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1 Docência para o Ensino Superior CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E TEORIAS DA APRENDIZAGEM APLICÁVEIS AO ENSINO SUPERIOR Valéria Aparecida de Souza Siqueira Edna Barberato Genghini SIQUEIRA, Valéria Aparecida de Souza GENGHINI, Edna Barberato Construção do Conhecimento e Teorias da Aprendizagem Aplicáveis ao Ensino Superior (livro-texto) / Valéria Aparecida de Souza Siqueira; Edna Barberato Genghini – São Paulo: Pós- Graduação Lato Sensu UNIP, 2019. 81 p.: il. 1. Conhecimento. 2. Aprendizagem. 3. Docência. 4. Ensino Superior. Pós-Graduação Lato Sensu UNIP. III. Docência para o Ensino Superior. Construção do Conhecimento e Teorias da Aprendizagem aplicáveis ao Ensino Superior Professor Conteudista VALÉRIA APARECIDA DE SOUZA SIQUEIRA, Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (2017). Possui Mestrado em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda (2012). Licenciada em Pedagogia por essa mesma instituição (2009). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional - GEPAVE, na Faculdade de Educação da USP. É professora em cursos de Pedagogia (presencial) e de Pós-Graduação (EAD). Foi consultora externa do INEP/MEC: Elaboração de Sentenças Descritoras e Comentários Pedagógicos de Itens. Atuou como Pesquisadora da Fundação para o Desenvolvimento da UNESP (FUNDUNESP), por meio do Projeto de Avaliação do Programa Melhor Gestão, Melhor Ensino. Desenvolve pesquisas na área de Educação relacionadas aos temas Avaliação Educacional, Política Educacional, Currículo e Formação Docente. Trabalhou como formadora de professores na área de avaliações externas em Projetos como Educa Brasil (Editora do Brasil), Excelência com Equidade (Fundação Lemann) e Programa Mais Educação São Paulo (SME-SP). Professora Colaboradora/coordenadora: EDNA BARBERATO GENGHINI, Professora Universitária desde 2002. Atualmente no exercício da função de Coordenadora para todo o Brasil de três cursos ao nível de Pós-Graduação Lato Sensu: em PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL, DOCÊNCIA PARA O ENSINO SUPERIOR e em FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, pela UNIP - UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP/EaD, onde também atua como Professora Adjunta, nas modalidades SEI e SEPI. É Diretora e Psicopedagoga da MENTOR ORIENTAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA LTDA. ME desde 1991. Possui graduação em Economia Doméstica - Faculdades Integradas Teresa D'Ávila de Santo André (1980), graduação em Pedagogia pela Universidade Guarulhos (1985), Pós- graduação em Psicopedagogia pela Universidade São Judas (1987), Mestrado em Ciências Humanas pela Universidade Guarulhos (2002) e pós-graduação Lato Sensu em Formação em Educação a Distância pela UNIP - Universidade Paulista (2011). É autora e coautora de livros Textos para os cursos de Pós-Graduação Lato Sensu em Psicopedagogia Institucional, Docência para o Ensino Superior e Formação em Educação a Distância da UNIP - EaD. Áreas de Interesse: Neurociências - Educação Inclusiva - Psicopedagogia Clínica e Institucional - Formação e Gestão em Educação a Distância - Formação de Docentes para o Ensino Superior. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 05 INTRODUÇÃO 06 Unidade I: TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO E SEUS EFEITOS E/OU POTENCIALIDADES NO PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM 08 1.1 Teoria Inatista no campo educacional 09 1.1.1 Teoria Inatista e suas implicações no ensino superior 10 1.2 Teoria do comportamento: o Behaviorismo 11 1.2.1 Teoria behaviorista e suas implicações no ensino superior 15 1.3 Teoria interacionista no campo educacional 16 1.3.1 Teoria interacionista e suas implicações no ensino superior 18 1.4 Considerações Finais 21 Unidade II: PROCESSOS DE ENSINO/APRENDIZAGEM NO ENSINO SUPERIOR: SEMELHANÇAS E DISTANCIAMENTOS EM RELAÇÃO AO ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA 25 2.1 Teoria Construtivista de Piaget e sua aplicabilidade no ensino superior 26 2.2 Estágios de desenvolvimento e ciclos de vida: a adequação a cada faixa etária 31 2.3 A valorização e utilização do conhecimento prévio dos alunos do ensino superior como alavanca para a construção do conhecimento 35 2.4. Considerações Finais 39 Unidade III: ABORDAGENS TEÓRICO-METODOLÓGICAS COMO CONTRIBUIÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO DISCENTE NO ENSINO SUPERIOR 43 3.1 A Neurociência e os aspectos cognitivos do adulto 43 3.2 Aprendizagem Significativa e Inteligências Múltiplas 48 3.3 Taxonomia de Bloom e a mobilização de processos cognitivo 53 3.4 Considerações Finais 58 Unidade IV: MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DISCENTE: PROFESSOR MEDIADOR E A TRANSFORMAÇÃO DOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM DISCENTE 62 4.1 A Pedagogia de Resolução de Problemas como aliada à construção do conhecimento do aluno adulto 62 4.2 Aprender praticando: desenvolvimento de habilidades a partir de sua mobilização 66 4.3 O espaço da interação planejada na sala de aula de um professor interacionista 71 4.4. Considerações Finais 76 REFERÊNCIAS 80 5 APRESENTAÇÃO Olá, caríssimo(a) aluno(a)! Seja bem-vindo(a)! É com muita satisfação que juntos começamos mais um caminho de descobertas! Neste material você vai encontrar os conteúdos referentes à disciplina Construção do Conhecimento e Teorias da Aprendizagem aplicáveis ao Ensino Superior. A disciplina versa sobre as principais teorias de aprendizagem que explicaram o desenvolvimento humano ao longo da história. É de fundamental importância para o exercício docente no Ensino Superior que se conheça as linhas de pensamento que embasaram as correntes pedagógicas no Brasil e no mundo ao longo do século XX até a atualidade. Tais correntes representam o eixo que norteia o fazer docente; conhecer sua evolução até a corrente interacionista vigente contribui para uma prática reflexiva que tome o aluno como protagonista em seu processo de aprendizagem. Está preparado(a)? Então, vamos começar!! 6 INTRODUÇÃO O fazer do professor não se dá em campo neutro, desprovido de significados, ao contrário, representa uma visão de mundo e como tal, representa uma ação que se apoia em concepções que, por sua vez, se fundamentam em valores e teorias. Grandes teorias ao longo da história pavimentaram essa prática com repercussões na trajetória de alunos. As principais teorias foram o Inatismo, o Behaviorismo e o Interacionismo. O objetivo deste livro-texto, da disciplina Construção do Conhecimento e Teorias da Aprendizagem aplicáveis ao Ensino Superior do Curso de Pós-Graduação DOCÊNCIA PARA O ENSINO SUPERIOR é apresentar os principais fundamentos de cada teoria, nos detendo com mais atenção às inúmeras oportunidades da teoria interacionista vigente com destaque para seus benefícios para o aluno do Ensino Superior. Dividimos o livro em quatro unidades sequenciais. Em cada uma você poderá conhecer as características de cada corrente teórica que explica o desenvolvimento e compreende-las no âmbito do Ensino Superior. Vamos a elas: Unidade 1 – Teorias do desenvolvimento e seus efeitos e/ou potencialidades no processo de ensino/aprendizagem Unidade 2 – Processos de ensino/aprendizagem no ensino superior: semelhanças e distanciamentos em relação ao ensino na educação básica Unidade 3 – Abordagens teórico-metodológicas como contribuição para a construção do conhecimento discente no ensino superior Unidade 4 – Mudança de comportamento discente: professor mediador e a transformação dos processos de aprendizagem discente Veja que, ao abordarmos as teorias de desenvolvimento, ao mesmo tempo discutiremos o papel do professor e do aluno, sujeitos doprocesso de ensino/aprendizagem e como tal, indivíduos situados histórica e socialmente, agentes de um processo em constante transformação. 7 Veremos que as visões Inatista, Behaviorista e Interacionista trazem consigo uma dada imagem do que seja aluno e professor, com repercussões importantes sobre o trabalho docente e sobre a trajetória discente, o que pode potencializar ou inibir o desenvolvimento deste último. Nesse sentido, conheceremos as características das teorias que influenciaram e ainda influenciam os processos escolares, explorando as possibilidades de transformação da prática docente no ensino superior nos detendo mais precisamente sobre a formação de professores que atuarão na docência do ensino superior. Entenderemos, por exemplo, que a visão que concebe o saber como um “dom” torna-se seletiva, na medida em que pressupõe que as habilidades estão com o aluno desde o seu nascimento e que, em se tratando de “dom”, uns têm outros não. Platão, por exemplo, foi o primeiro Inatista de que se tem notícia ao distinguir os indivíduos em habilidades desde o seu nascimento, classificando-os em “almas” de bronze, prata e ouro. Essa concepção influenciou os processos escolares, uma vez que projeta uma dada imagem de aluno. Da mesma forma, o olhar de um professor, cuja visão de mundo se apoia no Behaviorismo, repercutirá nos processos de ensino/aprendizagem os quais conduz influenciando o percurso escolar de seus alunos repercutindo na trajetória dos mesmos. Uma postura que orientou, sobretudo, a chamada “escola tradicional”. Ao final do século XX, entretanto, teóricos da corrente Interacionista revolucionaram o ambiente escolar com forte apelo sobre o papel ativo do aluno sobre o conhecimento. Veremos que expoentes representantes de tal corrente como Piaget e Vygotsky apresentam conceitos semelhantes, mas também divergentes quando o assunto é o papel do meio sobre o desenvolvimento do sujeito. Entenderemos que, para a teoria Piagetiana, os estímulos do ambiente contribuem com o ritmo apenas enquanto para Vygotsky, o meio social é essencial para a aprendizagem. Procuramos extrair da linha interacionista os principais benefícios para uma prática docente transformadora para os profissionais que atuarão no ensino superior. Aproveite as dicas ao longo do livro-texto para se aprofundar nos temas em “Saiba mais”, Lembretes, Observações e outros. Bons estudos! 8 1. TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO E SEUS EFEITOS E/OU POTENCIALIDADES NO PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM A abordagem sobre teorias de desenvolvimento é uma viagem ao longo da história e, não raras vezes, remete o indivíduo à própria trajetória escolar, com memórias sobre seu processo de escolarização. O fazer profissional do professor não é desprovido de valores, ao contrário, é moldado pela própria visão de mundo, pavimentada por sua vez, por um misto de conceitos teóricos, experiência própria como aluno e valores delineados por toda sua existência. Trataremos aqui, em especial, dos efeitos das teorias vigentes durante a formação e experiência profissional docente, mas é importante que não nos esqueçamos que a prática não se resume à teoria que respalda a formação inicial e continuada, pois o professor é um ser que, diferentemente de outras profissões, traz consigo uma experiência prévia com o ambiente de trabalho de pelo menos doze anos, o que limita ou favorece a apropriação da corrente pedagógica que orienta os processos escolares no momento de sua atuação profissional. Ressalta-se que, no campo educacional, três foram as concepções de desenvolvimento e aprendizagem que fundamentaram a prática docente no decorrer do século XX até a atualidade, sendo o Inatismo, o Behaviorismo e o Interacionismo, esta última dividida entre o Construtivismo de Piaget e o Sócio-Interacionismo baseado no materialismo dialético de Vygotsky. As correntes psicológicas em questão influenciaram processos pedagógicos em todos os níveis, em especial na educação básica. Contudo, as contribuições de diferentes olhares sobre o desenvolvimento são também perceptíveis no ensino superior para a formação de professores em todos os níveis. Em se tratando de professores de ensino superior, a métrica é a mesma, apenas os conflitos são menores, uma vez que a passagem pelo ensino superior e o trânsito pela pesquisa ocasionado pela experiência universitária podem reduzir os efeitos de concepções de desenvolvimento já superadas como o Inatismo e o Behaviorismo. De todo modo, tenhamos em mente o elemento das vivências anteriores do futuro professor de ensino superior a fim de resistirmos à ingênua ideia de que tudo se resume à formação técnica, ao conhecimento acadêmico. Saibamos de antemão que a disposição do professor em atualizar-se e colocar em xeque as próprias concepções e crenças é determinante para o sucesso de propostas transformadoras como o Interacionismo. Será preciso um cuidadoso e permanente olhar sobre os próprios valores, questionando-os e, eventualmente, dispondo-se a alterá-los. 9 1.1 Teoria inatista no campo educacional A teoria inatista é uma tendência racionalista, em que fatores internos ao sujeito são predominantes. Nesse sentido, há o predomínio da hereditariedade e, portanto, do dom. Para os inatistas, o conhecimento é pré-formado, inato, nasce com o sujeito. De acordo com essa concepção, as capacidades do indivíduo estariam pré-formadas desde o seu nascimento. Outro fator importante, a linguagem, seria uma herança genética e, portanto, inata. Nessa perspectiva, as pessoas nascem com certas habilidades, conceitos, conhecimentos e qualidades em sua bagagem hereditária. Fatores internos são predominantes. Enfatiza os fatores maturacionais (potencialidades e aptidões) e hereditários (dom). Os inatistas, ao considerar o desenvolvimento, dão maior importância a fatores internos e menor influência ao ambiente. Na Educação, tal concepção defende que o conhecimento é um processo que se dá de dentro para fora. Nesse caso, o professor interfere o mínimo possível, trazendo o saber à consciência e organizando-o. Em resumo, “o estudante aprende por si mesmo”, como descreve Fernando Becker, no livro Educação e Construção do Conhecimento. Na Filosofia Grega, Platão era um inatista. Para o filósofo, “conhecer é relembrar”. Para o discípulo de Sócrates, a alma precede o corpo, a qual, antes de encarnar, tem acesso ao conhecimento, sendo assim, ao nascer, o indivíduo já domina determinados conceitos. Platão, no livro “A República” assim se manifesta, Mas o deus que vos modelou, àqueles dentre vós que eram aptos para governar, misturou-lhes ouro na sua composição, motivo por que são mais preciosos; aos auxiliares, prata; ferro e bronze aos lavradores e demais artífices. Platão diz que o homem nasce com certas características físicas e que elas justificam a posição social de cada um. Ser apto a governar ou trabalhar como auxiliar é resultado de uma vontade divina. Não se considera nenhuma possibilidade de mudança. No século XVIII, tivemos um importante representante do Inatismo na figura de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Vivendo em um período importante marcado pelo Iluminismo, as ideias de Rousseau influenciaram de forma marcante o campo educacional. Opondo-se às concepções tradicionais de educação, propôs um repensar a formação da criança em sua obra “Emílio”, valorizando elementos da 10 criança que considerava naturais. Para Rousseau, a educação não deve iniciar-se com abstrações racionais, para não antecipar aquilo que as crianças não estariam preparadas, a fim de não as confundir. Derivada do Inatismo, a corrente Humanista, a qual tem como expoente Carl Rogers, define o ser humano como alguém que traz consigo desde o nascimento as habilidades necessárias para se desenvolver. Para os defensores do Humanismo,“o aluno é um indivíduo que nasce com grandes possibilidades de desenvolvimento”, dotado, portanto, de habilidades inatas. No campo da Educação, entendem que a aprendizagem é um processo de dentro para fora. Se a aprendizagem é um processo interno, a Pedagogia também se realiza de forma a garantir essa forma de aprendizagem. Por essa razão, tem-se na figura do professor um facilitador, cujo papel é o de facilitar que as aptidões se manifestem, entendendo que quanto menor a interferência, maior será a espontaneidade e criatividade do aluno. Essa visão, contudo, gerou uma ideia autoritária e sobretudo pessimista para a educação de crianças e adolescentes, gerando preconceitos ao trabalho em sala de aula. 1.1.1 Teoria Inatista e suas implicações no ensino superior A Teoria Inatista, no campo educacional, gerou uma ideia de ser humano que produziu uma abordagem rígida, autoritária e, sobretudo, pessimista para a educação de crianças e adolescentes. Como o ser humano já nasceria “pronto”, poder-se-ia apenas aprimorar um pouco aquilo que ele é ou, inevitavelmente, viria a ser. Isso geraria enormes preconceitos enrijecendo o processo de desenvolvimento. Se no campo da educação básica, que envolve educação infantil, ensino fundamental e médio, tal concepção gerou críticas, o mesmo ocorre com sua adoção no ensino superior. Com políticas educacionais voltadas à ampliação das vagas nas universidades, a proposta inatista vai na contramão do ideal de igualdade e equidade tão defendidos nos dias atuais. Uma visão inatista não contempla a diversidade cultural e social característicos da sociedade brasileira e não contribui com o atendimento às camadas mais pobres, visto que desconsidera elementos inerentes ao ambiente exterior que nada tem a ver com nascimento, mas que têm um impacto muito grande no percurso escolar e universitários de alunos, elementos como o capital cultural, fruto, por sua vez, do acesso a bens culturais que jovens das classes desfavorecidas muitas vezes não têm. 11 É o pouco acesso a bens culturais e não a herança genética que tem impactado em percursos escolares e universitários provocando diferenças e reforçando o abandono dos estudos por parte de jovens e adultos e reforçando a exclusão social, transformando diferenças de entrada em percursos educacionais acidentados. Só faz sentido enfatizar habilidades uma vez garantido o atendimento a lacunas de aprendizagem existentes pelas razões acima elencadas. Dito de outra forma, o ensino superior tem objetivos diferentes da educação básica, no que refere à garantia de conhecimentos mínimos frente a um currículo que apresenta habilidades mínimas a se desenvolver atendendo, por sua vez, a direitos de aprendizagem estabelecidos em documentos oficiais como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Mesmo assim, estabelecer distinção entre indivíduos com base em suas capacidades inatas é um retorno a um ensino superior elitizado, reservado àqueles cujos bens culturais já os privilegia naturalmente. Garantidos direitos de aprendizagem na educação básica, é preciso favorecer ao jovem o ingresso à universidade de modo que ele possa pavimentar seu caminho com o devido estímulo às habilidades naturais que não apenas ele, mas todo indivíduo tem, sendo uma questão de oportunidade e tratamento equitativo às diferenças e não de berço, o sucesso em sua trajetória acadêmica. 1.2 A teoria do comportamento: o Behaviorismo A Teoria Behaviorista é uma corrente que explica o desenvolvimento a partir da preponderância do ambiente sobre o mesmo. Inaugurado pelo americano John B.Watson (1904-1990), refere-se à ideia de interações entre sujeito (suas respostas) e o ambiente (seus estímulos) que levariam ao desenvolvimento. Em artigo publicado em 1913, sob o título “Psicologia: como os behavioristas a veem”, Watson assegura que a psicologia deveria observar o comportamento dos organismos, a fim de compreendê-lo, prevê-lo e até modifica-lo. Barros (1996) descreve que os Behavioristas definiam o comportamento do organismo como suas respostas aos estímulos do ambiente e enfatizavam a importância do “condicionamento” das respostas. O termo inglês behavior que significa “comportamento” é utilizado para denominar essa tendência teórica, assim como Comportamentalismo, Empirismo, Teoria Comportamental, Análise Experimental do Comportamento, Análise do Comportamento. O Behaviorismo se baseia na relação “estímulo/resposta” que, por sua vez, provoca um “comportamento respondente”, ou “reflexo” (involuntário, 12 incondicionado). Watson, em seus experimentos, descobriu que até o comportamento respondente pode ser criado, condicionado. O “comportamento operante”, outro elemento da teoria Behaviorista, é um comportamento voluntário, ativo, tem efeito sobre o mundo. Tal comportamento abarca uma série de atividades humanas, desde comportamentos do bebê de balbuciar, agarrar objetos e olhar enfeites do berço até atividades mais sofisticadas apresentadas pelo adulto. Comportamento operante se apresenta em diferentes atividades como ler um livro, escrever uma carta, tocar um instrumento musical, etc. O mais importante dos behavioristas que sucedem a Watson é B. F. Skinner (1904-1990), que criou a teoria do “comportamento operante”, estímulo e resposta que envolve ainda o chamado “comportamento reflexo ou respondente”. O comportamento reflexo ou respondente é o que chamamos de “não-voluntário” e cujas respostas são produzidas por estímulos antecedentes do ambiente. Um exemplo de comportamento reflexo é a contração das pupilas quando uma luz forte incide sobre os olhos ou ainda a salivação provocada por uma gota de limão colocada na ponta da língua e ainda, o arrepio da pele quando um ar frio nos atinge, as famosas “lágrimas de cebola”, entre outros. Esses comportamentos reflexos ou respondentes são interações estímulo-resposta (ambiente-sujeito) incondicionadas, nas quais certos eventos ambientais confiavelmente eliciam certas respostas do organismo que independem de “aprendizagem”. Para verificar como as variações do ambiente influenciavam os comportamentos, animais como ratos, pombos e macacos foram vastamente utilizados por pesquisadores em seus experimentos. Um conhecido experimento realizado por Skinner em laboratório exemplifica bem a teoria Behaviorista. De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (1999), um ratinho, ao sentir sede em seu habitat, manifesta algum tipo de comportamento que lhe permita satisfazer sua necessidade orgânica. Um comportamento que, segundo os Behavioristas, foi aprendido pelo ratinho e se mantém pelo efeito proporcionado: saciar a sede. Para apreender o comportamento de um rato ao sentir sede, Skinner manteve em uma caixa em laboratório, um ratinho privado por algum tempo de beber água com vistas a apreender o comportamento que tem ao sentir sede, simulando assim uma situação que o animal viveria em um ambiente natural. A “caixa de Skinner” possuía apenas uma barra que, ao ser pressionada pelo pesquisador, acionava um mecanismo (camuflado) que lhe permitia obter uma gotinha de água, que chegava até a caixa por meio de uma pequena haste. Por ter obtido água ao encostar na barra quando sentia sede, constatou-se a alta probabilidade de que, em situação semelhante, o ratinho a pressionasse novamente (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999). 13 Neste caso, o comportamento operante que propicia a aprendizagem dos comportamentos é a ação do organismo sobre o meio e o efeito dela resultante – a satisfação de alguma necessidade, ou seja, a aprendizagem está na relação entre uma ação e seu efeito. Assim, agimos ou operamos sobre o mundo de acordo com as consequências criadas por nossa ação. Outro elemento da Teoria Behaviorista diz respeito ao “reforçamento”, aquele que, seguido de uma resposta, altera a probabilidade futurade ocorrência dessa resposta. O reforço pode ser positivo ou negativo; positivo quando aumenta a probabilidade futura da resposta que o produz, e negativo quando aumenta a probabilidade futura das respostas que o remove ou atenua. Assim, voltando à “caixa de Skinner” em que uma gota d’água era oferecida ao ratinho sempre que encostasse na barra, num segundo momento, o ratinho passa a receber choques do assoalho. Após várias tentativas de evitar os choques, o ratinho chega à barra e, ao pressioná-la acidentalmente, os choques cessam. Dessa forma, as respostas de pressão à barra tenderão a aumentar de frequência. Chama-se reforçamento negativo o processo de fortalecimento dessa classe de respostas (pressão à barra), pois se trata de remoção de um estímulo aversivo que controla a emissão da resposta. Bock, Furtado e Teixeira (1999) asseguram ser condicionamento por se tratar de aprendizagem e reforçamento porque um comportamento é apresentado e aumentado em sua frequência ao alcançar o efeito desejado. O reforçamento positivo oferece algo ao organismo (gotas de água com a pressão da barra, no experimento), enquanto o negativo permite a retirada de algo indesejável (os choques). Fonte: Bock, Furtado e Teixeira (1999). 14 A “punição” é outro procedimento que o behaviorismo utiliza e envolve a consequenciação de uma resposta quando há apresentação de um estímulo aversivo ou remoção de um reforçador positivo presente. A punição sempre apresenta um estímulo negativo ou retira um estímulo positivo, o que pode provocar a “esquiva” – resposta ou comportamento para evitar o estímulo aversivo – e a “fuga” – resposta ou comportamento para fugir do estímulo aversivo já iniciado. Por outro lado, punir ações levaria à supressão temporária e não definitiva da resposta, ou seja, não alteraria sua motivação. Tal constatação divide opiniões entre os behavioristas quanto a seu uso na Educação. Práticas punitivas correntes na escola como ajoelhar-se no milho, reproduzir inúmeras cópias de um mesmo texto, palmatória entre outras foram questionadas por defensores do Behaviorismo que faziam críticas a Skinner e propuseram a substituição de práticas punitivas por procedimentos de instalação de comportamentos desejáveis. A constatação de críticos a Skinner é de que punições não motivam os indivíduos a adotar um comportamento adequado, mas sim estimulam a desenvolver mecanismos de fuga e de esquiva. Um exemplo disso é o trânsito, cujas punições não têm motivado motoristas a adotar comportamento adequado, mas sim tornarem-se especialistas em fuga e esquiva. Voltando ao campo educacional, para essa corrente, o conhecimento tem origem e evolui a partir das experiências que o sujeito vai acumulando. O sujeito seria uma “tabula rasa”, uma “folha de papel em branco”, vazio de conhecimentos, sendo o homem produto do ambiente. O processo educacional seria entendido como uma modificação do comportamento provocada pelo agente que ensina, pela utilização adequada dos estímulos reforçadores, sobre o sujeito que aprende. A Pedagogia utilizada nessa concepção é a “diretiva”, de modo que o aluno aprende se, e somente se, o professor ensina. O professor é aquele que detém o conhecimento e o transfere ao aluno. Quanto ao reforço positivo e negativo na educação, os efeitos, sobretudo do reforço negativo, têm sido observados ao longo do tempo e constatou-se que, assim como em outras áreas descritas anteriormente, na educação, a utilização de castigos não tem se mostrado eficaz para eliminar comportamentos inadequados como indisciplina, por exemplo. Ao contrário, tal como indicavam os críticos de Skinner, a frequência com que as punições são aplicadas ensina o aluno a desenvolver mecanismos para fugir da punição, mecanismos de aversão que, consequentemente, provocarão aversão à escola. 15 1.2.1 Teoria behaviorista e suas implicações no ensino superior Como vimos, no campo educacional, são muitos os estudos que indicam os efeitos da concepção behaviorista sobre os alunos. A literatura abarca, em especial, trabalhos que apontam os efeitos prejudiciais que a teoria comportamental teria sobre os alunos. No entanto, existem pesquisas que se debruçaram sobre eventuais benefícios que arranjos reforçadores teriam para a aprendizagem – o trabalho de Costa, Lopes e Fermoseli (2014) é um exemplo. Em nossa disciplina, entretanto, privilegiaremos o olhar sobre o impacto que o reforçamento negativo teria sobre o itinerário dos alunos. É importante ressaltar que esses efeitos se manifestam no cotidiano escolar de diversas formas, seja em momentos de explanação do professor sobre o objeto de ensino, seja em ocasiões de avaliação, fato é que as punições ampliam as possibilidades de fracasso escolar traduzido em reprovações frequentes, abandono e evasão dos alunos mais expostos ao reforçamento negativo. Nesse caso, pairam algumas perguntas: e no ensino superior, há prejuízos para o aluno assim como na educação básica? O reforço negativo ainda se aplica na universidade? Punições são aplicadas no ensino superior? São destacadas aqui as punições a que estavam sujeitos alunos da educação básica por longo período de tempo, punições legitimadas, sobretudo, pela escola tradicional. Ainda que o ensino superior se diferencie da educação básica em vários aspectos, os efeitos do reforço negativo são semelhantes e contribuem para situações de abandono e evasão tal como observados na escola básica. Não são relatados castigos, mas a exposição do aluno frente a comportamentos indesejados seja de indisciplina, seja de apatia, tem efeitos negativos e pode repercutir sobre a trajetória do mesmo na universidade. É importante lembrar que muitos alunos que atualmente frequentam o ensino superior trazem marcas do reforçamento negativo a que foi exposto durante a escolarização. Muitos abandonaram a escola após sucessivas reprovações e apenas muito tempo depois enfrentaram tal bloqueio e tentam, mais uma vez, prosseguir nos estudos, ingressando em uma universidade. A exposição dos erros e lacunas do aluno no ambiente universitário em nada contribui para um comportamento desejável, ao contrário, contribui para que o abandono ao curso se repita. Finalmente, é importante apresentar outros elementos que fazem parte da aplicação da Teoria Behaviorista no campo educacional e, portanto, no ensino superior também. Em relação à organização do ambiente, ressaltamos que os métodos de ensino são programados e que há um controle e organização do aprendizado 16 1.3 Teoria interacionista no campo educacional A visão Interacionista é o terceiro modo de entender o desenvolvimento do ser humano. Tem como principais expoentes o suíço Jean Piaget (1896-1980) com a Teoria Construtivista e o russo Lev Vygotsky (1896-1934) com o Sócio-Interacionismo. Defensores do Interacionismo acreditam que, tanto fatores internos (orgânicos) quanto fatores externos (ambientais) influenciam o desenvolvimento de tal modo que a hereditariedade e o meio ambiente interagem no desenvolvimento da criança. No Construtivismo, acredita-se que o modo de funcionamento intelectual da criança é diferente do adulto e a leva a adaptar-se ao meio e a organizar suas experiências. Barros (1996) mostra que na visão piagetiana, a criança, pelo contato com objetos e pessoas, irá construindo seu conhecimento de mundo. Se destacando pelo estudo da inteligência, Piaget assumiu que o desenvolvimento cognitivo se realiza por estágios, cuja sequência é a mesma em todas as crianças, uma sequência fixa, linear e universal. Os fatores que influenciam a mudança de estágio é a maturação, as experiências (físicas e sociais), a transmissão social (interação social, que tem importância, mas só para o ritmo), assim como sucessivas equilibrações que não podem ser consideradashereditárias, mas fruto das interações entre o meio e o indivíduo. Piaget dividiu em quatro os estágios de desenvolvimento, sendo o sensório- motor (0-2 anos), o pré-operatório (2-7 anos), o operatório concreto (7-12 anos) e o operatório-formal (dos 12 anos em diante). Piaget baseou-se no método clínico que consiste em observações, registros, intervenções, entrevistas e testar hipóteses. Apesar da contribuição ímpar do Construtivismo à ciência do desenvolvimento, a Teoria Piagetiana enfrentou críticas quando de sua elaboração. Críticas ao fato de que Piaget utilizou registros sistemáticos que fez do acompanhamento do crescimento mental dos três filhos. Outra crítica, derivada da primeira, se refere à amostra pequena de sujeitos e pelo fato de que não seguia um padrão de entrevistas. Outro fator que influenciou a crítica foi a tradição behaviorista que se voltava aos efeitos do ambiente, desprezando estudos de processos mentais. Outro fator que dificultou a aceitação de sua teoria foi o idioma em francês e a própria leitura, densa, complexa. 17 Na concepção Construtivista, a construção do conhecimento da criança é adquirida durante toda a sua vida, de forma ativa, interagindo com o mundo a sua volta. Segundo Piaget, o desenvolvimento se dá a partir da tentativa constante de buscar o equilíbrio através de processos de assimilação e acomodação, nos quais o indivíduo vai construindo estruturas variáveis, visando sua adaptação ao mundo exterior. Segundo Piaget, as estratégias da criança são inatas, contudo, mudanças vão surgindo nessas estratégias através da exploração voluntária e sequencial. Assim, acredita que elementos hereditários são combinados continuamente com estímulos exteriores, e que esses, por sua vez, por serem ambientais, incidiriam sobre o ritmo do desenvolvimento. Embora desenvolvida para a Psicologia, a teoria de Piaget obteve grande aceitação no campo educacional devido a novas interpretações para o “erro” das crianças. No início de suas investigações, aplicava testes de inteligência em crianças e nesses testes interessava-se não pelas respostas corretas que as crianças davam, mas pelas incorretas. Seu objetivo era aprender sobre a extensão e a profundidade das ideias e dos processos mentais infantis, procurando compreender como crianças de várias idades obtêm o conhecimento do mundo que as rodeia. Piaget ficou conhecido como o “psicólogo da inteligência” e se destaca dos demais pesquisadores do campo da Psicologia pela vasta produção teórica (mais de 100 livros escritos em 60 anos) e pelo rigor científico que promoveram muitos avanços no âmbito educacional. Piaget não pretendeu construir uma teoria pedagógica, embora o procedimento de observação utilizado no método clínico pode sugerir uma atitude extensiva à prática pedagógica. Outro expoente do pensamento interacionista é Lev Vygotsky que atribui papel determinante para o desenvolvimento as relações do sujeito com o meio social em que se encontra inserido desde o seu nascimento. Para Vygotsky, o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais desenvolvem-se num processo histórico. Sua teoria enfatiza que a inteligência se forma a partir da linguagem e da integração do sujeito à sociedade. Vygotsky diverge da teoria Piagetiana quanto à aprendizagem e desenvolvimento, sobre qual processo ocorre primeiro e qual se subordina ao outro. Enquanto Piaget assegura que a aprendizagem está subordinada ao desenvolvimento, Vygotsky acredita que a aprendizagem com o outro é decisiva para o desenvolvimento, resultando dos processos de interações sociais que o indivíduo estabelece. Nesse sentido, a aprendizagem é uma apropriação de conhecimentos já construídos pelas gerações anteriores enquanto o desenvolvimento dependeria da aproximação com a cultura de outros indivíduos. 18 Também divergentes são a visão de homem-mundo que possuem Piaget e Vygotsky. Para o primeiro, essa visão partiria do individual para o social, tudo começa com o sujeito. Vygotsky, por sua vez, discorda e assegura que tudo se inicia no social para o individual, uma relação mediada por sistemas simbólicos. Assim sendo, para Vygotsky, a relação-mundo seria uma relação mediada por sistemas simbólicos. Outro ponto de discordância entre ambas as teorias diz respeito ao que seria objeto da educação, a construção do conhecimento, para Piaget, e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores como, atenção, memória e imaginação para Vygotsky. A aprendizagem, para Vygotsky, é um processo que se dá especialmente pela interação social do sujeito que aprende com o meio social à sua volta. Você sabe distinguir o que é ensino para Piaget e o que é ensino para Vygotsky? Para ambos, a função de quem ensina é fazer a mediação entre o aluno e o conhecimento. Para Piaget, essa mediação favorecerá a construção do conhecimento de maneira autônoma pelo aluno. Para Vygotsky, essa mediação adquire importância fundamental por que se refere à interação do indivíduo com o meio social, cujas conhecimentos serão aprendidos. 1.3.1 Teoria interacionista e suas implicações no ensino superior A contribuição da Teoria Interacionista para os processos que envolvem ensino e aprendizagem são extensivos ao ensino superior. A abordagem dialógica, característica do Interacionismo, pressupõe o aluno como um ser ativo que age sobre seu meio adaptando-se por meio de constantes equilibrações que se constituem aprendizagens significativas, pois são contruídas pela ação e, portanto, pela experiência do sujeito como um ser social. 19 Admitindo que fatores hereditários e ambientais se harmonizam articulando-se continuamente, a concepção interacionista de ensino e aprendizagem lança mão de elementos como problematizações, levantamento de conhecimentos prévios dos alunos, situações-problema que os coloque em desequilíbrio cognitivo, além de abordar conhecimentos como problemas a serem solucionados, construídos, exigindo do professor que resista à abordagem que entrega o conhecimento pronto por meio de conteúdos acabados. Mas, longe de se aplicar no ensino superior uma prática tal qual se aplica no ensino fundamental, por exemplo, é preciso refletir sobre quem é o estudante universitário. O primeiro ponto de relevância é o fato de que esses alunos são, em sua maioria, indivíduos que estão entrando na fase adulta. Trazem, portanto, uma extensa bagagem de experiências e anseios típicos dessa etapa do ciclo vital. Para esse público, é importante que trabalhem em grupo, que exercitem a autonomia de ideias, que discutam diferentes pontos de vista, que argumentem, que reflitam e, eventualmente, reformulem concepções. Para que isso aconteça, esse aluno precisa de desafios, de situações-problema que o mobilize. O estudante do ensino superior necessita desenvolver habilidades que favoreçam o próprio aprendizado e desenvolvimento, assim como a autogestão e autoavaliação como formas de gerir o próprio desenvolvimento, uma vez que a etapa universitária o preparará para exercer uma profissão, construir uma carreira. O estudante adulto apresenta extensa experiência pessoal que o torna único mesmo diante de pessoas que estejam na mesma faixa etária, de modo que a definição de um estágio psicológico não se sustenta, dada a singularidade de cada indivíduo e a diversidade de experiências que cada um traz consigo. Para Oliveira (2004) a ideia de estágios do desenvolvimento devem ser substituídas, no caso do aluno adulto, por “ciclos de vida”. Discutindo questões relacionadas à idiossincrasia da psicologia do adulto, a reflexão da autora também inspira a se pensar no aluno do ensino superior. Dizer algo a alguém não provoca aprendizagem nem conhecimento, pois é necessário que o que se diga entre em conexão com os interesses,crenças, valores ou saberes daquele que escuta. É importante ressaltar que processos de aprendizagem envolvem atribuição de significado por parte de quem aprende. Nesse sentido, considerar que entre os alunos do ensino superior há aqueles cuja etapa de vida revela certa homogeneidade quanto a circunstâncias culturais, históricas e sociais nas quais sua existência transcorre é de fundamental importância para que o professor favoreça a interação e integre os alunos a partir de suas vivências. Oliveira (2004) assevera que a etapa da vida em que a pessoa se encontra é um elemento que deve ser valorizado pelo professor, de modo que ele possa 20 identificar na sala de aula alunos que compartilham a mesma condição, e também aqueles que se encontram em outro ciclo de vida, valorizando a contribuição de cada aluno que compartilhará saberes referentes a experiências semelhantes, mas também interessando-se e interagindo com as experiências particulares, privadas de cada um. Oliveira (2007), ao abordar a aprendizagem do adulto, sugere que as conexões são singulares, dependentes das experiências e saberes anteriores. Sendo assim, manter um ensino que não leve o aluno a evidenciar suas experiências e repertório de conhecimentos, limita a compreensão ao conhecimento transferido pelo professor. A autora assevera que cada um tem sua forma própria e singular de tecer conhecimentos através dos modos como atribui sentido às informações recebidas, estabelecendo conexões entre os fios e tecituras anteriores e os novos. Assim como se almeja na abordagem interacionista na escola, espera-se que o professor do ensino superior questione, estimule, problematize conteúdos, provocando seus alunos a pensar e buscar respostas por si mesmos. Que não entregue pronto um conhecimento estático e acabado, mas que possibilite aos alunos vivenciarem situações em que sejam chamados a agir sobre o meio, encontrando soluções, construindo seu conhecimento de forma significativa. Oliveira (2004) reforça a importância que a experiência pessoal acumulada pelo adulto tem sobre seus processos de desenvolvimento. A construção do adulto se dá continuamente, marcadamente pelas vivências que acumula durante toda a existência. Tal como ocorre em processos de ensino/aprendizagem escolares, o professor universitário dificilmente aguarda as respostas de seus alunos e perdem a oportunidade de acompanhar o raciocínio dos mesmos ao estabelecer relações com as próprias experiências acumuladas, deixando de observar as condições dos alunos para aprenderem. A intervenção clássica dos professores é a de atividades dirigidas e controladas, explicando o “como fazer”, avaliando ao final se está “certo” ou “errado”. A concepção interacionista aplicada ao ensino superior valoriza o processo, as atividades que os alunos desenvolvem, as ações desempenhadas pelos mesmos. Nesse contexto, as estratégias de ensino se baseiam na atividade do estudante, pois ao aprenderem verdades já estruturadas e apresentadas de maneira organizada os alunos perdem a oportunidade de realizarem suas próprias tentativas e estruturarem seu próprio conhecimento. É importante destacar que a variabilidade na sequência do desenvolvimento pode ser observada em qualquer faixa etária, lembrando que o aluno adulto se difere da criança pela expressiva vivência acumulada que demandaria, portanto, a ideia anteriormente apresentada de “ciclos de vida”. 21 Espera-se, portanto, que a Teoria Interacionista possa contribuir para um novo modelo de ensino universitário que coloque o estudante como protagonista. Para tanto, é preciso que também o professor se disponha a aprender e mudar suas estratégias se preciso for. É necessário entender que aprender implica em compreender, o que demanda do professor o conhecimento sobre o processo de pensamento do aluno, o que demanda estratégias e instrumentos de avaliação diagnóstica a fim de acompanhar a construção do conhecimento do aluno. “Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia” é um livro que apresenta as principais correntes teóricas da Psicologia que influenciaram o campo da educação. É uma leitura importante para compreender os processos envolvidos no desenvolvimento e as diferentes concepções que explicaram essa evolução do ser humano ao longo dos tempos. Conheça! BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13 ed. São Paulo: Ática, 1999. 1.4 Considerações finais Como vimos, ao longo da história, vários foram os olhares sobre o desenvolvimento humano. Das contribuições do campo da psicologia, destacam-se aquelas deixadas pela Teoria Inatista, Behaviorista e Interacionista. Esta última, atualmente aceita, nos mostra que o indivíduo, desde o seu nascimento, estabelece com o meio físico e social que o cerca interações que se constituem o eixo fundante para seu pleno desenvolvimento. 22 Ainda que haja distanciamentos em alguns tópicos da aprendizagem, é fato que Piaget e Vygostsky revolucionaram a maneira de se compreender o desenvolvimento humano. Suas descobertas revelam que qualquer que seja a etapa da vida do sujeito, os fatores hereditários aliados a vivências determinam suas aprendizagens e, consequentemente, sua visão de mundo ainda que discordem sobre a predominância dos fatores individuais e do ambiente. Para pensarmos um pouco sobre a aprendizagem nos processos de ensino universitários Suponha que você lecione para duas turmas em uma mesma instituição como professor responsável por certa disciplina e se depare com a seguinte situação: Uma das turmas, a classe A, apresenta um número expressivo de alunos que saíram da escola há mais de duas décadas, alguns ingressaram na Educação de Jovens e Adultos como forma de concluírem o ensino médio para cursar um curso na universidade e outros, mesmo tendo concluindo a educação básica, não deram prosseguimento aos estudos por motivos variados, desde trabalho até a criação de filhos, ficando também afastados por um longo período de tempo. A turma B, em contrapartida, é uma turma muito jovem, com alunos cuja média de idade é de 21 anos, todos recém formados no ensino médio. Digamos que você tenha como concepção de aprendizagem baseada no Interacionismo e pretenda apresentar a disciplina que trabalhará com eles na primeira aula. Adotando uma postura Piagetiana ou Vygotskyana, indique de que forma iniciará seu trabalho considerando as características de cada grupo explicitadas acima. Bom trabalho! 23 ______________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 24 Terminamos a unidade inicial para debatermos as concepções de desenvolvimento existentes no espaço escolar e sua aplicação no contexto universitário. Sabe-se que as diferenças entre os indivíduos são singulares, mas há uma base de elementos hereditários e cuja interação com o meio que o cerca possibilita que todos tenham condições de aprender. É importante que tenhamos a noção sobre os avanços da psicologia para explicar o desenvolvimento humano, enfatizando as contribuições ímpares dos representantes do Interacionismo, Piaget e Vygotsky. Conhecer os fundamentos de cada um dos autores é necessário para consolidação de nossa identidade docente ao gerir processos de aprendizagem de alunos adultos no ensino superior que estão percorrendo uma trajetória de formação acadêmica para ingresso no mercado de trabalho. Pense nisso! Continuaremos juntos nesse caminho de descobertas passando para a próxima unidade, nos aprofundando nos processos de ensino/aprendizagem no ensino superior, destacando semelhanças e distanciamentos em relação ao ensino na educação básica. Vamos lá? 25 2. PROCESSOS DE ENSINO/APRENDIZAGEM NO ENSINO SUPERIOR: SEMELHANÇAS E DISTANCIAMENTOS EM RELAÇÃO AO ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA Nesta unidade abordaremos inicialmente os conceitos da Teoria Construtivista de Piaget, com destaque para os estágios do desenvolvimento comparando-os com os ciclos de vida definidos por Marta Kholl. Os ciclos de vida representam as fases do desenvolvimento do adulto que difere dos estágios infantis, especialmente em função da extensa bagagem de experiências acumuladas ao longo da vida de um indivíduo que atingiu a vida adulta. Refletiremos sobre a aplicabilidade dos conceitos piagetianos no ensino superior com destaque para problematizações que identifiquem os conhecimentos prévios do aluno como um instrumento favorável às aprendizagens. Se analisarmos os processos de desenvolvimento humano com ênfase no desenvolvimento cognitivo, poderemos dizer que os processos mentais na criança são semelhantes aos do adulto? É correto dizer que a criança “pensa” como um adulto diferenciando-se do mesmo apenas pela capacidade? Certamente, as teorias do desenvolvimento muito contribuem para compreendermos como se forma o raciocínio lógico-matemático no ser humano, como se dá o desenvolvimento cognitivo, enfim como o indivíduo pensa. Contudo, o desenvolvimento é um processo e na visão de teóricos interacionistas como Jean Piaget, esse processo se dá em fases que ele denomina de estágios. Fruto da interação entre aspectos internos ao indivíduo e externos a ele, o desenvolvimento representaria o produto resultante das interações ocorridas ao longo da vida do sujeito. Subordinada ao desenvolvimento, a aprendizagem ocorreria desde que satisfeitas as condições maturacionais do indivíduo. Essa teoria analisa o indivíduo desde o nascimento até a adolescência, dividida em quatro estágios, sendo o estágio sensório-motor, que vai de 0 a 2 anos de idade, o estágio pré-operatório, contemplando o período de 2 a 7 anos, o estágio operatório concreto, de 7 a 12 anos e finalmente o estágio operatório formal, de 12 anos em diante, contemplando a adolescência. A teoria construtivista de Piaget não se propôs a examinar os processos cognitivos de um adulto e muito embora seus conceitos tenham sido apropriados pelo campo educacional, é preciso dizer que para explicar os processos cognitivos de um adulto torna-se necessário considerar maior ênfase em suas experiências considerando que a maturação neurológica de que nos fala Piaget, na idade adulta já se encontra completa. 26 Nesse sentido, temos a teoria dos ciclos de vida apresentados por Marta Kholl que analisam os processos cognitivos baseados nos ciclos, nas experiências do sujeito. 2.1 Teoria construtivista de piaget e sua aplicabilidade no ensino superior A Teoria Construtivista faz parte da corrente Interacionista do campo da Psicologia que concebe o desenvolvimento como fruto das interações entre aspectos internos ao indivíduo, com destaque para a maturação neurológica e aspectos externos físicos e sociais. Jean Piaget é o representante da teoria que assegura que o indivíduo constrói seu conhecimento adaptando-se continuamente ao ambiente por meio de sucessivos processos de equilibração que envolvem, por sua vez, assimilações e acomodações. Seu objeto de estudo é o sujeito epistemológico, ou seja, o sujeito do conhecimento. Por isso, seus estudos, desenvolvidos em mais de 60 anos dedicados à pesquisa, se voltaram a compreender como o sujeito conhece. A Psicologia de Piaget está fundamentada na ideia de equilibração e desequilibração. Quando uma pessoa entra em contato com um novo conhecimento, há naquele momento um desequilíbrio e surge a necessidade, de voltar ao equilíbrio. O processo começa com a assimilação do elemento novo, com a incorporação às estruturas já esquematizadas, através da interação. Há mudanças no sujeito e tem início o processo de acomodação, que aos poucos chega à organização interna. Começa a adaptação externa do sujeito e a internalização já aconteceu. Um novo desequilíbrio volta a acontecer e pode ser provocada por carência, curiosidade, dúvida etc. O movimento é dialético (de movimento constante) e o domínio afetivo acompanha sempre o cognitivo (habilidades intelectuais), no processo endógeno. Piaget reconheceu o papel dos fatores sociais no desenvolvimento intelectual. As interações sociais foram consideradas como uma fonte do conflito cognitivo, portanto, de desequilibração e, consequentemente, de desenvolvimento. Ou seja, também desta forma, são consideradas para a construção do conhecimento social. Piaget considerou a construção do conhecimento como um ato individual da criança. Os fatores sociais influenciam a desequilibração individual através do conflito cognitivo e apontam que há construção a ser feita. Para Piaget, a verdadeira 27 construção do conhecimento não é medida pelo fator social e ambiente; ele não é copiado de um referencial e modelo. O conhecimento anterior é reconstruído diante da desequilibração socialmente provocada e estimulada. O papel do professor é visto basicamente como o de encorajar, estimular e apoiar a exploração, a construção e invenção. Segundo Piaget, o ser humano constrói seu conhecimento.Nessa concepção, o desenvolvimento humano é resultado de uma combinação de fatores: Inatos (maturação) Experiência (física ou social) Sucessivas equilibrações, que não podem ser consideradas como hereditárias, mas fruto das interações entre o meio e o indivíduo (quanto mais complexa for essa interação, mais inteligente será no futuro) A passagem por estágios cuja sequência é fixa e universal. Algumas definições e pressupostos são essenciais para entender a teoria de Piaget. São elas: Epistemologia genética – teoria do conhecimento que aborda as mudanças e a evolução do conhecimento. Equilíbrio (equilibração) – processo progressivo de organização das estruturas cognitivas num sistema coerente, interdependente, que possibilita ao indivíduo um tipo ou outro de adaptação à realidade. Estruturas – formas de organização da atividade mental; explicações particulares, diferentes, da inteligência. Esquema – ação ou estratégia, interna ou externa, à qual um conteúdo é assimilado. Adaptação – processo de ajustar-se ao ambiente que se decompõe em assimilação e acomodação. Assimilação – incorporar as coisas e pessoas à atividade própria do sujeito; assimilar o mundo exterior às estruturas já construídas. Acomodação – reajustar as estruturas já construídas em função das transformações ocorridas, ou seja, acomodá-las aos objetos externos. O Construtivismo apresenta como pressupostos centrais a ideia de que as estratégias são inatas, as explorações do ambiente são voluntárias, o papel do ambiente é sobretudo o de afetar o ritmo da aprendizagem, a criança age ativamente sobre o meio, o que provoca contínuas mudanças nas estratégias. Piaget vê, de maneira singular, a interação social no desenvolvimento e aprendizagem escolar: a aprendizagem não começa na escola e toda situação de aprendizagem escolar se depara sempre com uma história de aprendizagem prévia, ou seja, o ambiente da sala de aula requer interação social, uma interação com os colegas e adultos. 28 Nas obras de Piaget, a criança pode utilizar as fontes e formas de informação no processo de construção. A criança pode ativamente ouvir uma exposição ou ler um livro e empregar a informação recebida na construção. O processo não é o de recriar um modelo, mas o de inventá-lo. As Dificuldades de Aprendizagem surgem porque muitos indivíduos estão estacionados em algumas etapas de desenvolvimento e isso é refletido no dia a dia, com um jeito particular de pensar. A teoria construtivista assegura que a construção do conhecimento se dá por sucessivas equilibrações a que o sujeito estaria exposto cada vez que se deparasse com um novo conhecimento que a ele se apresentaria como um “problema”. Diante deste “problema”, o novo colocaria o indivíduo em desequilíbrio cognitivo, de tal sorte que este mobilizaria suas estruturas mentais a criar estratégias para resolver o problema que se coloca. Em busca da solução, o indivíduo busca, inicialmente, em suas estruturas, algo em que possa se apoiar; a esse processo Piaget deu o nome de “assimilação”, uma ação mental que consiste em colocar algo novo àquilo que já se conhece, sem, contudo, sofrer transformações em tal estrutura. Piaget, em suas pesquisas, identificou que o ser humano nasce com três tipos de estruturas: Programadas: já nascem com o sujeito, estruturas como os reflexos (de respirar, sugar, piscar os olhos, etc.), sendo que algumas delas vão desaparecendo com o curso do desenvolvimento, outras, entretanto, conservam-se durante toda a vida, como o respirar. Parcialmente programadas: são aquelas em que, ao nascimento, ainda não estão completamente “prontas”, mas vão se desenvolvendo pelo caráter maturacional do desenvolvimento. Exemplo disso é o sistema nervoso central, ou seja, a criança, ao nascer, ainda não anda, mas após o processo de mielinização, entre outros fatores, isto já pode ocorrer; E não programadas: são aquelas que ainda não existem desde o nascimento, mas que são construídas a partir da interação de seus instrumentos cm o meio ambiente. São as estruturas mentais, ou seja, estruturas específicas para conhecer (que compõe a inteligência). As estruturas não programadas, com destaque para as da inteligência, não são inatas, ao contrário, são construídas, não sendo, portanto, nem cópia fiel do meio, nem dado desde o nascimento. Após anos de observação de crianças e, dispondo de sua formação de Biólogo, Piaget demonstrou o processo de construção das estruturas mentais e o esquematizou em quatro estágios, segundo as características peculiares dessas estruturas. 29 Outro elemento importante da teoria piagetiana é o processo de assimilação e acomodação, parte de um processo mais amplo denominado processo de equilibração. Assimilação representa a incorporação de novos objetos em estruturas pré-existentes. Para Piaget, no processo de construção do conhecimento, o indivíduo tende a buscar em suas estruturas mentais uma base, algo já conhecido em que possa se apoiar diante do novo conhecimento que se coloca como um problema. É o processo de assimilação, isto é, ao se deparar com algo desconhecido, o sujeito busca assimilar esse novo a algo que ele já conhece. O processo seguinte, acomodação, é a criação de novas estruturas para assimilar um objeto. Nele, a criança tem que ajustar a estrutura que ela já tem para se adaptar a algo novo. Trata-se de uma transformação sofrida pelo organismo para lidar com o ambiente. Diante do novo, a criança modifica seus esquemas adquiridos anteriormente tentando se adaptar à nova situação; há um rearranjo das estruturas para se adaptar ao novo que se apresenta. O desenvolvimento se dá por meio da tentativa constante de buscar o equilíbrio, através dos processos de assimilação e acomodação. Nessa busca, o indivíduo vai construindo estruturas variáveis, visando sua adaptação ao mundo exterior. Piaget considera que o fator mais importante para o desenvolvimento é a equilibração Importante ressaltar que os esquemas se referem à ação ou estratégia que o indivíduo desenvolve com uma certa organização para abordar e conhecer a realidade. Piaget trabalhou o desenvolvimento humano em etapas, períodos, estágios. Para Piaget, se uma pessoa erra e continua errando, uma das três situações está ocorrendo: 1. Se a pessoa não tem estrutura suficiente para compreender determinado conhecimento, deve-se criar um ambiente melhor de trabalho, clima, diálogo, porque é impossível criar estruturas necessárias. Ex: não se deve ensinar conhecimentos abstratos, teorias complicadas para uma criança que ainda não atingiu a faixa etária esperada, que se encontra no período das operações concretas; 2. Se a pessoa possui estruturas em formação, o professor deve trabalhar com a ideia de que o erro é construtivo, deve fazer a mediação, ajudando o aluno a superar as dificuldades; 3. Se a pessoa possui estruturas e não aprende, os procedimentos estão errados. O professor fará intervenção para que o aluno tome consciência do erro. Em muitos casos quem deve mudar os seus procedimentos é o professor. A adaptação, outro conceito chave do Construtivismo, representa o equilíbrio dinâmico entre os processos de assimilação e de acomodação, chegando, com isso, à equilibração. 30 A Teoria Piagetiana, em síntese, assegura que a construção do conhecimento se dá quando acontecem ações físicas ou mentais sobre o objeto; ações que provocam o desequilíbrio resultando em assimilação e acomodação dessas ações. Para Piaget, as estratégias são inatas, a exploração é voluntária, se dá por meio da curiosidade, o desenvolvimento é marcado por uma sequência e o papel do ambiente seria o de afetar o ritmo da aprendizagem. A aprendizagem se dá, não por decorar a solução, mas por entender o problema e buscar uma solução. A contribuição da teoria piagetianapara compreensão dos processos cognitivos na infância é inegável, mas e no ensino superior, qual a sua aplicabilidade? Em primeiro lugar, abre-se a possibilidade de se pensar em uma educação mais humanizada, voltada à descoberta de novos meios de aquisição do conhecimento. O Construtivismo leva a uma reflexão, ainda, sobre velhos modelos ou padrões de ensino tradicional de exposição do conteúdo e transferência de conhecimento. A educação bancária, tão criticada por Paulo Freire, é um exemplo de estratégia que leva a uma aprendizagem mecânica e descontextualizada. A noção de que o sujeito é autônomo deve se solidificar nas práticas docentes do ensino superior. Vale destacar que o acesso ao ensino superior, ainda que esteja longe de ser universalizado, sofreu mudanças positivas possibilitando o ingresso de classes populares que anteriormente não tinham a menor perspectiva. Isso se torna particularmente desafiador em função das lacunas oriundas de uma trajetória escolar deficitária em muitos casos que desafia a prática docente a pensar em formas de atendimento que vise à inclusão. Longe de um perfil padronizado, o ensino superior na atualidade começa a receber em maior número que o passado alunos oriundos das classes populares, o que exige dos professores desse nível de ensino que adequem suas práticas para o atendimento a esses. O acesso das classes populares ao ensino superior deve se constituir um marco para a necessária transformação dos processos de ensino/aprendizagem dessa modalidade de ensino. O professor, como ator responsável pelo processo educacional é o agente capaz de promover as transformações histórico-sociais no campo da aprendizagem favorecendo o ingresso de metodologias que atendam às necessidades desse público diverso que chega à universidade rompendo com o modelo tradicional, conservador e elitista característico desse meio. Em se tratando da concepção construtivista aplicada ao ensino superior ressalta-se que sua aplicabilidade é possível em meio à demanda do desenvolvimento de competências por parte do aluno que o habilite ao exercício da profissão escolhida. 31 2.2 Estágios de desenvolvimento e ciclos de vida: a adequação a cada faixa etária Os estágios do desenvolvimento, outro traço marcante da Teoria Construtivista, se refere à existência de fases de desenvolvimento que apresentariam uma sequência fixa e linear. São quatro os estágios, sendo: 1. Estágio Sensório-Motor (de 0 a 2 anos); 2. Estágio Pré-Operatório (de 2 a 7 anos); 3. Estágio Operatório-Concreto (de 7 a 12 anos); 4. Estágio Operatório-Formal (de 12 anos em diante). São fatores responsáveis pela mudança de estágio: A maturação, com destaque para a neurológica; As experiências como o brincar com objetos, as vivências e experiências lógico-matemática; A transmissão social por meio da interação constante com o outro, ressaltando que a importância da transmissão social para Piaget se refere ao ritmo; As constantes e sucessivas equilibrações. Piaget assegura que tudo o que ensinamos à criança, estamos impedindo que ela invente ou descubra. Os estágios apresentam características de suma importância para o pleno desenvolvimento da criança. Em cada um, há características a serem construídas, superadas e aprimoradas. No estágio Sensório-Motor, que vai de 0 a 2 anos, a criança tem contato com o meio de forma direta e imediata, sem representação ou pensamento. Ao longo desse estágio a criança passa por uma revolução copernicana, ou seja, quando nasce, a criança acredita ser o centro do mundo. 32 Com o tempo, ela vai aprender que é mais uma parte do mundo, uma parte da família. As noções de tempo e espaço são construídas pela ação - inteligência prática, principalmente pela manipulação e sucção (a criança leva tudo à boca). A criança apresenta coordenação de reflexos e reação como repetição de ações quando produzem resultados. Nessa fase ocorre a construção da noção de objeto. Na fase seguinte, estágio Pré-Operatório, a criança, através da ampliação dos esquemas de ação, nas trocas com o meio e com os objetos ao seu redor, após sucessivas assimilações e acomodações e também devido a um processo maturacional, surge a função simbólica, inaugurando uma nova fase na vida da criança. A partir de então, a criança simboliza, diferenciando o significante (caráter invariável do objeto) do seu significado (para o que pode servir, como uma caneta que serve para escrever ou para prender o cabelo). É com o aparecimento da função semiótica que a criança pode manifestar sua atividade mental através do desenho, do jogo simbólico, da linguagem oral – ou escrita – e da imitação. Tudo isso porque agora já possui também a imagem mental, porque houve a incorporação e representação mental das suas experiências vivenciadas no estágio anterior. Na visão de Piaget, a intuição é a lógica da primeira infância, caracterizada pelo “apego” da criança ao primado das percepções. O estágio Operatório-Concreto, dos 7 aos 12 anos, marca o ingresso da criança à fase das operações mentais mais complexas, mas dependentes de elementos concretos de seu cotidiano. Vale ressaltar que a criança pré-operatória ainda não desenvolveu suas funções lógicas, ou seja, ainda não é lógica, mas o “outro” exige lógica da criança. Essa solicitação do meio exige da criança regulações e equilibrações que vão estimular a construção das estruturas lógicas por alavancar a construção de novas estruturas. Tais estruturas se fecham e se organizam através da reversibilidade do pensamento. Através da manipulação concreta dos objetos, agora no Operatório-Concreto, a criança interioriza uma ação. Quando a criança pode reverter e coordenar uma ação, ela está operando e começando a usar o pensamento dedutivo. A operação de inclusão de classes, reversibilidade e transitividade, desenvolve, respectivamente, as noções de classificação, conservação e seriação. Finalmente, a partir dos 12 anos, a criança entra no estágio Operatório- Formal. De acordo com Piaget. Esse período caracteriza-se pelo uso do raciocínio dedutivo, a formulação de hipóteses e a coordenação de vários pontos de vista. Tal período, apesar de ser a última etapa de desenvolvimento da inteligência não é fechado, mas amplia-se a partir das variações empíricas que oferecem possibilidades 33 de o sujeito realizar novas abstrações e estabelecer além relações sobre as operações, relações sobre relações, deduzindo hipóteses, que nem sempre podem ser verificadas no concreto. A contribuição da teoria piagetiana para o campo educacional está especialmente na revelação de complexos processos envolvidos nas aprendizagens do indivíduo que nos ajuda a compreender o desenvolvimento humano. Embora nada tenha escrito para a educação, seus achados foram fundamentais para a transformação dos processos escolares, agora sob o paradigma Construtivista. A aplicabilidade do Construtivismo no ensino superior está no destaque dado à mediação do professor entre o aluno e o conhecimento. Sai de cena um ensino baseado na transferência de conhecimentos via transmissão de conteúdo por parte do professor. Supera-se ainda a noção de aluno como um ser sem luz, desprovido de conhecimentos e cuja passividade é perfil desejável pelo educador que se sente em posição de superioridade perante o mesmo. O Construtivismo mostra que “erros” que o aluno comete no processo de construção de conhecimento não são aleatórios, desprovidos de sentido e de lógica. Ao contrário, representam esquemas mentais utilizados para solucionar o que se coloca como um problema cognitivo, ou seja, o novo conhecimento. Além disso, a teoria piagetiana mostra a busca pela equilibração ocorre ao longo da vida e leva o sujeito a constantes assimilações e acomodações, o que torna fundamental a importância dos conhecimentosprévios. Por outro lado, é forçoso admitir que, em relação ao aluno do ensino superior que é um jovem ou um adulto, a teoria construtivista tem limitações. Por exemplo, a ideia de um desenvolvimento baseado em estágios não se sustenta para explicar o desenvolvimento cognitivo desse público. Embora toda a base construtivista seja de extrema importância para os processos de ensino/aprendizagem, o público do ensino superior tem suas idiossincrasias. Na sequência, veremos a abordagem de Marta Khol Oliveira, cuja base, ainda que admita a importância ímpar de Piaget, se apoia no conceito de “ciclos de vida”, considerando-o mais adequado a essa fase do desenvolvimento. É importante ressaltar que sua ênfase foi em torno do desenvolvimento infantil, chegando até o início da adolescência, sendo assim, podemos questionar: sua teoria se aplicaria também ao ensino superior? A resposta é que, se considerarmos a ideia de que estágios representam características universais que todas as crianças passam, essa não seria uma ideia razoável para explicar o desenvolvimento do adulto que acumula experiências muito mais expressivas no que se refere ao tempo que as crianças, inclusive experiências em diferentes grupos sociais, família, escola, amigos, trabalho, entre outros. 34 Muito se sabe acerca do desenvolvimento infantil, mas há pouco conhecimento sobre a psicologia do adulto, uma conclusão de Oliveira (2004), para quem a definição de um estágio psicológico, tal como apregoa Piaget, não se sustenta para explicar o universo do adulto. A autora lembra que adultos trabalham, constituem família, se relacionam, aprendem em diferentes dimensões da vida, educam seus filhos, têm projetos individuais e coletivos, o que se constitui fontes variadas de experiências e, portanto, de aprendizado. O adulto está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de um modo diferente da criança, continua a autora. Embora as pesquisas de Oliveira (2004) tenham ênfase na educação de jovens e adultos, seus achados trazem contribuições significativas para a compreensão dos processos cognitivos do adulto de modo geral, o que necessariamente insere o jovem adulto aluno do ensino superior. Nesse sentido, Oliveira (2004) analisa a idade adulta como um ciclo de vida e não como um estágio de desenvolvimento. Ciclos de vida representam etapas culturalmente organizadas, o que impõe a necessidade de analisar o modo de inserção na vida social de jovens e adultos que se encontram na sala de aula. É necessário, na visão da autora, que instituições de ensino superior, assim como instituições escolares, criem formas de diálogo entre a inserção social do jovem e do adulto, seu acesso a diferentes tecnologias e linguagens, e os signos e modos de pensar próprios da instituição de ensino. Práticas nessa linha possibilita aos sujeitos adultos apropriarem-se da instituição de ensino como um espaço social que é de todos os atores que nela interagem. A ideia de ciclos de vida pode ser mais promissora para uma compreensão minuciosa do fenômeno do desenvolvimento no adulto. Para a docência no ensino superior, a proposta de ensino ancorada na visão de ciclos de vida é um caminho viável para a aprendizagem significativa, uma vez que utiliza saberes que constituem a vida do aluno. Ciclos de vida são ciclos culturalmente organizados; eles representam a passagem dos sujeitos sociais pela existência humana. Oliveira (2004) acredita que eles possam ser definidos a partir dos tipos de atividades em que os sujeitos estão envolvidos e os correspondentes instrumentos, signos e modos de pensar. Uma ação pedagógica que se apoia na concepção de ciclos de vida tem no indivíduo seu foco, isto é, sua organização está pautada nas trajetórias singulares dos alunos como elemento mediador para a abordagem de conhecimentos referentes ao curso em questão. Tal como a visão construtivista, o conhecimento prévio, as experiências anteriores são importantes e devem ser valorizadas. A questão é que, em se tratando do aluno jovem ou adulto não haveria um único caminho de desenvolvimento ou uma única forma de funcionamento psicológico, 35 e sim, uma multiplicidade de instâncias que serviram para a base conceitual que o aluno no ensino superior traz como bagagem. Você saberia definir aproximações e distanciamentos entre a concepção de construção do conhecimento na infância e a construção do conhecimento na idade adulta? Os conceitos são muito semelhantes quando a análise foca os processos cognitivos envolvidos na aquisição do conhecimento, nos esquemas mentais envolvidos. Distanciam-se quanto a etapas ou características que marcariam cada estágio, no caso da infância, pois tais características envolveriam uma forma peculiar de a criança pensar que é absolutamente diferente da maneira como o adulto pensa. 2.3 A valorização e utilização do conhecimento prévio dos alunos do ensino superior como alavanca para a construção do conhecimento Do exposto até o momento, vimos que a Teoria Construtivista trouxe importantes respostas à pergunta “como o indivíduo conhece”. Desenvolvida especialmente para se compreender o desenvolvimento cognitivo da infância à adolescência e apropriada pelo campo educacional ainda que não tenha sido idealizada para tal, o fato é que o Construtivismo pode auxiliar processos de aprendizagem em todos os níveis. Ainda que tenhamos autores como Oliveira (2004) que preferem o conceito de ciclos de vida, mesmo esses, trazem em sua base a ideia de que conhecimentos prévios devem ser valorizados. Nesse sentido, convém pensar na estrutura do ensino superior que é organizado em torno de competências a serem desenvolvidas por seus alunos. A inteligência adulta é menos associada a processos e mais a conhecimentos, particularmente conhecimentos associados a toda sua experiência de vida, o que inclui saberes especializados, mas também tácitos, adquiridos na prática cotidiana, 36 voltados a procedimentos e necessidades práticas. É importante pensar que jovens e adultos são também indivíduos que, em sua maioria, estão ou estiveram inseridos no campo de trabalho. Nesse quadro, ressalta-se também o fato de que as condutas humanas adultas são orientadas especialmente pela razão, autonomia e responsabilidade. Esse indivíduo se vale da razão para conhecer o mundo e a si mesmo por meio da consciência e tem seus passos guiados sobremaneira pela autonomia no pensar e agir. Através da consciência e autonomia, o sujeito se percebe como um ser livre, capaz de tomar decisões e fazer escolhas. Essas características têm efeitos sobre a consciência de responsabilidades que levam o sujeito a se comportar de formas variadas diante de desafios que se colocam para ele. Não se pode ignorar, no entanto, que o próprio docente do ensino superior necessita desenvolver certas competências e habilidades que o preparem para tal universo. De acordo com Pimenta e Anastasiou (2002), a docência no ensino superior também se configura um desafio para o desenvolvimento de competências dos alunos, uma vez que em geral, não se exige formação pedagógica para professores dessa modalidade de ensino, exceção a cursos de humanidades. Em geral, a competência técnica, isto é, o domínio de conteúdos específicos, é suficiente para habilitação de docentes nas universidades. Atualmente, esse cenário aos poucos vem se transformando com a percepção de que saberes do campo das humanidades, especialmente, do campo da psicologia, são essenciais para o sucesso dos alunos no ensino superior. Sabemos que o Construtivismo preza pela construção do conhecimento pelo aluno, num processo a ser desenvolvido pela relação professor/aluno em uma nova perspectiva na qual o professor não é o centro do processo de ensino/aprendizagem, mas antes um mediador entre aluno e conhecimento.