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Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
1 
 
Direito Internacional Privado 
 
O Direito internacional privado, enquanto ramo de Direito, é o complexo normativo que regula 
situações transnacionais mediante um processo conflitual. A cada Estado soberano corresponde um 
sistema jurídico e nos sistemas internacionais temos áreas de correspondência e de divergência; 
assim, por exemplo, pode e acontece que exista um sistema que atribua um direito que outro proíbe, 
ou um sistema que tenha requisitos de validade mais rígidos do que outros. Estas diferenças entre 
sistemas devem-se a opções diferentes quanto aos valores ou finalidades a alcançar. Outras vezes, 
usam-se técnicas diferentes. As situações jurídicas podem ocorrer apenas na esfera de um Estado 
soberano – nesses casos, dizemos que as situações jurídicas são internas. 
 
A sociabilidade humana não para nas fronteiras; há muito que os seres humanos estabelecem 
contactos além-fronteiras. As relações internacionais acentuaram-se a partir do séc. XX, o que se deve 
a diversos fatores: 
 A internacionalização da economia; 
 Os movimentos migratórios; 
 O surgimento de novos Estados; 
 Os processos de integração regional; 
 O desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação. 
 Verificação de mais movimentos de pessoas, capitais e bens incorpóreos, de direitos, 
designadamente dos direitos representados por realidades como os valores mobiliários. 
Pensemos nos movimentos migratórios. 
 Dois portugueses residem em França, onde se casam? Qual será a lei reguladora? 
Pensemos no tráfico internacional de bens e serviços. 
 Uma sociedade sedeada em Portugal vende um lote de cortiça a uma da Suíça, qual será a lei 
reguladora? 
Enfim, a regulação jurídica das situações transnacionais coloca três problemas: 
1. Em primeiro lugar, o órgão de aplicação tem de escolher a lei aplicável ao caso, sendo que a 
lei escolhida vai ter fortes impactos na decisão da questão; 
2. Quando surge um litígio transnacional, torna-se também necessário, na falta de convenção de 
arbitragem, determinar os tribunais internacionalmente competentes para a questão – 
coloca-se assim a questão da determinação da jurisdição competente/competência 
internacional; 
3. Há ainda o problema dos efeitos que as decisões proferidas por tribunais estrangeiros podem 
produzir na OJ portuguesa – surge assim o problema do reconhecimento de decisões 
estrangeiras. 
 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
2 
 
O DIP depara-se assim com três problemas: a determinação do direito aplicável, a determinação da 
jurisdição aplicável, e o reconhecimento das decisões. Vamos estudar apenas os problemas da 
determinação do direito aplicável e o reconhecimento das decisões. 
 
♢ Regulação de situações transnacionais 
Relativamente à regulação das situações transnacionais, é importante ter em conta o aspeto da 
internacionalidade e ainda um outro que se prende com o carácter privado das situações. 
Será que o DIPrivado não regula questões de DIPúblico? 
 Para o Regente, o DIPrivado regula todas as situações em que se coloque um problema de 
determinação do Direito aplicável que deva ser resolvido pelo DIPrivado. 
A ideia de que apenas se prende com questões de Direito privado prendia-se por uma antiga 
lógica de territorialidade do Direito público: o Direito público seria territorial pelo que toca aos 
seus órgãos de aplicação, que só aplicariam o Direito público interno. Por outro lado, começou a 
desenvolver-se uma lógica de imunidade absoluta de jurisdição dos Estados, segundo a qual um 
Estado não poderia ser acionado nos tribunais de outro Estado, salvo em casos verdadeiramente 
excecionais – o que significava que os litígios emergentes de uma relação estabelecida por um 
Estado ao abrigo do seu Direito público só podiam ser apreciados pelos tribunais desse Estado. 
Quando muito, dizia-se que o Estado podia estabelecer relações como se de um privado se 
tratasse. 
Isto não é exato atualmente, tendo este dogma sido ultrapassado, pois a ideia de territorialidade 
foi abandonada, e hoje admite-se que quando se aplica uma norma estrangeira podemos aplicar 
não só normas de Direito privado, mas também normas de Direito público com incidência sobre 
essas questões. Por outro lado, evoluiu-se de uma conceção ampla de imunidade para uma 
estrita, considerando-se que o Estado só tem imunidade no exercício de iure imperii, e não no 
âmbito da gestão privada, sendo que nestes últimos os conflitos podem ser regulados. 
Relativamente à admissibilidade de pretensões formuladas por Estados estrangeiros, com 
fundamento no seu Direito público, nos tribunais locais, regista-se uma vincada diferença de 
opiniões: 
 Na opinião do Regente, a OJ de um Estado é inteiramente livre de decidir se tutela ou não 
juridicamente a pretensão de um Estado estrangeiro fundada no seu Direito público. É de 
esperar que um Estado, na falta de motivos especiais, designadamente de solidariedade ou 
cooperação judiciária entre os Estados, não admita nos seus tribunais pretensões de Estados 
estrangeiros que digam respeito a situações ou aspetos de situações que, em princípio, só 
podem ser objeto de regulação na OJ destes Estados. 
o O Direito Internacional coloca alguns limites à regulação das situações em que estão 
implicados entes públicos no âmbito de outras OJ; para a determinação desses 
limites deve estabelecer-se um paralelo com o regime da imunidade de jurisdição. 
Em resultado, não será admitida a pretensão de um Estado estrangeiro nos 
tribunais portugueses quando esse Estado estrangeiro goze de imunidade de 
jurisdição relativamente a litígios emergentes da mesma situação. 
 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
3 
 
A distinção entre os atos praticados iure imperii e atos praticados iure gestionis não corresponde sempre 
ao caráter jurídico-público ou jurídico-privado do ato. Isto por três ordens de razões: 
1) Muitos litígios emergentes das relações entre os Estados são arbitrários: se temos um contrato 
internacional em que uma das partes é um sujeito público, e em que foi convencionada a 
arbitragem, os árbitros têm de determinar o direito aplicável. 
2) A imunidade de jurisdição relativamente aos atos praticados iure imperii é renunciável: o 
Estado renuncia, por exemplo, quando celebra um pacto atributivo de jurisdição aos tribunais 
de outro Estado. 
3) A distinção entre atos iure imperii e iure gestionis releva do DIPúblico e não corresponde 
necessariamente ao critério de classificação dos atos como sendo de DPúblico ou DPrivado 
adotado por uma OJ nacional e, em particular, não corresponde aos critérios seguidos na OJ 
portuguesa. 
 
 Distinção entre iure imperium e iure gestionis 
O critério de distinção iure imperiu/iure gestionis não corresponde à distinção entre DIPúblico e 
DIPrivado: neste ponto há muita controvérsia. 
Importa salientar que a imunidade resulta do costume internacional, e por isso o critério de distinção 
é um critério de DIPúblico. A ideia base é a de que há determinado tipo de relações que podem ser 
estabelecidas por particulares, e que a maioria dos sistemas são regulados por DIPrivado. 
o Se um Estado estabelece uma relação deste tipo, essa relação considera-se como sendo 
estabelecida no quadro de iure gestiones; 
o Mas se a atuação na maioria dos sistemas é regulada por Direito público, não se tratará de 
uma questão de Direito privado. 
Nesta matéria há uma convenção das Nações Unidas (2005) sobre imunidades, que ainda não está em 
vigor, mas que codifica o costume internacional, e vai além dele. 
O que daqui decorre é que pode facilmente sucederque um Estado estabeleça um regime especial de 
Direito público para um tipo de relação, mas que essa relação para o Direito internacional beneficie 
da imunidade de jurisdição. 
Esta convenção das Nações Unidas é uma convenção perante a qual o regime jurídico que o Estado 
estabeleça para o contrato não é relevante para a qualificação da transação como comercial ou não 
comercial. O que daqui decorre é que uma relação que é conformada por Direito público pode ser 
para o Direito internacional ser considerada como iure gestiones, para que o Estado não beneficie de 
jurisdição, pelo que pode ser julgada pelos tribunais de outro Estado. 
Concluindo, 
A participação de um sujeito público só obsta ao caráter transnacional da relação quando: 
(a) A relação fique diretamente submetida ao Direito público interno; 
(b) A relação, por força do DIPúblico, se insira exclusivamente na OJ de um Estado estrangeiro, 
por se tratar de uma atuação iure imperii, não ter sido celebrada convenção de arbitragem 
válida nem ter ocorrido renúncia à imunidade de jurisdição. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
4 
 
Em suma, o DIPrivado português é aplicável a todas as relações que, embora implicando Estados ou 
entes públicos autónomos estrangeiros, organizações internacionais ou agentes diplomáticos ou 
consulares de Estados estrangeiros, sejam suscetíveis de regulação na esfera interna. 
 
 Caráter transnacional das situações reguladas 
Se uma situação se insere na esfera de um Estado soberano de forma exclusiva, o Direito que a regula 
diretamente é o direito em vigor nesse Estado soberano. 
Muitas vezes diz-se que a situação é internacional. O Prof. fala antes de situação transnacional, que 
permite evitar a ambiguidade da palavra “internacional”. A situação transnacional é uma situação 
que transcende a esfera social de um Estado soberano, entrando em contacto com outras sociedades 
estaduais. 
Na maior parte das vezes, as situações transnacionais são apreciadas através da aplicação do 
DIPrivado de uma OJ estadual. Daí que a internacionalidade da situação seja vista, na perspetiva 
desta OJ, como uma estraneidade, i.e., numa formulação muito divulgada, como produto de certos 
elementos de estraneidade. Os elementos de estraneidade são os laços que ligam a situação a outros 
Estados. 
Contudo, o critério de transnacionalidade relevante depende das normas de DIPrivado em causa. A 
relevância dos contactos com mais de um Estado soberano pode variar conforme o setor do DIPrivado 
em jogo e consoante a matéria em causa. 
o No que toca ao Direito de Conflitos geral, a determinação da transnacionalidade está facilitada 
quando os laços que se verificam com mais de um Estado soberano constituem elementos de 
conexão utilizados pelas normas de conflitos aplicáveis. 
 
 Processo conflitual 
O DIPrivado regula as situações transnacionais através de um processo conflitual. 
Tradicionalmente, entende-se que o núcleo essencial do DIPrivado é constituído por normas de 
conflitos, que são proposições que, perante uma situação em contacto com mais de um Estado 
soberano, determinam o Direito aplicável. O que estas normas fazem é indicar a lei que vai fornecer 
a regulação material da situação. 
Assim, o DIPrivado é um Direito de conflitos. Este conceito não deve confundir-se com três outros, 
que são: 
- Conflitos de soberania; 
- Conflitos de normas; 
- Conflitos de sistemas de DIP. 
O Direito de conflitos opera a regulação de situações transnacionais por meio de um processo de 
regulação indireta: regula as situações transnacionais mediante a remissão para o Direito aplicável. 
Na regulação das situações transnacionais, o DIPrivado não opera apenas através do Direito de 
conflitos, mas também mediante o reconhecimento das situações jurídicas fixadas por decisão 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
5 
 
estrangeira, sob certas condições – assim, o DIPrivado engloba o Direito de conflitos e o Direito de 
Reconhecimento. 
 
♢ Caracterização das normas de conflitos de leis no espaço 
São tradicionalmente atribuídas às normas de conflitos de leis no espaço três características: 
1. Normas remissivas ou de regulação indireta; 
2. Normas de proteção; 
3. Normas fundamentalmente formais. 
A grande maioria das normas apresentam estas 3 características, mas a característica 
verdadeiramente essencial é a de que sejam normas remissivas ou de regulação indireta. 
 
 Normas materiais vs normas de regulação indireta 
As normas materiais/de regulação direta desencadeiam efeitos jurídicos que modelam as situações 
jurídicas das pessoas. Estas normas materiais estabelecem o regime para as situações descritas na 
sua previsão e como tal definem situações jurídicas. É o caso dos arts. 483º, 875º e 1672º CC. 
As normas de regulação indireta mandam aplicar à situação descrita na sua previsão outras normas 
ou complexos normativos. No que toca às normas no DIPrivado, o que fazem é remeter para um 
determinado Direito a disciplina da situação. Assim, a função destas normas é designar a OJ que 
fornecerá a disciplina material. É o caso dos arts. 25º e 31º/1 e 2 CC. 
 Há quem entenda que só as normas materiais são normas de conduta, enquanto as normas de 
conflito, em princípio, só têm por destinatários os órgãos de aplicação do Direito, sendo meras 
normas de decisão. O Prof. não concorda, pois entende que os sujeitos das situações 
transnacionais necessitam de determinar o Direito aplicável para poderem orientar por ele as 
suas condutas; ou seja, antes de surgir um litígio. Assim, as normas de conflitos são normas 
de conduta, embora de regulação indireta (o Regente segue a orientação de ISABEL DE 
MAGALHÃES COLLAÇO): cumprem a sua função reguladora, mas não diretamente e sim 
através da remissão para o Direito que vai regular diretamente a situação. As normas de 
conflito devem ser entendidas, na sua maioria, enquanto normas de conexão, que estabelecem 
uma ligação entre uma situação da vida e um Direito, através de um determinado laço – o 
elemento ou fator de conexão. No dizer de RAAPE, o legislador lança a ponte entre uma 
situação da vida e uma norma jurídica. 
 
 Normas de conexão 
As normas de conflitos que integram o sistema de Direito de conflitos são, de forma geral, normas de 
conexão, porque conectam uma situação da vida ou um seu aspeto com o Direito aplicável, mediante 
um elemento ou fator de conexão. 
Esta conexão estabelece-se mediante a seleção de determinados laços que o DIPrivado considera 
juridicamente relevantes e decisivos para a determinação do Direito aplicável. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
6 
 
Os elementos de conexão apresentam fações bastante diversas em relação ao carácter jurídico do seu 
conteúdo. Podem consistir em: 
(a) Vínculos jurídicos – por exemplo, a nacionalidade; 
(b) Laços fácticos – por exemplo, o lugar de residência habitual; 
(c) Consequências jurídicas que se projetam num determinado território – por exemplo, o lugar 
do efeito lesivo; 
(d) Factos jurídicos – por exemplo, a designação da lei aplicável pelos interessados. 
A designação dos elementos de conexão em função das matérias implica uma valoração, em que se 
avalia qual o elemento de conexão mais adequado à matéria. Como tal, há aqui uma justiça da 
conexão, que se exprime na escolha do elemento de conexão mais adequado (às vezes também se fala 
de justiça formal). 
Todas as normas de DIPrivado são deste tipo. Pode não ser utilizado um laço objetivo, mas sim um 
laço subjetivo, como é o laço que resulta da designação pelas partes. Por outro lado, há normas de 
conflitos que não utilizam um elemento de conexão determinado.Mas há outras normas de conflitos 
que não são decididamente normas de conexão (como é o caso do art. 33º/2 LAV, em que falta por 
absoluto o elemento de conexão). 
 Aquilo que se pode questionar é: devemos manter a característica norma de conexão como 
característica essencial? Ou devemos adotar um conceito mais amplo? 
O Prof. considera que se temos normas que não são de conexão, mas que desempenham a mesma 
função, devemos considerar também normas de conflito, pelo que a única característica deve ser a 
de se tratar de uma norma de remissiva ou de regulação indireta. 
 
 Norma formal 
As normas de conflito são fundamentalmente formais. No dizer de CAVERS, no método conflitual, 
o juiz atua de olhos vendados, porque vai determinar a lei aplicável sem olhar para o conteúdo das 
leis em presença, ou seja, não vai atender ao resultado material a que conduz a aplicação de cada uma 
das leis em presença. 
Este formalismo tem limitações: 
o Desde logo, pode questionar-se se só é norma de conflito a fundamentalmente privada – 
houve autores que disseram que a escolha se devia fazer em função do conteúdo da norma 
em presença; 
o Reserva de ordem pública internacional (art. 22º CC) – esta afasta o resultado que conduz à 
aplicação da lei estrangeira quando esse for manifestamente incompatível com normas e 
princípios fundamentais da OJ nacional. Há aqui um limite de carácter geral. 
o Há normas de conflito materialmente orientadas, que atendem ao resultado material – por 
exemplo, temos normas em matéria de forma de negócios jurídicos e temos também as normas 
em matéria de responsabilidade parental e proteção de crianças da Convenção de Haia. 
Verificamos que as normas de conflito apontam para várias leis, sendo suficiente a verificação 
de forma escrita por uma dessas leis. Estas normas utilizam elementos de conexão. 
o As normas de conflito, mesmo quando são normas formais, são normas que exercem uma 
certa função modeladora na disciplina das situações jurídicas – verificamos que 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
7 
 
relativamente a diversos problemas de concretização do elemento de conexão e conjugação 
de várias leis, vamos ser orientados pelas normas de conflito. Vamos buscar resposta à 
interpretação das normas de conflito. O direito de conflitos não se desinteressa 
completamente da resolução do caso e das suas especificidades. 
 
 Outros Direitos de conflitos 
O DIPrivado não é o único Direito de conflitos – existem outros, como o Direito de conflitos 
interlocal e o Direito de conflitos interpessoal. Estes existem nas OJ que são complexas (em que 
coexistem diferentes sistemas de Direito privado): 
a) A OJ complexa será de base territorial quando comportam diversos sistemas aplicáveis em 
diversas circunscrições territoriais – art. 20º/1 e 2 CC; 
b) Será de base pessoal quando comportam diferentes sistemas aplicáveis a diversas categorias 
de pessoas, a que se refere o art. 20º/3 CC. 
Por exemplo: 
1. Nos EUA, cada Estado federal tem o seu sistema. 
2. No Reino Unido, temos vários sistemas. 
3. Em Espanha, o art. 149º/1 CRP permite, dentro de certos limites, que as comunidades 
autónomas preservem os direitos locais, e esta permissão foi aproveitada pelas comunidades 
gerais para o desenvolvimento de regimes locais. 
4. Portugal também é uma OJ complexa porque as ALR têm autonomia legislativa, que diz 
respeito às matérias previstas nos respetivos estatutos e que não estejam reservadas aos órgãos 
de soberania. 
 
 Sistemas de base pessoal: 
A pluralidade de sistemas de base pessoal pode ser estabelecida em função da religião. Foi o que 
aconteceu em Portugal até ao séc. XV. Pode depender também de uma opção do interessado. 
O art. 20º CC refere-se a “ordenamentos plurilegislativos”, mas é mais correta a expressão 
“ordenamento complexo”. Desde logo, porque o ordenamento pode ser complexo em resultado de 
outras fontes do Direito que não sejam a lei. 
Podemos também distinguir entre os ordenamentos complexos aqueles em que existe uma 
pluralidade de sistemas materiais (ex: Espanha) e os em que existe uma pluralidade de sistemas 
conflituais (ex: EUA e Reino Unido). 
ATENÇÃO: não se deve confundir ordens jurídicas complexas com os Estados compostos. Há 
Estados federados sem ordens jurídicas complexas e há Estados comunitários com ordens complexas. 
Perante as atuais características da OJ portuguesa, não se coloca ainda o problema do estudo das 
ordens interlocais. O direito interlocal e interpessoal irá interessar-nos quando uma norma remeter 
para uma ordem complexa, em que o problema será qual dos sistemas internos aplicar. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
8 
 
Temos ainda o Direito intertemporal, que resolve os problemas de aplicação da lei no tempo, e o 
Direito de conflitos público. As normas de Direito público também suscitam a questão da aplicação 
da lei no espaço. 
 
PLANOS, PROCESSOS E TÉCNICAS DE REGULAÇÃO DAS SITUAÇÕES TRANSNACIONAIS 
⭐ Processos de regulação das situações transnacionais: 
Relativamente aos processos de regulação, existe: 
1) Um método conflitual; 
2) Métodos materiais, como: 
o Aplicação direta do Direito material comum; 
o Criação de um Direito especial de fonte interna; 
o Unificação material de Direito material aplicável. 
Muitos autores consideram que o DIPrivado se caracteriza pelo pluralismo metodológico. Também 
para estes autores, o “método conflitual”, reportado ao sistema de Direito de conflitos, se contrapõe 
a uma série de “métodos de regulação material”. 
Para o Regente, isto não é assim: a distinção entre regulação indireta e direta deve fazer-se em função 
da necessidade ou desnecessidade de uma valoração conflitual. A valoração conflitual consiste 
tradicionalmente na avaliação do elemento de conexão mais adequado para a determinação do 
Direito aplicável a uma categoria de situações ou a uma questão jurídica com vista a formular uma 
norma de conflitos; mas pode consistir também numa apreciação casuística dos laços que uma 
situação concreta apresenta com os Estados envolvidos ou num juízo sobre a adequação material de 
determinado Direito para reger uma determinada categoria de situações. 
Só temos uma verdade regulação direta material – sem mediação de uma valoração conflitual – em 
três casos: 
(1) Quando aplicamos o Direito material comum do foro a quaisquer situações 
independentemente de comportarem elementos de estraneidade; 
(2) Quando se criam soluções ad hoc ou Direito material especial de fonte interna para situações 
que comportem determinados elementos de estraneidade, independentemente dos laços que 
apresentem com o Estado local – suponha-se que os órgãos legislativos do Estado Y criam um 
Direito material especial para regular todos os contratos internacionais ou os tribunais do 
Estado Y desenvolvem caso a caso soluções para os problemas jurídicos suscitados por 
quaisquer contratos internacionais; 
(3) Quando Direito material especial de fonte supraestadual for aplicado a situações 
transnacionais, independentemente de uma conexão entre estas situações e um dos Estados 
em que vigora esse Direito – é o caso das Convenções internacionais que estabelecem um 
Direito material unificado aplicável a certo tipo de contrato internacional na OJ dos Estados 
contratantes mesmo que o contrato não tenha uma ligação significativa com nenhum Estado 
contratante. 
A regulação das situações transnacionais na OJ estadual é, em regra, indireta. A grande maioria dos 
ditos “métodos de regulação material” são técnicas de regulação indireta. Por conseguinte, a 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
9 
 
assinalada“pluralidade de métodos” tem mais que ver com uma pluralidade de fontes de regulação 
e de técnicas de regulação conflitual do que com um verdadeiro pluralismo metodológico. 
Uma OJ tem, entre outras, uma dimensão normativa e uma dimensão institucional: 
 Do ponto de vista normativo, as situações transnacionais são reguladas numa OJ estadual 
quando as normas e princípios em primeira linha aplicáveis são os que vigoram na OJ desse 
mesmo Estado. 
 Do ponto de vista institucional, as situações transnacionais são reguladas numa OJ estadual 
quando os órgãos competentes para a aplicação do Direito a estas situações pertencem ao 
respetivo Estado. 
Ex: Uma sociedade sedeada em Portugal celebra com uma sociedade sedeada no Brasil um contrato 
para ser executado em Angola. Durante a execução do contrato surge uma controvérsia entre as 
partes em que se suscita um problema de interpretação do contrato. Se esta controvérsia não for 
resolvida amigavelmente, e na falta de convenção de arbitragem, a questão terá de ser dirimida pelos 
tribunais estaduais que forem internacionalmente competentes: como sabemos qual é a lei que regula a 
interpretação do contrato? 
a) Em primeiro lugar, temos de determinar os tribunais internacionalmente competentes. 
b) A questão complica-se quando há vários tribunais competentes (competências 
concorrentes). Neste caso, deverá ter-se em conta os sistemas conflituais das diferentes 
jurisdições estaduais competentes que podem divergir entre si e atribuir competência a 
leis diferentes. Esta avaliação pode ser relevante para decidir qual a jurisdição estadual 
que é mais conveniente para a propositura da ação. 
 
(1) Regulação no plano do Direito estadual 
Entende-se por regulação pelo Direito estadual aquela que opera na esfera da OJ estadual. Isto 
significa que a situação é em primeira linha regulada pelo Direito vigente na OJ estadual em causa e 
que este Direito é aplicado pelos tribunais estaduais ou por outros órgãos estaduais de aplicação do 
Direito. 
ATENÇÃO: planos de regulação ≠ fontes de regulação! 
Na medida em que numa OJ estadual vigorem, a par das normas de fonte interna, normas de fontes 
supraestaduais, esta regulação pode ser feita tanto por normas internas como por normas 
internacionais ou europeias – é o que se verifica com a OJ portuguesa. 
Tradicionalmente, todas as situações transnacionais eram reguladas na OJ estadual pelo sistema de 
Direito de conflitos. 
Em OJ como a portuguesa, o sistema de Direito de conflitos é formado essencialmente por um 
conjunto de normas de conflitos bilaterais (i.e., que remetem tanto para o Direito do foro como para 
o Direito estrangeiro) e de normas sobre a interpretação e aplicação destas normas bilaterais. 
Atualmente: 
o Em matéria de Direito pessoal – designadamente, estado, capacidade, direitos de 
personalidade, família e sucessões –, as situações transnacionais continuam a ser na sua 
generalidade reguladas na esfera de uma OJ estadual; 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
10 
 
o O mesmo não se pode dizer com respeito às relações comerciais internacionais e, em especial, 
no que toca aos contratos comerciais internacionais. 
Por outro lado, no seio da OJ estadual, surgiram alternativas à regulação pelo sistema do Direito de 
conflitos: 
 Aplicação direta do Direito material interno comum: 
Neste caso, as situações internacionais seriam reguladas como se de situações puramente internas se 
tratasse. Por exemplo, em Portugal, a validade do casamento celebrado na Holanda por um holandês 
e uma belga, residentes na Holanda à data do casamento, mas que posteriormente estabeleceram 
residência em Portugal, seria apreciada segundo o Direito material português. 
Trata-se de uma técnica de regulação direta que prescinde de normas de conflitos. 
Vantagem: é a via mais fácil para os órgãos de aplicação do Direito que, além de não terem de aplicar 
o Direito de conflitos, estão mais familiarizados com o Direito material interno do que com Direito 
estrangeiro. 
Desvantagem: esta é uma solução que colide com a segurança jurídica e com a harmonia internacional 
de soluções, e é incompatível com o DIPúblico: 
(a) O Direito aplicável não seria previsível, porque variaria consoante o Estado em que a questão 
se colocasse. A aplicação de um Direito diferente em cada Estado fomentaria a desarmonia 
internacional de soluções; 
(b) Isto conduziria à incerteza sobre as situações jurídicas existentes, o que poderia levar à 
frustração de expectativas objetivamente fundadas dos interessados, em contradição com o 
princípio da confiança; 
(c) Por acréscimo, esta técnica de regulação fomentaria o forum shopping, i.e., a escolha do foro 
mais conveniente à pretensão. 
Pode questionar-se: não seria possível elaborar as normas sobre competência internacional por forma a que os 
tribunais de cada Estado tivessem competência internacional só em relação às situações que apresentam uma 
conexão com esse Estado suficientemente forte para justificar a aplicação do seu Direito material? 
 Alguns autores apontam nesse sentido. Um Estado pode ter “interesse” em que certas 
situações sejam apreciadas pelos seus tribunais mesmo que não exista uma conexão 
suficientemente forte para determinar a aplicação do sei Direito material. Isto verifica-se 
designadamente em dois grupos de casos: 
i. Casos em que a ligação ao Estado do foro, embora insuficiente para determinar a aplicação 
do Direito material do foro, chega para justificar a intervenção da ordem pública 
internacional; 
ii. Casos em que a incompetência dos tribunais do foro conduziria, apesar de não ser 
competente o Direito material do foro, a uma denegação de justiça. 
É, pois, frequente que as finalidades prosseguidas pelo Direito da competência internacional 
justifiquem competências concorrentes de várias jurisdições estaduais. Ao passo que, à luz das 
finalidades prosseguidas pelo Direito de conflitos, uma situação deve ser submetida à mesma lei, 
qualquer que seja o Estado em que venha a ser apreciada. 
Por conseguinte, não é possível assegurar em todos os casos uma coincidência entre a competência 
internacional dos tribunais de um Estado e a aplicabilidade do seu Direito material. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
11 
 
 Criação de um Direito material especial de fonte interna: 
Em lugar de aplicar o seu Direito material comum, os Estados podem criar um Direito material 
especial aplicável exclusivamente às relações transnacionais. 
Nos sistemas em que a lei é a principal fonte do Direito, este Direito material especial terá de ser fonte 
legal. Algumas conceções favoráveis à “regulação” das relações do comércio internacional por meio 
de soluções materiais especiais de origem jurisprudencial só parecem ser defensáveis perante aquelas 
OJ em que vigora um sistema de precedente vinculativo. 
Vantagem: oferece uma maior adequação à especificidade das relações internacionais. 
Mas até que ponto teremos aqui uma alternativa ao sistema de Direito de conflitos? 
 Só constituirá uma técnica de regulação direta se for aplicável a quaisquer situações que 
comportem elementos de estraneidade independentemente de uma ligação com o Estado do 
foro. 
Desvantagem: todas as que foram apontadas supra relativamente à aplicação direta do Direito 
material comum. 
Na opinião do Regente, se esta técnica de regulação direta é de rejeitar como alternativa global ao 
processo conflitual, já nada obsta a que relativamente a certas questões bem delimitadas se possa 
justificar a formulação de normas de Direito material especial diretamente aplicável – poderemos 
designa-las por normas de Direito Internacional Privado material. Como exemplo temos o art. 54º/2 
CC. 
Assim, em regra,o Direito material especial vê a sua aplicação depender de uma ligação com o Estado 
do foro – trata-se de uma das técnicas de regulação indireta, que não prescinde de normas de 
conexão. 
No quadro da regulação indireta, a aplicabilidade do Direito material especial pode depender: 
(a) Do sistema de normas de conflitos – neste caso, diz-se que o Direito material especial é 
dependente. Este não constitui qualquer alternativa à regulação pelo sistema de Direito de 
conflitos. A única especialidade está em que o objeto da remissão operada pelo Direito de 
conflitos, quando este remete para o Direito do foro, não é Direito material comum mas sim 
Direito material especial. 
(b) De normas de conexão especiais – neste caso, o Direito material especial é independente. É a 
regra. Este Direito material especial delimita o seu âmbito de aplicação no espaço através de 
dois pressupostos: 
i. Uma conexão com um Estado estrangeiro (ou elemento de estraneidade); 
ii. Uma conexão com o Estado do foro – definida por normas de conexão ad hoc (normas 
de conflitos unilaterais que se reportam a normas ou conjuntos de normas materiais 
individualizadas). 
A evolução mais recente não se mostra favorável à criação de corpos de Direito material especial de 
fonte interna, que constituam uma alternativa à aplicação do Direito material comum por via do 
sistema de Direito de conflitos. Os esforços têm sido principalmente dirigidos à criação de Direito 
material unificado ou de modelos de regulação. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
12 
 
Isto não exclui que se criem normas de Direito material especial para resolver determinados conflitos 
específicos, que sejam aplicadas a todas as situações transnacionais. Podemos agrupar estas em dois 
grupos: 
(i) Normas de aplicação dependente do sistema de Direito de conflitos – é o caso do art. 
2223º CC: uma vez que esta norma é aplicável no quadro do título de vigência conferido à 
lei portuguesa pelo art. 65º/2 CC, não há qualquer especialidade relativamente ao sistema 
de Direito de conflitos. Parece que esta norma deixará de ser aplicável às sucessões 
reguladas pelo Regulamento sobre sucessões (art. 27º). 
(ii) Normas cuja aplicação resulta de normas de conexão especiais – é o caso das normas que 
estabelecem um tratamento específico para os estrangeiros. Geralmente estas normas são 
aplicáveis com base num elemento de conexão com o território português, por exemplo, a 
localização em Portugal do lugar da execução do contrato de trabalho. 
 
 Unificação internacional do Direito material aplicável 
Falamos normalmente de Convenções Internacionais – têm sido as principais fontes de Direito 
uniforme. Mas não são as únicas, há também fontes europeias, como dois Regulamentos de transporte 
aéreo. 
Para averiguar do significado desta unificação internacional para a regulação das situações 
transnacionais é fundamental distinguir entre diferentes métodos de unificação internacional. São 
estes: 
i. Uniformização – consiste na criação, por uma fonte supraestadual, de Direito uniforme, i.e., 
Direito aplicável tanto nas relações internas como nas internacionais. Nas matérias reguladas 
por este Direito uniforme, cessa-se ou suspende-se a vigência do Direito comum interno. 
É o que se verifica com as Convenções de Genebra contendo: 
- A Lei Uniforme em Matéria de Letras e Livranças; 
- A Lei Uniforme em Matéria de Cheques. 
Estas convenções uniformizam o Direito material aplicável. Não devem ser confundidas com as 
Convenções de Genebra sobre: 
- Os Conflitos de Leis em Matéria de Letras e Livranças; 
- Os Conflitos de Leis em Matéria de Cheques. 
Estas últimas convenções unificam o Direito de conflitos, são fonte de DIPrivado e não de Direito 
material aplicável. 
ii. Unificação stricto sensu – consiste na criação, por uma fonte supraestadual, de Direito 
material unificado, i.e., Direito material especial de fonte supraestadual. Ao lado do Direito 
comum de fonte interna passa a vigorar na ordem interna um Direito especial aplicável às 
situações internacionais. 
As principais áreas de unificação do Direito material são a venda internacional de mercadorias, os 
transportes internacionais, os direitos sobre embarcações e aeronaves, outras áreas do Direito 
Marítimo, o Direito da Propriedade Intelectual e o testamento. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
13 
 
iii. Harmonização – traduz-se no estabelecimento de regras e princípios fundamentais comuns. 
Os regimes continuam a ser diferentes de um Estado para outro, visando-se apenas aproximar 
os diversos sistemas nacionais. 
A harmonização tem instrumentos específicos tais como: 
- Diretivas europeias – atos normativos de DUE que vinculam os EM quanto ao resultado a atingir, 
mas deixam aos mesmos EM a escolha da forma e dos meios para o realizar no âmbito da OJ interna. 
- Leis-modelo – corpos de regras uniformes propostos ou recomendados para a adoção no Direito 
interno ou para que a legislação interna neles se inspire. 
Além destes instrumentos específicos, há instrumentos que desempenham outras funções, mas 
também constituem um instrumento de harmonização, como os princípios (conjunto sistematizados 
de regras emanados por uma base predominantemente comparativa), que servem para influenciar a 
OJ de cada Estado. 
iv. Criação de Direito material especial optativo de fonte supraestadual (recente) – trata-se de 
regimes privativos de situações transnacionais, cuja aplicação depende de uma opção dos 
interessados. O Direito comum continua a ser aplicável não só às situações internas mas 
também às situações transnacionais em que os interessados não optem pela aplicação do 
Direito especial. Exemplos disso são matérias relativas ao Direito das pessoas coletivas e ao 
Direito da propriedade intelectual. 
 
Vantagens do Direito material unificado especial supraestadual: 
1) Oferece soluções adequadas à especificidade das situações transnacionais e o processo da sua 
elaboração tende a conduzir à adoção das soluções mais adequadas; 
2) A partir do momento em que uma situação transnacional caia diretamente dentro da esfera 
espacial e do domínio material de aplicação do regime convencional, elimina-se o problema 
da escolha do sistema local aplicável, com todas as dificuldades que acarreta; 
3) Os Estados contratantes assumem uma posição uniforme sobre a regulação jurídica da 
situação transnacional, o que contribui para uma harmonia e previsibilidade de soluções; 
4) Com o mesmo regime material aplicável nos diferentes Estados contratantes, facilita-se o 
conhecimento desse regime pelos interessados, diminuindo os custos de transação. 
Esta parece assim uma solução que garante a justiça, adequação à especificidade das situações 
transnacionais e a segurança jurídica e facilidade do regime. 
Porém, esta solução tem um alcance limitado: 
a) Por razões práticas – o processo de unificação é difícil: é moroso, complicado, com custos 
elevados. 
b) A unificação só permitiria afastar o sistema de Direito dos conflitos se a unificação fosse geral 
(se abrangesse todas as matérias) e universal (se as convenções estivessem em vigor para 
todos os Estados): 
o Ora, a unificação não é geral, dizendo respeito principalmente ao comércio 
internacional, progredindo muito pouco noutras áreas, como no Direito da família, 
pessoas ou sucessões, o que se entende, visto que nestas situações estão em causa 
valores ético-jurídicos. 
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14 
 
Por outro lado, nem todas as áreas do comércio internacional se prestam a uma 
unificação internacional. Para haver unificação tem de estar em causa determinadamatéria que possa ser delimitada com clareza com base em várias notas. Tal não se 
verifica em áreas que assumem grande variação de conformações como alguns 
contratos (ex: contrato de consórcio). 
o A unificação também não é universal. O número dos Estados que aceita cada 
convenção é muito variável. Por outro lado, as convenções são modificadas por 
protocolos, que unificam a convenção originária e nem todos os Estados partes na 
convenção se tornam partes nos protocolos. Saber qual o regime aplicável torna-se 
muito difícil em certos casos. 
c) A unificação gera uma certa petrificação do regime aplicável – é muito mais difícil alterar um 
regime internacional do que um regime interno/nacional, daí não ser muito recomendável 
unificar certas matérias que estejam em expansão ou evolução. 
d) Mesmo quando temos uma unificação de determinada matéria, muitas vezes essa unificação 
tem um caráter fragmentário ou parcial. 
Uma das áreas em que tem havido mais unificação é a do transporte marítimo de mercadorias. Houve 
a Convenção de Bruxelas de 1924 para unificação de certas regras de conhecimento; contudo, não 
temos um regime geral do contrato de transporte de mercadorias. 
e) Há casos de sobreposição de domínio aplicável a certas convenções – se duas convenções 
regulam a mesma matéria mas vigoram em Estados diferentes do ponto de vista de aplicação 
entre esses Estados, não há problema; mas há casos em que no mesmo Estado vigoram duas 
ou mais convenções cujo domínio de aplicação se sobrepõe pelo menos parcialmente. Tal leva 
a um conflito de convenções que tem de ser resolvido. 
f) Divergências na interpretação e integração – quem aplica o Direito material unificado são os 
órgãos estaduais ou os tribunais arbitrais; tal levanta problemas. Na interpretação e integração 
do Direito aplicado deve ser preservada a especialidade e autonomia do Direito material 
unificado, de forma a tanto quanto possível estabelecer uma uniformidade de interpretação e 
integração, independentemente do Estado contratante no qual a questão se coloca. 
 Neste sentido, é importante o art. 7º da Convenção de Viena sobre venda de 
mercadorias. 
O que daqui decorre é que quando interpretamos uma proposição de uma convenção deve fazer-se 
uma interpretação autónoma, e não uma interpretação à luz do direito do Estado material do foro. 
Essa interpretação deve fazer-se através de critérios próprios, abstraindo-se do conteúdo do Direito 
interno do Estado do foro. 
Contudo, é inevitável que existam e surjam divergências nos vários Estados: 
Quando surjam diferentes correntes interpretativas nos vários Estados, o problema que se coloca é: 
quando o órgão de aplicação tem de apreciar um problema dessa natureza, deve seguir a orientação dos tribunais 
do foro ou a orientação jurisprudencial da OJ competente segundo o sistema de Direito de conflitos? 
1. Quando o órgão de aplicação for um tribunal estadual, há razões para seguir a orientação 
interpretativa da OJ competente segundo o sistema de Direito de conflitos. Se procedermos 
dessa forma, seguiremos uma orientação com que as partes geralmente poderão contar e onde 
há a ligação mais significativa com a situação. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
15 
 
2. Situação diferente é se o órgão de aplicação for um tribunal arbitral, na medida em que este 
tem mais liberdade. Estes poderão ter em conta os princípios comuns aos sistemas em 
presença, podendo também atender à própria jurisprudência arbitral. Só será pertinente 
atender à orientação de uma particular jurisprudência nacional quando as partes tenham 
escolhido o respetivo sistema jurídico para reger a situação. 
 
Relação do Direito material especial optativo com o sistema de Direito de conflitos: 
Em princípio, a aplicabilidade destes regimes especiais não depende do sistema de Direito de 
conflitos, mas da verificação de pressupostos autónomos que incluem necessariamente um domínio 
material de aplicação e uma opção dos interessados. 
Entre estes pressupostos podem também contar-se laços relevantes com mais de um Estado, que 
exprimem um determinado critério de internacionalidade. 
 
 Regulação por normas de Direito comum do foro autolimitadas 
Como referido anteriormente, existem normas de Direito material especial de fonte interna cuja 
aplicação, por resultar de normas de conexão especiais, não depende do sistema de Direito dos 
conflitos. 
A partir de meados do séc. XX, a doutrina chamou a atenção para que a aplicação de certas normas 
de Direito material comum também não depende do sistema de Direito de conflitos. Fala-se de 
normas autolimitadas e de normas de aplicação imediata ou necessária. 
 Quando é que se diz ser autolimitada? Quando é uma norma material que, apesar de incidir sobre 
situações reguladas pelo DIPrivado, tem um âmbito de aplicação no espaço que não 
corresponde ao que seria atribuído pelo sistema de Direito de conflitos. 
Isto pode resultar: 
(i) Em primeiro lugar, de esta norma material ser acompanhada de uma norma de conflitos 
especial (explícita ou implícita) – por exemplo, com respeito ao contrato de agência, o art. 
38º do DL 178/86 determina que aos contratos regulados por este diploma que se 
desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável 
legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime da cessação, se a mesma se 
revelar mais vantajosa para o agente; encontramos aqui uma norma de conflitos unilateral 
que alarga a competência atribuída à lei portuguesa pelas normas de conflitos gerais. 
(ii) Em certos sistemas nacionais admite-se que a “autolimitação” também possa ser o produto 
de uma valoração casuística, feita pelo intérprete face ao conjunto das circunstâncias do 
caso. 
 O Prof. LIMA PINHEIRO entende que isso só é aceitável no nosso sistema em 
situações excecionais, em que seja necessário integrar uma lacuna através da criação 
de uma solução conflitual ad hoc. 
A regulação por normas autolimitadas configura uma técnica de regulação das situações 
transnacionais em que o sistema de Direito de conflitos é substituído por normas de conflitos ad hoc 
ou por uma valoração conflitual casuística. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
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 A norma é de aplicação necessária quando o sistema de conflitos, por exemplo, designa uma 
norma estrangeira, mas uma norma portuguesa se sobrepõe a essa norma internacional 
estrangeira optada. 
Na opinião do Regente, o processo é conflitual. Não é um processo material de regulação, mas uma 
diferente técnica conflitual que em vez de passar pelo sistema de norma de conflitos passa por uma 
norma de conflitos ad hoc ou por uma valoração conflitual casuística. 
Este problema não é específico das normas autolimitadas, mas coloca-se também em normas 
imperativas em Estados que reclamam a aplicação, de acordo com o Regente. 
Em todo o caso, na opinião do Prof., estas técnicas de regulação são excecionais e não estão ao lado 
do sistema de Direito de conflitos. 
 
Reconhecimento de situações definidas perante uma OJ estrangeira: 
Como verificámos, o DIPrivado também regula as situações transnacionais mediante o 
reconhecimento autónomo das situações jurídicas fixadas por decisão estrangeira. 
Alguns autores estendem esta técnica de regulação a situações constituídas ou consolidadas numa OJ 
estrangeira – ou pelo menos na OJ de um Estado da EU –, independentemente de uma decisão 
estrangeira. 
 O problema é o seguinte: temos uma situação, independentemente de qualquer decisão 
estrangeira, que se constitui ou consolida numa OJ estrangeira – será que se deve sempre verificar 
essas decisões quando tal ocorre? Ou só reconhecemos as decisões dessas que estejam de acordo com a 
nossaCRP? 
A ideia geral é a de que a situação, a partir do momento em que se constituiu ou consolidou numa OJ 
estrangeira, o Estado do foro deve reconhecer essa situação, sem fazer depender esse reconhecimento 
da lei competente segundo o Direito de conflitos geral. Fala-se num método de reconhecimento. 
Tal já inspirou a legislação holandesa, por exemplo, em que um casamento que seja celebrado fora da 
Holanda e que seja válido segundo a lei do Estado em que teve lugar ou que se tenha tornado válido 
posteriormente de acordo com a lei desse Estado, é reconhecido na Holanda como um casamento 
válido. 
Esta técnica de regulação apresenta diferenças em relação ao sistema de Direito de conflitos: 
a) Só opera quando uma situação “privada” foi previamente definida perante uma OJ 
estrangeira. Por conseguinte, esta técnica nunca pode constituir uma alternativa global ao 
sistema de Direito de conflitos, visto que é inaplicável quando é apreciada uma situação que 
não foi previamente definida por uma decisão estrangeira nem constituída ou consolidada 
perante uma OJ estrangeira; 
b) Em lugar das normas de conflitos gerais, são atuadas normas de reconhecimento, que 
integram uma categoria especial de regras remissivas. As normas de reconhecimento só 
remetem para o Direito estrangeiro e condicionam a sua aplicação à produção de um efeito 
ou de uma determinada categoria de efeitos. 
 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
17 
 
Deverá esta técnica ser amplamente admitida? 
 De acordo com o Regente, não: 
1) Só se devem reconhecer decisões da OJ de um Estado estrangeiro quando haja uma ligação 
especialmente significativa entre esse Estado e a situação. Caso contrário, aceitar-se-ia que 
a situação fosse definida pela OJ de qualquer Estado, ainda que com base numa conexão 
fortuita ou arbitrária, e mesmo que esta situação não fosse reconhecida por nenhuma das OJ 
mais bem colocadas para a regular. 
2) Por outro lado, não se deve sempre favorecer a OJ que afirma a validade de uma situação 
relativamente a uma OJ que nega essa validade, nem se deve favorecer sempre determinado 
sujeito jurídico com posição ativa contra o sujeito jurídico com posição passiva; tal levaria 
sempre a reconhecer uma decisão quando se constitui ou consolida e tal levaria a um 
favorecimento injustificado. 
O Regente entende que parece preferível que se reconheça apenas certas categorias de situações que 
se constituíram validamente segundo o Direito de conflitos de um Estado que apresenta determinada 
conexão especialmente significativa com essas situações, apesar de não ser a conexão primariamente 
relevante para o Direito de conflitos do Estado do foro (ex: o art. 31º/2 CC aponta para este sentido). 
A técnica de reconhecimento atua a par do Direito de conflitos nesses casos, e atua em dois casos: 
a) Quando se trate de reconhecimento da decisão estrangeira; 
b) Quando há tutela da confiança depositada na situação consoante o Direito de conflitos no 
Estado estrangeiro e quando haja uma relação e ligação significativa com a situação. 
Concluindo: 
(1) A regulação das situações transnacionais é, em regra, indireta ou conflitual; 
(2) Só o Direito material unificado constitui uma alternativa global ao sistema de Direito de 
conflitos; 
(3) A atuação do sistema de Direito de conflitos é não só uma solução de recurso, mas também a 
resposta mais adequada naquelas matérias em que as divergências entre os sistemas jurídicos 
resultam de diferentes valorações ético-jurídicas e, mais em geral, do respeito da identidade 
cultural das diferentes sociedades estaduais; 
(4) O reconhecimento de situações definidas perante um OJ estrangeira constitui uma técnica de 
regulação conflitual. 
 
(2) Regulação pelo Direito Internacional Público 
Trata-se da regulação que opera na esfera da OJ internacional. A situação é regulada na esfera da OJ 
internacional quando: 
o Lhe for imediatamente aplicável normas e princípios do DIPúblico (ponto de vista 
dogmático); 
o Os litígios que lhe dizem respeito forem apreciados por instituições internacionais (ponto de 
vista institucional). 
 
 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
18 
 
 Relação entre DIPúblico e DIPrivado 
As situações transnacionais que tradicionalmente recorrem ao DIPrivado são situações que, embora 
tenham contacto com mais do que um Estado, relevam primariamente nas esferas institucional e de 
regulação dos Estados: (i) inscrevem-se na esfera institucional dos Estados porque os órgãos de 
aplicação do Direito que são chamados a apreciá-las são órgãos estaduais; (ii) relevam primariamente 
da esfera de regulação dos Estados porque não são imediatamente reguladas por normas de Direito 
Internacional. 
A par destas situações surgem agora outras que ao mesmo tempo que colocam um problema de 
determinação do Direito aplicável, são relevantes na OJ internacional. 
Na atualidade, abstraindo da responsabilidade penal internacional, que não interessa ao DIPrivado, 
os particulares podem ser partes na arbitragem quási-internacionalpública e em algumas jurisdições 
de organizações internacionais e têm acesso a certas jurisdições internacionais em matéria de direitos 
fundamentais, designadamente. 
 O que é a arbitragem quási-internacionalpública? É uma arbitragem organizada pelo Direito 
Internacional, mas tendo por objeto litígios emergentes de relações estabelecidas com 
particulares. Nesta, o mérito da causa não tem de ser decidido obrigatoriamente segundo o 
DIPúblico e, portanto, coloca-se um problema de determinação do Direito aplicável. 
Perante estas arbitragens quási-internacionalpúblicas parece seguro que o DIPúblico mostra vocação 
para regular certas situações transnacionais e que aos particulares sujeitos destas relações é conferida 
uma personalidade jurídica internacional limitada. 
Em conexão com o acesso dos particulares à arbitragem quási-internacionalpública surge a categoria 
das situações quási-internacionalpúblicas, que é mais vasta, uma vez que pode incluir situações em 
que os sujeitos particulares têm acesso a jurisdições sem caráter arbitral. 
Passe-se agora às relações com organizações internacionais. Em alguns casos as jurisdições 
internacionais estabelecidas pelos atos constitutivos de organizações internacionais, ou por atos dos 
seus órgãos fundados nos atos constitutivos, para conhecerem de litígios emergentes de relações 
internas, também são competentes para os litígios emergentes de relações estabelecidas com 
particulares. É o que se verifica, por exemplo, com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). 
Não se deve confundir a regulação pelo DIPúblico com a aplicação do DIPúblico à causa. Se tiver 
uma situação abrangida por uma convenção arbitral, as normas primariamente aplicáveis são as da 
convenção, mas essa convenção permite que as partes acordem a aplicação da lei de uma determinada 
ordem estadual. 
A hipótese mais frequente é, porém, a de os litígios emergentes de relações estabelecidas pelas 
organizações internacionais com particulares serem submetidos à arbitragem transnacional. Trata-
se então de uma arbitragem que não é organizada pelo DIPúblico. 
Novos casos de regulação imediata de situações transnacionais pelo DIPúblico foram introduzidos 
pela Convenção das Unidas sobre o Direito do Mar (1982). 
Também se verifica o acesso de particulares a jurisdições internacionais em caso de violação por 
Estados contratantes de Convenções em matéria de direitos fundamentais. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
19 
 
É muito controverso se além dos casos em que se institui uma jurisdição internacional para apreciar 
litígios com particulareshá outras situações transnacionais que sejam reguladas imediatamente pelo 
DIPúblico. 
NOTA: não se deve confundir regulação no plano do DIPúblico com aplicação de um regime material 
de DIPúblico. A OJ internacional pode regular a situação, ou um aspeto da situação, mediante a 
remissão para um Direito estadual. Inversamente, no plano da OJ estadual, uma situação pode ser 
submetida a normas internacionais. 
Os casos de regulação pelo DIPúblico aqui visados são outros: aqueles em que o DIPúblico é 
imediatamente aplicável, independentemente da mediação de uma OJ estadual. 
Importa ainda sublinhar que são ainda limitados os casos em que situações transnacionais são 
reguladas imediatamente pelo DIPúblico; é justamente isso que permite distinguir o DIPrivado do 
DIPúblico. Estes casos dizem fundamentalmente respeito a certos contratos internacionais celebrados 
entre Estados ou entes públicos autónomos e nacionais de outros Estados, ou entre organizações 
internacionais e particulares, ou a certos aspetos de situações s transnacionais que dizem respeito a 
direitos fundamentais protegidos internacionalmente. 
 
(3) Regulação pelo Direito da União Europeia 
Uma vez que o DUE constitui uma OJ autónoma – a OJ da UE – coloca-se o problema da relevância 
direta de situações transnacionais perante esta OJ, em termos paralelos ao da relevância direta perante 
a OJ internacional. 
A primeira impressão é a de que o DUE tem uma vocação mais ampla para regular imediatamente 
situações transnacionais, porque de acordo com o entendimento do TJUE e de alguma doutrina, o 
DUE auto-executório tem eficácia para os particulares independentemente do Direito interno dos 
EM. A seguir-se este entendimento, o DUE é suscetível de eficácia direta para os particulares e, por 
conseguinte, certas relações entre particulares podem ser imediatamente conformadas e reguladas 
pelo DUE. 
Uma parte da doutrina distingue este “efeito direto” da “aplicabilidade direta” ou “vigência direta” 
das normas comunitárias na ordem interna: 
 Uma norma tem efeito direto (ou é auto-executória) quando os particulares a podem invocar 
na ordem interna sem que sejam necessárias medidas internas de execução; 
 A dita aplicabilidade direta das normas europeias significa que tais normas vigoram imediata 
e automaticamente na ordem interna, sem necessidade de interposição de qualquer ato. Se 
por “aplicabilidade direta” se entender a desnecessidade de um ato individualizado de 
receção na ordem interna, esta identifica-se com a receção automática do DUE na ordem 
interna que resulta dos art. 8º/4 CRP. Por vezes, porém, entende-se a “aplicabilidade direta” 
no sentido de o DUE vigorar na ordem interna independentemente de qualquer receção, por 
força do próprio primado do DUE; isto leva alguns autores a considerar que não é necessário 
distinguir no DUE aplicabilidade direta e efeito direto (ANDRÉ GONÇALVES 
PEREIRA/FAUSTO QUADROS). 
A relevância das situações entre particulares na esfera institucional da EU é limitada: as jurisdições 
competentes para conhecerem dos litígios emergentes das relações entre particulares são 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
20 
 
normalmente estaduais ou arbitrais. Estas jurisdições não estão hierarquicamente subordinadas ao 
TUE. 
Pode assim dizer-se que há uma regulação imediata dessas situações pelo DUE? 
O mecanismo do reenvio prejudicial, embora faculte, e imponha em certos casos, que o tribunal 
nacional solicite o concurso da jurisdição do TUE com respeito à validade de disposições de Direito 
derivado e à interpretação do DUE (art. 267º TFUE), representa ainda uma forma de cooperação entre 
instâncias nacionais e europeias. 
 Na verdade, o TUE não pode anular a decisão do tribunal estadual e o incumprimento pelo 
Estado das suas obrigações com respeito à conformação do Direito interno ou o 
incumprimento pelo tribunal estadual das suas obrigações só desencadeia o processo geral 
previsto nos arts. 258º e ss. TFUE, em que o Estado responde por tais violações do DUE. 
Há quem diga, assim, que quando os órgãos estaduais aplicam o DUE estão a agir como órgãos da 
UE. LP não concorda – para isso era preciso que o seu estatuto fosse definido pelo DUE e não pela 
legislação nacional. 
 O Regente considera que a posição mais correta será a de entender que o DUE é superior à lei 
ordinária, mas tem valor inferior à CRP (é infraconstitucional). Por conseguinte, as jurisdições 
estaduais, quando aplicam o DUE, fazem-no por força de normas da OJ estadual. 
Em suma, a situação atual caracteriza-se por um certo compromisso ou transição entre o quadro que 
corresponde ao relacionamento do Direito Internacional derivado clássico com o Direito interno dos 
Estados por ele vinculados e o que resulta da integração das OJ destes Estados numa OJ complexa. 
Em certos casos, porém, as jurisdições europeias têm competência para dirimir litígios emergentes de 
relações transnacionais (ex: o TUE tem competência para conhecer dos litígios relativos à 
responsabilidade extracontratual). Nestes casos, um tribunal da UE tem competência para decidir, a 
título principal, certas questões transnacionais, sendo facultado o acesso de particulares a esta 
jurisdição. 
Acontece, no entanto, que o DUE ainda não tem regimes jurídico-materiais aplicáveis a estas questões. 
Para a obtenção do critério de decisão do caso, o TFUE aponta em dois sentidos diferentes: 
(a) No que respeita à responsabilidade extracontratual, o art. 340º/2 TFUE remete para os 
princípios gerais comuns aos Direitos dos EM; 
(b) No que se refere aos litígios emergentes de contratos de Direito privado ou de Direito público 
celebrados pela UE ou por sua conta, o art. 340º/1 TFUE determina que a responsabilidade 
contratual da UE é regulada pela lei aplicável ao contrato em causa. 
As normas da UE primariamente aplicáveis a estas situações são normas de conflitos. 
 
(4) Regulação pelo Direito Autónomo do Comércio Internacional 
A formação de regras e princípios, no seio da comunidade dos operadores de comércio internacional, 
que regulam as relações que entre si se estabelecem, é uma constante na história do Direito comercial 
e de todo o Direito relativo ao tráfico corrente de bens e serviços. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
21 
 
LIMA PINHEIRO entende por Direito autónomo do comércio internacional aquelas regras e 
princípios aplicáveis às relações do comércio internacional que se formam independentemente da 
ação dos órgãos estaduais e supraestaduais, a nova lex mercatoria. Tem em vista, designadamente, 
os usos e costumes do comércio internacional e as regras criadas no âmbito da autonomia associativa 
dos operadores do comércio internacional ou por entidades gestoras de mercados regulamentados 
de instrumentos financeiros. 
Estas fontes podem ter determinada relevância para OJ estadual. 
A regulação imediata de situações transnacionais pelo Direito autónomo do comércio internacional 
(i.e., independentemente da mediação de uma OJ estadual) merece considerável atenção, porque se 
verifica a aplicação de normas e princípios de Direito autónomo a muitas relações comerciais 
internacionais. Na verdade, a arbitragem transnacional é o modo normal de resolução jurisdicional 
de litígios no comércio internacional. 
 
 Teses favoráveis ao Direito autónomo do comércio internacional: 
 
1. SCHMITTHOFF 
Para este, a lex mercatoria é encarada essencialmente como Direito material especial do comércio 
internacional dotado de um certo grau de uniformidade internacional. 
Este autor invoca a falta de flexibilidade dos mecanismos legislativos estaduais e interestaduais na 
regulação das relações do comércio internacional e alega que o Direito de conflitos constituiuma 
“barreira artificial criada pelo homem à condução dos negócios e à resolução de dificuldades de um 
modo prático”. Precisaríamos assim de um Direito comercial internacional autónomo, fundado em 
regras uniformes aceites em todos os países – em suma, de uma nova lex mercatoria. 
Para SCHMITTHOFF, o Direito autónomo tem de se basear principalmente na autonomia privada no 
domínio contratual e no recurso privilegiado à arbitragem comercial internacional. Na conjugação 
das duas coisas, decorre o papel do Direito transnacional. 
As fontes do Direito transnacional seriam a legislação internacional (Convenções Internacionais de 
Direito material unificado e leis-modelo elaboradas por instituições internacionais que os Estados 
poderão unilateralmente adotar) e o costume comercial internacional (costume em sentido estrito, 
práticas comerciais, usos, cláusulas padronizadas, que foram formulados por agências 
internacionais). 
Nesta conceção, o acento é colocado na criação jurídica feita pelo legislador internacional e pelas 
organizações privadas. 
A soberania nacional não se oporá a que, no âmbito da liberdade contratual, as partes possam 
desenvolver um Direito autónomo do comércio internacional, contanto que este Direito respeite, 
na esfera de cada Estado, os limites impostos pela ordem pública. 
Para SCHMITTOF, este Direito transnacional assenta no reconhecimento direto ou indireto pelos 
próprios Direitos estaduais, apesar de ocupar um espaço pelo qual os Direitos estaduais à partida se 
desinteressam. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
22 
 
Nesta visão das coisas, a lex mercatoria não é concebida como uma OJ autónoma na qual os contratos 
internacionais se encontrem radicados. A lex mercatoria desempenha essencialmente uma função 
interpretativa e integrativa do negócio jurídico e, eventualmente, o papel de fonte subsidiária da OJ 
estadual. 
2. GOLDMAN 
Segundo a conceção apresentada por este autor, a lex mercatoria é uma OJ autónoma do comércio 
internacional – societas mercatorum – ou, pelo menos, é uma OJ em formação. 
A lex mercatoria consistirá num conjunto de princípios gerais e regras costumeiras espontaneamente 
referidas ou elaboradas no quadro do comércio internacional, sem referência a um particular sistema 
jurídico nacional, que exprime conceções jurídicas partilhadas pela comunidade dos sujeitos do 
comércio internacional. 
Esta conceção também encontra pontos de apoio na autonomia dos operadores do comércio 
internacional e na regulação autónoma por eles operada a nível das relações individuais ou por via 
de organizações que prosseguem os seus fins coletivos. 
Esta tese coloca o acento nas fontes espontâneas: 
(a) Numa primeira fase, GOLDMAN e os seus seguidores colocam em primeiro lugar, no elenco 
dos elementos da lex mercatoria, as regras de costume internacional, os usos, cláusulas 
contratuais gerais e modelos contratuais. 
(b) Numa segunda fase, surgem os “princípios gerais de Direito”, encarados como fonte 
subsidiária, a que é atribuída uma função integrativa de lacunas deixadas pelas “fontes” 
anteriormente mencionadas, e as regras desenvolvidas pela jurisprudência arbitral. 
As contribuições mais recentes, porém, tendem a acentuar a natureza pretoriana da lex mercatoria. Os 
princípios gerais de Direito e os princípios comuns aos sistemas nacionais envolvidos surgem como 
elementos primordiais desta OJ autónoma e a jurisprudência arbitral é elevada à categoria das 
principais fontes da lex mercatoria, se não considerada a fonte mais importante desta OJ autónoma do 
comércio internacional. 
A adesão massiva dos operadores do comércio internacional à arbitragem como modo normal de 
resolução jurisdicional dos litígios do comércio internacional e a observância das suas decisões pelos 
sujeitos do comércio internacional, aliadas à autonomia que lhe é reconhecida por grande número de 
sistemas nacionais, constituem a espinha dorsal desta tese. 
Os tribunais arbitrais desempenhariam duas funções: a de dirimir os litígios emergentes das relações 
do comércio internacional segundo as regras e princípios transnacionais (órgãos de aplicação da lex 
mercatoria) e a de desenvolvimento dessa mesma lex. 
Os partidários desta tese concedem que a lex mercatoria não constitui uma “ordem jurídica completa”, 
i.e., de uma ordem que regule, no seu conjunto, as relações do comércio internacional: 
i. Primeiro, a lex mercatoria limita-se às questões de natureza contratual, na aceção ampla 
retida na arbitragem transnacional. Trata-se, na verdade, de um Direito autónomo dos 
contratos do comércio internacional. 
ii. Segundo, as questões relativas aos pressupostos de formação do consentimento, aos 
requisitos de validade do objeto e do fim do contrato e ao poder de representação não 
seriam, em geral, reguladas pela lex mercatoria. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
23 
 
As relações entre a lex mercatoria e a OJ estadual são entendidas segundo duas ideias fundamentais: 
1) Por um lado, há uma certa primazia de princípio da OJ estadual em relação à lex mercatoria; 
2) Por outro lado, existe uma sobrelevância prática da lex mercatoria, em virtude do recurso à 
arbitragem transnacional e da contenção dos Estados no exercício das suas competências 
normativas. 
Quando se verifique um ponto de contacto entre a lex mercatoria e a OJ estadual, é a OJ estadual que 
prevalece. 
Para GOLDMAN, a lex mercatoria também é aplicável segundo uma norma de conflitos. Se as partes 
escolherem a lex mercatoria, o tribunal arbitral deve aplicá-la e essa aplicação afasta a aplicação das 
normas imperativas estaduais. Só não será assim quando se trate de norma de aplicação necessária 
que o tribunal estadual deva aplicar ou que o árbitro deva respeitar por se revestir do caráter de 
ordem pública transnacional. 
Se as partes não escolherem a lex mercatoria, os tribunais arbitrais podem ainda assim decidir aplicá-
la. A lex mercatoria não se apresenta assim como uma mera opção que está a par do Direito nacional, 
mas deve ser a opção de preferência, pois é a mais apta a regular as relações económicas 
internacionais. 
 
⭐ Significado real da lex mercatoria na regulação das relações comerciais internacionais 
Quanto a esta questão existem opiniões díspares: 
1) Uma corrente doutrinária entende que os contratos internacionais tendem a ser regulados 
principalmente por Direito autónomo do comércio internacional – a lex mercatoria assume 
assim real importância; 
2) Para os seus principais oponentes, a lex mercatoria não passa de uma fantasia, e não passa, na 
melhor das hipóteses, de uma soma de usos setoriais e fragmentários cuja relevância depende 
inteiramente do Direito estadual designado pela norma de conflitos. 
Onde está a razão? 
Existe vasto consenso sobre a existência de ramos da atividade económica marcados por um elevado 
grau de internacionalização, de padronização do conteúdo negocial dos contratos e de recurso à 
arbitragem para resolução dos litígios deles emergentes. São exemplos os contratos bancários 
internacionais, as operações sobre instrumentos financeiros, a venda internacional de mercadorias, 
os contratos de prospeção e exploração de petróleo, etc. 
Já a averiguação do grau de desenvolvimento da lex mercatoria à escala mundial tem conduzido a 
resultados em certa medida contraditórios: a maioria dos estudos assinala que os usos do comércio 
internacional se formam, em princípio, no âmbito de cada um dos setores do comércio internacional 
e que, por vezes, se revestem igualmente de caráter regional. Afirma-se que raramente os usos obtêm 
um reconhecimento à escala mundial. 
 
 
 
Direito Internacional PrivadoLeonor Branco Jaleco 
24 
 
 Quanto ao significado da jurisprudência arbitral para o desenvolvimento da lex mercatoria: 
Numa primeira fase, as soluções autónomas desenvolvidas pela jurisprudência arbitral incidiram 
principalmente sobre questões de caráter processual ou que se suscitam a título prejudicial, à 
determinação do Direito aplicável e à relevância dos usos do comércio internacional. Assim, nesta 
primeira fase, a jurisprudência arbitral contribuiu mais para o desenvolvimento do Direito 
Transnacional da Arbitragem do que para a formação de um Direito material conformador e 
regulador dos contratos internacionais. 
Nos últimos anos, contudo, o acervo de soluções autónomas formuladas pela jurisprudência arbitral 
em crescido consideravelmente. 
É preciso sublinhar dois pontos: 
1. É limitado o número de casos em que a decisão foi proferida exclusivamente com base em 
Direito autónomo do comércio internacional; 
2. A jurisprudência arbitral não constitui per si uma fonte do Direito autónomo do comércio 
internacional em sentido técnico-jurídico. As decisões arbitrais não constituem precedente 
vinculativo, tendo importância imediata apenas para o caso concreto a resolver. As soluções 
desenvolvidas pela jurisprudência arbitral só se positivam (ganham validade normativa) 
quando integram um costume jurisprudencial: para tal, é necessário que se forme uma 
convicção geral, no círculo dos interessados, de que essas soluções são juridicamente 
vinculantes. 
Ora, o assinalado progresso da lex mercatoria na regulação dos contratos internacionais traduz-se 
principalmente no desenvolvimento de soluções arbitrais baseadas na concretização de princípios 
gerais e de “princípios” comuns aos sistemas nacionais e em modelos de regulação; mas a maior parte 
destas soluções ainda não integra um costume jurisprudencial. 
NOTA: a questão da vigência de regras e princípios atribuídos à lex mercatoria não deve ser 
confundida com a sua “aplicabilidade” na decisão de litígios pelos árbitros transnacionais. 
 
 Princípios dos contratos comerciais internacionais 
Dois passos de grande importância para a evolução da lex mercatoria são: 
a) Publicação dos Princípios Relativos ao Comércio Internacional do UNIDROIT – trata-se de 
um conjunto sistematizado de soluções, que um vasto grupo de especialistas provenientes de 
diferentes culturas jurídicas considerou serem comuns aos principais sistemas nacionais e 
mais adequadas aos contratos nacionais. 
Para que servem? 
i. Há quem entenda que estes princípios devem ser aplicados quando as partes estipularam 
nesse sentido ou quando estipularam que os litígios emergentes de um determinado contrato 
sejam resolvidos com recurso à lex mercatoria ou forma semelhante. 
ii. Outros entendem que estes princípios podem servir como elemento de interpretação e 
integração das convenções internacionais de Direito material unificado e Direito material 
interno, oferecendo um modelo em que o legislador nacional ou internacional se pode basear. 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
25 
 
b) Publicação dos Princípios de Direito Europeu dos Contratos, a cargo de uma comissão ad hoc 
que se formou sob o impulso de LANDO – também estes não são princípios jurídicos gerais, 
mas apresentam uma base comparativa mais marcada que os “princípios” do UNIDROIT. 
Para que servem? 
i. Procuram refletir um fundo comum aos sistemas jurídicos dos EM da EU, embora 
pretendam simultaneamente ser “progressivos”. 
ii. O principal objetivo dos Princípios de Direito Europeu dos Contratos é o de constituírem 
um sistema geral de regras de Direito dos Contratos na UE baseado nos Direitos 
nacionais dos seus EM. Enquanto tal, os princípios poderão servir para a criação de uma 
“infraestrutura” para a legislação da europeia sobre contratos e inspirar eventualmente 
um Código Europeu de Direito dos Contratos. 
iii. Destinam-se ainda a ser aplicados quando as partes o convencionem e podem ser 
aplicados quando as partes estipulem que o seu contrato será regido pelos “princípios 
gerais de Direito”, pela lex mercatoria ou utilizem uma expressão similar e quando as partes 
não escolham o sistema ou as regras jurídicas que devem reger o seu contrato. 
iv. Podem ainda auxiliar a obtenção da solução em caso de lacuna do sistema ou das regras 
jurídicas aplicáveis. 
No entanto, note-se que as indicações relativas à aplicabilidade dos princípios são ambíguas e podem 
induzir em erro: os “princípios” são meros modelos de regulação que podem ser incorporados no 
contrato, com o valor de cláusulas contratuais, ou podem ser recebidos no conteúdo de normas 
materiais de um Direito estadual, de uma Convenção Internacional ou de um instrumento da UE. 
Contêm uma regulação sistemática para aspetos gerais, mas isso não significa que eles vigorem por 
não serem uma codificação de usos ou costumes. 
 
⭐ Apreciação crítica das teses favoráveis ao Direito autónomo do comércio internacional 
As teses favoráveis ao Direito autónomo do comércio internacional têm deparado com a oposição da 
doutrina tradicional, i.e., daqueles autores para quem as situações transnacionais são sempre 
reguladas ao nível da OJ estadual por meio da remissão para um Direito estadual. 
 Assim, a opinião dominante na Alemanha encara a lex mercatoria como um “fenómeno 
sociológico” – as cláusulas contratuais gerais, os usos do comércio e a jurisprudência arbitral 
são realidades sociais, mas estas realidades só relevariam juridicamente mediante a sua 
“receção” pelo Direito dos conflitos ou pelo Direito material dos sistemas nacionais 
individualmente considerados. 
A crítica movida à lex mercatoria assenta em dois postulados: 
1. As situações transnacionais só seriam imediatamente relevantes perante as OJ estaduais; 
2. A permissão para a criação de Direito por particulares dependeria sempre do legislador 
estadual. 
Na opinião do Regente, estes postulados são equivocados: 
i. Há um determinado círculo de contratos do comércio internacional que são direta e 
imediatamente regulados na OJ internacional e na OJ da UE; 
Direito Internacional Privado Leonor Branco Jaleco 
26 
 
ii. A doutrina tradicional parte do princípio de que não pode haver fontes do Direito autónomas 
relativamente aos Direitos estaduais e supraestaduais, concluindo que as fontes da lex 
mercatoria só podem ter relevância se essa lhes for dada pelas OJ estaduais, o que é falacioso, 
pois contém a conclusão nas premissas; 
À OJ estadual corresponde a sociedade perfeita que integra, na sua globalidade, a vida social e 
apresenta um elevado nível de institucionalização e de autossuficiência. Mas a institucionalização de 
grupos sociais que prosseguem fins limitados a uma certa esfera de vida (sociedades imperfeitas ou 
de fins específicos) também pressupõe a existência de complexos normativos. 
Onde se há de encontrar o fundamento dessas regras e princípios autónomos? 
No processo de estabilização da sociedade paraestadual (formada por pessoas ligadas a diferentes 
Estados), na referência à consciência dos membros da sociedade paraestadual e na conformidade do 
ordenamento dessa sociedade perante os princípios gerais do Direito e os princípios geralmente 
acolhidos na comunidade internacional. 
Nesta visão das coisas, não é inconcebível que exista uma OJ autónoma do comércio internacional ou 
uma pluralidade de OJ autónomas. O que ficou exposto é suficiente, na ótica de LP, para concluir que 
os postulados em que assenta a crítica da doutrina tradicional à tese da OJ autónoma do comércio 
internacional são infundadas. 
Ainda assim, da rejeição dos postulados em que assenta a crítica da doutrina tradicional não decorre 
necessariamente a aceitação das teses favoráveis ao Direito autónomo do comércio

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