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Geison Vasconcelos Lira Thayná Araújo Freire Thays Araújo Freire ORGANIZADORES MANUAL DE SEMIOLOGIA MÉDICA ATUALIZADOOBJETIVOPRÁTICO C M Y CM MY CY CMY K FOLHA DE ROSTO - Manual de Semiologia Médica.pdf 1 13/01/2020 21:54:38 Manual_Semiologia_Medica.indb 3 25/01/2020 15:03:52 ExAME CARDIOVASCuLAR – AuSCuLTA 257 CAPÍTULOEXAME CARDIOVASCULAR – AUSCULTA 12 Autor: José Augusto Costa Oliveira Coautores: Vicente Lopes Monte Neto, Leandro Cordeiro Portela e Raul Alexandre Vasconcelos O que você irá ver neste capítulo: Mapa mental dos sinais e sintomas Propedêutica da ausculta cardíaca • Características técnicas para uma boa ausculta • Focos de ausculta • Bulhas cardíacas • Sopros • Atrito pericárdico Medicina baseada em evidências Caso clínico Referências ✓ ✓ ✓ ✓ ✓ Manual_Semiologia_Medica.indb 257 25/01/2020 15:04:06 MAPA MENTAL 258 1. M A PA M EN TA L D O S SI N A IS E S IN TO M A S - IC D IR EI TA In su fic iê nc ia v en tri cu la r d ire ita - C on ge st ão s is tê m ic a - C au sa s: D PO C , c or p ul m on al e, m io ca rd io pa tia s, in fa rto d e VD TR AT A M EN TO TI PO S Q U AN TO A O LA D O A FE TA D O - D ie ta h ip os só di ca + re po us o - IE C As - D iu ré tic os - An ta go ni st a da a ld os te ro na - Be ta bl oq ue ad or es - H id ra la zi na + n itr at o - An ta go ni st a do s re ce pt or es d a an gi ot en si na II IC M IS TA si st êm ic a - D is fu nç ão e sq ue rd a e di re ita - C on ge st ão p ul m on ar e IC E SQ U ER D A Q U AN TO A O M EC AN IS M O - IC S is tó lic a X IC D ia st ól ic a Q U AN TO A O D ÉB IT O C AR D ÍA C O - IC d e ba ix o dé bi to X IC d e al to d éb ito SI N AI S E SI N TO M AS - M ai or ia d os c as os - In su fic iê nc ia v en tri cu la r e sq ue rd a - C on ge st ão p ul m on ar - C au sa s: IA M , c ar di op at ia h ip er te ns iv a, va lv op at ia s. no tu rn a SÍ N D R O M E C O N G ES TI VA PU LM O N AR - D is pn ei a ao s es fo rç os - O rto pn ei a - D is pn ei a pa ro xí st ic a - To ss e se ca - As m a ca rd ía ca ab do m in al SÍ N D R O M E C O N G ES TI VA SI ST ÊM IC A - Ed em a de M M II - Au m en to d o vo lu m e - D is pn ei a po r d er ra m e pl eu ra l - H ep at om eg al ia co ng es tiv a EX AM E FÍ SI C OD IA G N Ó ST IC O - C rit ér io s de - Pu ls o al te rn an s - Tu rg ên ci a ju gu la r p at ol óg ic a - B1 h ip of on ét ic a - B2 h ip er fo né tic a - Pr es en ça d e B3 - So pr o si st ól ic o em fo co m itr al Fr am in gh am : 2 M aj or o u 1 M aj or + 2 m in or R AI O X D E TÓ R AX EC G - C ar di om eg al ia - C or aç ão e m b ot a (V D ) - Li nh as B d e Ke rle y - In ve rs ão d o pa dr ão v as cu la r - Al te ra çõ es in es pe cí fic as - D ep en de nt e da d oe nç a su bj ac en te - Si na is d e so br ec ar ga d e VE , VD o u át rio s IN SU FI C IÊ N C IA C AR D ÍA C A C LA SS IF IC A Ç Õ ES O U TR AS Manual_Semiologia_Medica.indb 258 25/01/2020 15:04:06 ExAME CARDIOVASCuLAR – AuSCuLTA 259 2. PROPEDÊUTICA DA AUSCULTA CARDÍACA 2.1. Características técnicas para uma boa ausculta y Ambiente: deve ser calmo e silencioso, pois os ruídos cardíacos são de baixa frequência se comparados aos do meio ambiente. Devemos sempre considerar a privacidade do paciente, que se encontrará neces- sariamente com o tórax descoberto. Logo, o ideal é realizar o exame em ambiente livre de transeuntes. y Posição do paciente e do examinador: ambos devem ficar em posições confortáveis. O paciente deve ser auscultado nas posições: deitada, sen- tada e em decúbito lateral esquerdo, assim como em outras posições, a critério do examinador, a fim de que se obtenha a melhor ausculta possível. Contudo, a posição habitual é a de decúbito dorsal, com o tórax desnudo. O médico deve estar à direita do paciente para examiná-lo, assim como nos diversos outros sistemas. Caso o examinador deseje auscultar com mais fidedignidade os ruídos dos vasos basais, o paciente deve ficar na posição sentada, com o tórax levemente inclinado para frente. No entanto, se a área que se deseja avaliar for a mitral, a melhor posição é a de decúbito lateral esquerdo inclinado, com a mão esquerda sobre a cabeça para não cobrir a região que será avaliada. Nessa posição, a área mitral se aproxima ainda mais do tórax, tanto que é justamente nessa posição que melhor se percebem os fenômenos auscultatórios do famoso ruflar diastólico da estenose mitral. Manual_Semiologia_Medica.indb 259 25/01/2020 15:04:06 CAPíTuLO 12 260 Figura 1. Ausculta cardíaca em decúbito dorsal. Fonte: Autor. y Escolha correta do receptor auscultatório: o receptor de diafragma é melhor para auscultar os ruídos de alta frequência, enquanto a campâ- nula, os de baixa frequência (ex.: terceira e quarta bulhas, ruflar diastólico da estenose mitral). y Aplicação correta do receptor: a pressão sobre o tórax deve ser leve o bastante apenas para não deixar nenhuma área sem contato íntimo com a pele, impedindo, assim, que os sons do ambiente sejam captados. Um erro comum até entre os mais experientes é auscultar o coração do paciente sem solicitar ao paciente que deixe o tórax descoberto, colo- cando o receptor do estetoscópio sobre a roupa e, consequentemente, aplicando-se uma força maior do que a necessária. Por isso, é importante lembrar que se a compressão da campânula for intensa, ela funcionará como um diafragma. y Relação dos batimentos cardíacos com a respiração: um exemplo clás- sico dessa relação é observado na maioria dos sopros originados no coração direito. O motivo para esse fenômeno é o maior retorno venoso de sangue para as câmaras direitas durante a inspiração. Manual_Semiologia_Medica.indb 260 25/01/2020 15:04:06 ExAME CARDIOVASCuLAR – AuSCuLTA 261 2.2. Focos de Ausculta Quadro 1. Focos de Ausculta Cardíaca. FOCOS DE AUSCULTA CARDIACA FOCO MITRAL Está localizado entre o 4º-5º espaço intercostal (EIC), na linha he- miclavicular esquerda, justamente na ponta do coração. FOCO TRICÚSPIDE Encontra-se na base do apêndice xifoide, levemente voltado pa- ra a esquerda. FOCO AÓRTICO Dentre os focos clássicos, é o único auscultado à direita, localizan- do-se no 2º espaço intercostal direito, junto ao esterno. FOCO AÓRTICO ACESSÓRIO Funciona quase como um espelho do foco aórtico, porém se loca- liza no 3º espaço intercostal esquerdo, também junto ao esterno. FOCO PULMONAR Localiza-se no 2º espaço intercostal esquerdo, junto ao esterno. Fonte: Mário Lopez1. Figura 2. Focos cardíacos clássicos. Fonte: Autor. Existem vários outros focos, como os encontrados nas bordas ester- nais direita e esquerda, regiões laterais do pescoço, endoápex ou me- socárdio, regiões infra e supraclaviculares direita e esquerda, regiões Manual_Semiologia_Medica.indb 261 25/01/2020 15:04:06 CAPíTuLO 12 262 interescapulovertebrais e tantas outras. Todavia, vale lembrar que essa classificação guarda mais relação didática que prática, pois na realidade toda região precordial deve ser auscultada, e não apenas os focos. 2.3. Bulhas Cardíacas 2.3.1. Características das bulhas cardíacas Primeira bulha (B1) O fenômeno que causa essa bulha acontece devido às vibrações das estruturas cardiovasculares transmitidas como ondas sonoras produzias pelo fechamento quase concomitante das duas valvas atrioventriculares (mitral e tricúspide) – a mitral primeiro e, logo após, a tricúspide. Esse som coincide com o ictus cordis e com o pulso central carotídeo, ou seja, um marcador diferenciador entre as duas bulhas.Seu timbre é mais grave e sua duração, maior, se comparado à segunda bulha cardíaca. É conhecida pela onomatopeia TUM, que é mais audível no foco mitral. Em até metade da população os dois componentes são ouvidos separadamente, o que recebe o nome de desdobramento de B1, sem que haja nenhuma patologia. Segunda bulha (B2) O fenômeno que causa o ruído dessa bulha acontece devido às vibra- ções das estruturas cardiovasculares transmitidas como ondas sonoras produzias pelo fechamento quase concomitante das valvas sigmoides (primeiramente a aórtica e logo após a pulmonar). O som proveniente do fechamento aórtico se ausculta por quase todo o precórdio, diferentemente daquele proveniente do fechamento pulmonar, limitando-se ao foco pul- monar. Durante a expiração, ambas as valvas se fecham muito próximas uma da outra, porém, durante a inspiração, devido ao fato de a pressão intratorácica diminuir demasiadamente, gerando grande retorno venoso e aumento do fluxo sanguíneo para as câmaras direitas do coração, ocorre retardo no esvaziamento do ventrículo direito, atrasando o fechamento da valva pulmonar. Esse processo gera o desdobramento inspiratório de B2, recebendo a onomatopeia TLÁ. A segunda bulha é ouvida após o peque- no silêncio (tempo decorrido entre uma bulha e outra; a saber, o grande Manual_Semiologia_Medica.indb 262 25/01/2020 15:04:06 ExAME CARDIOVASCuLAR – AuSCuLTA 263 silêncio é aquele decorrido entre o final de B2 e início de B1). Seu timbre é mais agudo e seco, dando a impressão onomatopeica de TÁ. É mais audível nos focos basais. Assim B1 e B2 são descritas dessa forma: TUM-TÁ, TUM-TÁ, TUM-TÁ. Terceira bulha (B3) Essa bulha é decorrente das vibrações da parede ventricular que subita- mente sofre distensão devido à corrente sanguínea na fase de enchimento rápido da diástole. É considerada um ruído protodiastólico (início da diás- tole) de baixa frequência, mais audível em área mitral, e mais bem auscul- tada com a campânula do receptor (justamente por ser um som de baixa frequência) e o paciente em decúbito lateral esquerdo. Sua onomatopeia é a pronúncia rápida da sílaba TU. Quarta bulha (B4) É um som fraco que se dá no final da diástole, ou pré-sístole; é decorrente da parada súbita do fluxo sanguíneo advindo do átrio esquerdo, devido à quantidade de sangue já presente no ventrículo esquerdo. É como se hou- vesse um choque entre o sangue “estático” do ventrículo esquerdo com o “dinâmico” proveniente do átrio homolateral. Quadro 2. Momento da sístole e da diástole MOMENTOS DA SÍSTOLE E DA DIÁSTOLE PROTOSSÍSTOLE Terço inicial da sístole MESOSSÍSTOLE Terço médio da sístole TELESSÍSTOLE Terço final da sístole HOLOSSÍSTOLE Todo o período da sístole PROTODIÁSTOLE Terço inicial da diástole MESODIÁSTOLE Terço médio da diástole TELEDIÁSTOLE Terço final da diástole ou pré-sístole HOLODIÁSTOLE Todo o período da diástole Fonte: Exame Clínico – Porto² Manual_Semiologia_Medica.indb 263 25/01/2020 15:04:06 CAPíTuLO 12 264 O objetivo de determinar os momentos dos ruídos é justamente para separá-los entre sons sistólicos ou diastólicos e poder identificá-los dentro de cada fase do ciclo cardíaco. 2.3.2. Ritmo e frequência do coração Se houver apenas B1 e B2, chama-se de ritmo binário, o famoso “2T” da expressão “RCR, 2T, BNF, SS”. Nos casos de presença de três bulhas, o ritmo será chamado tríplice. Para contar a frequência cardíaca, basta ouvir o pre- córdio por 1 minuto e identificar quantos ciclos cardíacos foram realizados. Normalmente, varia entre 60-100 batimentos por minuto. Quadro 4. Ritmos Tríplices. RITMOS TRIPLICES Ritmo em três tempos formado pelas duas bulhas cardíacas clássicas (B1 e B2) mais uma outra bulha. Aqui não pode entrar na contagem como bulha um sopro, um estalido ou um atrito. Esse terceiro ruído ocorrerá dentro da diástole, seja no seu início (protodiásto- le), seja no seu final (telediástole ou pré-sístole). É possível a existência de terceira bulha que não tenha significado patológico. Já o rit- mo de galope é uma condição patológica e recebe esse nome porque lembra um cavalo galopando. Sua onomatopeia fica dessa forma, lida paulatinamente: PÁ-TÁ-TÁ PÁ-TÁ-TÁ PÁ-TÁ-TÁ. É audível com mais clareza usando-se a campânula nos focos mitral e tricúspi- de, com o paciente em decúbito lateral esquerdo. Em alguns casos, é mais palpável que audível. Esse ritmo pode representar uma disfunção miocárdica. Fonte: Mário Lopez1. 2.3.3. Fonese da 1ª bulha a) Intensidade É avaliada nas áreas mitral e tricúspide, local de origem dos sons do fechamento das respectivas valvas. Existem vários fatores que influenciam negativa e positivamente a percepção da intensidade da bulha. Vão desde fatores intrínsecos às valvas, como condições anatômicas ou a sua posição, até fatores extrínsecos, como obesidade ou enfisema pulmonar. Entretan- to, dentre todos os fatores, a posição dos folhetos valvares no instante da contração ventricular é o mais importante. Ora, se os folhetos estão muito baixos, quando ocorre o início da sístole, as válvulas percorrerão uma dis- tância maior, causando um impacto mais intenso. Em casos de aumento da Manual_Semiologia_Medica.indb 264 25/01/2020 15:04:06 ExAME CARDIOVASCuLAR – AuSCuLTA 265 frequência cardíaca (ex.: hipertireoidismo, extrassístoles), ocorre hiperfone- se de B1, pois a contração ventricular inicia-se com as valvas ainda muito baixas. Nas estenoses mitrais, as válvulas se afastam ainda mais, causando hiperfonese, desde que elas tenham ainda alguma mobilidade (ou seja, ainda com pouca calcificação). Já nas insuficiências cardíacas ou miocardites, como as pressões intra- ventriculares se elevam mais lentamente (e, por conseguinte, as cúspides), o som de B1 torna-se hipofonético. Outra causa de hipofonese de B1 é a in- tensificação da calcificação das valvas, que ficam quase imóveis. Já nos casos de febre, hipertireoidismo etc., a força de contração miocárdica fecha mais rapidamente e com maior vigor as valvas, causando hiperfonese dessa bulha. As alterações de parede torácica também podem determinar hiper ou hipofonese. Se o paciente for magro, haverá pouco meio físico entre o receptor e os ruídos, ouvindo-se sons hiperfonéticos. O oposto também é verdadeiro, ou seja, em pacientes obesos, com grandes massas musculares no tórax ou com alguma doença que aumente o diâmetro anteroposterior do tórax, como no caso da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), pode ocorrer hipofonese de B1. b) Timbre e tom Na estenose mitral, a rigidez das valvas causa um tom mais agudo e um timbre metálico ao se chocarem. c) Desdobramento Pode ser fisiológico em até metade da população. Se os componentes estiverem muito distantes, a suspeita de Bloqueio de Ramo Direito (BRD) pode ser aventada. Isso porque o atraso da condução elétrica de despo- larização para o ventrículo direito atrasa a sua contração e, consequente- mente, o seu esvaziamento, atrasando o fechamento da valva pulmonar. Sua onomatopeia será: TLUM – TÁ – TLUM – TÁ. d) Mascaramento Como o nome sugere, ocorre uma sobreposição (sopro, por exemplo) exatamente no momento de B1. Esse ruído novo é mais intenso que o fisiológico e causa camuflagem. Manual_Semiologia_Medica.indb 265 25/01/2020 15:04:06 CAPíTuLO 12 266 2.3.4. Fonese da 2ª bulha a) Intensidade B2 é melhor avaliada auscultando os focos basais. Diversos fatores in- fluenciam a intensidade de B2, desde a posição das valvas no início do seu fechamento até os fatores osteomusculares. Assim, como discutido em B1, o principal fator é a posição das valvas durante o início da contra- ção. Pelo mesmo princípio, quando o débito ventricular diminui, as valvas pulmonar e aórtica ficam próximas do seu local de fechamento, causando diminuição da intensidade. O contrário é verdadeiro, ou seja, quando ocorre aumento do débito, como em algumas cardiopatias congênitas (Persistência do Canal Arterioso – PCA, Comunicação Interventricular – CIV),ocorre hiperfonese. Nas estenoses valvares, o som fica hipofonético, pois a mobilidade estará diminuída, dependendo do grau de calcificação valvular. Se hou- ver HAS ou Hipertensão Pulmonar, haverá hiperfonese de B2 no foco aórtico ou pulmonar, respectivamente, pois nessas situações às cúspides fecham com mais força. Já as condições osteoarticulares são as mesmas descritas em B1. b) Timbre e tom Essa bulha passa a ter caráter seco. c) Desdobramento Quando se estuda o desdobramento de B2, o foco escolhido é o pulmo- nar, pois nele encontramos os 2 componentes. O desdobramento fisiológico já foi descrito anteriormente, quando falamos sobre aumento do fluxo sanguíneo durante a inspiração. Os patológicos são: y Constante: pode ser de origem mecânica ou elétrica. Sua onomatopeia é TUM – TLÁ. Um exemplo é o BRD. Também pode ser variável, pois na inspiração profunda o desdobramento pode ser acentuado. Esse é um exemplo de causa elétrica. Outro desdobramento constante, porém, fixo, é aquele da CIV, quando o sangue passa para a câmara de menor pressão (VD) e causa retardo em seu esvaziamento. Manual_Semiologia_Medica.indb 266 25/01/2020 15:04:06 ExAME CARDIOVASCuLAR – AuSCuLTA 267 y Investido ou paradoxal: ocorre no Bloqueio de Ramo Esquerdo (BRE). É encontrado durante a expiração. Esse nome é devido à inversão na ordem dos componentes da 2ª bulha, ou seja, como ocorre atraso na condução elétrica para o ventrículo esquerdo, essa câmara demora mais para iniciar a sua contração, e, consequentemente, sua valva aórtica demorará mais a se fechar. 2.3.5. Alteração da 3ª e 4ª bulhas Não há diferenças estetoacústicas entre essas bulhas, e elas podem ser encontradas em pessoas sadias. Quando possui significado patológico, po- dem ser observadas em pessoas com coração mais complacentes (“moles”) ou menos complacentes (“duros”). Se corações moles, o predomínio passa a ser de B3; se duros, B4. Quadro 5. Cliques e Estalos. CLIQUES E ESTALIDOS DIASTÓLICOS Ocorrem geralmente nas estenoses das valvas atrioventriculares. a) Estalido de abertura mitral: caracterizado por um ruído seco, agudo e breve. Pode ser até palpado, pois tem alta intensidade. É audível com mais clareza em seu foco mitral, com o paciente em DLE. Esse é o sinal que mais indica estenose mitral, porém essa valva deve apresentar alguma mobilidade para que o exa- minador escute o ruído. b) Estalido de abertura tricúspide: seu local de ausculta é prin- cipalmente em seu foco. Ocorre, assim como o estalido de abertura mitral, na doença reumática com acometimentos cardíacos. PROTOSSISTÓLICOS (pulmonar e aórtico): São de origem vascular e de alta frequência (por isso, audíveis com mais clareza quando o examinador usa o diafragma do re- ceptor), agudos e intensos. O pulmonar é mais bem auscultado em seu foco e pode denotar estenose pulmonar. Já o aórtico pode ser auscultado desde o 4º EIE até a área mitral e pode representar uma gama de alterações. MESOSSISTÓLICOS E TELESSISTÓLICOS Podem ser decorrentes de uma brida pericárdica, caracterizada como um clique sistólico (alta frequência, agudo e seco) entre B1 e B2. Mais audíveis nos focos apicais. Podem também representar prolapso de valvas mitral e tricúspide. Fonte: Mário Lopez1. Manual_Semiologia_Medica.indb 267 25/01/2020 15:04:06 CAPíTuLO 12 268 2.4. Sopros Iniciamos um dos pontos mais importantes de toda a ausculta cardía- ca, que é a identificação e classificação dos sopros cardíacos. Os sopros são decorrentes de alguma alteração do fluxo sanguíneo, como estenose, dilatação ou qualquer obstáculo ou até mesmo comunicação entre duas estruturas. Resumindo os mecanismos causadores dos sopros: Aumento da velocidade da corrente sanguínea Diminuição da viscosidade sanguínea Estenose Dilatação Passagem do sangue sobre uma membrana livre. Dentre eles, a velocidade sanguínea tem característica sinérgica com todos os outros mecanismos, por isso pode ser solicitado ao paciente que se realize algum exercício físico para aumentar a frequência cardíaca, com o intuito de aumentar a intensidade do sopro. 2.4.1. Características semiológicas dos sopros a) situação no ciclo cardíaco; b) localização; c) irradiação; d) intensidade; e) timbre e tom; f) modificação com a fase da respiração, posição do paciente e exercício físico. a) Situação no ciclo cardíaco É a primeira e a mais importante etapa na avaliação dos sopros cardíacos. Deve ser definido se o sopro ocorre na sístole ou na diástole, e, para isso, deve-se ter clara a diferenciação entre as duas primeiras bulhas. Se houver alguma dúvida para saber qual bulha é aquela que está sendo auscultada, uma opção é palpar o pulso carotídeo concomitante à ausculta. Aquela Manual_Semiologia_Medica.indb 268 25/01/2020 15:04:06 ExAME CARDIOVASCuLAR – AuSCuLTA 269 bulha que coincide com a palpação do pulso representa o fechamento das valvas atrioventriculares, ou seja, B1. Podem ser sistólicos, diastólicos, sistodiastólicos ou contínuos. Quadro 6. Sopros Cardíacos. SOPROS CARDIACOS SISTÓLICOS • de ejeção: São causados pela passagem do fluxo sanguíneo por estruturas estenosadas (como as valvas aórtica e pulmonar) durante a sístole. Características: iniciam praticamente após a B1, aguardando ape- nas o fim da contração ventricular isovolumétrica. Inicialmente, a ejeção é lenta, intensificando no meio e voltando a diminuir a velocidade no final. É justamente por essa razão que o sopro (nos casos das estenoses) ganha o aspecto crescente-decrescente. O sopro termina antes da B2. São encontradas na estenose aórtica e na pulmonar. • de regurgitação: Surgem desde o início de B1, podendo até mesmo mascará-la. Ocorrem devido a alguma insuficiência das valvas AV (mitral e tri- cúspide) que não conseguem manter-se completamente fecha- das, permitindo o refluxo sanguíneo para os átrios ou para o outro ventrículo, nos casos de CIV. São holossistólicos, podendo reco- brir até B2, e possuem intensidade semelhante do início ao fim. DIASTÓLICOS Podem ser proto, meso ou telediastólicos, a depender da localiza- ção dentro da diástole. Ocorrem nas estenoses atrioventriculares e na insuficiência aórtica ou pulmonar. No caso das estenoses, o so- pro é geralmente meso, pois é justamente o equivalente à fase de enchimento ventricular rápido. Esse tipo de sopro tem o caráter de ruflar devido a sua frequência mais baixa e ao seu tom mais grave. Já os sopros decorrentes da insuficiência aórtica ou pulmonar de- correm do não fechamento eficaz dessas valvas, permitindo a re- gurgitação (refluxo de sangue) durante a diástole. É um sopro que se inicia logo após a B2. É mais comum no período proto, porém pode se prolongar até o tele. Tem caráter aspirativo, pois possui al- ta frequência, intensidade decrescente e tom agudo. SISTODIASTÓLICOS OU CONTÍNUOS Como o nome já sugere, esses sopros podem ser auscultados em todo o ciclo cardíaco, inclusive mascarando B1 e B2. Sua parte sis- tólica é a mais intensa, ganhando a famosa expressão de “sopro em maquinaria”. Encontrados na PCA, nas Fístulas Arteriovenosas – FAV e em anomalias aortopulmonares. Fonte: Mário Lopez1. Manual_Semiologia_Medica.indb 269 25/01/2020 15:04:07 CAPíTuLO 12 270 b) Localização Identifica-se auscultando todos os focos cardíacos, porém com muita atenção, pois um ruído observado em uma área não quer dizer absoluta- mente que ele tem origem ali. c) Irradiação O primeiro passo é avaliar o foco de maior intensidade; após, direciona-se o receptor centrifugamente para as demais áreas e tenta seguir o padrão da irradiação. Os fatores que influenciam a irradiação são a sua intensidade e a direção da corrente sanguínea. Ora, quanto maior a intensidade, maior a irradiação. De igual forma, a irradiação segue, geralmente, o fluxo sanguíneo. d) Intensidade Como a avaliação é demasiadamente subjetiva, o ideal é usar o sistema de cruzes (+ a 6+). Alguns autores utilizam o sistema de 4 cruzes. +: débil,necessitando de grande atenção ++: discreto, porém audível de imediato +++: moderadamente intenso ++++: intenso, acompanhado de frêmito, somente audível quando o este- toscópio se mantém em contato completo com a pele do paciente +++++: audível mesmo quando o contato do estetoscópio é parcial com a pele do paciente ++++++: pode ser auscultado sem que haja necessidade do contato de qualquer parte do estetoscópio com a pele do paciente A intensidade varia de acordo com a sua transmissão (pessoas obesas ou com enfisema apresentarão sopros subestimados, por exemplo) ou o seu mecanismo propriamente dito (velocidade do fluxo e volume). Nas co- municações intraventriculares, por exemplo, quanto menor a comunicação, mais intenso será o sopro, pois o sangue fluirá de uma câmara à outra com velocidade maior. Agora, se o volume sanguíneo é pequeno, o sopro terá igualmente intensidade menor. Manual_Semiologia_Medica.indb 270 25/01/2020 15:04:07 ExAME CARDIOVASCuLAR – AuSCuLTA 271 e) Timbre e Tom Juntos, formam a qualidade do som, que é determinada pelo volume e tipo de mecanismo que causou o turbilhonamento sanguíneo. Pode receber a denominação de rude, aspirativo, musical, piante, ruflar e tantos outros. f) Modificação (manobras) com a fase da respiração, posição do paciente e exercício físico y Respiração: Um bom exemplo dessa relação entre respiração e sopro é quando há dúvidas se a origem do sopro advém de uma insuficiência mitral ou tricúspide. Para auxiliar no diagnóstico, usa-se como ferra- menta a manobra de Rivero-Carvallo. A manobra é simples e realizada da seguinte maneira: o paciente fica em decúbito dorsal, enquanto o examinador, à direita, aproxima o receptor junto à área tricúspide. Deve-se dar atenção à intensidade do sopro durante a respiração fisio- lógica. Solicita-se ao paciente que inspire profundamente, manobra que aumenta o retorno venoso para o coração direito, e, em caso de defeito valvar tricúspide, o sopro irá ser intensificado. Caso o sopro tenha sua intensidade diminuída chamamos de manobra de Rivero-Carvallo nega- tiva, ou seja, não houve intensificação do sopro no foco tricúspide, e o sopro é de origem valvar mitral com irradiação para a área tricúspide. y Posição do paciente: Nos sopros basais, é válido solicitar ao paciente que fique sentado, com o tórax levemente inclinado para frente. Já o ruflar diastólico da Estenose Mitral (EM) fica mais audível em decúbito lateral esquerdo. y Exercício físico: Aumenta a velocidade sanguínea e, consequentemente, os sopros. 2.5. Atrito Pericárdico Normalmente, os folhetos pericárdicos se deslizam um sobre o outro, sem provocar vibração; porém, quando há algum processo inflamatório ou fibrose, esse deslizamento pode causar ruídos. É caracterizado conforme o seguinte: Manual_Semiologia_Medica.indb 271 25/01/2020 15:04:07 CAPíTuLO 12 272 y Situação: não guarda relação obrigatória nem com a diástole nem com a sístole, podendo ser encontrado em ambas ou em apenas uma. Tam- bém não tem relação com as bulhas. Pode ter reforço durante a sístole. y Localização: ponta e borda esternal esquerda. y Intensidade: variável, até mesmo sem nenhuma manobra. y Timbre e tom: também variável. y Mutabilidade: até mesmo dentro do mesmo dia o atrito pode mudar de qualidade, situação improvável nos sopros. Quadro 7. Ausculta do coração nos principais defeitos orovalvares adquiridos e nas anomalias congênitas mais frequentes. AUSCULTA DO CORAÇÃO NOS PRINCIPAIS DEFEITOS OROVALVARES ADQUIRIDOS E NAS ANOMALIAS CONGÊNITAS MAIS FREQUENTES ESTENOSE MITRAL O orifício mitral pode ser estreito, em condições congênitas, ou tornar-se estenosado em situações adquiridas (febre reumática, degeneração senil). Nessa situação, o fluxo sanguíneo do átrio para o ventrículo sofre uma resistência, que traz consigo as ca- racterísticas a seguir: • B1: hiperfonética, metálica e seca. • B2: hiperfonética em foco pulmonar. • Estalido de abertura mitral. • Sopro mesodiastólico com reforço pré-sistólico audível ape- nas no foco mitral. Representa o ruflar diastólico. É mais audí- vel com a campânula e com o paciente em DLE. É mais intenso após exercício físico. INSUFICIÊNCIA MITRAL Aqui ocorre o refluxo, a regurgitação do sangue do ventrículo para o átrio durante a sístole, decorrente do mau fechamento dessa valva. Também pode ser decorrente de febre reumática, mas também de endocardite infecciosa, infarto agudo do mio- cárdio, cardiomiopatias etc. O achado clássico é o sopro sistó- lico de regurgitação. Localiza-se na área de mesmo nome com irradiação para região axilar ipsilateral. A intensidade será de acordo com a quantidade de sangue refluído, podendo alcan- çar 6+. O timbre e o tom são variáveis. Pode mascarar B1 e dei- xar a B2 hiperfonética se houver aumento de pressão no terri- tório pulmonar. Manual_Semiologia_Medica.indb 272 25/01/2020 15:04:07 ExAME CARDIOVASCuLAR – AuSCuLTA 273 ESTENOSE AÓRTICA Decorrente do estreitamento valvar, na passagem sanguínea en- tre o ventrículo esquerdo e a aorta. A principal causa também é a febre reumática, mas também pode ser decorrente de doen- ça congênita em crianças e adultos jovens (valva bicúspide). Já nos idosos, a principal causa é a degeneração senil. A alteração à ausculta é o surgimento de um sopro sistemático de ejeção, com aumento da intensidade no foco aórtico. Tem irradiação para o pescoço, seguindo a corrente sanguínea. Sua intensidade varia de acordo com o estreitamento. Sua qualidade é rude. Será mais audível com o paciente sentado. INSUFICIÊNCIA AÓRTICA Durante o enchimento ventricular, as valvas aórtica e pulmonar devem encontrar-se fechadas, porém em condições patológicas, como febre reumática, endocardite infecciosa, degeneração se- nil ou dissecção aórtica, a valva torna-se insuficiente, permitindo o retorno sanguíneo para o átrio direito. É um sopro diastólico, pode ocupar desde a proto até a holodiástole. Localiza-se nos focos aórtico e aórtico acessório, com irradiação para região tri- cúspide e até mitral. Tem alta frequência, possui caráter decres- cente e qualidade aspirativa de intensidade variável, auscultado com mais clareza na posição sentada e se o paciente realizar ap- neia expiratória. ESTENOSE PULMONAR (EP) Você já deve ter percebido o padrão das lesões e o padrão aus- cultatório decorrente. Então: na EP há uma dificuldade/resis- tência ao fluxo sanguíneo quando esse passa através da valva pulmonar pela artéria pulmonar, no sentido para os pulmões, durante a sístole. Ela é comum na Tetralogia de Fallot. Pode ser um estreitamento verificado a partir do infundíbulo do ventri- cular direito (via de saída do ventrículo direito) ou ser de ori- gem da valva e/ou artéria pulmonar. O seu principal foco de ausculta é justamente nessa área. Se a estenose for intensa, o 2º componente de B2 (fechamento pulmonar) será menos pre- sente, causando hipofonese e desdobramento da 2ª bulha. O sopro é sistólico, crescente-decrescente e inicia-se com o esta- lido protossistólico. INSUFICIÊNCIA PULMONAR A dilatação orovalvar dessa região é decorrente de vários fatores, sobretudo em condições que aumentem a pressão pulmonar ou em algumas situações específicas, como na síndrome de Marfan. Esse sopro é audível após a B2, é diastólico e decorrente do re- fluxo para o ventrículo direito (VD), localizado da área pulmonar até a tricúspide. Manual_Semiologia_Medica.indb 273 25/01/2020 15:04:07 CAPíTuLO 12 274 COMUNICAÇÃO INTERATRIAL Situação relativamente comum, é caracterizada por sopro sistó- lico, porém não devido à passagem sanguínea entre o orifício, e sim pela formação de uma estenose pulmonar “relativa” devido ao hiperfluxo sanguíneo para o VD. Está associado ao desdobra- mento constante e fixo de B2. COMUNICAÇÃO INTERVENTRICULAR Quanto menor o orifício de comunicação, mais interno o sopro. É mais audível no mesocárdio e tem irradiação para o foco mitral. A qualidade é em jatoa vapor. PERSISTÊNCIA DO CANAL ARTERIOSO É caracterizado como um sopro contínuo, com localização na área infraclavicular. É mais intenso na sístole e tem qualidade rude. É o famoso “ruído em maquinário”. Fonte: Mário Lopez¹. 3. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS – MBE Quadro 8. Principais variáveis de um teste diagnóstico. REVISÃO RÁPIDA MBE Sensibilidade Se meu paciente tem uma doença, qual probabilidade de um teste diagnóstico ser positivo? Especificidade Se meu paciente não tem uma doença, qual probabilidade de um teste diagnóstico ser negativo? Razão de verossimilhança Quantas vezes é mais provável encontrar um resultado, seja ele po- sitivo ou negativo, em pessoas doentes em relação a pessoas sadias? • Quanto maior a RV positiva = mais o resultado positivo aumenta a probabilidade de doença. • Quanto menor a RV negativa = mais o resultado negativo diminui a probabilidade de doença. Fonte: Autor Manual_Semiologia_Medica.indb 274 25/01/2020 15:04:07 ExAME CARDIOVASCuLAR – AuSCuLTA 275 Tabela 1. Primeira e Segunda Bulhas Cardíacas. ACHADO SENSIBILI-DADE (%) ESPECIFICI- DADE (%) RAZÃO DE VEROSSIMILHANÇA Achado presente Achado ausente Primeira bulha cardíaca Intensidade variável B1 Detecção da dissociação atrioven- tricular 58 98 24.4 0.4 Segunda bulha cardíaca Batida longa e fixa Detecção de defeito no septo atrial 92 65 2.6 0.1 Batida paradoxal Detecção de estenose aórtica sig- nificativa 50 79 NS NS P2 ruidoso Detecção de hipertensão pulmo- nar em pacientes com estenose mitral 58-96 19-46 NS NS Detecção de hipertensão pulmo- nar em pacientes com cirrose 38 98 17.6 NS P2 palpável Detecção de hipertensão pulmo- nar 96 73 3.6 0.05 B2 aumentada ou diminuída Detecção de estenose aórtica sig- nificativa em pacientes com sopros de fluxo aórtico 44-90 63-98 3.8 0.4 Fonte: McGee³. Manual_Semiologia_Medica.indb 275 25/01/2020 15:04:07 CAPíTuLO 12 276 Tabela 2. Sopros e Doença Cardíaca Valvar. ACHADO SENSIBILI-DADE (%) ESPECIFICI- DADE (%) RAZÃO DE VEROSSIMILHANÇA Achado presente Achado ausente Sopro funcional Detecção de achado normal na ecocardiografia 67-98 70-91 4.7 NS Sopro sistólico característico Detecção de estenose aórtica leve ou moderada 90 85 5.9 0.1 Detecção de estenose aórtica se- vera 83-98 71-76 3.5 0.1 Detecção regurgitação mitral leve ou moderada 56-75 89-93 5.4 0.4 Detecção de regurgitação mitral severa 73-93 61-76 2.6 0.3 Detecção de regurgitação tricús- pide leve ou moderada 23 98 14.6 0.8 Detecção de regurgitação tricús- pide severa 20-62 94-98 9.6 NS Detecção de defeito de septo ven- tricular 90 96 24.9 NS Detecção de prolapso da valva mitral 55 96 12.1 0.5 Sopro diastólico característico Detecção de regurgitação aórtica leve e moderado 54-87 75-98 9.9 0.3 Detecção de regurgitação aórti- ca severa 88-98 52-88 4.3 0.1 Detecção de regurgitação pulmo- nar 15 99 17.4 NS Fonte: McGee³. Manual_Semiologia_Medica.indb 276 25/01/2020 15:04:07 CASO CLÍNICO 277 História clínica M.A.S, sexo feminino, 82 anos, natural e residente de Maracanaú, região metropolitana do Ceará, parda, viúva, evangélica, com ensino fundamental completo. Vem à consulta no pronto-atendimento, acompanhada pela no- ra,com queixa de “falta de ar” há 7 dias, com piora significativa desde ontem. Acompanhante relata que a paciente já se queixava de dispneia, há cerca de 3 anos, apenas aos moderados esforços, tais como caminhar duas quadras, porém fazia sua própria refeição, banhava-se só e não aparentava dispneia para realização de atividades básicas de vida diária e atividades instrumen- tais. Após viagem de ônibus para visitar os filhos no interior do Estado, iniciou quadro de tosse produtiva, associada à febre baixa. Os parentes também notaram que ela apresentava dificuldade de dormir deitada, neces- sitando ficar praticamente sentada para conseguir descansar. Foi medicada com antitussígenos e xarope caseiro; no entanto, piorou do quadro no dia seguinte, apresentando alteração do nível de consciência e intensa disp- neia, motivo pelo qual os filhos trouxeram-na ao pronto-socorro da cidade. Medicações em uso: Hidroclorotiazida 50 mg (1-0-0), Losartana 50 mg (1- 0-0) e Metformina 500 mg (1-1-1) Antecedentes pessoais: hipertensa e diabética diagnosticada há 20 anos, ambas compensadas. Queda da própria altura, com evolução para pequena lâmina de hematoma subdural, optado, na ocasião, pela equipe de Neu- rologia, por tratamento clínico. Varizes em ambas as pernas, com ferida aberta de difícil cicatrização. Hábitos: nega etilismo e tabagismo. Antecedentes familiares: não recorda a idade nem a causa da morte dos pais. Lembra-se apenas de que um irmão morreu de câncer, porém não sabe qual tipo. Não sabe informar também quais doenças os demais irmãos apresentam. Exame físico (na admissão) Exame físico geral/Ectoscopia: Mau estado geral, hipocorada (+/4+), de- sidratada, cianose de extremidades, anictérica e febril ao toque, taquidisp- neica, consciente, porém desorientada. Apresentando sobrepeso. Manual_Semiologia_Medica.indb 277 25/01/2020 15:04:07 CASO CLÍNICO 278 Dados vitais: FC 113 bpm, FR 36 irpm, Tax 38,6°C, PA 90x60 mmHg, em decúbito e sentada, no membro superior direito. Exame da cabeça e do pescoço: ausência de achados relevantes, exceto por cicatriz causada por ferimento por arma branca em região cervical anterior esquerda. Exame neurológico: desorientação temporoespacial, miniexame do estado mental (MEEM) não realizado, sem alterações de pares cranianos; massa muscular, tônus e força preservada; sinal de Romberg negativo; déficit de sensibilidade vibratória em membros inferiores, com preservação da sensibilidade tátil superficial e térmica. Reflexos preservados. Marcha sem alterações. Exame do tórax e aparelho respiratório: tórax atípico, dispneica, expansi- bilidade diminuída e frêmito toracovocal aumentado em base de hemitórax direito, sons de roncos pulmonares também em base à direita, percussão submaciça em base de hemitórax à direita, com murmúrio vesicular di- minuídos nessa região. Presença de estertores em base, mais audível à esquerda, e de sibilos. Exame do sistema cardiovascular: ritmo de galope, pulso radial alternante. Exame abdominal (incluindo aparelhos genitais): abdome semigloboso por adiposidade, sem abaulamentos, retrações ou cicatrizes, RHA presentes, flácido e indolor, ausência de massas ou visceromegalias palpáveis, espaço de Traube livre. Genitália sem alterações. Exame das extremidades e pulsos periféricos: extremidades mal perfun- didas, com tempo de enchimento capilar de 4 segundos, pulsos periféricos palpáveis, simétricos, porém filiformes. Presença de veias varicosas nos membros inferiores. Exame das articulações e sistema osteomuscular: ausência de achados relevantes. Exames complementares Exames laboratoriais: Hb 8,7 g/dL, Ht 26%, VCM 113 fl, leucócitos 13.800, plaquetas 300.000, creatinina 1,04 mg/dL, ureia 29 mg/dL, sódio 138 mg/ Manual_Semiologia_Medica.indb 278 25/01/2020 15:04:07 CASO CLÍNICO 279 dL, potássio 3,3 mg/dL, TGO 32, TGP 21, glicose 80 mg/dL, TSH 2,89 µUI/mL, sorologias virais e VDRL negativos Tomografia de crânio: atrofia cortical difusa, sem outras alterações. Pontos de discussão 1. Qual é o sintoma-guia? E como investigá-lo? 2. Qual é o diagnóstico sindrômico? 3. Qual é o diagnóstico anatômico/topográfico? 4. Quais são os diagnósticos diferenciais? 5. Qual é a principal hipótese de diagnóstico etiológico? 6. Quais são os achados do exame físico que corroboram a hipótese? 7. Os dados do exame clínico são suficientes para confirmar ou excluir o diagnóstico levantado? Discussão Você inicialmente deve estar se perguntando o que um caso de pneumo- nia está fazendo no capítulo de ausculta cardíaca. Se a suspeita inicial foi pneumonia, você está no raciocínio clínico exato. Contudo, como explicar os achados do sistema cardiovascular? Eles são consequências, causas ouachados sem significado clínico para esse caso? A insuficiência cardíaca é uma doença cada vez mais comum na nossa população devido ao seu envelhecimento nas últimas décadas. Ela se subdivide clinicamente em insuficiência ventricular direita ou esquerda (ou até mesmo mista), o que determinará sinais e sintomas distintos. Pode ser dividida ainda em sistólica (70%) e diastólica. Embora com manifes- tações semelhantes, a insuficiência diastólica traz consigo um quadro mais brando. Existem várias causas etiológicas, desde infecciosas até uso de drogas cardiotóxicas. Todavia, independentemente da etiologia inicial, a evolução e fisiopatologia é a mesma. Em muitos casos, é impossível saber o fator inicial, pois ele pode ter se dado há décadas, como no nosso caso, em que Manual_Semiologia_Medica.indb 279 25/01/2020 15:04:07 CASO CLÍNICO 280 a paciente já apresentava, há anos, dispneia, porém nunca era realizada investigação, e, após uma descompensação, aqui causada pela infecção pulmonar, apresentou sintomatologia franca. Quando o fator agressivo não é retirado, como, por exemplo, uma pressão arterial elevada, ou quando o paciente não faz uso de drogas cardioprotetoras (no nosso caso a paciente nem sabia que apresentava insuficiência cardíaca), ocorre o que chamamos de remodelamento cardíaco, ou seja, ocorre um remodelamento do tecido miocárdico ventricular. O organismo se protege dos sintomas da insuficiência aumentando a força contrátil do miocárdio, e posteriormente até necessitando da ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, tudo isso para compensar a carga hemodinâmica, para manter uma boa perfusão tecidual, porém chega um momento em que as forças compensatórias não são mais suficiente para manter a homeostase. Isso ocorre classicamente quando o paciente desenvolve uma infecção, tipicamente a Pneumonia Bacteriana Adquirida na Comunidade (PAC), o que ocorreu justamente com a nossa paciente. Os sintomas vão desde os cardíacos até os extracardíacos. Os cardíacos são: taquicardia (para compensar a sobrecarga); ritmos anormais, tais como o ritmo de galope; sopros; intolerância aos esforços; hiperfonese de 2ª bulha cardíaca; cardiomegalia; arritmias; pressão arterial convergente. Os extracardíacos são decorrentes da congestão venosa: dispneia e tosse; he- moptoicos; estertores pulmonares; fadiga; cianose; hepatomegalia; edema; ingurgitamente jugular; derrames cavitários. No caso supracitado, estamos diante de uma idosa que, após quadro de PAC, iniciou dispneia intensa e outros sinais e sintomas. Temos, portanto, a dispneia como sintoma-guia. Inicialmente, pensamos ser devido ao quadro pulmonar, e isso é correto, porém cabe-nos investigar se é de origem primária do pulmão ou secun- dária ao coração ou outra alteração, como quadros hematológicos, ou até mesmo uma junção de mais que uma causa, algo muito comum na prática clínica diária. Como o sintoma-guia é dispneia, esse fato nos faz pensar em insufi- ciência ventricular esquerda. Como o ventrículo esquerdo não consegue bombear sangue para a circulação sistêmica de maneira adequada, há, Manual_Semiologia_Medica.indb 280 25/01/2020 15:04:07 CASO CLÍNICO 281 retrogradamente, congestão venocapilar no tecido pulmonar, causando os sintomas extracardíacos já citados, como a dispneia. A dispneia pode ter diversas formas: a) Dispneia de esforço: como o nome sugere, é aquela que o paciente se sente cansado após exercício físico, que antes realizava sem queixas; pode ser graduada aos pequenos, médios ou grandes esforços; a nossa paciente apresentava a dispneia aos moderados esforços; b) Dispneia de decúbito: na posição de decúbito dorsal, o sangue re- presado nos leitos venosos dos membros inferiores e esplâcnicos chegam ao ventrículo direito, de onde é bombeado para o pulmão, o que causa au mento da congestão venosa nesse órgão. Note que a paciente necessitou ficar sentada para dormir, o que denota grande congestão venocapilar pulmonar; c) Dispneia paroxística: ocorre mais durante a noite e, por essa razão, é mais conhecida como dispneia paroxística noturna. Durante o sono, o centro respiratório diminui a sua sensibilidade, o que faz com que a paciente consiga inicialmente dormir, porém, pelo mesmo motivo citado na dispneia de decúbito, o leito venovascular do pulmão se encharca. No meio da madrugada, a paciente acorda com intensa dispneia, necessitando sentar-se à beira do leito ou da cama para conseguir respirar; d) Dispneia periódica de Cheyne-Stokes: a paciente inicialmente apresen- ta movimen tos respiratórios cada vez mais intensos até um máximo, então começa a diminuir, podendo ficar em apneia. Esse ritmo é cíclico e caracteriza uma doença mais grave. Nossa paciente também apresentou estertores em ambas as bases, po- rém mais audível à esquerda (isso porque na base direita está formada uma consolidação devido à PAC). Esses sinais são os mais precoces da congestão pulmonar e o seu reconhecimento é fundamental para evitar iatrogenias, tais com hiperidratação. Às vezes, pode estar associada a broncoespamos, caracterizados como sibilos, dando o que chamamos de asma cardíaca, apresentada pela nossa paciente. Manual_Semiologia_Medica.indb 281 25/01/2020 15:04:07 CASO CLÍNICO 282 Como consequência da diminuição do débito cardíaco, podem surgir sintomas decorrentes da má oxigenação cerebral. Esses sintomas podem ser desde irritabilidade ou fadiga até alteração do nível de consciência. Aqui, mais uma vez, notamos um sinal que é observado tanto na PAC como na insuficiência cardíaca ventricular esquerda, fato que demonstra que várias etiologias podem se sobrepor. A paciente está taquicárdica, o que pode ser decorrente de um quadro de sepse ou um mecanismo compensatório, na tentativa de manter um débito cardíaco minimamente aceitável. Os pacientes poderão se queixar de palpitações. No exame físico dessa paciente, encontramos o ritmo em três tempos, conhecido como ritmo de galope, ou seja, as duas bulhas cardíacas clássicas (B1 e B2), mais uma outra bulha. Aqui não pode entrar na contagem como bulha um sopro, um estalido ou um atrito. Esse terceiro ruído ocorrerá dentro da diástole, seja no seu início (protodiástole) ou até no seu final (telediástole ou pré-sístole). O ritmo de galope é um exemplo de 3ª bulha patológica e recebe esse nome porque lembra um cavalo galopando. Sua onomatopeia fica dessa forma, lida paulatinamente: PÁ-TÁ-TÁ PÁ-TÁ-TÁ PÁ-TÁ-TÁ. É audível com mais clareza usando-se a campânula nos focos mitral e tricúspide, com o paciente em decúbito lateral esquerdo. Em alguns casos, é mais palpável que audível. Esse ritmo pode representar uma disfunção miocárdica. O exame cardiovascular de nossa paciente também apresentou uma alteração na palpação dos pulsos radiais, classificada como pulso alternante, que é decorrente da variação do número de fibras que se contraem em cada batimento. Quando poucas fibras se contraem, o pulso será fraco. O oposto também é verdadeiro. Diante do quadro exposto, temos como diagnóstico sindrômico: Sín- drome dispneica. Anatômico/Topográfico: Coração e Pulmão e dentre as etiologias que podem causar essa síndrome, ficamos com a Insuficiência ventricular esquerda (aqui, investigar a causa primária: HAS? Isquêmica? Viral?) e PAC por Streptococcus pneumoniae, respectivamente. Manual_Semiologia_Medica.indb 282 25/01/2020 15:04:07 CASO CLÍNICO 283 Tabela 3. Insuficiência Cardíaca Congestiva – baixa fração de ejeção. ACHADO SENSIBILI-DADE (%) ESPECIFI- CIDADE (%) RAZÃO DE VEROSSIMILHANÇA Achado presente Achado ausente Sinais vitais FC > 100 bpm em repouso 22 92 2,8 — Respiração de Cheyne-Stokes 33 94 5,4 0,7 Exame pulmonar Crepitações 10-29 77-98 — — Exame cardíaco Elevação da pressão venosa ju- gular 7-25 96-98 6,3 — Impulso apical supino lateral na linha hemiclavicular 5-66 93-99 10,3 0,7 S3 galope 11-51 85-98 3,4 0,7 S4 galope 31-67 55-68 — — Murmúrio deregurgitação mitral 25 89 — — Outros Hepatomegalia 3 97 — — Edema 8-33 70-98 — — Fonte: McGee³. Sintoma-guia: Dispneia. Diagnóstico sindrômico: Síndrome dispneica. Diagnóstico anatômico/topográfico: Insuficiência ventricular esquerda. Diagnósticos diferenciais: y Insuficiência ventricular direita y PAC isolada y Tuberculose y Asma y Lúpus Eritematoso Sistêmico y Sepse Manual_Semiologia_Medica.indb 283 25/01/2020 15:04:07 CASO CLÍNICO 284 Hipótese diagnóstica: Insuficiência ventricular esquerda descompensada por PAC. Pontos importantes 1. Diante de síndrome dispneica, deve-se sempre avaliar o coração e os pulmões, em conjunto; 2. O tratamento da PAC unicamente não seria suficiente para o manejo dessa paciente. Logo, a correta avaliação cardíaca iria demonstrar insufi- ciência ventricular e consequente tratamento domiciliar de manutenção. 3. Sempre diferenciar a insuficiência ventricular esquerda da direita, e se diastólica ou sistólica. Manual_Semiologia_Medica.indb 284 25/01/2020 15:04:07 ExAME CARDIOVASCuLAR – AuSCuLTA 285 REFERÊNCIAS 1. López M, Laurentys-Medeiros J. Semiologia Médica: As bases do diagnóstico clínico. 5. ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. 2. Porto CC, Porto AL. Exame clínico. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. 3. Mcgee S. Evidence-based physical diagnosis. 4th ed. Philadelphia, PA: Elsevier; 2018. Manual_Semiologia_Medica.indb 285 25/01/2020 15:04:07
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