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Flora vaginal normal O microbioma vaginal é, na grande maioria das vezes, dominado por uma ou duas espécies de Lactobacillus, sendo os mais frequentes Lactobacillus inner, Lactobacillus crispatus, Lactobacillus gasseri ou Lactobacillus jensenii. Ate o momento, a espécie de Lactobacillus identificada com maior frequência tem sido a inners, seguida pelas espécies cripatus, gasseri e jensenii. Mas, em algumas mulheres assintomáticas e saudáveis, o predomínio no meio vaginal não é dos Lactobacillus, mas sim de outras bactérias, como Prevotella, Gardnerella, Atopobium e Megasphaera. ACIDO LACTICO E PH VAGINAL → Uma importante influencia na composição microbiana da vagina é o pH, que é dependente do estado hormonal da mulher. O estrogênio estimula o deposito de glicogênio nas células epiteliais vaginais, que depois é degradado em glicose e acido lático, por ação dos Lactobacillus. Isso gera um pH vaginal igual ou menor a 4,5 na maioria das mulheres assintomáticas na idade reprodutiva, com ciclos menstruais normais. Os Lactobacillus tem vantagem seletiva e constituem a espécie microbiana mais frequente sob essas condições fisiológicas acidas. Se estima que existam 108 – 109 Lactobacillus na vagina de mulheres saudáveis. em uma minoria de mulheres que não possuem Lactobacillus, outras bactérias (como Atopobium, Megasphaera, Leptotrichia) podem estar presentes e produzem acido lático. Estudos mais recentes mostraram que a população de ácidos lático vaginal não depende apenas da ação de microrganismos. A segunda fonte produtora de acido lático são as células da mucosa vaginal de mulheres em idade reprodutiva, por meio de seu metabolismo, particularmente nas células da camada intermediaria. O acido lático é difundido para fora das células e acumulado no lumen vaginal. Essa produção é estrogênio-dependente e explica, ao lado da diminuição da população de Lactobacillus, a elevação do pH em mulheres na pós-menopausa que não estejam recebendo terapia hormonal. A produção de acido lático, peroxido de hidrogênio, bacteriocinas e outras substancias microbicidas pelos Lactobacillus inive o crescimento de patógenos e outros microrganismos oportunistas. Estudos recentes tem sugerido que o acido lático é componente ativo da defesa imune inata no trato genital, promovendo ativação de linfócitos auxiliares da linhagem TH17, que atua contra microrganismos extracelulares. Outro aspecto importante a ser considerado é a presença de biofilmes no trato genital. Biofilmes são agregados de bactérias formados por colônias de microrganismos que aderem entre si e recobrem uma superfície solida ou recobrem as suas próprias colônias. Os biofilmes já foram identificados nas superfícies das células vaginais, tem sido mais estudados em mulheres com vaginose bacteriana e, provavelmente, se associam aos episódios de recorrências. É provável que os Lactobacillus constituintes da flora fisiológica também possam ter a capacidade de produzir biofilmes, que os recobririam e manteriam sua estabilidade no meio vaginal. Importante ressaltar que a flora vaginal sofre variações em sua composição na dependência de fatores endógenos ou exógenos. As diferentes fases do ciclo menstrual, gestação, uso de contraceptivos, frequência de intercurso sexual, uso de duchas ou produtos desodorantes, antibióticos ou outras medicações com propriedades imunossupressivas podem alterar as condições endovaginais, aumentando ou diminuindo as vantagens seletivas para microrganismos específicos. Vaginose bacteriana É o desequilíbrio da flora vaginal caracterizado pela substituição da flora microbiana saudável por microbiota variável, composta por mistura de bactérias anaeróbias e facultativas. As espécies microbianas mais frequentes são Gardnerella, Atopobium, Prevotella, Megasphaera, Leptotrichia, Sneatia, Bifidobacterium, Dialister, Clostridium e Mycoplasmas. Etiologia → A VB é a mais frequente afecção do trato genital inferior feminino, estando relacionada à ampla variedade de distúrbios do trato reprodutivo, tem prevalência três vezes mais elevada em mulheres inférteis do que em férteis e é associada a duas vezes o risco de aborto após fertilização in vitro. É relatada associação de VB com infecção pelo HPV e lesões intraepiteliais cervicais, aumento nas taxas de infecções pós-cirurgias ginecológicas e aumento em ate seis vezes na taxa de aquisição do HIV. Pode facilitar a transmissão/aquisição de outros agentes de transmissão sexual como C. trachomatis e N. gonorrhoeae. Estudos mostraram associação dela com salpingite e infertilidade de causa tubaria. Quando presente, principalmente no inicio da gestação, tem sido associada a aumento no risco de parto prematuro, aborto espontâneo, baixo peso ao nascer, aumento na morbidade neonatal e altas taxas de endometrite pós-parto. É importante enfatizar que associação não significa causalidade, ou seja, não significa que a presença de VC sempre estará associada a eventos adversos. Prevalência → é uma afecção extremamente prevalente. Estimativas mundiais de prevalência variam de 10-30%. No brasil, dependendo da população estudada, a afecção é responsável por ate 40% dos casos de queixas vaginais. Fatores de risco → raça negra, uso de duchas vaginais, tabagismo, mesntruação, estresse crônico e comportamentos sexuais, como elevado numero de parceiros masculinos, sexo vaginal desprotegido, sexo anal receptivo antes do sexo vaginal e sexo com parceiro não circuncisado. Mulheres que fazem sexo com mulheres tem alta prevalência de VB (25-52%). Quadro clinico → corrimento de intensidade variável, acompanhado de odor vaginal fétido (“odor de peixe” ou amoniacal). As vezes a paciente refere apenas o odor, o corrimento estando ausente. O odor fétido piora com o sexo desprotegido e durante a menstruação, por causa da volatização de aminas aromáticas (putrescina, cadeverina, dimetilamina) causadas pelo metabolismo das bactérias anaeróbias pela alcalinidade do sêmen ou do sangue menstrual. Exame ginecológico → conteúdo vaginal se apresenta homogêneo, em quantidade variável (escassa, mas pode ser moderada ou abundante) e com coloração esbranquiçada, branco-acinzentada ou amarelada. A VB isolada não é causa de disúria ou dispareunia, porque não é acompanhada de processo inflamatório. Mas, quando se apresenta associada a outras afecções vaginais como candidíase, os sintomas podem ser mais variados, por exemplo, queixa de prurido. Diagnostico → são usados alguns critérios, como os de Amsel e os de Nugent. Os critérios de Amsel precisam de três dos quatro itens: corrimento vaginal branco-acinzentado homogêneo aderente as paredes vaginais, medida do pH vaginal maior que 4,5, teste das aminas (whiff teste) positivo, ou seja, desprendimento de odor fétido depois da adição de KOH 10% a uma gota de conteúdo vaginal, presença de “células-chaves” (“clue cells”), que são células epiteliais recobertas por cocobacilos gram variáveis na bacterioscopia. O escore de nugent se baseia em elementos avaliados na bacterioscopia com coloração pelo método de Gram, particularmente os morfotipos de Lactobacillus, de Gardnerella vaginalis e de Mobiluncus. O resultado da avaliação é traduzido em escores: escore de 0 a 3 – padrão normal, escore de 4 a 6 – flora vaginal intermediaria, escore de 7 a 10 – vaginose bacteriana. Outros testes são o AFFIRM VP III que é um teste de hibridização para altas concentrações de Gardnerella vaginalis e o OSOM BV Blue test que detecta a enzima sialidase ativada presente no fluido vaginal de mulheres com VB, ambos são uteris e tem boa efetividade quando comparados ao Gram. PCR tem sido utilizada para detecção de microrganismos associados à VB apenas para pesquisas. Tratamento → de acordo com o Center for Disease Control (CDC) • Metronidazol 500 mg por via oral duas vezesao dia durante sete dias OU Metronidazol gel 0,75% – 5g (um aplicador) intravaginal ao deitar durante cinco dias OU Clindamicina creme 2% – 5g (um aplicador) intravaginal ao deitar durante sete dias. Os efeitos colaterais dos imidazólicos podem incluir náuseas, vômitos, cefaleia, insônia, tontura, boca seca e gosto metálico. Recomendar abstinência de álcool durante 24 horas após o tratamento com nitroimidazólicos (efeito dissulfiram) e abstenção de atividade sexual ou o uso de preservativos correta e consistentemente durante o tratamento. Lembrar que a clindamicina tem base oleosa e pode enfraquecer preservativos e diafragmas até cinco dias após o uso. Ainda, de acordo com o CDC, não se recomenda o uso de duchas para aliviar os sintomas. Alternativos → Tinidazol 2g por via oral duas vezes ao dia durante dois dias OU Tinidazol 1g via oral uma vez ao dia durante cinco dias OU Clindamicina 300 mg por via oral a cada 12 horas durante sete dias. Até o momento, não existem recomendações para o tratamento do(s) parceiro(s) sexual(is) para melhorar o índice de cura ou prevenção das recorrências da VB. Recidivas ocorrem em mais de 30% dos casos, aproximadamente três meses após o término do tratamento. Uma possibilidade é a utilização de outro regime terapêutico; outra alternativa é o uso do mesmo regime assim que o episódio recorrente se instale. Diante de múltiplas recorrências, pode-se utilizar o metronidazol por via oral, na dosagem de 500 mg duas vezes ao dia, durante 10 a 14 dias. Se não for efetivo, utilizar metronidazol gel intravaginal duas vezes por semana, durante quatro a seis meses. Mas, após o término da terapia, podem surgir novos episódios recorrentes Existem relatos de melhora com o uso de tinidazol 2g por via oral em dose única seguida da aplicação de óvulos vaginais de ácido bórico e terapia supressiva com metronidazol gel. Candidíase vulvovaginal No trato genital feminino, a Candida pode ser encontrada em 20% das mulheres saudáveis assintomáticas. Mas, estima-se que 75% das mulheres em idade reprodutiva apresentarão pelo menos um episódio de vulvovaginite por Candida durante suas vidas; 50% apresentarão dois ou mais episódios e 5% terão episódios recorrentes, ou seja, quatro ou mais episódios por ano, confirmados clínica e laboratorialmente. A candidíase vulvovaginal é extremamente importante pelos sintomas, que podem ser muito desagradáveis, por facilitar a aquisição/transmissão de ouras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), inclusive o HIV, por comprometer a sexualidade e outros aspectos da vida da mulher, afetando negativamente a qualidade de vida. Prevalencia → Candida albicans é a espécie mais prevalente, responsável por 85% a 95% dos casos; Candida glabrata e Candida tropicalis estão associadas a 5% a 10% dos casos; outras espécies como Candida krusei, Candida parapsilosis e Candida guilliermondii são raramente identificadas. Isso ocorre porque apenas a espécie albicans apresenta a capacidade de dimorfismo, ou seja, de alterar sua forma habitual para a forma de micélio, mais invasiva. Etiologia → A colonização vaginal por fungos parece ser hormônio- dependente, já que é rara na infância e pós-menopausa e frequente na idade reprodutiva ou em mulheres em uso de terapia hormonal. Condições que alterem a concentração hormonal como gravidez e uso de contraceptivos de alta dosagem facilitam a proliferação dos fungos. A ingestão de antibióticos atua no mesmo sentido, provavelmente por alterar a flora protetora lactobaciliar. Quando o sistema imune não consegue inibir a proliferação dos fungos, ocorre a passagem do estado saprófita para o patogênico, com consequente aparecimento de sinais e sintomas. É importante lembrar que a concentração de fungos associada aos sintomas é diferente para cada mulher, já que existem diferenças individuais de resposta imune. Assim, baixa concentração pode levar ao aparecimento de sintomas em uma mulher, enquanto outra, mesmo tendo concentração elevada dos microrganismos, pode permanecer assintomática. Tais diferenças individuais têm sido melhor compreendidas devido a recentes estudos na atuação da imunidade local. Um dos componentes do sistema imune é a proteína “lectina ligadora de manose”, presente nos fluidos corporais e na secreção vaginal, possuindo a capacidade de reconhecer e ligar-se ao polissacarídeo manose que está presente na superfície dos microrganismos. Tal ligação desencadeia a cascata do sistema complemento, levando à lise celular e à fagocitose. Ou seja, a lectina ligadora de manose representa importante componente imune no combate às infecções fúngicas. Mas, um polimorfismo no gene que determina a secreção dela resulta em menor secreção e consequente diminuição nas concentrações dessa proteína; mulheres que possuem tal polimorfismo apresentam com maior frequência episódios de candidíase vulvovaginal recorrente. Quadro clinico → caracteriza-se por prurido, de intensidade variável, acompanhado por corrimento esbranquiçado (fluido ou com aspecto de “leite talhado”); dependendo da intensidade do processo inflamatório, pode haver queixa de desconforto, dor, disúria e dispareunia. Exame ginecológico → é frequente observar hiperemia vulvar, edema e fissuras. O exame especular mostra hiperemia da mucosa vaginal e conteúdo vaginal esbranquiçado, em quantidade escassa, moderada ou abundante, de aspecto espesso ou flocular, aderido ou não às paredes vaginais. O pH vaginal encontra-se geralmente abaixo de 4,5. O teste das aminas (whiff test) é negativo na candidíase. Classificação → complicada e não complicada. É considerada “não complicada” a candidíase que se apresenta em episódios esporádicos ou infrequentes, de intensidade leve ou moderada, cujo agente etiológico é a Candida albicans e ocorre em mulheres não imunocomprometidas. O termo “candidíase complicada” refere-se à candidíase recorrente ou severa ou por espécies não albicans ou em mulheres com diabetes, condições que comprometam o sistema imune (por exemplo, infecção por HIV), debilitadas ou recebendo imunossupressores. A candidíase complicada ocorre em aproximadamente 10% a 20% das mulheres. Sintomas alérgicos podem manifestar-se no trato genital por prurido e corrimento, sendo facilmente confundíveis com a candidíase. Outra entidade que pode manifestar-se da mesma maneira e com exacerbação no período pré-menstrual é a vaginose citolítica. Entretanto, em ambas as situações, a pesquisa de fungos será negativa. Outras condições que podem ser erroneamente confundidas com candidíase são líquen escleroso e outras dermatoses vulvares. Diagnostico → deve sempre ser confirmado pela presença de fungos, que pode ser realizada por meio de: exame a fresco, colocando-se em lâmina de vidro uma gota de conteúdo vaginal e uma gota de soro fisiológico ou hidróxido de potássio a 10% e observando ao microscópio a presença de hifas e/ou esporos; bacterioscopia com coloração pelo método de Gram e cultura em meios específicos, o que permite a identificação do fungo, sua espécie e eventual realização do antifungigrama, recomendável nos casos recorrentes. O exame a fresco possui sensibilidade em torno de 50% a 60%, dependendo da experiência do profissional. Nos casos esporádicos, a positividade do exame a fresco dispensa a continuidade na investigação. Entretanto, se tal exame for negativo e houver sintomas, está indicada a continuação do processo diagnóstico, com a bacterioscopia pelo Gram e cultura, particularmente nos casos recorrentes. Tratamento e prevenção de novos episódios → é importante a eliminação ou pelo menos o controle de fatores predisponentes como diabetes melitus descompensada, estados de imunossupressão, tabagismo, distúrbios alimentares com excesso de ingestão de hidratos de carbono, hábitos de higiene ou vestuário inadequados, estresseexcessivo e outros fatores. Para tratamento da “candidíase não complicada”, podem ser utilizados antifúngicos por via vaginal, na forma de cremes, óvulos ou comprimidos. Entre os derivados imidazólicos estão: fenticonazol (sob a forma de creme na concentração de 0,02 mg/g, um aplicador vaginal ao deitar durante sete dias ou óvulo com 600 mg dose única), clotrimazol (creme 10 mg/g por sete dias ou comprimido vaginal de 500 mg em dose única), miconazole (creme 20 mg/g por 14 dias), econazol (creme 10 mg/g por 14 dias), butaconazol (20 mg/g em dose única), terconazol (8 mg/g por cinco dias), tioconazol (20 mg/g por sete dias, óvulo 300 mg em dose única). Dentro os poliênicos, nistatina (creme 25.000 UI/g por 14 dias). De maneira geral, o tratamento tópico não apresenta efeitos colaterais, exceto para mulheres alérgicas ao veículo (geralmente propilenoglicol). Deve-se lembrar de que a base oleosa de cremes e óvulos pode enfraquecer preservativos. As drogas para uso sistêmico são fluconazol (comprimido de 150 mg em dose única), cetoconazol (comprimidos de 200 mg, na posologia de dois comprimidos por dia durante cinco dias consecutivos) e itraconazol (cápsulas de 100 mg uma pela manhã e outra à noite, por um dia). Como efeitos colaterais, podem ocorrer náusea, dor abdominal e cefaleia. Para os episódios de candidíase “não complicada”, os tratamentos em dose única ou de curta duração (um a três dias) costumam ser eficazes. Recentemente, foram observados raros casos de resistência aos azólicos, particularmente nos casos recorrentes. O tratamento do parceiro sexual não é recomendado nos episódios simples. Nos raros casos em que ocorre balanite (inflamação da glande peniana com prurido ou irritação), pode haver benefício no uso de antifúngicos tópicos para alívio sintomático. O tratamento da “candidíase complicada” requer a confirmação diagnóstica para a identificação de eventuais cepas não albicans. Na candidíase recorrente (quatro ou mais episódios ao ano confirmados laboratorialmente), a maioria das mulheres não apresenta os clássicos fatores predisponentes, mas sim alterações específicas na imunidade local. Os episódios isolados de maneira geral respondem aos esquemas de tratamento anteriormente mencionados; mas, na tentativa de obter melhor remissão da população de fungos, alguns especialistas recomendam tratamento prolongado dos episódios agudos. Assim, podem ser utilizados agentes tópicos por período de 7 a 14 dias ou antifúngico por via oral (fluconazol 150 mg) em um total de três doses, com intervalos de três dias. Após a remissão dos episódios agudos, recomendam-se esquemas de supressão utilizando um comprimido de fluconazol (150 mg) uma vez por semana, durante seis meses. Outra alternativa são os tratamentos por via local, de maneira intermitente. Após o término do tratamento supressivo, 50% das mulheres permanecem livres dos episódios recorrentes. Para os casos em que a vulvovaginite por fungos se manifesta por sintomas severos como eritema extenso, edema, escoriações e fissuras, recomendam-se cursos prolongados de terapia, podendo ser utilizados medicamentos por via local no período de 7 a 14 dias ou fluconazol (150 mg) em duas doses com intervalo de 72 horas. Com relação ao tratamento das espécies não albicans, não existem recomendações terapêuticas comprovadamente eficazes. Alguns autores recomendam o tratamento prolongado (7 a 14 dias) com outros medicamentos que não fluconazol; outros recomendam a utilização de óvulos vaginais manipulados contendo 600 mg de ácido bórico; outros recomendam ainda óvulos de anfotericina B ou flucitosina a 17% como tratamento tópico, entretanto essas duas últimas opções não estão disponíveis no mercado brasileiro. Até o momento não existem dados que orientem sobre o tratamento dos parceiros sexuais. Entretanto, nos casos de candidíase recidivante, em que provavelmente exista deficiência imunológica local, questiona- se se a redução da população de fungos no trato genital masculino eventualmente poderia trazer algum benefício na prevenção de recidivas. Mulheres portadoras de imunodeficiência e outras condições predisponentes geralmente apresentam pouca resposta a terapias de curta duração. Além da correção das condições predisponentes, recomenda-se a terapia com 7 a 14 dias de duração. Durante a gestação, apenas o uso de azólicos por via vaginal é recomendado. Vaginite por tTrichomonas vaginalis Tricomoníase é a infecção sexualmente transmissível não viral mais comum no mundo. De acordo com a OMS, existem 170 milhões de casos reportados anualmente em pessoas entre 15 e 49 anos, a maioria (92%) em mulheres de países em desenvolvimento. A prevalência em adultos jovens nos Estados Unidos foi de 2,3%, em pesquisa realizada por meio de amplificação de genes para Trichomonas vaginalis na urina de homens e mulheres. Estudos no Brasil referem prevalência que varia de 2,6% a 20% no sexo feminino. Incidência → Como nas demais infecções de transmissão sexual, a incidência depende de vários fatores como idade, atividade sexual, número de parceiros sexuais, sexo desprotegido, outras ISTs e condições socioeconômicas. Um terço das mulheres infectadas são assintomáticas e a infecção pode persistir por meses ou anos. Os homens, por apresentarem menos sintomas do que as mulheres, servem como vetores assintomáticos da infecção. Apesar de a infeção ser disseminada, a tricomoníase é condição negligenciada, mesmo podendo levar a importantes sequelas, recebendo pouca atenção nos sistemas de saúde pública. Etiologia → O parasita Trichomonas vaginalis possui quatro flagelos e uma membrana ondulante, responsável por sua grande mobilidade. A transmissão é predominantemente sexual, embora raramente possam ocorrer outras formas, pois o parasita pode sobreviver fora de seu habitat por algumas horas em condições de umidade. Ele deve adquirir nutrientes do meio externo para sua sobrevivência e consegue isso fagocitando fungos, vírus e bactérias como Micoplasmas, Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae, transportando-os ao trato genital superior e facilitando, assim, o aparecimento de doença inflamatória pélvica. É importante cofator na transmissão e aquisição do HIV. A resposta imune celular à Trichomonas vaginalis pode ser agressiva, com inflamação da mucosa da vagina e exocérvice em mulheres e da uretra em homens. Ocorre intensa infiltração de leucócitos, como os da linhagem TCD4, que são alvo do HIV. Ao penetrar na vagina, o parasita cobre-se com as proteínas do hospedeiro, o que permite a evasão dos mecanismos de defesa locais; além disso, possui a capacidade de sobreviver no meio vaginal ácido, hostil, durante longos períodos de tempo, permanecendo firmemente ligado às células da mucosa vaginal. No homem, infecta a uretra inferior, podendo atingir a próstata, vesícula seminal e epidídimo. Na mulher, além da vagina e exocérvice, pode acometer a uretra, bexiga, glândulas de Skenne e Bartholin e endocérvix. Após a infecção, o parasita raramente é eliminado, podendo permanecer indefinidamente no trato genital. O impacto da infecção durante a gravidez não está totalmente determinado, mas estudos têm demonstrado correlação com prematuridade. A infecção do trato genital feminino pelo protozoário não induz imunidade duradoura, sendo comuns as infecções recorrentes. Quadro clinico → são corrimento profuso, amarelado ou amarelo- esverdeado, acompanhado de ardor genital, sensação de queimação, disúria e dispareunia. Os sintomas acentuam-se no período pós- menstrual devido à elevação do pH vaginal e à aquisição de ferro da hemoglobina pelo parasita, o que aumenta sua virulência. exame ginecológico → se observam hiperemia dos genitais externos e presença de corrimento espesso, de aspecto purulento, exteriorizando- se pela fenda vulvar.Ao exame especular, verifica-se aumento do conteúdo vaginal, de coloração amarelada ou amarelo-esverdeada, por vezes acompanhado de pequenas bolhas. As paredes vaginais e a ectocérvice apresentam-se hiperemiadas, observando-se ocasionalmente o “colo uterino com aspecto de morango” (colpitis maculáreis), devido às pequenas sufusões hemorrágicas. A medida do pH vaginal revela valores acima de 4,5 e o teste das aminas (whiff test) pode ser positivo devido à presença de germes anaeróbios associados à VB. É importante lembrar que em muitas mulheres os sintomas podem ser discretos ou mesmo ausentes. Muitos médicos na prática clínica têm conhecimento insuficiente no que se refere à infecção vaginal por Trichomonas vaginalis, pois pensam na infecção apenas relativamente à paciente portadora de sintomas exuberantes como corrimento intenso, que buscam rapidamente por alívio e cujo exame ginecológico revela aumento acentuado do conteúdo vaginal; entretanto, isso não corresponde à verdade, já que pesquisas em mulheres que não estavam buscando por cuidados médicos demonstraram a presença de infecção em mulheres assintomáticas. Além disso, a realização do exame a fresco no consultório tem sensibilidade de apenas 50% a 60%, o que também não permite o diagnóstico de todas as mulheres com infecção. Diagnostico → O método mais utilizado para o diagnóstico, devido ao baixo custo e à praticidade, é a bacterioscopia a fresco, colocando-se em uma lâmina de vidro uma gota de conteúdo vaginal e uma gota de solução salina e observando-se ao microscópio; o parasita é identificado pela movimentação pendular (lembrar que o uso de solução salina gelada pode imobilizar o T. vaginalis; utilizá-la à temperatura ambiente ou levemente aquecida). A bacterioscopia com coloração pelo Gram também permite a identificação do parasita, nesse caso sem os movimentos, o que pode dificultar o reconhecimento. A cultura, realizada em meio específico (Diamond) tem maior sensibilidade (75% a 96%) e especificidade de 100%, embora sejam necessários alguns dias para o resultado. Recomenda-se a realização da cultura em presença de sintomas, mas negatividade do exame a fresco. O teste de amplificação de ácido nucleico (NAAT) para detecção de T. vaginalis é altamente sensível, detectando cinco vezes mais o parasita do que o exame a fresco. Também o teste imunocromatográfico, OSOM Trichomonas Rapid Test, e de hibridização, Affirm VP III, podem ser úteis no diagnóstico de T. vaginalis, mas não estão disponíveis no Brasil. O primeiro tem demonstrado sensibilidade de 82% a 95% e especificidade de 97% a 100%, enquanto o segundo tem sensibilidade em torno de 63% e especificidade de 99,9%. Se a colpocitologia oncológica (Papanicolaou) referir a presença de T. vaginalis, idealmente se deve convocar a paciente para consulta para confirmação da presença do parasita. Se o teste for positivo, são tomadas as decisões para o tratamento. Mas, nem sempre isso é possível; nesse caso, fica a critério do profissional ministrar o tratamento mesmo sem a confirmação; por tratar-se de doença negligenciada e disseminada, tal conduta seria aceitável na opinião de alguns profissionais, mas não aceitável para outros, pela possibilidade de resultado falso-positivo na citologia. O Papanicolaou não é considerado teste diagnóstico devido à baixa sensibilidade. Tratamento → recomendados: Metronidazol – 2g via oral em dose única OU Tinidazol – 2g via oral em dose única. Alternativos: Metronidazol – 500 mg via oral a cada 12 horas durante sete dias. Restrições ao consumo de álcool devem ser observadas durante 24 horas após o uso de metronidazol e 72 horas após o uso de tinidazol. Ensaios randomizados controlados comparando doses de 2g de metronidazol ou tinidazol sugerem que o tinidazol é equivalente ou mesmo superior ao metronidazol na eliminação do parasita e alívio dos sintomas. O tratamento com metronidazol gel por via vaginal não é recomendado, porque o medicamento não atinge níveis terapêuticos na uretra e glândulas de Skene e Bartholin. Recomenda-se abstinência sexual durante o tratamento. Importante lembrar que o(s) parceiro(s) sexuais devem ser referenciados para tratamento, por tratar-se de infecção sexualmente transmissível. O tratamento do parceiro é feito com os mesmos regimes anteriormente expostos, preferencialmente em dose única. Sempre que possível, são aconselháveis testes para outras infecções de transmissão sexual. Devido à elevada taxa de reinfecção em mulheres, recomenda-se nova avaliação três meses após o término do tratamento. Testes utilizando biologia molecular podem ser utilizados duas semanas após o tratamento. Episódios de recorrência ou persistência da infecção devem ser diferenciados de reinfecção por parceiro não tratado ou não aderente ao tratamento. Ainda segundo o CDC, já foi detectada resistência ao metronidazol em 4% a 10% e ao tinidazol em 1% dos casos. Tal fato é motivo de preocupação, pois existem poucas alternativas terapêuticas. Diante da recorrência, devem-se evitar os esquemas para dose única, utilizando-se metronidazol 500 mg por via oral a cada 12 horas, durante sete dias, ou tinidazol 2g por via oral, durante sete dias. Sugere-se que casos irresponsivos sejam referidos a um especialista. Existem preocupações sobre o risco adicional da tricomoníase em mulheres vivendo com HIV/aids. O tratamento reduz a excreção do vírus no fluido vaginal e o tratamento com metronidazol 500 mg por via oral durante sete dias mostrou-se mais eficaz do que o tratamento em dose única. Vaginose citolitica Algumas mulheres, por razões desconhecidas, apresentam proliferação excessiva de Lactobacillus, o que danifica o epitélio vaginal, diminui o pH e leva ao aparecimento de sintomas clínicos como corrimento geralmente abundante, prurido, sensação de queimação, desconforto e, eventualmente, dispareunia. Tal condição, denominada de vaginose citolítica, é causa de vulvovaginite cíclica em mulheres na idade reprodutiva. Segundo alguns estudos, a prevalência varia de 1,8% a 7,1%. Provavelmente, fatores metabólicos tornam o meio vaginal propício à proliferação excessiva de Lactobacillus, os quais, isoladamente ou em conjunção com outros microrganismos, danificam as células da camada intermediária vaginal e induzem a citólise. Os produtos celulares liberados, associados à acidez vaginal excessiva, resultam nos sintomas acima mencionados. A exacerbação dos sintomas ocorre na fase lútea do ciclo e particularmente no período pré-menstrual. Importante ressaltar que a vaginose citolítica é frequentemente confundida com candidíase vulvovaginal, pois os sintomas são semelhantes e ambas as situações se acentuam no período pré- menstrual. Daí a importância do correto diagnóstico de ambas as afecções, utilizando-se o laboratório e, consequentemente, ministrando o tratamento adequado. Diagnostico → O diagnóstico baseia-se nos sintomas clínicos (corrimento esbranquiçado e abundante), prurido, eventualmente ardor, queimação, disúria, dispareunia, com maior intensidade no período pré-menstrual. Ao exame clínico, observa-se o conteúdo vaginal geralmente aumentado, de aspecto flocular, fluido ou em grumos, aderente ou não às paredes vaginais. Sinais inflamatórios podem estar presentes devido à irritação da mucosa causada pelos detritos celulares e acidez excessiva. A medida do pH revela-se geralmente menor ou igual a 4. Não é necessário realizar o teste das aminas (whiff test), pois ele é útil apenas para o diagnóstico da VB e da tricomoníase. A bacterioscopia do conteúdo vaginal (Gram) revela aumento excessivo na população lactobaciliar (maior que 1.000 por campo de imersão), presença de raros leucócitos ou ausência deles e presença de núcleos celulares desnudos e de restos celulares devida à lise das células epiteliais. Importanteressaltar que não são encontrados elementos fúngicos (hifas e/ou esporos). Sempre que possível, recomenda-se realizar também a cultura para fungos, que, quando negativa e diante dos achados da bacterioscopia anteriormente mencionados, confirmará o diagnóstico de vaginose citolítica. Tratamento → Não existe um tratamento específico para a afecção, já que a etiopatogenia não é conhecida. Recomenda-se a utilização de medidas que, pelo menos temporariamente, alcalizem o meio vaginal, como o uso de duchas vaginais com bicarbonato de sódio, particularmente no período pré-menstrual. Algumas mulheres apresentam boa resposta após a utilização de tais duchas por alguns ciclos, enquanto outras tornam a apresentar episódios recidivantes. Vaginite inflamatória descamativa Vaginite inflamatória descamativa é forma pouco frequente, mas severa, de vaginite purulenta crônica, que ocorre particularmente em mulheres na perimenopausa e pós-menopausa, embora possa apresentar-se em qualquer idade e no puerpério. Alguns autores a denominam de “vaginite exsudativa”. Caracteriza-se por intensa inflamação vaginal com eritema e corrimento vaginal purulento, causando importante desconforto e dispareunia. Etiologia → é desconhecida; em alguns casos têm sido identificados Streptococcus do grupo B e Escherichia coli. Existe a hipótese de que um fator genético permita que o sistema imune reaja a componentes da mucosa vaginal, desencadeando, assim, o processo inflamatório; o fator que inicia tal reação não é conhecido; talvez a deficiência de estrogênio possa estar relacionada ao processo. Quadro clinico → A queixa pode ser de corrimento profuso ou em moderada quantidade, acompanhado de desconforto e dispareunia. Os sintomas são inespecíficos e frequentemente de longa duração, confundíveis com os da tricomoníase aguda, e ocorrem em aproximadamente 90% dos casos; raramente a afecção é assintomática. O exame ginecológico revela processo inflamatório, de intensidade variável, com eritema, podendo haver petéquias ou mesmo equimoses na mucosa do trato genital; a cérvix pode estar envolvida (colpitis macularis). Por vezes, é necessário remover o conteúdo vaginal para melhor observar o processo inflamatório na mucosa. O meio vaginal apresenta aumento acentuado de células inflamatórias, predominantemente de leucócitos, que se apresentam em número mais elevado do que as células epiteliais. À microscopia, observa-se aumento nos polimorfonucleares e nas células parabasais. Ocorre perda da flora de Lactobacillus e presença de outras bactérias. O pH vaginal encontra-se elevado, acima de 4,5 (Stockdale, 2010). Quando possível, recomenda-se realizar culturas para bactérias aeróbias e excluir infecção por Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae e Trichomonas vaginalis. Tratamento → O tratamento tem como objetivo reduzir a população bacteriana e o processo inflamatório, não existindo até o momento estudos randomizados controlados. Em estudo de revisão de prontuários de 98 pacientes atendidas em clínica de referência para vulvovaginites e com diagnóstico de vulvovaginite inflamatória descamativa Sobel verificou que foram utilizados por via vaginal os seguintes tratamentos: clindamicina creme vaginal 2%, 5g (um aplicador) durante 14 dias, ou hidrocortisona 10% intravaginal durante duas a quatro semanas ou ainda creme combinando clindamicina e hidrocortisona. De maneira geral, as pacientes responderam ao tratamento, porém o índice de recidiva seis semanas após o término do tratamento foi de aproximadamente 30%. Após novo curso de tratamento, as recidivas foram infrequentes. Para alguns autores, estrogênio por via vaginal utilizado periodicamente poderia reduzir as recidivas, porque favoreceria o desenvolvimento de Lactobacillus, dificultando a proliferação de outras bactérias. Vaginite aeróbia O termo vaginite aeróbia refere-se a um estado de alteração do meio vaginal caracterizado por microflora contendo bactérias aeróbias entéricas, níveis variáveis de inflamação e maturação epitelial deficiente. Tal termo foi criado em 2002 para caracterizar uma condição de alguma forma semelhante à VB pela redução ou falta de Lactobacillus, presença de corrimento profuso e elevação do pH vaginal, mas também com marcantes diferenças como presença de inflamação (que está ausente na VB), presença de leucócitos, células epiteliais imaturas e ausência de aspecto microgranular na microflora à microscopia (contrariamente ao que ocorre na VB). As bactérias que predominam no meio vaginal na vaginite aeróbia parecem ser Streptococcus sp., Staphylococcus aureus e Escherichia coli; tais microrganismos passariam da condição de simples comensais para agressores; entretanto, os fatores desencadeantes não estão determinados. Quadro clinico → as pacientes queixam-se de corrimento vaginal por vezes de aspecto purulento com odor desagradável; entretanto, a utilização de hidróxido de potássio em contato com a secreção vaginal (teste das aminas ou whiff test) é negativo, ou seja, não há o desprendimento de “odor de peixe” ou amoniacal, como ocorre na VB. Os sinais de inflamação são de intensidade variável, assim como a presença de irritação vulvar e dispareunia. Ao exame ginecológico, visualiza-se inflamação do vestíbulo e da mucosa vaginal, em graus variados de intensidade. O quadro clínico severo de vaginite aeróbia assemelha-se ao da vaginite inflamatória descamativa; para alguns autores, ambas seriam a mesma entidade; além disso, ambas são condições crônicas. Diagnostico → À microscopia do conteúdo vaginal (que deve ser realizada com microscópio de contraste de fase em aumento de 400 vezes), são avaliadas a flora microbiana e a presença de leucócitos (denominados de leucócitos “tóxicos”, por serem ativados a apresentarem granulações específicas). De acordo com a quantidade de cada elemento, a vaginite aeróbia é classificada em quatro graus, denominados de “graus lactobacilares”. O grau lactobacilar IV corresponde à forma mais intensa da afecção (que para alguns autores seria a própria vaginite inflamatória descamativa). Certamente, na prática, a utilização de tal classificação apresenta limitações pela não disponibilidade de treinamento profissional e equipamento adequado. Tratamento → Se houver predomínio de inflamação, utilizar hidrocortisona a 10% por via vaginal; caso haja predomínio de atrofia, demonstrada pelo aumento de células basais, sugere-se o uso de estrogênio também por via vaginal; nos casos em que a microscopia mostra excessivo número de bactérias, estaria indicado o uso de antibióticos (grau lactobacilar IIb ou III). Entretanto, devido às diferentes apresentações da afecção, torna-se difícil a realização de estudos comparativos entre as diferentes formas de tratamento. Entre os antibióticos, a clindamicina 2% por via local tem sido utilizada por alguns autores. O uso de probióticos apresenta-se como uma possibilidade na prevenção de recidivas, embora ainda não haja estudos randomizados controlados. Cervicites e uretrites O colo do útero é revestido por dois tipos de epitélios: escamoso e colunar, respectivamente, na ectocérvice e na endocérvice. A ectopia é um processo fisiológico frequente na fase reprodutiva da mulher, caraterizado pela presença de epitélio glandular na ectocérvice, expondo o frágil epitélio colunar ao meio vaginal, o que favorece o acesso aos vasos sanguíneos e linfáticos, diminuindo as barreiras contra infecções e favorecendo a aquisição de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Além disso, a presença de ectopia também pode ser um importante fator secundário na transmissão de infecções genitais. A cervicite ou endocervicite é a inflamação da mucosa endocervical (epitélio colunar do colo uterino), geralmente de causa infeciosa (gonocócicas e ou não gonocócicas), entretanto outrosagentes menos usuais, tais como bactérias aeróbicas e anaeróbicas, Trichomonas vaginalis, Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealiticum, vírus do herpes simples (HSV, do inglês herpes simplex virus), citomegalovírus (CMV) e adenovírus, aumentam as preocupações sobre tratamentos empíricos utilizados frequentemente para tratar mulheres com cervicite e seus parceiros sexuais. A maioria dos casos de cervicites é assintomática, sendo descobertos apenas durante a investigação diagnóstica. A ausência de sintomas dificulta o seu diagnóstico e favorece as inúmeras complicações advindas de quadros, como endometrite, doença inflamatória pélvica (DIP), desfechos adversos para gestantes e recém-nascidos, incluindo ainda maior risco de aquisição do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e do câncer cervical. Etiologia → multifatorial das cervicites e a elevada frequência de complicações severas justificam, por si, a realização de procedimentos investigativos e exames complementares direcionados para o diagnóstico etiológico, em mulheres que procuram assistência médica por outros motivos. As uretrites são ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) caracterizadas por inflamação da uretra acompanhada de corrimento, apresentando características epidemiológicas, clínicas, etiologia e fatores de risco muito semelhantes aos das cervicites. Os principais fatores de risco associados às uretrites são: idade jovem, baixo nível socioeconômico, múltiplas parcerias ou nova parceria sexual, histórico de IST e uso irregular de preservativos. Os principais microrganismos associados as uretrites são a N. gonorrhoeae e a C. trachomatis. Outros agentes, como T. vaginalis, U. urealyticum, enterobactérias (nas relações anais insertivas), M. genitalium, HSV e infecções não sexualmente transmissíveis como adenovírus e Candida spp. são menos frequentes. Na maioria das vezes, os patógenos causadores das uretrites podem ser transmitidos por relação sexual vaginal, anal e oral. O corrimento uretral pode ter aspecto que varia de mucoide a purulento, com volume variável, estando associado a dor uretral, prurido, eritema e disúria.