drogas que se ligam em receptor próprio nos canais de K+-ATP dependentes, inibindo o influxo de K+. Consequentemente, a célula se mantém despolarizada, o que permite a entrada de cálcio, cujo aumento intracelular estimula a liberação dos gra ̂nulos de insulina. Essas medicações costumam ter duração mais prolongada, o que permite a secreção de insulina de forma contínua e independente dos níveis de glicose. Por esse motivo, são drogas relacionadas com a hipoglicemia, uma vez que não há interrupção da secreção de insulina, mesmo com a queda nos níveis glicêmicos. A glibenclamida possui o maior risco de causar hipoglicemia, a glimepirida possui risco intermediário e a glipizida/gliclazida possuem risco menor. Essa classe possui uma desvantagem quanto a função renal, pois há uma diminuição no clearance da droga (ela fica disponível por mais tempo no organismo). *glimepirida- mesmos efeitos em dose menor. Melhora a sensibilidade periférica à insulina e mimetiza sua ação no fígado, inibindo a produção hepática de glicose ajudando a diminuir os níveis glicêmicos. *gliclazida ou glimepirida- preferenciais quanto ao risco cardiovascular, pois aso seletivas para os receptores de sulfonilureias pancreáticos. Medicina Vitória Boulhosa 10 Um efeito colateral dos medicamentos dessa classe é o ganho de peso *As sulfonilureias não são recomendadas na insuficiência renal com taxa de filtração glomerular (TFG) < 30 mL/minuto, pois há menor clearance da droga, aumentando o risco de hipoglicemias. Da mesma maneira, não devem ser as drogas de escolha para pacientes com alto risco de hipoglicemias, como idosos fragilizados, e para aqueles com doenças cardiovasculares. Glinidas - nateglinida e repaglinida. Assim como as sulfonilureias, as glinidas são secretagogos de insulina, pois estimulam a sua secreção de forma muito semelhante, uma vez que mantêm a célula-beta despolarizada; isso permite o influxo de cálcio, que leva à excreção dos gra ̂nulos contendo insulina. Por conta desse mecanismo de ação, as glinidas também são relacionadas com a maior ocorrência de hipoglicemias. A vantagem delas, em relação às sulfonilureias, é o menor tempo de ação, que costuma ser ao redor de 1-2 horas. Porém, devido à meia- vida reduzida, essas medicações devem ser tomadas próximo às refeições, com o intuito de cobrir o período pós-prandial. Isso leva ao aumento do número de comprimidos ao dia, o que repercute na menor adesão. Além da hipoglicemia, as glinidas também podem levar ao ganho ponderal. Perceba que essa classe é muito semelhante às sulfonilureias, uma vez que a secreção de insulina é mantida, independentemente dos níveis glicêmicos. Como sua metabolização ocorre, de forma predominante, no fígado,com posterior excreção renal, seu uso não é recomendado em pacientes com insuficiência hepática ou insuficiência renal (TFG < 15mL/minuto). Ø Medicações com efeito incretínico. As medicações com efeito incretínico são aquelas cujas ações se assemelham ao glucagon like peptide-1 (GLP-1). As células L, presentes, principalmente, no íleo, produzem GLP-1 em resposta à chegada do bolo alimentar. Esse hormônio atua nas células-beta pancreáticas, estimulando a secreção de insulina, porém de maneira dependente dos níveis glicêmicos. Cerca de 70% da produção de insulina durante a refeição é resultante da ação do GLP-1. Além disso, o GLP-1 promove menor esvaziamento gástrico, retardando a absorção dos alimentos, com consequente redução do pico glicêmico prandial. Também inibe a secreção de glucagon, colaborando para a menor elevação da glicemia após as refeições. Outro benefício do GLP-1 é a sua ação nos centros hipotalâmicos de controle de fome e apetite, inibindo a secreção de hormônios com características orexígenas. Para começarmos a discorrer sobre as duas classes medicamentosas com efeito incretínico, que são os inibidores da DPP-4 e os agonistas do receptor de GLP-1, temos de lembrar que a secreção de GLP-1 está diminuída nos pacientes com diabetes mellitus tipo 2, sendo, portanto, um dos mecanismos patológicos que levam à hiperglicemia. Inibidores da dipeptidil peptidase-4 (iDPP-4) - sitagliptina, vidagliptina, linagliptina, alogliptina, saxagliptina. Os iDPP-4, também chamados de gliptinas (observe que todas as drogas terminam em “gliptina”), atuam inibindo a dipeptidil peptidase-4, enzima responsável pela degradação do GLP-1. Normalmente, a meia-vida do GLP-1 é ao redor de dois minutos; com os iDPP-4, a inibição da enzima pode durar até 24 horas, o que eleva os níveis de GLP-1 em 2-3 vezes. O aumento no GLP-1 melhora a secreção de insulina, principalmente, nos períodos pós- prandiais. Entretanto, sua atividade ainda é modesta, quando comparada à dos agonistas do receptor de GLP-1. Por conta disso, não se observa perda de peso nos pacientes que utilizam iDPP-4. Por outro lado, também não se relacionam ao ganho ponderal, sendo, portanto, neutros nesse quesito. Por induzirem a secreção de insulina de forma dependente dos níveis glicêmicos, não causam hipoglicemia, o que faz com que tais medicações sejam muito utilizadas em idosos. Medicina Vitória Boulhosa 11 linagliptina pode ser utilizada em qualquer estágio da doença renal crônica, sem necessidade de modificação posológica. As demais medicações também podem ser administradas em TFG < 60 mL/minuto, inclusive em doença renal crônica dialítica, porém com ajustes de doses. Outro ponto divergente na classe é a segurança cardiovascular. A alogliptina e a saxagliptina aumentam o risco de descompensações da insuficiência cardíaca, porém sem repercussão em mortalidade. Agonistas do receptor de GLP-1/ Análogos de GLP-1 = exenatida, liraglutida, lixisenatida (uso diário, subcutâneo); semaglutida, dulaglutida (uso semanal, subcutâneo). Como um dos efeitos patológicos do diabetes mellitus tipo 2 é a diminuição da secreção de GLP-1, essa classe medicamentosa atua na melhora da secreção de insulina. Com a reposição do hormônio de forma exógena, conseguimos aumentar, significativamente, seu nível circulante, o que propicia as outras ações do GLP-1, não observadas com o iDPP-4: retarda o esvaziamento gástrico e diminui o apetite. Esses dois efeitos repercutem na perda ponderal. A liraglutida, como veremos no livro sobre obesidade, é o único análogo de GLP-1 aprovado para tratamento medicamentoso, pois mostrou-se seguro e eficaz no processo de perda ponderal. Além da redução de peso, alguns dos análogos de GLP-1 relacionam-se à diminuição de risco cardiovascular em pacientes com doença cardiovascular estabelecida. Os efeitos colaterais mais comuns com os AgR GLP-1/ análogos de GLP-1 são relacionados com o trato gastrointestinal: náuseas, vômitos, diarreia/constipação. Por serem muito frequentes, a introdução das drogas é feita de forma gradual e progressiva. As contraindicações ao uso dos AgR GLP- 1/análogos de GLP-1 envolvem: • História prévia de pancreatite: foi relatado aumento de casos de pancreatite aguda em usuários de agonistas do receptor de GLP-1; • Gastroparesia: lembre-se de que a medicação atua retardando o esvaziamento gástrico, o que pode piorar os sintomas da gastroparesia; • História prévia de carcinoma medular de tireoide (CMT) ou pacientes diagnosticados com neoplasia endócrina múltipla tipo 2: a recomendação tem origem em estudos em roedores, nos quais houve aumento de tumores benignos e malignos de células C; • TFG < 30 mL/minuto. Ø Medicações com efeito sensibilizador de insulina Biguanidas - A única representante da classe é a metformina. Lançada em 1960, essa droga já se firmou como a primeira escolha terapêutica no DM tipo 2, uma vez que seu custo-benefício é enorme. A principal ação da metformina é bloquear uma enzima pertencente à gliconeogênese, reduzindo a transformação de lactato em piruvato. Outra ação sensibilizadora de insulina ocorre nos músculos, nos quais há maior captação de glicose (entretanto, a metformina tem ação predominantemente hepática; veremos que as tiazolidinedionas agem mais no tecido periférico). Pelo fato de melhorar a sensibilidade à insulina, a metformina reduz a acantose nigricans, tornando-a menos espessada. A metformina também é capaz de ativar uma enzima nos hepatócitos que reduz os níveis circulantes de lipídios, além de diminuir sua síntese no fígado e no músculo, efeitos considerados extraglicêmicos. O status de droga de primeira escolha não é por acaso: a metformina apresenta baixo custo, boa tolerabilidade (especialmente nas versões de liberação prolongada) e ótimo perfil de segurança. Não é associada ao ganho de peso e, em obesos, há alguns dados sugerindo modesta perda ponderal. Além disso, por atuar em mecanismos não relacionados com a secreção de insulina, não apresenta risco de hipoglicemia. Contraindicações ao uso de metformina As contraindicações à metformina envolvem situações em que há maior risco de acidose láctica: 1. TFG<30mL/minuto; 2. Doença hepática ativa: reduz a utilização do lactato, possibilitando seu acúmulo; Medicina Vitória Boulhosa 12 3. Abuso de álcool: a oxidação do etanol leva à formação de NADH, que faz com que o piruvato seja transformado em lactato, acumulando-o; 4. Insuficiência cardíaca descompensada; 5. Risco de hipoperfusão (cirurgias, por exemplo) ou instabilidade hemodina ̂mica; 6. Histórico de acidose láctica em uso de metformina. Lembre-se de que a metformina reduz a transformação de lactato em piruvato, acumulando-o. Em condições nas quais a função renal estiver comprometida (insuficiência renal, hipoperfusão tecidual por insuficiência cardíaca ou perdas sanguíneas), há maior retenção do lactato, aumentando o risco de acidose láctica. Os principais efeitos adversos da metformina são gastrointestinais: sabor metálico na boca, estufamento, flatulência, dor abdominal e diarreia. Antes de suspender a medicação, devemos tentar o comprimido de liberação estendida (metformina XR): consiste em uma “esponja”, que contém a droga, permitindo a liberação mais lenta da medicação. Muitos pacientes relatam encontrar o comprimido nas fezes e isso é normal; você pode tranquilizá-los dizendo que aquilo é apenas o invólucro e que a droga foi, de fato, absorvida. Outro efeito colateral que pode ocorrer em até 30% dos pacientes é a deficiência de vitamina B12, que é decorrente de má absorção desencadeada pela metformina. É rara a apresentação como anemia megaloblástica, mas devemos nos atentar a quadros de neuropatia periférica, que podem ocorrer como complicação microvasculardo diabetes ou por deficiência da vitamina B12. A metformina pode ser utilizada em crianças com diabetes mellitus tipo 2, a partir de 6 anos de idade. As outras drogas possíveis de serem utilizadas na faixa etária pediátrica são a insulina e a liraglutida (aprovada para ≥ 10 anos de idade). Tiazolidinedionas A única droga disponível no Brasil é a pioglitazona, que atua como agonista dos receptores nucleares PPAR-ʏ (receptores ativadores de proliferação de peroxissomos ʏ) e dos PPAR-α, alterando a transcrição de vários genes envolvidos no metabolismo da glicose e de lipídios. As tiazolidinedionas também são chamadas de glitazonas. Os PPAR-α são encontrados, em sua maioria, no fígado, coração, músculo esquelético e parede de vasos. Ao estimulá-los, a pioglitazona leva ao aumento da produção das lipoproteínas lipases, que hidrolisam os triglicérides dentro dos vasos, liberando ácidos graxos, que são captados e estocados pelo tecido adiposo. Além disso, também aumentam a síntese de apolipoproteína A-I, resultando em elevação de HDL. Essa ação agonista nos PPAR-α leva a um melhor perfil de triglicérides e HDL, da mesma forma que ocorre com os fibratos, que são drogas que estimulam os PPAR-α. Já os PPAR-ʏ estão presentes, principalmente, no tecido adiposo, estimulando o estoque de gorduras, porém com diminuição do processo inflamatório. Além disso, os PPAR- ʏ também são encontrados no sistema nervoso central e, quando estimulados, aumentam o apetite, sendo uma das hipóteses para o ganho de peso relacionado com o uso das tiazolidinedionas. Outro mecanismo de ação que colabora para o aumento ponderal é a retenção hídrica; a ativação dos PPAR-ʏ presentes nos ductos coletores leva à reabsorção de sódio, com consequente reabsorção de água. Como resultado, os pacientes podem apresentar edema periférico e macular e, até mesmo, congestão cardíaca. Por esse motivo, a pioglitazona é contraindicada em portadores de insuficiência cardíaca classes funcionais NYHA III e IV. Os mecanismos pelos quais as tiazolidinedionas reduzem a resistência à insulina ainda não são, claramente, estabelecidos. A principal hipótese é a de que essas drogas, ao reduzirem os triglicérides circulantes e os ácidos graxos livres (que são estocados), levam à diminuição do processo inflamatório no tecido adiposo, resultando em mudanças no perfil de citocinas secretadas, com consequente incremento na sensibilidade à insulina nos tecidos periféricos. Segundo estudos, a melhora da inflamação vem acompanhada de aumento de captação de Medicina Vitória Boulhosa 13 glicose, associada, em menor grau, à redução da produção hepática de glicose. Ø Medicações que provocam glicosúria Inibidores do transportador sódio-glicose tipo 2 (iSGLT-2) - canagliflozina, dapaglifozima, empaglifozina. Os inibidores do SGLT-2 são a classe medicamentosa mais nova no arsenal terapêutico do DM tipo 2. Seu mecanismo de ação consiste em inibir os transportadores de sódio-glicose tipo 2, presentes, majoritariamente, no túbulo proximal, impedindo a reabsorção de sódio e de glicose. Como a inibição da reabsorção renal é dependente dos níveis de glicose filtrada, os iSGLT-2 não causam hipoglicemia, uma vez que sua ação acompanha os níveis glicêmicos. Outro efeito benéfico é a redução ponderal, vista, de forma mais frequente, nos três primeiros meses de tratamento, com posterior manutenção. A média, nos estudos, foi de 3kg a menos nos pacientes em uso de iSGLT-2. A redução de peso é correlacionada com a perda de calorias por meio da glicosúria. O efeito colateral são as infecções de trato urinário. Ao impedir a reabsorção da glicose, os iSGLT-2 desencadeiam glicosúria; é absolutamente normal, portanto, a presença de glicose em exames urinários. Soma-se a isso a mudança de pH e de flora bacteriana, aumentando a frequência de infecções urogenitais. As mulheres são as mais acometidas e a candidíase vulvovaginal é a forma de apresentação mais comum. Ø Medicações que diminuem a absorção intestinal de glicose Inibidores da α-glicosidase Os inibidores da α-glicosidase têm apenas um representante no Brasil, a acarbose. Seu mecanismo de ação é inibir a enzima responsável pela clivagem de polissacarídeos em monossacarídeos, no trato gastrointestinal superior. Assim, a acarbose atua, principalmente, na regulação da glicemia pós-prandial, controlando a absorção intestinal de glicose (lembre-se de que apenas os monossacarídeos, como a glicose, são absorvidos). Por não estimular a secreção de insulina, não há hipoglicemias relacionadas com a acarbose. Além disso, tende a ser neutra em relação ao peso. Apesar das ações benéficas, a medicação tem baixa adesão, pois, ao aumentar a quantidade de polissacarídeos na luz intestinal, mais de 70% dos pacientes referem efeitos adversos, como flatulência e diarreia. Em estudos, ao final de um ano de tratamento, menos de 20% dos pacientes ainda utilizavam a acarbose, por conta dos sintomas. As contraindicações incluem doenças gastrointestinais que podem ter suas manifestações clínicas agravadas pela acarbose, como síndromes de má absorção (por exemplo, doença celíaca), doenças inflamatórias intestinais e obstrução. A cirrose e o histórico de cetoacidose diabética (CAD) também são condições em que a acarbose é contraindicada. Na primeira, pelo potencial de elevar as enzimas hepáticas. Já no caso da CAD, o motivo é que a droga diminui o aporte de glicose, reduzindo a secreção de insulina em indivíduos já insulinopênicos, resultando em não bloqueio da cetogênese. Apesar de ser metabolizada no intestino, seu uso não é recomendado em TFG < 30 mL/minuto.
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