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Nathália Muniz – Med. Veterinária Introdução A alimentação de ruminantes é composta essencialmente por componentes fibrosos, que agem fisiologicamente regulando o pH ruminal e influenciando na dinâmica de crescimento dos microrganismos. Para que haja uma digestão dos alimentos de forma eficiente através dos microrganismos que estão presentes no rúmen, as condições deste devem ser pH ideal entre 5,5 e 6,8, substrato constante para fermentação. Produção de AGV → A principal fonte de energia para os ruminantes são os ácidos graxos voláteis (AGV) produzidos no rúmen pela fermentação microbiana de carboidratos e, em alguns casos, da proteína, sendo o acético, propiônico e butírico os principais. A remoção-absorção dos AGV do rúmen-retículo ocorre por dois processos: absorção passiva, pela parede do órgão, e passagem com a fase fluída para o omaso. Se a taxa de produção excede a de remoção, existe acúmulo de AGV no rúmen, podendo desencadear distúrbios metabólicos. Acidose lática ruminal aguda: apresenta desidratação aguda, apatia, alterações neurológicas e morte. - Morbidade 2 a 5% - Mortalidade 30 a 40-90% (casos mais graves). Acidose lática ruminal crônica: apresenta quadro de rumenite, abscesso hepático, laminite. Etiologia Casos de acidose estão frequentemente associados a ingestão inadequada de altas quantidades de grãos, rações concentradas ricas em carboidratos de rápida fermentação, soro de leite, tubérculos e frutas com grande quantidade de amido e glicose. Fatores predisponentes - Adaptação (animais que passam por mudança de alimentação de forragem para concentrado, sem que ocorra um processo de adaptação anterior); - Fome (animais que passaram por restrição alimentar, e apresenta-se posteriormente com acesso a quantidades não equilibradas de concentrado, ou alimentos ricos em carboidratos); - Acidentes (normalmente decorrente da invasão de salas de armazenamento ou de plantações, de milho, por exemplo, onde o animal terá acesso a ingerir quantidades além das permitidas); - Feiras e exposições (são fornecidas grandes quantidades de concentrado em pouco tempo, em virtude da necessidade de apresentar animais em “boas condições” corporais); - Fatores individuais (vacas leiteiras são mais exigentes em produção de leite, com isso, precisam ingerir maiores quantidades de alimentos concentrados no pós-parto → maior risco de acidose); - Confinamentos Fatores determinantes Grãos: Milho, trigo, cevada, sorgo, arroz; Tubérculos: mandioca, beterraba, cenoura, nabo, batata; Frutas: Pêra, maçã, uva, tomate; Legumes: Repolho, couve; Farinha e farináceos: fubá, f. de trigo, raspa de mandioca Subprodutos: melaço, malte de cervejarias Acidose Lática Ruminal Regulação do pH nos pré- estômagos Ração rica em fibras: - Ruminação prolongada - Maior produção de saliva - Fermentação prolongada - pH alto (6,0 – 6,8) - AGV ‘s baixos - Segmentação celulolítica, gram-negativa. Ração rica em concentrados: - Ruminação rápida - Menor produção de saliva - Fermentação rápida - pH baixo (5,4 – 6,0) - AGV’s altos - Modificação da microbiota = segmentação amidolítica, gram-positiva. Obs: A rápida fermentação modifica a microbiota e provoca aumento das concentrações de ácido orgânico, com diminuição do pH do rumem em níveis abaixo de 6,0. Patogenia A alta produção do ácido graxo volátil propionato juntamente com o ácido lático favorece a morte de bactérias gram-negativas e protozoários que não suportam o pH abaixo de 5,0. Esses eventos proporcionam a multiplicação de Streptococcus bovis que produzem mais ácido lático, e o pH pode cair a valores menores que 5,5 e microrganismos como Lactobacillus sp. proliferam, o que induz a formação de mais lactato e lesões químicas na mucosa ruminal. O aumento exacerbado do ácido lático leva a distúrbios metabólicos que inicialmente se manifestam por atonia ruminal, timpanismo, diminuição do apetite/digestão, desidratação, prostração e elevação do hematócrito (hemoconcentração). Essa modificação no metabolismo ruminal eleva a pressão osmótica devido à concentração de ácido no rumem, favorecendo um ambiente rico em íons, o que possibilita a passagem de líquido do sistema circulatório para o rúmen, tornando seu conteúdo mais liquido (liquefação do conteúdo ruminal); dessa forma, resulta em hemoconcentração por desidratação (elevação do VG). Com a morte de bactérias gram-negativas há liberação de endotoxinas por infecções bacterianas ou fúngicas e choque endotóxico → queda do pH sanguíneo / urina → queda da perfusão tecidual → anóxia tissular (responsável pelo quadro de cegueira) → diminuição da filtração glomerular → anóxia cerebral → coma e morte. Sintomatologia Existem duas formas da doença, a acidose aguda e subaguda. Forma aguda: ocorre em animais que não foram adaptados ao alimento fornecido, geralmente quando há troca da dieta, ou animais que já estão adaptados, mas que ingerem muito carboidrato de forma abrupta. Forma subaguda: Quando os níveis de pH estão entre 5,9 - 5,1 ocorre acidose subaguda que geralmente provoca alterações como diminuição na produção de leite, episódios de laminite, e frequentemente acomete bovinos de leite logo pós o parto ou no início da lactação. Curso clínico: - Quadro super agudo: 8 a 10 horas - Quadro agudo: 12 a 16 horas - Quadro sub agudo: Mais de dois dias • Sinais de melhora clínica: Diminuição da FC, FR, TºC e da defecação. • Sinais de agravamento do quadro: Recidiva após três ou quatro dias. Os sinais clínicos obtidos na anamnese, exame físico e o histórico do animal por meio da verificação da ingestão de alimentos fermentáveis junto com exames complementares, estabelece um diagnóstico. Enfermidades consequentes Os achados macroscópicos mais encontrados são a formação de úlceras e erosões na parede do rúmen. A formação dessas lesões está diretamente relacionada a agressão química causada pela redução do pH. Essas lesões são caracterizadas como portas de entrada para microrganismos, podendo causar a rumenite bacteriana ou rumenite fúngica. Além disso, colônias bacterianas ou fúngicas podem ser encontradas na parede ou no interior de arteríolas e vênulas. Muitas hifas fúngicas são angioinvasivas e são capazes de causar trombose (trombose da veia cava), levando ao infarto da parede ruminal. Os trombos bloqueiam a veia cava caudal, a qual se rompe e causa hemorragia grave pelas narinas. Os abscessos hepáticos são causados complicação de uma combinação de rumenites causadas por acidose láctica e por permitir que o Fusobacterium necrophorum e Arcanobacterium pyogenes entrem diretamente nos vasos ruminais e se espalhem pelo fígado. A laminite crônica pode ser explicado pois, quando ocorre o aumento na produção de ácido lático no trato digestório, há destruição de um grande número de bactérias e liberação de suas toxinas. A acidose ruminal provoca uma lesão na mucosa ruminal e a liberação de mediadores vasoativos do rúmen, como endotoxinas, histaminas, tiramina, que resulta em vasoconstrição periférica, com redução do fluxo sangüíneo às lâminas do casco. Resumindo: - Rumenite (bacteriana, química ou fúngica) - Diminuição da gordura do leite - Septicemia - Abscessos hepáticos - Síndrome da veia cava caudal → leva a hipóxia tecidual - Peritonite - Úlcera abomasal e/ou duodenal - Polioencefalomalácea - Laminite Mecanismos compensatórios Como forma de conter a acidose ruminal, mecanismos compensatórios começam a ser produzidos pelo organismo, como: - Salivação excessiva - Consumo de bicarbonato endógeno (do plasma) - Taquipneia (eliminaçãodo dióxido de carbono → esse mecanismo pode supercompensar e levar a alcalose metabólica) Patologia Clínica Hemograma: Ht até 59 – 60% Líquido de rúmen: pH, protozoários, bactérias Bioquímico: Lactato, fosfato, Bicarbonato; Hiperpotassemia; Hiponatremia; Hipocalcemia; Uréia e creatinina; Enzimas hepáticas Hemogasometria: 7,0 – 7,45 Urinálise: pH 4,4 (5,7-8) Princípios básicos do tratamento - Corrigir a acidose ruminal e sistêmica - Prevenir a formação de ácido lático - Restaurar as perdas fluidas e eletrolíticas - Restaurar a motilidade dos pré-estômagos e dos intestinos Tratamento em até 12h: • Evitar o acesso ao alimento concentrado; • Suprimir água por 12 a 24 horas; • Oferecer feno palatável de boa qualidade; • Exercício (12 a 24 horas); • Isolamento dos animais mais enfermos; • Fornecer água após 24 horas para os que consomem feno; • Considerar o abate de emergência; - Antiácidos por via oral (VO) / intravenosa (IV) - Rumenotomia / lavagem ruminal - Transfaunação ruminal: 1 a 10 litros. - Tratar acidose sistêmica: bicarbonato de sódio (5%) EV/ 5L para cada 450Kg por 30 minutos + solução isotônica de bicarbonato de sódio (1,3%)/ 150mL/Kg por 6 a 12 horas. - Ringer lactato: 6 lts/100 Kg/PV - Salina Hipertônica: 5mL/Kg/PV - Tratamentos auxiliares: Anti-histamínicos, corticoesteróides, tiamina, gluconato de cálcio, antibióticos. Quadro sub agudo: - Hidróxido de magnésio: 500g/450KgPV/VO - Fluidoterapia se for necessário - Retorno a alimentação em 24 a 36 horas Quadro moderado: - Fornecer feno e observar por 24 horas. Profilaxia A prevenção é baseada na recomendação do manejo nutricional adequado aos ruminantes, evitando a introdução da dieta mal adaptada, apesar deste lidar bem com rações concentradas. - Adaptação/Período de transição: Reintroduzir os grãos de forma gradativa e fornecer de forma bem distribuída entre os cochos. - Adicionar bicarbonato de sódio a 2% na ração: substância tamponante. - Utilização de ionóforos: Salinomicina, monensina, lasalocid → reduz a acidose no início do período de alimentação, possuindo pouco ou nenhum efeito depois.
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