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Código Logístico 58083 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6411-3 9 7 8 8 5 3 8 7 6 4 1 1 3 Regiane Laura Loureiro Didática D idática R egiane Laura Loureiro Didática IESDE BRASIL S/A 2019 Regiane Laura Loureiro Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ L931d Loureiro, Regiane Laura Didática / Regiane Laura Loureiro. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2019. 114 p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6411-3 1. Planejamento educacional. 2. Prática de ensino. I. Título. 19-57050 CDD: 370.71 CDU: 37.02 © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: BongkarnThanyakij/iStockphoto Regiane Laura Loureiro Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pela mesma instituição, é especialista em Organização do Trabalho Pedagógico e graduada em Pedagogia. Possui experiência como professora na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio, e como pedagoga em escolas que ofertam educação básica. Atua na formação continuada de professores e pedagogos em cursos, palestras e na elaboração de materiais que os subsidiem na melhoria dos processos pedagógicos. Sumário Apresentação 7 1 A sociedade, a escola e a didática 9 1.1 O que é didática? 9 1.2 Reflexões sobre a didática no Brasil 12 1.3 Contextos histórico-culturais e a didática 16 2 Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 23 2.1 Tendências pedagógicas e concepções de ensino e aprendizagem 23 2.2 Relação entre professor e estudante nas tendências pedagógicas progressistas 31 2.3 Função do pedagogo nas tendências pedagógicas progressistas 34 3 Planejar para quem? 41 3.1 O sujeito da aprendizagem 41 3.2 Os desafios na construção do conhecimento 45 3.3 O papel do professor na gestão de sala de aula 48 4 Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização do planejamento 53 4.1 Avaliação e planejamento ou planejamento e avaliação? 53 4.2 Planejando a avaliação 56 4.3 Reflexões sobre processos avaliativos 58 5 Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 63 5.1 Concepções do PPP e práticas pedagógicas 63 5.2 A consolidação das aprendizagens e o PPP 66 5.3 O PPP e os desafios da BNCC 69 6 Elementos constitutivos do planejamento 77 6.1 Planejamento educacional e suas interfaces com a aprendizagem 77 6.2 Construindo planejamentos eficazes 79 6.3 Planejamento de ensino, plano de aula e a BNCC 81 7 Reflexões sobre métodos de ensino 89 7.1 Uma conversa sobre metodologias de ensino 89 7.2 A ludicidade no planejamento do professor 97 7.3 Trilhando caminhos para a consolidação das aprendizagens 99 Gabarito 105 Apresentação Esta obra discute como a didática pode contribuir para os processos de ensino e aprendizagem, levantando reflexões sobre a não neutralidade do fazer educativo. O campo de estudo da didática vai além dos métodos de ensino e de estratégias utilizadas pelos docentes, propicia a reflexão de concepções e práticas realizadas nas escolas e possibilita rever e superar encaminhamentos que não contribuem com o sucesso dos alunos. Nesse viés, no primeiro capítulo discorremos sobre o conceito do termo didática e suas implicações no contexto escolar, diferenciando a didática instrumental da reflexiva. Tais esclarecimentos permitem ao futuro professor analisar as práticas pedagógicas e propor planejamentos e estratégias que corroborem com a visão de sujeito que se deseja formar. A didática não apenas prepara o professor para atuar em sala de aula, ela também lhe possibilita inter-relacionar suas ações à visão de sujeito, de homem, de aprendizagem, de ensino e de sociedade que se deseja, buscando coerência entre concepções e processos de ensino. No segundo capítulo, tratamos das tendências pedagógicas ou teorias do ensino, além das concepções de ensino e de aprendizagem. Autores que defendem uma visão emancipatória e reflexiva sobre os processos educativos serão nosso fundamento. O terceiro capítulo propõe reflexões sobre a importância da elaboração de planejamentos, de modo a consolidar a função social da escola: o direito à aprendizagem. Nesse sentido, o professor deve ajustar seu planejamento às necessidades de seus alunos, propondo atividades diversificadas e diferenciadas, buscando atingir as diferentes formas de aprender e os ritmos de aprendizagem de cada estudante. Diante da importância de aprimorar continuamente os processos de ensino com base em encaminhamentos metodológicos que venham ao encontro dos objetivos educacionais de formar sujeitos reflexivos, autônomos e críticos, são propostas, no capítulo quatro, discussões sobre a necessidade de consolidar ações avaliativas que conduzam a esses objetivos. Assim, a avaliação deve ser formativa, processual e diagnóstica, para que o replanejamento, tendo em vista o direito à aprendizagem, se efetive. No capítulo cinco, tratamos da necessidade de o professor remeter-se às concepções dispostas no documento da escola para fundamentar suas ações. Refletimos sobre a importância da utilização desse documento como instrumento teórico-prático, propondo a superação da concepção do Projeto Político Pedagógico (PPP) de gaveta. Consecutivamente, no capítulo seis analisamos a correção entre o planejamento de ensino e o plano de aula, que devem estar em harmonia com as concepções dispostas no PPP. Didática8 No último capítulo, abordamos a necessidade de os professores reconhecerem as tendências pedagógicas e seus pressupostos, a fim de que suas metodologias estejam de acordo com os objetivos de aprendizagem e de que haja sempre encaminhamentos lúdicos. Com base em uma pedagogia crítica, de processos de ensino que corroboram com a garantia do direito à aprendizagem, nesta obra são trazidos encaminhamentos didático-pedagógicos que consideram cada um dos estudantes em sua integralidade. Bons estudos! 1 A sociedade, a escola e a didática Neste capítulo, situaremos a didática para além dos métodos e das técnicas de ensino, refletindo sobre a visão difundida no senso comum, que entende que, por exemplo, determinado professor não tem didática, ou ainda que aquela professora tinha um jeito diferente de passar o conteúdo, de modo que todos aprendiam. Para ampliar e aprofundar o assunto, discutiremos o que é, afinal, a didática, contextuali- zando-a como uma área da pedagogia com objeto de estudo próprio: os processos de ensino. Enfatizaremos a não neutralidade desse fazer pedagógico, trazendo um histórico da construção desse campo de estudo, relacionando-o à visão de sociedade, de homem, de sujeito, de escola e de ensino e aprendizagem de acordo com o contexto político, econômico e social da época. Para isso, além de destacarmos alguns fatos históricos da sociedade brasileira, traremos pensadores com seus ideários para discutirmos como o campo da didática foi se construindo e influenciando os processos de ensino no Brasil. Com a finalidade de realizar uma síntese dessas reflexões, trataremos da importância de o professor realizar questionamentos sobre a sua própria prática, pois estes contribuem para a compreensão da não neutralidade do fazer pedagógico. As perguntas, fundamentadas em Libâneo (2002), permitem ao docente o entendimento da necessidade de se realizar encaminhamentos pedagógicos que contribuam para a construção de uma escola e de uma sociedade efetivamente democráticas. Assim, neste capítulo buscaremos responder às seguintes questões: o que ensinar? Para que ensinar? Quem ensina? Para quem se ensina? Como ensinar? Sob que condições se ensina? 1.1 O que é didática? Guardamos na memória, desde o início de nossa escolaridade,a lembrança de diversos professores que passaram por nossas vidas. Podemos nos lembrar de situações que nos fazem afirmar, por exemplo, que “aquela professora era muito boa, ela tinha um jeito especial de passar o conteúdo” ou “aquele professor sabia o conteúdo, mas não sabia ensinar”. Esses comentários tão comuns são remetidos à didática, que, embora tenha como objeto de estudo os processos de ensino, metodologias e técnicas de transmissão dos conteúdos, não está isolada das concepções de estudante, escola, sociedade e sujeito que se deseja formar. Dessa maneira, não há didática sem objetivos educacionais mais amplos, pois, se há ensino, ele ocorre em determinado contexto sociopolítico. De acordo com Libâneo (2006), a didática não é uma atividade restrita à sala de aula, ela tem por intuito investigar os objetivos, os métodos, os conteúdos e os contextos dessas formas Vídeo Didática10 de ensinar, considerando as intencionalidades educacionais, ou seja, não há neutralidade no campo da didática. Portanto, essa área proporciona ao professor conhecimentos teóricos e práticos que o incentivam a não utilizar métodos e técnicas sem intenção, pois a didática diz respeito às intervenções pedagógicas do professor realizadas de modo a considerar qual sujeito se deseja formar para a sociedade. Nesse sentido, quando o professor se debruça sobre os conhecimentos da didática para realizar seu planejamento e as mediações necessárias para que os estudantes aprendam, é necessário que também se insira nos campos da história da educação, da filosofia, da psicologia educacional e da sociologia, entre outros saberes da pedagogia e de outras ciências, como economia, direito e biologia. A Figura 1 ilustra isso. Figura 1 – Didática e outras disciplinas da área da pedagogia Currículo e Planejamento Pedagogia Sociologia Educacional Didática Psicologia Educacional Biologia Educacional Filosofia Educacional História da Educação Fonte: Elaborada pela autora com base em Libâneo, 2006. Só assim, fundamentando-se em diversos campos do conhecimento, o professor terá um arcabouço teórico para questionar os rumos educacionais, o porquê de utilizar um encaminhamento metodológico em sala de aula em detrimento de outro, como trabalhar determinado conteúdo, considerando a fase do desenvolvimento dos estudantes e as marcas que serão deixadas na vida deles ao terem acesso a determinadas formas de ensinar. Quando o professor considera esses saberes e busca na didática elementos para organizar o trabalho pedagógico, ele tem condições de se autoavaliar, de analisar os motivos da consolidação ou não das aprendizagens, de refletir sobre a organização de suas aulas, sua relação com os estudantes, suas formas de propor a organização dos grupos de alunos, se está atingindo os objetivos do planejamento e do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. Isso porque a didática: A sociedade, a escola e a didática 11 trata dos objetivos, condições e meios de realização do processo de ensino, ligando meios pedagógico-didáticos a objetivos sociopolíticos. Não há técnica pedagógica sem uma concepção de homem e de sociedade, como não há concepção de homem e sociedade sem uma competência técnica para realizá-la educacionalmente. (LIBÂNEO, 2002, p. 5) Assim, as intervenções pedagógicas do professor se tornam mais conscientes, uma vez que as mediações realizadas com os estudantes são feitas de modo a considerar quem são eles, quais seus interesses, seus pontos de vista e seus contextos, levando em conta também de que forma atingir esse público, o que deve ser ensinado e em quanto tempo será ensinado. Como afirma Libâneo (2006), muitas pessoas acreditam que, para ser professor, basta a pessoa “levar jeito” ou ter um dom, porém isso não é verídico, pois a formação profissional docente requer estudo teórico e também muita prática, o que permite se articular com as exigências da sociedade em formar sujeitos em sua dimensão cognitiva, mas também nos aspectos físico-motor, social, emocional, artístico e espiritual. Se desejamos formar cidadãos em sua integralidade, precisamos também formar professores que busquem em si mesmos essa integralidade, relacionando teoria e prática em um movimento dialético entre agir-refletir-agir. Nesse viés, a didática orienta os professores a agir com base em situações concretas, na busca pela consolidação das aprendizagens de todos os estudantes (LIBÂNEO, 2002). Na didática voltada à formação para a cidadania e para as lutas democráticas, o docente busca estratégias metodológicas que sejam coerentes com essa concepção. Nesse sentido, ao organizar o trabalho pedagógico, lança mão de encaminhamentos que promovam a aprendizagem de todos os estudantes, acompanhando o processo de construção do conhecimento de cada um deles. Para aqueles que não atingiram os objetivos a serem consolidados no período planejado, o professor retoma as suas estratégias, revê suas ações e organiza atividades desafiadoras considerando as individualidades, a fim de que nenhum estudante seja excluído do seu direito de aprender. A didática, portanto, tem um papel fundamental na luta contra o fracasso escolar, pois a permanência do estudante e seu sucesso têm uma intrínseca relação com a forma como os objetivos educacionais são delineados e com as concepções dispostas no PPP. Exemplo: No PPP de uma escola, verificou-se que havia uma concepção de aprendizagem voltada à discriminação daqueles que tinham menor poder aquisitivo. Ao ser observada tal situação, houve um retorno para a escola sobre a inconstitucionalidade desse aspecto considerando que isso afetava o direito de todos os estudantes. A escola precisou rever o documento, no entanto, após algum tempo, verificaram-se casos de estudantes que estavam sendo reprovados, mesmo tendo condições de serem aprovados, com o discurso de que determinadas famílias não eram merecedoras da aprovação. Didática12 As concepções direcionam os encaminhamentos metodológicos, a visão de homem, sociedade, sujeito, cidadania, educação e da função social da escola. Nesse sentido, se escolhemos ser professores, não podemos compactuar com injustiças de qualquer natureza. Assim, quando o direito à aprendizagem é ferido de qualquer forma, precisamos nos posicionar e defendê-lo. A escola tem uma função social a ser cumprida, que não cabe a nenhuma outra instituição. É ela que possibilita o acesso aos conhecimentos socialmente elaborados pela humanidade, que, segundo Saviani (2007), são os saberes científicos, históricos e culturais. Dessa forma, não se justifica repassar a sua função à família ou a outra instituição. Somos os profissionais e precisamos considerar que todos os alunos são capazes de aprender, independentemente de sua condição econômica ou social. 1.2 Reflexões sobre a didática no Brasil Quando falamos que, no ato de ensinar, o professor leve em conta o respeito aos sentimentos da criança, valorize os interesses dos estudantes e que o trabalho pedagógico seja menos enfadonho e haja acesso de todos à escola, talvez pareça que nos referimos a um dos pensadores mais modernos da área da pedagogia. Entretanto, estamos nos referindo às ideias de Comenius (1592-1670) surgidas ainda no século XVI. Comenius foi um educador protestante que nasceu na Morávia (atual República Checa) e em 1649 publicou seu mais famoso livro, A didática magna, no qual destacava o papel do professor nos processos de ensino, bem como os métodos e as técnicas que levam à solidez do conhecimento. Para o autor, era possível ensinar tudo a todos, e ele questionava o uso da simples memorização dos conhecimentos (COMENIUS, 2001). Nessa concepção, a educação visa ao bem-estar do ser humano e da sociedade. Porém, mesmo hoje esse pensamento não é realidade em algumas escolas brasileiras, uma vez que ainda há professores que reproduzem as formas tradicionais de ensino a que tiveram acesso na época em que eram estudantes. Permanecem ensinando combase na cópia do livro didático e na repetição, como se esse tipo de atividade levasse à aprendizagem, desconsiderando muitas vezes o que é previsto no PPP da escola e até o seu próprio discurso de que se deseja formar um estudante crítico, reflexivo e partícipe da vida em sociedade. Um questionamento ecoa diante dessa postura: como formar cidadãos críticos mantendo uma postura conservadora e silenciadora das vozes dos estudantes? Muitas vezes, a prática pedagógica está mais próxima do que predominou no Brasil entre 1549 e 1789, época da Ratio studiorum ou plano de estudos, que era o método pedagógico dos jesuítas, elaborado por Santo Inácio de Loyola em 1552, fundador da Companhia de Jesus. Essa companhia tinha como função a evangelização e o desenvolvimento de regras para a vida, promovendo um plano geral de ensino a ser utilizado nos colégios jesuíticos. Os jesuítas foram os principais educadores do Brasil no período colonial, em uma sociedade baseada na economia agrário-exportadora e explorada pela metrópole: Portugal. A tarefa Vídeo A sociedade, a escola e a didática 13 educacional era fundamentada na catequização dos indígenas, mas, segundo Veiga (2011), para a elite colonial havia uma educação de outro tipo, voltada para o ensino geral e enciclopédico. Na Ratio studiorum, as verificações avaliativas eram realizadas por provas escritas e orais, nas quais os alunos deveriam demonstrar o que aprenderam (VEIGA, 2011). A metodologia explícita no plano continha o trinômio: estudar, repetir e disputar. Em 17591, o Marquês de Pombal (primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777) expulsou os jesuítas do Brasil, com o objetivo de abolir o domínio desses religiosos sobre os indígenas, principalmente nas fronteiras do país (MACIEL; NETO, 2006). Pombal pretendia que os indígenas libertos da escravidão e do domínio dos religiosos se miscigenassem e fossem utilizados na mão de obra do Brasil Colônia. Com ideias iluministas, o marquês estabeleceu, com base no Alvará de 28 de junho de 1759, total destruição da organização da educação jesuítica e sua metodologia de ensino, tanto no Brasil quanto em Portugal; instituição de aulas de gramática latina, de grego e de retórica; criação do cargo de “diretor de estudos” – pretendia-se que fosse um órgão administrativo de orientação e fiscalização do ensino; introdução das aulas régias – aulas isoladas que substituíram o curso secundário de humanidades criado pelos jesuítas; realização de concurso para escolha de professores para ministrarem as aulas régias; aprovação e instituição das aulas de comércio. (MACIEL; NETO, 2006, p. 470) Assim, com ideias iluministas, que se difundiam por toda a Europa, o marquês acreditava que a educação exigia um novo homem que poderia ser formado apenas por intermédio da educação. E esta deveria ser laica, ou seja, livre dos pensamentos religiosos, tanto que instituiu professores régios, que eram pagos com honorários vindos da Coroa portuguesa, ocorrendo pela primeira vez uma educação custeada pelo Estado. Quanto aos métodos utilizados, o marquês pretendia substituir aqueles tradicionais de ensino, instituindo os que considerassem a formação desse novo homem que utilizava a razão para resolver as questões do cotidiano. No entanto, conforme Maciel e Neto (2006), a reforma foi mais no conteúdo do que no método, e continuavam as formas de ensinar por meio da memorização e da repetição. Em meados de 1870, suprime-se o ensino religioso confessional das escolas públicas do Brasil, após a reforma de Benjamin Constant, sob a influência do positivismo2, definindo-se assim a laicidade3 das escolas públicas. Segundo Zanatta (2005), essa reforma utilizava-se do método intuitivo, inspirado em Pestalozzi (1746-1827). Esse educador, nascido na Suíça, retomou os pressupostos defendidos por Rousseau (1712-1778), que tinham a educação como processo, considerando que seria o contato da criança com o mundo o que despertaria suas potencialidades naturais. 1 Nessa época, o Brasil ainda era colônia de Portugal. 2 Auguste Comte (1798-1857) é o principal nome do positivismo. Essa doutrina filosófica afasta a teologia definitivamente do conhecimento científico. O único conhecimento verdadeiro seria o científico. 3 Diz respeito à imparcialidade do Estado em assuntos religiosos, sem apoiar ou discriminar qualquer crença religiosa. Didática14 Outra preocupação colocada por Pestalozzi em seu método era o de aprender fazendo, pois era a atividade que levaria ao desenvolvimento das habilidades cognitivas e físicas. Para o educador, era necessário o contato dos alunos com os objetos, precedendo o uso de figuras para que ocorresse a aprendizagem. Conforme Veiga (2011), o professor era o centro dos processos de ensino e de aprendizagem e o responsável por transmitir o conhecimento enciclopédico aos estudantes. Essa concepção de ensino tradicional seguia os passos delineados pelo educador alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841), que entendia o estudante como uma tábula rasa e delegava ao professor o governo, a instrução e a disciplina (VEIGA, 2011). No governo, o professor agiria para controlar a agitação natural das crianças, formando-as para o mundo adulto e possibilitando a instrução, esta é o foco da educação e é por meio dela que o docente verifica qual é o interesse dos estudantes. Grande importância também é dada à disciplina, que ensina os estudantes a permanecerem no caminho da virtude e da moral. É uma escola com disciplina e métodos de ensino rígidos. Para Herbart, o aluno é um ser passivo que apenas recebe as informações do professor. A didática centra-se no intelecto e é fundamentada em regras lógicas, instrucionais. Ao estudante cabe o silêncio e por meio da disciplina se mantém a atenção ao conteúdo transmitido (VEIGA, 2011). De acordo com Marzari (2011), no final da década de 1930 a disciplina de didática começa a ser ministrada em cursos de formação de professores, constituída, ainda, de métodos e técnicas de ensino descolados de outras discussões sobre contextos históricos, políticos e econômicos, como se houvesse neutralidade na ação pedagógica. Entre 1930 e 1945, houve um cenário de mudanças no campo educacional brasileiro decorrente da reorganização dos aspectos econômico e político do país. Após a Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, que permaneceu no poder até 1954, é criado o Ministério da Educação e da Saúde Pública e em 1931 é implantada a Reforma Francisco Campos. É na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo que se tem a didática como disciplina em cursos de graduação, cujo foco era a qualificação do ensino (MARZARI 2011). O discurso liberal escolanovista começa a chegar ao Brasil em meados de 1920, mas é em 1932, no Manifesto da Escola Nova, que esse movimento se consolida. Na Escola Nova, diferente da escola tradicional, cujo foco era o professor, o centro é o estudante. Essa bandeira também foi levantada pelo Manifesto dos Pioneiros, de Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e outros. Nesse manifesto, a educação científica é estabelecida como método, fundamentando-se em Pestalozzi, Froebel, Dewey, entre outros educadores que defendiam a expansão do ensino público, a laicidade e a valorização do estudante como centro do processo educativo. Segundo Gadotti (1996), na Escola Nova a aprendizagem deveria ser ativa, pois assim a criança aprenderia a aprender. Nessa pedagogia, a didática ocorre pela ação do estudante e não pela instrução, como na escola tradicional. A sociedade, a escola e a didática 15 Conforme Veiga (2011), a maior dificuldade da Escola Nova foi a não consideração da realidade e da influência econômica, política e histórica nos processos educativos, pois para essa pedagogia os problemas e as dificuldades da escola deveriam ser sanados por ela mesma, visto que os desafios a serem enfrentados eram técnicos. De 1945 a 1960, a economia brasileira passou por uma fasede aceleração advinda da substituição das importações e da inserção do capital internacional no país. O modelo político esteve fundamentado nos pressupostos democráticos e era crescente a participação da população na sociedade. Mesmo nesse contexto, a didática perdeu espaço e foi introduzida a disciplina de Prática de Ensino, que tinha uma concepção menos abrangente dos processos (VEIGA, 2011). No período posterior a 1964, os rumos políticos do país se alteraram. Buscava-se a aceleração do crescimento econômico e a educação tinha um papel fundamental nesse processo. Nesse viés, o tecnicismo assumido pelo grupo militar e burocrático foi instaurado como concepção de trabalho (VEIGA, 2011). Assim, a pedagogia tecnicista via a didática sob a perspectiva ingênua de que os métodos e as técnicas utilizados no contexto educacional eram neutros. Diante dessa concepção, o mais importante eram os planos, os objetivos instrucionais. O professor era considerado um mero executor do que já tinha sido previamente determinado. Na década de 1980, instala-se a Nova República e com ela a ascensão do governo civil ao poder, pondo fim ao governo militar. A luta pela democracia atinge todas as instâncias da sociedade, inclusive a escola. A partir da Constituição de 1988 e da LDB n. 9.394/1996, garante-se ao cidadão brasileiro o direito não apenas à matrícula em uma escola, mas também a nela permanecer. Nesse contexto, a didática contribui para que o professor se politize, não reproduza métodos e técnicas em sala de aula desvinculados de contextos. Procura-se refletir sobre os contextos histórico, político e culturais da sociedade, da comunidade educativa e dos estudantes, buscando analisar as contradições de forma dialética, ou seja, a escola é influenciada pela sociedade, mas também a influencia (SAVIANI, 2007). Já a contemporaneidade, segundo Gadotti (2013), é marcada pelo projeto neoliberal, que se consolida nacional e internacionalmente, ampliando a exclusão social e cultural. O centro da política neoliberal é o mercado e a não interferência do Estado na economia, assim, abre-se mão de um projeto social transformador para formar um sujeito para o mercado de trabalho. A escola, nessa concepção, forma o homem com competências para se adequar ao mercado e não para o trabalho. A didática, nesse contexto, não é reflexiva, mas reproduz métodos e técnicas empresariais que visam à qualidade total e não à qualidade educacional dos processos de ensino e de aprendizagem. De acordo com Veiga (2011), essa didática prepara para o fazer, para o executar, e não para que o sujeito questione a ordem vigente. Na atualidade, várias são as concepções e também vários os encaminhamentos que decorrem dos modos de se conceber a educação, o sujeito, o estudante, os métodos de ensino e as formas de aprender. Logo, a didática comprometida com a transformação social, segundo Candau (2012), Didática16 procura contextualizar o processo de ensino e de aprendizagem, explicitando pressupostos e a visão de homem, sociedade e sujeito que se deseja formar. Esse autor estabelece diferenças entre a didática instrumental, que tem como pressuposto as pedagogias tradicionais, e a didática reflexiva, conforme demonstra o Quadro 1. Quadro 1 – Diferenças entre a didática instrumental e a didática reflexiva Didática instrumental Didática reflexiva Professor Executor Mediador Estudante Mão de obra futura Sujeito partícipe, cidadão. Método/técnica Pretensa neutralidade O método considera o contexto histórico-cultural do sujeito. Não há neutralidade. Utiliza o método ou a técnica tendo em vista a visão de estudante, de aprendizagem, de sociedade, entre outros. Conteúdo Instrucional e tem utilidade O professor contextualiza os saberes a que o estudante tem direito. Escola Forma indivíduos competentes. Garantia do direito à aprendizagem, não apenas do acesso ao espaço escolar. Fonte: Elaborado pela autora com base em Candau, 2012. Assim, é de máxima importância que os professores estejam cientes do papel da didática no processo de ensino e de aprendizagem e que a compreendam como elemento essencial na construção de uma escola e de uma sociedade mais democráticas. Uma didática reflexiva permite ao professor analisar sua prática pedagógica, fornecendo-lhe elementos para uma autoavaliação e também para replanejamento de ensino, de aula, bem como possibilidades de buscar novos saberes sobre a profissão docente. 1.3 Contextos histórico-culturais e a didática Como vimos, o campo da didática não é neutro, mas permeado pelos avanços e pelas contradições da sociedade. Nesse viés, desmistificar os pressupostos das ações educacionais permite ao professor tomar consciência sobre seu trabalho, o que lhe respalda na (re)tomada das suas decisões em prol do processo de ensino e de aprendizagem. Assim, quando o docente toma consciência de que as suas decisões no contexto de sala de aula não estão isoladas do contexto macro da sociedade, tem a possibilidade de planejar de maneira que o conhecimento socialmente construído e sistematizado seja acessível a todos os estudantes. Nessa perspectiva, segundo Libâneo (2002; 2006), a didática tem o grande valor de garantir aos sujeitos da aprendizagem a consolidação e a apropriação do conhecimento. Não está, portanto, isolada, mas inter-relacionada à visão de homem, de sociedade, de sujeito, de criança, de processo de ensino e de aprendizagem. Logo, se objetivamos formar um sujeito autônomo, reflexivo e participativo, os enca- minhamentos metodológicos precisam coadunar com o sujeito que se deseja formar. O PPP da escola deve ser o norte do professor, pois é nele que estão sistematizadas as concepções a serem colocadas em prática nas diferentes ações pedagógicas no cotidiano da instituição. Vídeo A sociedade, a escola e a didática 17 Nesse contexto, o objeto de estudo da didática diz respeito à intencionalidade pedagógica nos processos de ensino, podendo estar relacionado: • a uma disciplina de formação que permite ao docente organizar seu trabalho pedagógico em sala de aula, discutindo a intencionalidade do processo de ensino; • ao estudo dos processos de ensino, abrangendo os métodos, as técnicas, as estratégias, o conteúdo a ser ensinado, considerando quem é o sujeito da aprendizagem; • aos contextos históricos, políticos e econômicos que trazem o pano de fundo para que o professor, de forma crítica, reflita sobre a função social da escola, tendo em vista o sujeito que se quer formar. A didática trará ao docente possibilidades de desvelar a não neutralidade do ato educativo: as ações que realiza em sala de aula não estão desvinculadas de um contexto maior; • ao papel do professor na educação contemporânea, de mediador dos processos de aprendizagem, uma vez que, se não houve aprendizagem, não houve ensino; • a possibilitar ao docente condições técnicas de não apenas dominar o conteúdo a ser ensinado, mas encontrar as melhores estratégias de ensinar os estudantes de forma que eles aprendam. Como afirma Libâneo (2002, p. 12): “para saber História, não basta saber História.”; • “à didática como teoria e como processo de ensino” (LIBÂNEO, 2002, p. 19). Libâneo (2002) sintetiza os propósitos da didática por meio de perguntas, as quais trazem elementos para a compreensão do que essa disciplina significa para a formação do professor, conforme exposto na Figura 2. Figura 2 – Categorias do objeto de estudo da didática Didática Para que ensinar? O que ensinar? Quem ensina? Para quem se ensina? Como ensinar? Sob que condições se ensina? Fonte: Elaborada pela autora com base em Libâneo, 2002. Didática18 Essas reflexões fornecem ao professor condições de contextualizar os processos de ensino, dirimindo qualquer dúvida sobre a não neutralidade da ação pedagógica no ambiente educativo, o que amplia a responsabilidade do fazer docente. Exemplo: O professor verifica que no PPP de sua escola a concepção de formação humana buscaa integralidade do sujeito. Nesse sentido, ao propor atividades para o desenvolvimento da habilidade compreensão leitora, referente à língua portuguesa, ele deve decidir de que forma organizará em seu planejamento estratégias a fim de que o estudante realize leituras não apenas fluentes, mas que vão além do texto lido. Para desenvolver a habilidade, que é direito de aprendizagem do estudante, o professor tem a possibilidade de não apenas utilizar os conteúdos referentes ao componente curricular de Língua Portuguesa, mas de relacionar outros saberes e outras leituras referentes a outras linguagens e outras áreas do conhecimento. Dessa forma, a didática proporciona ao docente uma leitura ampliada dos contextos de aprendizagem, não limitando os processos de ensino a uma suposta neutralidade e ao uso de métodos e técnicas. O que não quer dizer que o professor não lance mão de múltiplas estratégias que contribuam para a consolidação da aprendizagem dos estudantes. Considerações finais Em síntese, o campo da didática é o ensino, porém, este não se resume a estratégias metodológicas e técnicas isoladas de um contexto histórico, cultural e econômico. Assim, quando o professor organiza seu planejamento de ensino e seu plano de aula (que trataremos nos próximos capítulos) e escolhe os melhores caminhos para a consolidação dos processos de aprendizagem, não está isolado das ideologias, dos conflitos, das tensões e dos propósitos da sociedade em que está inserido. Quando ciente de que seus encaminhamentos metodológicos podem coadunar ou não na formação de sujeitos autônomos, críticos e partícipes da vida em sociedade, o professor tem mais condições de escolher as melhores formas de ensinar os conteúdos aos quais os estudantes têm direito. Nesse sentido, não há neutralidade na ação do professor e no campo da didática, considerando que a ação de ensinar se faz com algum propósito, pois a escola é lugar de planejar, de aprender, de partilhar conhecimentos, de interagir, de questionar e de contribuir para a formação de sujeitos integrais. A sociedade, a escola e a didática 19 Ampliando seus conhecimentos • LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2006. O autor situa a didática no contexto de outros conhecimentos pedagógicos a serem adquiridos pelo pedagogo e traz excelentes reflexões sobre a diferenciação entre educação, instrução e ensino. Destaque para as discussões sobre a importância da educação escolar, uma vez que por meio dela há democratização do conhecimento, independentemente da origem social dos estudantes. O livro defende não apenas o acesso à escolarização, mas também a permanência dos estudantes na escola e a consolidação das aprendizagens. • O NOME da rosa. Direção: Jean Jacques Annaud. Produção: Bernd Eichinger. Intérpretes: Sean Conery, F. Murray Abraham, Cristian Slater. 1986. 130 min. son., color. O filme retrata como na Idade Média a busca pelo conhecimento e a sua difusão passavam obrigatoriamente pela Igreja católica. Detentora de muitos livros, a ordem religiosa decidia quais deveriam ser de acesso aos monges e quais que eram proibidos. • A SOCIEDADE dos poetas mortos. Direção: Peter Weir. Produção: Tom Schulman. Intérpretes: Robin Williams, Robert Sean Leonard, Ethan Hawke. 1989. 128 min. son., color. Fundamentada em quatro pressupostos ‒ tradição, honra, disciplina e excelência ‒, a Academia Welton, uma tradicional escola norte-americana frequentada apenas por garotos, pouco valoriza as expressões artísticas dos estudantes, limitando-os aos manuais de ensino. O professor John Keating questiona esses princípios e traz aos seus alunos possibilidades de serem livres pensadores. Atividades 1. Por meio da figura a seguir, explicite como estas questões ilustradas podem contribuir para a compreensão do professor sobre o campo de estudos e de atuação da didática. Didática Para que ensinar? O que ensinar? Quem ensina? Para quem se ensina? Como ensinar? Sob que condições se ensina? Fonte: Elaborada pela autora com base em Libâneo, 2002. Didática20 2. Considerando o quadro abaixo, descreva como o professor realizaria um planejamento de ensino e de aula tendo em vista as duas concepções: didática instrumental e didática reflexiva. Didática instrumental Didática reflexiva Professor Executor Mediador Estudante Mão de obra futura Sujeito partícipe, cidadão. Método/técnica Pretensa neutralidade Considera quem são os sujeitos da educação. Conteúdo Instrucional, tem utilidade. O professor contextualiza os saberes a que o estudante tem direito. Escola Forma indivíduos competentes. Garantia do direito à aprendizagem, não apenas do acesso ao espaço escolar. Fonte: Elaborado pela autora com base em Candau, 2012. 3. Segundo Veiga (2011), na concepção de que o aluno é um ser passivo que apenas recebe informações, tendo como centro o intelecto, a didática será fundamentada em regras, lógicas e instruções. Nessa forma de ensino, cabe ao estudante o silêncio, que se consegue por meio da disciplina e da atenção ao conteúdo a ser transmitido. Discorra sobre a concepção de homem, sociedade e sujeito da aprendizagem que se deseja formar, analisando se as práticas educativas presentes nessas formas de ensinar ainda são uma realidade nas escolas brasileiras. Referências CANDAU, Vera Maria. A didática e a formação de educadores – da exaltação à negação: a busca da relevância. In: CANDAU, Vera Maria (org.). A didática em questão. Rio de Janeiro: Vozes, 2012. COMENIUS, Iohannis Amos. Didática magna. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001. FERRARI, Márcio. Ovide Decroly, o primeiro a tratar o saber de forma única. Revista Nova Escola, 2008. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/1851/ovide-decroly-o-primeiro-a-tratar-o-saber-de- forma-unica. Acesso em: 16 mar. 2019. GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1996. GADOTTI, Moacir. Qualidade na Educação: uma nova abordagem. Florianópolis: Congresso de Educação Básica (COEB), 2013. Disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/14_02 _2013_16.22.16.85d3681692786726aa2c7daa4389040f.pdf. Acesso em: 15 mar. 2019 LIBÂNEO, José Carlos. Didática: velhos e novos temas. Goiânia: Edição do autor, 2002. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2006. MACIEL, Lizete Shizue Bomura; NETO, Alexandre Shigunov. A educação brasileira no período pombalino: uma análise histórica das reformas pombalinas do ensino. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465- 476, set./dez. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v32n3/a03v32n3.pdf. Acesso em: 16 mar. 2019. A sociedade, a escola e a didática 21 MARZARI, Marilene. A didática na formação de professores no Brasil. Revista Instrumento. Juiz de Fora, v. 13, n. 2, jul./dez. 2011. Disponível em: http://ojs2.ufjf.emnuvens.com.br/revistainstrumento/article/ view/18723/9837. Acesso em: 10 maio 2019. SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 2007. VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Didática: uma retrospectiva histórica. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Repensando a didática. São Paulo: Papirus, 2011. ZANATTA, Beatriz Aparecida. O método intuitivo e a percepção sensorial como legado de Pestalozzi para a geografia escolar. Cad. Cedes. Campinas, vol. 25, n. 66, p. 165-184, maio/ago. 2005. Disponível em: http:// www.scielo.br/pdf/ccedes/v25n66/a03v2566.pdf. Acesso em: 13 maio 2019. 2 Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento Neste capítulo, discutiremos as tendências pedagógicas e suas concepções de ensino e de aprendizagem. Como fundamento para essas reflexões, utilizamos as ideias de autores como Libâneo, Saviani e Luckesi, que defendem uma visão emancipatória e reflexiva sobre os processos educativos. Abordaremos como as tendências pedagógicas se revelam no cotidiano escolar, pois, embora no discurso de muitos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) sejam defendidas pedagogias progressistas, as açõeseducativas ainda permanecem enraizadas em pedagogias liberais. Assim, as tendências pedagógicas progressistas analisam criticamente as realidades sociais, o que reverbera em uma organização do trabalho pedagógico que considere os seguintes pressupostos: democracia, direito à aprendizagem, conhecimento, aprendizagem de todos, mediação e participação. Esses fundamentos repercutem na organização de um professor comprometido com a superação dessa fragmentação entre teoria e prática pedagógica, que assume seu papel de mediador no processo de ensino e de aprendizagem. Também destacaremos a função do pedagogo – na gestão democrática – como coordenador, mediador e partícipe na defesa de uma escola que coloque em ação pedagogias que considerem os estudantes como seres capazes, com história, com saberes e com cultura. 2.1 Tendências pedagógicas e concepções de ensino e aprendizagem Quando um profissional da educação se debruça sobre as tendências pedagógicas e suas inter-relações com as concepções de ensino e de aprendizagem no ambiente escolar, ele tem possibilidades de se aprofundar nos pressupostos, nas variáveis, nos contextos sociais, históricos e políticos que influenciam os rumos educacionais. Além disso, tem melhores condições de analisar seu próprio trabalho e redirecioná-lo em prol do direito à aprendizagem. Tal direito ultrapassa as questões de acesso e permanência dos estudantes na escola. Refere-se a um desenvolvimento pleno, integral, com consolidação dos conhecimentos científicos, históricos e culturais, permitindo o exercício pleno da cidadania. Nesse sentido, o direito à aprendizagem possibilita o acesso do sujeito a outros direitos, pois lhe possibilita exigir do poder público que se faça cumprir a legislação no que tange ao direito a saúde, alimentação, cultura, lazer, dignidade, respeito e convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990). Vídeo Didática24 Assim, profissionais comprometidos com uma escola em prol da emancipação e da formação humana na sua integralidade buscarão combater o fracasso escolar, posicionando- se contra tendências pedagógicas que não contribuam para o sucesso de todos os estudantes, independentemente da origem social, gênero ou etnia. Os processos de ensino e de aprendizagem sempre estarão presentes em contextos educativos escolares, sendo necessária a organização sistemática e também formal do trabalho pedagógico desenvolvido. Dessa forma, a educação, que é, segundo Saviani (2015), um fenômeno próprio dos seres humanos, no espaço escolar tem a tarefa de proporcionar aos sujeitos a aquisição de saberes elaborados (científicos) que os faça ultrapassar o senso comum. De acordo com o estudioso, o senso comum é o saber da experiência, das observações do mundo e da sabedoria adquirida nas vivências. Já o conhecimento científico, que está no cerne do trabalho da escola, é sistemático, organizado e metódico. Isso não quer dizer que os métodos de ensino devam ser tradicionais, mas que ao organizar as ações pedagógicas a serem desenvolvidas com os estudantes, o professor não deve perder o foco do que é essencial no trabalho pedagógico: democratizar o processo de ensino e de aprendizagem. Ou seja, nem todos os estudantes devem ser ensinados da mesma forma, sendo necessário encontrar caminhos diferentes pelos quais a aprendizagem se efetive para cada um, a fim de que a função social da escola se concretize. Para Libâneo (2013), a escola é lugar também de aprendizagem para o professor, tendo em vista que ela não é estática, pois, situada historicamente, é carregada de tensões e conflitos da sociedade em que está inserida. O professor que deseja fazer cumprir a sua função no processo de ensino deve continuamente atualizar-se, a fim de não reproduzir com os seus alunos o que vivenciou na época de escolarização. A escola e o professor da atualidade não podem ser os mesmos de tempos atrás, não devem se limitar a repassar informações. Para pensar seus papéis hoje, precisamos refletir em que sociedade vivemos e qual é a sociedade que queremos, quem é o estudante que hoje está no espaço educativo e quem é o estudante que queremos formar, que conhecimentos os estudantes já trazem para, a partir deles, problematizar e superar os saberes de senso comum e, assim, consolidar conhecimentos científicos, portanto, mais elaborados. As escolas da atualidade, que estejam a favor da democracia e da equidade1, precisam conduzir seu trabalho de maneira que seus estudantes desenvolvam a autonomia intelectual, a qual, segundo Libâneo (2013), reduz a distância entre a ciência, que adquire cada vez mais complexidade, e uma formação humana integral em que o aluno é o sujeito da aprendizagem. Nesse viés, temos uma concepção de didática emancipadora, na qual o ensino ocorre não para vencer os conteúdos dispostos em uma grade curricular, mas que acontece em função dos direitos de aprendizagem dos estudantes e em favor da interação e da articulação com as práticas sociais. 1 O direito à educação exige a intervenção do Estado em políticas equânimes, pois, assim como saúde, previdência social, proteção à infância, é um direito fundamental do ser humano. Nas políticas de equidade, busca-se intervir para que aquele que não tem igualdade de condições tenha seus direitos garantidos. Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 25 Nessa perspectiva, o professor necessita sempre questionar-se, avaliando se suas ações educativas têm consolidado sua função no processo de ensino e de aprendizagem. Piletti (2004) lança algumas questões que norteiam essa autoavaliação. Fundamentados nas proposições desse autor, ampliamos e aprofundamos essas perguntas no Quadro 1 a seguir. Quadro 1– Autoavaliação do professor Questões norteadoras Para que ensino? Estou considerando o PPP da escola para planejar meu trabalho? Há estudantes que não aprenderam? Diante desse diagnóstico, o que fazer para que todos aprendam, sem culpar o estudante e seu contexto familiar, social etc.? A forma como estou realizando minha prática contribui para que o estudante aprenda? Tenho considerado os impactos das tecnologias e mídias nos processos de ensino e de aprendizagem? Fonte: Elaborado pela autora com base em Pilleti, 2004. Esses questionamentos podem levar a outras perguntas sobre a organização do trabalho pedagógico realizado, pois, à medida que o docente e o coletivo escolar se questionam sobre os rumos do que vem se ensinando na escola, se o ensino vem se efetivando ou não, se esse ensino tem contribuído para a formação integral do sujeito, abre-se o leque para outras possibilidades de reflexão e de retomada do planejamento. Todas essas discussões estão fundamentadas no princípio fundamental da escola: que todos aprendam. De acordo com Libâneo (2006), a didática tem um papel fundamental na democratização do ensino, pois subsidia o professor, contextualizando suas ações pedagógicas nos processos de ensino, e lhe possibilita redirecionar suas ações, quando estas não vão ao encontro da consolidação das aprendizagens. A fim de situar as discussões até aqui levantadas como elementos de uma tendência progressista da educação, trazendo o direito à aprendizagem para o centro do fazer educativo, apresentaremos as tendências pedagógicas de acordo com as sistematizações realizadas por Libâneo (1992). Esse autor defende que o professor reconheça os pressupostos teóricos e metodológicos que o embasam em suas ações. Segundo ele, a maioria dos professores guia seus procedimentos por suas vivências e não pelos conhecimentos que a Didática – disciplina da pedagogia – lhes outorga. Objetivando contribuir para a superação desse problema, apresentamos uma síntese das tendências renovadas e das tendências progressistas, que são fundamentadas em concepções pedagógicas. Primeiramente, discutiremos as pedagogias ou tendências progressistas refletindo sobre suas intencionalidades: tendência progressista libertadora, tendência progressista libertáriae tendência crítico-social dos conteúdos. Na sequência, abordaremos as tendências liberais: tendência liberal tradicional, tendência liberal progressivista, tendência liberal não diretiva, tendência liberal tecnicista. Didática26 Quadro 2 – Organização das tendências ou pedagogias presentes nas escolas Pedagogias progressistas Pedagogias liberais Tendência progressista libertadora Tendência liberal tradicional Tendência progressista libertária Tendência liberal progressivista Tendência progressista crítico-social dos conteúdos ou pedagogia histórico-crítica. Tendência liberal não diretiva Tendência liberal tecnicista Fonte: Elaborado pela autora com base em Libâneo, 1992. Essas tendências que veremos a seguir não são apresentadas nas ações educacionais de forma pura, mas se intercruzam em alguns momentos e se distanciam em outros (LIBÂNEO, 1992). 2.1.1 Pedagogias progressistas A didática fundamentada nas pedagogias progressistas faz uma crítica à sociedade e, portanto, à organização escolar que não contribua para que o direito à aprendizagem se efetive. Nesse sentido, essas pedagogias ou tendências oferecem ao professor elementos para a compreensão do contexto escolar, pois a escola é parte da sociedade e, como tal, a reflete. A escola é influenciada pela sociedade, mas também a influencia. Uma escola que constrói seu PPP com base em teorias progressistas objetiva formar sujeitos autônomos, críticos, reflexivos e espera que o conhecimento científico tenha relação com a vida em sociedade. Libâneo (2013) elenca cinco objetivos a serem atingidos para que essa concepção se consolide: • promover o desenvolvimento cognitivo dos estudantes por meio dos conteúdos escolares; • proporcionar aos estudantes desenvolver-se culturalmente, valorizando seu contexto cultural e construindo possibilidades para que um currículo multicultural se solidifique; • possibilitar aos sujeitos o acesso à sociedade tecnológica e comunicacional, o que reflete na construção de habilidades como realizar tomadas de decisão, realizar análises, interpretar dados, trabalhar em equipe etc.; • formar para a cidadania crítica, de modo que os sujeitos sejam partícipes da vida em sociedade, em que a opinião de todos e de cada um é respeitada; • desenvolver atitudes humanistas e solidárias. Podemos, portanto, observar que as pedagogias progressistas trazem em seu bojo a luta pela democracia e o acesso ao conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, indo contra as pedagogias da adaptação, pois, ao contextualizar e historicizar a escola, os profissionais questionam: qual a origem do conhecimento a ser ensinado na escola? Posso ensinar de outras formas determinado saber, visto que nem todos compreenderam? Qual a função do professor e do estudante na escola? A forma como tenho desempenhado minha função na escola tem contribuído para que o direito à aprendizagem se consolide? Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 27 Essas questões e outras podem ser levantadas na busca de aprimorar continuamente o trabalho pedagógico, superando as perspectivas de um ensino tradicional pautado em repetição, memorização e falta de diálogo. Libâneo (2013) destaca três tendências ou pedagogias progressistas, as quais abordaremos na sequência: tendência progressista libertadora, tendência progressista libertária e a tendência progressista crítico-social dos conteúdos. • Tendência progressista libertadora: essa tendência, fundamentada em Paulo Freire (1921-1997), defende que a escola trabalhe em prol da transformação da realidade. Para isso, o ensino exige dialogicidade, afetividade e problematização, superando uma educação em que o estudante é o depositário de informações, o que chamou de educação bancária. O estudante é sujeito ativo e o professor considera seus saberes e vivências para realizar o processo de ensino. • Tendência progressista libertária: o foco dessa tendência é o antiautoritarismo e, portanto, a resistência. O professor e o estudante têm a mesma importância e desenvolvem um ambiente de grupo que se autogestiona. Dá-se ênfase às atividades em grupo, reuniões e assembleias, e a intenção é que o estudante leve para a vida o que aprendeu. • Tendência crítico-social dos conteúdos: fundamentada em Dermeval Saviani, defende que a escola tem a função de assegurar a todos os estudantes o acesso ao saber historicamente acumulado e elaborado pela humanidade (ciência). O método defendido é o dialético, valorizando o diálogo entre professor e estudante, mas, sobretudo, o diálogo com o conhecimento. Considera-se a historicidade dos conteúdos a serem trabalhados com os alunos. 2.1.2 Pedagogias liberais A palavra liberal muitas vezes pode nos remeter à formação para a autonomia, para a liberdade e para a democracia, porém, conforme Libâneo (1992) destaca, esse não é o sentido desse termo quando se trata de pedagogia. A pedagogia liberal vem ao encontro da política do estado mínimo defendida pelo liberalismo econômico e social. Nesse modelo, o estado pouco interfere nos rumos da economia (laissez-faire2), deixando que o mercado defina e consolide regras em prol do lucro máximo. Segundo Peres e Silva (2006), durante a história do capitalismo, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade proclamados pela Revolução Francesa se reduziram a liberdade e propriedade: liberdade para o lucro máximo, sem compromisso com a população, e liberdade para o acúmulo de propriedades, inclusive dos meios de produção, para a exploração de mão de obra sem maiores qualificações. 2 Laissez-faire é uma expressão francesa que significa “deixar fazer, deixar passar”, utilizada no século XVIII para defender o livre comércio, sem taxas alfandegárias. Didática28 A pedagogia liberal tem a função de preparar os indivíduos para essa sociedade, não buscando encaminhamentos metodológicos em que o conhecimento científico, histórico e cultural sejam alicerce para a criticidade. Ao contrário, os alunos são preparados para ocupar lugares predeterminados na sociedade. Há ênfase na igualdade de oportunidades, porém a meritocracia subsidia esse discurso. Se o aluno não conseguiu aprender, é porque não se esforçou, não porque não lhe foram dadas as condições para a aprendizagem. Pensemos em uma educação fundamentada no princípio da meritocracia. Ela defenderá que as crianças têm sempre as mesmas oportunidades, sejam elas de famílias que as negligenciem ou pertencentes a famílias presentes em sua educação, que garantam sua matrícula e frequência na escola e contribuam para seu desenvolvimento pleno. Nessa visão, não são consideradas as condições de suprimento das necessidades básicas dos estudantes, tampouco a marginalização e a exclusão já existentes na sociedade. Segundo Valle e Ruschel (2010), a palavra meritocracia é composta da junção entre mérito + cracia (que significa governo), assim, o termo refere-se, essencialmente, à hierarquia social, política e burocrática justificada nas lutas individuais. As pedagogias liberais se baseiam na meritocracia, pressupondo que nem todos são capazes de aprender, pois acreditam na responsabilidade de cada um por suas próprias conquistas. Se o indivíduo não conseguir, a culpa é exclusivamente dele. Segundo Libâneo (2013), são quatro as tendências pedagógicas que se fundamentam nesse princípio, as quais explicitaremos a seguir. 2.1.2.1 Tendência liberal tradicional Prepara os indivíduos para determinadas funções sociais e o conhecimento trabalhado na escola não tem relação alguma com a vida em sociedade. O ensino é voltado para as disciplinas humanistas, com as regras do bem falar e do bem escrever: o foco é a gramática normativa. O professor tem o domínio do conteúdo, os saberes dos estudantes não são considerados. 2.1.2.2 Tendência liberal renovada progressivista A ênfase é na utilidade dos conteúdos para aplicá-los na vida em sociedade. Os métodos são ativos: experiências, pesquisas e solução de problemas, estimulandoo interesse dos estudantes. O foco é o aluno, ao contrário da tendência liberal tradicional. Essa tendência é fundamentada no pragmatismo e, segundo Libâneo (1992), dominou as escolas brasileiras entre as décadas de 1950 e 1960, embora o movimento em prol da Escola Nova tenha se iniciado em 1932 com o Manifesto da Escola Nova. Nessa tendência, o estudante aprende de forma experimental por meio da pesquisa. 2.1.2.3 Tendência liberal não diretiva De acordo com Libâneo (1992), essa tendência preocupa-se mais com aspectos psicológicos do que pedagógicos, de modo que a função da escola está mais relacionada à formação de atitudes para a convivência em sociedade. Os conteúdos são estabelecidos em função das experiências vivenciadas pelos sujeitos, assim o professor é o especialista em relações humanas, propondo técnicas de sensibilização que visam ao autoconhecimento do indivíduo. Segundo Luckesi (1994), meritocracia: estabelece uma inter-relação entre mérito e poder. Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 29 o ausentar-se do professor era a melhor forma de respeito e de aceitação do estudante de forma plena. Seu principal precursor foi o psicólogo Carl Rogers, em seu livro Liberdade para aprender. No Brasil, alguns pedagogos e psicólogos se fundamentaram nessa tendência para desenvolver o trabalho no ambiente escolar. 2.1.2.4 Tendência liberal tecnicista Nessa tendência, o professor utiliza-se de manuais para repassar o conteúdo aos estudantes, este conteúdo é considerado neutro. Há ênfase na formação técnica para exercer uma função no mercado de trabalho. A Lei de Diretrizes e Bases n. 5.692/1971 implantou e implementou essa corrente pedagógica no Brasil. O aluno passa a ser um mero reprodutor dos conteúdos, não há propostas que prevejam reflexão. Essa tendência influenciou a educação nos anos 1970 e 1980, porém ainda hoje vemos ações educativas que remetem a essa pedagogia. Para melhor situar e contextualizar as tendências pedagógicas liberais e as tendências pedagógicas renovadas, organizamos um quadro com os elementos essenciais de cada uma delas. Quadro 3 – Tendências pedagógicas Tendência pedagógica Papel da escola Papel do estudante e do professor Construção do conhecimento Metodologia Tendência liberal tradicional Preparar o indivíduo para desempenhar funções definidas na sociedade. Professor: centro do fazer educativo. Estudante: submisso, recebe o conteúdo ensinado. De forma mecânica, sem reflexão e sem considerar quem são os estudantes. Método expositivo. O aluno demonstra que aprendeu por meio de avaliações que não servem para o replanejamento. Tendência liberal renovada progressivista Atender aos interesses da sociedade. O conhecimento deve servir para algo. O aluno deve desenvolver competências para adequar-se ao meio. Professor: auxiliar do desenvolvimento do estudante. Estudante: centro do processo educativo. Com atividades adequadas ao desenvolvimento do estudante e ao seu interesse. Pedagogia do aprender a aprender. Experimentos, pesquisa e problematização. Tendência liberal renovada não diretiva Adequação do indivíduo à vida em sociedade. Professor: facilitador, ajuda o estudante a organizar-se. Deve “ausentar-se” das interferências. Estudante: deve ter motivação intrínseca para aprender. Aprender é modificar as próprias percepções. O aluno aprende o que estiver relacionado a essas percepções. Técnicas de sensibilização, tendo em vista melhorias no relacionamento pessoal e na vida em sociedade. Tendência liberal tecnicista Modeladora do comportamento humano, por meio de técnicas e manuais. Professor: administra as condições para passar a matéria aos estudantes. Estudante: espectador frente ao que lhe é repassado. Aprender é modificar o desempenho. Aprender para desempenhar um papel no mercado de trabalho. Aprender é um processo de condicionamento. Métodos e técnicas que possibilitem a mensuração, a objetividade e o controle. Uso de tecnologias educacionais de forma instrucional. (Continua) Didática30 Tendência pedagógica Papel da escola Papel do estudante e do professor Construção do conhecimento Metodologia Tendência progressista libertadora Vincula a educação à luta contra a opressão das classes menos favorecidas. Professor e aluno: relações horizontais. Aprende-se por temas geradores retirados do contexto social e vivencial dos estudantes. Diálogo e problematização que consideram os saberes dos educandos, para, a partir deles, ampliar, aprofundar e contextualizar o conhecimento. Tendência progressista libertária Gera transformação nos estudantes, tornando-os autogestionários. Não há diretividade, assim, o professor é um orientador, se mistura ao grupo de estudantes para refletir sobre as temáticas escolhidas para os debates. É na vivência em grupos que os estudantes aprendem e podem utilizar o que aprenderam em novas situações. Atividades em grupos e assembleias. Tendência progressista crítico- social dos conteúdos É na escola em que há apropriação dos saberes sistematizados (ciência). A educação tem papel transformador social. A escola é contextualizada historicamente e tem consciência dos seus condicionantes, por meio dos conteúdos instrumentaliza os sujeitos para uma participação ativa em uma sociedade democrática. Professor: mediador. Estudante: participante do processo de aprendizagem. O aluno, com sua experiência imediata, confronta seus saberes com os conhecimentos sistematizados, o que causa ruptura com os saberes pouco elaborados. Parte-se da prática social, identificam- se os problemas, instrumentalizam-se os sujeitos de forma teórica e prática. Posteriormente vem a etapa da catarse, que é a compreensão do problema com uma nova forma de vê-lo. Por último, temos a etapa denominada de prática social, em que o estudante volta ao ponto inicial, porém tem condições instrumentais de mudar a realidade. Fonte: Elaborado pela autora com base em Libâneo, 1992 e Luckesi, 1994. Como pudemos observar, as pedagogias progressistas trazem uma perspectiva crítica sobre as questões sócio-políticas; já as tendências liberais trazem em seu cerne a reprodução, objetivam formar um sujeito que se adeque às realidades sociais em nome de uma pretensa neutralidade e da negação das ideologias presentes na sociedade. Com o intuito de aprofundar essa discussão, refletiremos sobre como as tendências pedagógicas progressistas podem contribuir para a construção de uma escola em que professores e estudantes dialoguem, em que o professor realize mediações no processo de construção de conhecimento, de forma que os estudantes superem o conhecimento do senso comum e se Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 31 apropriem do conhecimento científico. As pedagogias progressistas vão apontar também para uma relação de sala de aula em que a ética, o respeito às diferenças, a inclusão, a participação e o direito à aprendizagem se consolidem de forma a buscar uma gestão democrática em todos os segmentos da sociedade, inclusive na escola. Vale ressaltar que a gestão democrática não equivale a realizar o que se deseja, mas diante da legislação vigente, do PPP da escola, do regimento escolar e do compromisso com uma escola de qualidade, organizar propostas e encaminhamentos que garantam aos estudantes condições de serem conscientes de seus direitos e deveres. 2.2 Relação entre professor e estudante nas tendências pedagógicas progressistas A função da didática é fundamentar o professor em sua práxis educativa e, dessa forma, lhe trazer subsídios em que os objetivos de ensino e de aprendizagem se articulem e para que os métodos, os recursos e as formas como organiza sua aula garantam ao estudante aprendizagens significativas (LIBÂNEO, 2006). Saviani (2009) afirma que práxis educativa não é apenasa relação entre teoria e prática − é a atividade humana que transforma a sociedade. Mas, para isso, o professor precisa ser consciente de seu papel diante do processo de ensino e de aprendizagem, que não se esgota em sala de aula, mas se desdobra em práticas sociais globais. Exemplo: Um professor de Ciências percebe que os estudantes não separam o lixo na escola. Decide, então, promover discussões sobre sustentabilidade. Organiza, para isso, um projeto envolvendo todos os estudantes e outros professores. Eles pesquisam em sites científicos, o professor traz notícias sobre o tema. No jornal da escola, os estudantes publicam entrevistas com moradores mais antigos da comunidade, que falam como era o rio próximo da escola antes de ter sido contaminado. Os estudantes aprendem sobre reciclagem e levam panfletos para casa. Nesses panfletos produzidos por eles, há a intenção de contar aos responsáveis sobre a importância de reciclar. A pedagoga, com o apoio da equipe gestora, organiza um ciclo de minipalestras sobre esse tema. Os estudantes vão até uma usina de reciclagem para observar o processo de separação e transformação dos materiais e fazem entrevistas. Nos murais da escola, são expostas produções dos estudantes sobre as aprendizagens realizadas. Eles passam a separar lixo na escola e em casa, incentivando as famílias a fazerem o mesmo. Vídeo Didática32 Nesse exemplo, podemos observar que quando o estudante não apenas tem acesso a informações, mas de fato aprende, ele agirá conscientemente, utilizando esses saberes em seu cotidiano e provando que houve superação de um saber de senso comum, espontâneo. Dessa forma, apropria-se do conhecimento elaborado e sistematizado (científico). A tendência progressista crítico-social dos conteúdos, que se fundamenta no materialismo histórico-dialético de Marx3 (1818-1883), utiliza-se da dialética para compreensão e atuação nos processos educacionais. No método dialético (Figura 1), defendido por Saviani (2009), o professor terá os seguintes passos para concretizar, com a ressalva de que eles não seguem uma ordem, podendo o docente ir e vir pelos passos até que o estudante tenha domínio do saber científico e historicamente acumulado pela humanidade. Figura 1 – Passos do método dialético Professor mediador do processo educativo Prática social: ponto de partida Problematização Prática social: ponto de chegada Catarse Instrumentalização Fonte: Elaborada pela autora com base em Saviani, 2009. A prática social é o ponto de partida e o ponto de chegada, como no exemplo do planejamento sobre sustentabilidade. Partiu-se de um problema do contexto social e voltou-se para o mesmo contexto de maneira reelaborada. Antes não havia separação do lixo na escola e nas casas da comunidade. Após a atuação da escola, com o conhecimento científico, os saberes sobre a prática social foram ressignificados. Antes, o saber era fragmentado, os estudantes assistiam na TV a campanhas sobre sustentabilidade, mas não viam sentido em separar os materiais. Quando foram instrumentalizados com o saber científico, incorporaram na catarse esses conhecimentos, dando sentido à sua atuação sobre a realidade. Assim, quando os alunos estudam, pesquisam e interagem mediados pela escola, esses saberes fazem sentido em suas vidas e na atuação sobre a realidade. 3 Karl Marx foi um filósofo, sociólogo, jornalista e estudioso das teorias econômicas. Suas teorias versam sobre história, filosofia, economia e sociologia. Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 33 Portanto, para a tendência progressista crítico-social dos conteúdos, não há neutralidade na ação educativa, mas questionamentos e busca por uma atuação social cidadã e também crítica. Quando falamos em criticidade, isso não significa que haverá em sala de aula defesa de determinado partido político, absolutamente não. Ao trabalharmos com o método dialético, trazemos conhecimento científico ao estudante e contribuímos para que faça uma leitura crítica da realidade, instrumentalizando o estudante para atuar de forma reflexiva sobre ela. Exemplo: Um professor de 5º ano verifica que, conforme o currículo da escola, ele precisa trabalhar com o conteúdo rios. O docente observa que próximo à escola há um rio poluído. Se fosse um professor fundamentado em uma tendência liberal tecnicista, ele abriria o livro didático, em determinada página, as crianças também poderiam utilizar alguma tecnologia para memorizar o conteúdo e posteriormente seria proposto um exercício de fixação. Já um professor que embasa suas ações em tendências progressistas, como a pedagogia histórico-crítica, problematizaria a situação do rio, coletaria (com instrumentos próprios) amostras desse rio, faria a análise dessas amostras, buscaria a história do rio, como ele era antes de ser poluído, o que o levou ao atual estado e por quê. Traria textos científicos para os estudantes, incentivaria a pesquisa, poderia realizar entrevistas com antigos moradores e, em conjunto com a comunidade educativa, buscaria possíveis soluções. Nesse sentido, diferentemente de algumas tendências liberais, o professor tem um papel fundamental no processo de mediação da aprendizagem, não é o dono do saber que deposita o conhecimento sobre o estudante, como na tendência liberal tradicional, mas é aquele que faz uma ponte entre o conhecimento fragmentado e o conhecimento científico. Segundo Gasparin (2009), a tarefa do educador que organiza seu trabalho com base na pedagogia histórico-crítica é tornar o objeto do conhecimento interessante aos alunos. Para isso, o estudante precisa ser desafiado e sensibilizado, de tal forma que o conteúdo faça sentido em sua vida cotidiana, criando um clima favorável à aprendizagem. Os conteúdos não são trabalhados de forma neutra, meramente retirados de uma grade curricular, mas são relacionados à vida em sociedade. Assim, o ponto de partida é a realidade e a volta é a realidade social. Isso não quer dizer que o professor não trabalhará o currículo oficial, pois é direito dos estudantes obter esse conhecimento. O que se orienta nessa pedagogia é que o conteúdo não seja fragmentado, desvinculado da vida e sem reflexão crítica sobre a sociedade. Os conteúdos necessitam contribuir para que o estudante melhor compreenda as condições de produção da vida humana (GASPARIN, 2009). Didática34 As demais tendências progressistas também podem inspirar ações para a prática docente, pois se desejamos formar um sujeito crítico, reflexivo e atuante na vida em sociedade, buscando a superação das desigualdades, necessitamos construir pedagogias que, no cotidiano escolar, tragam esse resultado. Dessa forma, quando o professor se remete à tendência pedagógica progressista libertadora, ele tem condições de buscar a superação de uma “educação bancária”, que, conforme Freire (1996), não considera os saberes dos educandos, “depositando neles os saberes” em forma de exercícios de repetição, seguindo prescrições. O professor, em uma concepção libertadora, segundo Freire (1996), não compreende os sujeitos como seres vazios de saberes, mas será problematizador dos contextos sociais, questionando a realidade social por meio do diálogo e da análise do objeto do conhecimento. Assim, o educador se modifica enquanto educa, pois “os homens educam-se em comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1996, p. 63). A tendência progressista libertária, fundamentada em Célestin Freinet4 (1896-1966), é uma pedagogia antiautoritária, que questiona as estruturas do sistema e os mecanismos institucionais burocráticos. Segundo Luckesi (1994), a aprendizagem ocorre com o agrupamento dos estudantes em organizações como assembleias, reuniões, conselhos, grêmios estudantis etc. Embasado nessa tendência, o professor, na defesa de uma escola pública gratuita e de qualidade, poderá levar ao colegiado escolar reflexões sobre a necessidade de organizar com a comunidade educativa mecanismos em que hajaparticipação dos estudantes, possibilitando-lhes ter voz na organização e nas decisões da escola. Ao não dar ênfase às tendências libertárias, não queremos dizer que não há elementos que possam ser úteis ao trabalho docente, como na tendência liberal tecnicista, que se utiliza de técnicas e de recursos tecnológicos para subsidiar sua ação pedagógica. Essa pedagogia se utilizava desses mecanismos de forma acrítica. Porém, quando um professor tem seus pressupostos voltados à formação humana na sua integralidade, utilizará esses recursos de forma a contribuir para a construção do conhecimento científico de forma reflexiva. 2.3 Função do pedagogo nas tendências pedagógicas progressistas Conforme Becker (2003), aquele que é formador de formadores (o pedagogo ou o coordenador pedagógico) necessita romper com concepções presentes em muitas das escolas brasileiras, que ainda reproduzem métodos de ensino pelos quais esse profissional aprendeu quando ainda era estudante. 4 Célestin Freinet foi um educador francês que acreditava ser necessário transformar a escola por dentro, por meio da cooperação e da interação entre professor e estudante. Para o educador, o objetivo da educação era transformar o meio e emancipar o sujeito. Vídeo Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 35 Assim, o pedagogo necessita diagnosticar na escola em que trabalha quais as concepções que perpassam a prática docente, a fim de selecionar estratégias formativas para que os professores analisem a sua própria prática educativa e busquem superar aquelas que não levam à formação de sujeitos reflexivos, críticos, autônomos e atuantes na vida em sociedade. Becker (2003) exemplifica: ao entrar em uma sala de aula, na maioria das vezes se encontrará ali um professor à frente da turma, aguardando o silêncio para poder falar. As carteiras estarão enfileiradas, uma atrás da outra, evitando que os alunos se olhem, conversem e interajam. Se os estudantes começarem a falar, certamente o professor os repreenderá, para que ele possa retomar a palavra. “Como é essa aula? O professor fala, e o aluno escuta. O professor dita, e o aluno copia. O professor decide o que fazer e, em geral, decide o mesmo de sempre, e o aluno executa. O professor ‘ensina’, e o aluno ‘aprende’” (BECKER, 2003, p. 14). De acordo com o autor, é comum justificar que um professor realize o trabalho pedagógico dessa forma, pois aprendeu a ensinar assim. Ele ressalta que essa explicação está correta, mas vai além dela. Para o autor, o professor age de forma tradicional porque acredita que o estudante aprende por meio da transmissão. O docente se baseia em determinada epistemologia5 segundo a qual o aluno é uma tábula rasa, que não sabe nada, e somente ele – professor – lhe transmitirá o conhecimento. Outros professores justificam sua atuação pedagógica não diretiva dizendo que o estudante não aprendeu porque ainda não estava pronto, que ele precisa se despertar, amadurecer e/ou trazer à consciência o conteúdo. Essa epistemologia, presente na justificativa de professores, traz em seu bojo o apriorismo, ou seja, acredita-se que o conhecimento já pertence ao estudante, bastando a ele transitar naturalmente pelas fases de desenvolvimento. Segundo Becker (2003), para superar essas epistemologias, é preciso criticá-las, o que é possibilitado pela epistemologia relacional. Nesta, o professor age como mediador, concebe o estudante como alguém que tem algum saber e dinamiza os processos de ensino e de aprendizagem, por meio de desafios, problematizações e questionamentos. O estudante também questiona, interage com os colegas, expressa sua opinião, revê, retoma, reorganiza seus conhecimentos e, assim, avança nos processos de aprendizagem. O pedagogo, ciente dos diversos discursos e práticas educativas presentes na escola, necessita, nos momentos de planejamento (organização, ação e avaliação), levantar reflexões com os professores, a fim de que o projeto educativo da escola se consolide, construindo convergências entre o que determina o PPP e o que é realizado no cotidiano da instituição. Assim, o pedagogo tem uma função primordial de auxiliar os professores a desvelar as epistemologias do fazer educativo, pois muitos deles utilizam-se de justificativas para perpetuar sua forma de ensinar, sem se dar conta de que estão abrindo mão de sua função de mediar o processo de aprendizagem dos estudantes. 5 Conceito que explica a origem e o desenvolvimento do processo de construção do conhecimento. Didática36 Segundo Libâneo (2006), a escola da atualidade tem muitos desafios, dentre eles repensar os processos de ensino e de aprendizagem na sociedade do conhecimento. Os estudantes têm múltiplas informações, têm acesso às tecnologias digitais, porém, sem a mediação do professor, os pressupostos da tendência liberal tecnicista continuarão em voga. Assim, não basta aos professores possibilitarem o acesso a novas tecnologias, é necessário superar paradigmas que ainda vigoram em nossas escolas. Caso contrário, o professor pode incentivar os estudantes a utilizar um tablet em sala de aula, mas para as mesmas atividades de cópia de informação. O pedagogo, em uma perspectiva pedagógica progressista, assume o compromisso com o coletivo escolar de exercer sua função na organização do trabalho pedagógico, buscando garantir o alcance do conhecimento científico a todos os estudantes. Assim, se esse profissional verifica que há professores distanciados desse compromisso, sua função é encontrar estratégias para que o planejamento, bem como seus encaminhamentos em sala de aula e as inter-relações com os estudantes e com os demais profissionais da escola, estejam de acordo com o previsto na proposta pedagógica da instituição. Segundo Libâneo (2006), nada mais pode ser improvisado na escola, todas as ações precisam estar de acordo com o PPP da instituição educativa e os pressupostos ali sistematizados. Nesse sentido, todas as ações realizadas estão inter-relacionadas ao currículo escolar. Assim, se o coletivo escolar estiver fortalecido, o pedagogo não buscará de forma individualizada soluções para as tensões que ocorrem no cotidiano escolar, mas com a comunidade educativa encontrará estratégias que visem à consolidação do direito à educação. O pedagogo, enquanto intelectual comprometido com esse direito e com a construção de uma sociedade efetivamente democrática, viabilizará na escola articulações que promovam o trabalho coletivo, no qual todos os envolvidos busquem a melhoria do ambiente educacional tendo em vista a aprendizagem significativa dos estudantes. Para exemplificar essa questão, citamos uma situação vivenciada em certa escola. Exemplo: O pedagogo notou que a professora estava trabalhando conforme descrito no currículo: habitação na Grécia Antiga. A educadora, em determinado dia, usou os livros didáticos para explorar o tema, as crianças desenharam e falaram sobre o assunto. De repente, os alunos começaram a fugir desesperadamente. O motivo: viram seus móveis sendo jogados para fora de suas casas, construídas em local irregular. No dia seguinte, a professora continuaria com a matéria que foi interrompida. No entanto, refletiu-se sobre a melhor forma de possibilitar o acesso ao conhecimento histórico, sem perder de vista a realidade social dos estudantes. Assim, o planejamento foi reelaborado Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 37 de forma que o assunto habitação fosse contextualizado, relacionando ao conceito de cidadania da Grécia Antiga. Quem era o cidadão grego? Quais eram seus direitos e deveres? Quais os modos de produção da existência? E na atualidade, quem é o cidadão brasileiro? Quais são seus direitos? E seus deveres? Como o direito à habitação está previsto na Constituição brasileira? As crianças já têm cidadania ou são cidadãos do futuro? O problema habitacional não foi solucionado. No entanto, a partir do envolvimento com a temática, a pesquisa e as discussões,a aprendizagem foi significativa. A função de pedagogo traz consigo a responsabilidade de desenvolver uma visão ampla dos processos educativos, mas também minuciosa, pois diante do desafio de garantir o direito à aprendizagem a todos os estudantes, não pode eximir-se de se posicionar, de intervir, de mediar os processos reflexivos e de formação continuada dos professores, de participar das avaliações e dos planejamentos institucionais, mas sem se tornar um burocrata. Antes, o pedagogo deve ser aquele intelectual que, mais do que relacionar teoria e prática educacional, busca coletivamente efetivar o movimento dialético da práxis educativa. Considerações finais Ao refletirmos sobre a função social da escola de garantir o direito à aprendizagem e ao nos posicionarmos na defesa dos pressupostos democráticos como condição para o trabalho pedagógico, objetivando a formação integral dos estudantes, precisamos nos remeter aos pressupostos das tendências pedagógicas progressistas, pois são elas que nos fundamentam para sermos profissionais crítico-reflexivos e assim buscarmos uma prática pedagógica que esteja em consonância com o PPP da escola em que atuamos. As formas como o trabalho pedagógico na escola é organizado e colocado em ação pelos diferentes profissionais que lá atuam (professores, pedagogos, coordenadores pedagógicos, diretores, entre outros) são fundamentadas em tendências pedagógicas, mesmo que esses profissionais não se posicionem ou se digam neutros. Dessa maneira, explícita ou implicitamente, há concepções pedagógicas que balizam o trabalho educativo e, quando há o discurso da neutralidade, o profissional constrói o seu fazer pedagógico sob o pressuposto das tendências pedagógicas liberais, que não assumem, segundo Libâneo (2006), um compromisso com a transformação da sociedade, defendendo apenas a adaptação dos indivíduos a ela. Assim, se desejamos formar para a autonomia, para a reflexão e para a busca de uma sociedade mais igualitária, necessitamos nos debruçar sobre as tendências pedagógicas e rever continuamente a nossa prática educativa à luz das teorias. Didática38 Ampliando seus conhecimentos • VIDA Maria. Direção de Joelma Ramos e Márcio Ramos. Produção de Márcio Ramos. Roteiro: Márcio Ramos. Ceará, 2006. (9 min.). Disponível em : https://www.youtube. com/watch?v=yFpoG_htum4. Acesso em: 30 abr. 2019. O curta-metragem lançado em 2006 mostra a rotina de Maria, uma criança que se diverte aprendendo a escrever seu nome. Sua mãe, porém, a repreende e a obriga a realizar trabalhos domésticos. Maria cresce, se casa e tem uma filha, que também quer aprender a escrever. Este vídeo demonstra o grande desafio que a sociedade tem em ofertar escola para todos. • SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 2009. Neste livro, o professor Dermeval Saviani discute as teorias pedagógicas com base na criticidade, dividindo-as em teorias críticas e não críticas. As teorias não críticas têm como pressuposto que o papel da escola é reproduzir a sociedade e formar os cidadãos para ocupar papéis predefinidos. Já as teorias críticas trazem em seu bojo a visão de que a escola tem o papel fundamental de instrumentalizar os estudantes com conhecimentos científicos, que são contextualizados, não neutros e trazem saberes para lhes permitir problematizar, compreender e atuar de forma crítica na sociedade em que vivem. Atividades 1. Para Saviani (2009), a práxis educativa não apenas deve relacionar teoria e prática, mas é a atividade humana que transforma a sociedade. Como o professor que busca fundamentar suas ações nessa perspectiva pode organizar seu planejamento? 2. Quais as diferenças entre as tendências pedagógicas liberais e as tendências renovadas progressistas? 3. Destaque pontos essenciais do trabalho do pedagogo que têm como fundamento as pedagogias relacionadas à tendência renovada progressista. Referências BECKER, Fernando. Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos. In: BECKER, Fernando. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2003. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 22 mar. 2019. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. São Paulo: Autores Associados, 2009. https://www.youtube.com/watch?v=yFpoG_htum4 https://www.youtube.com/watch?v=yFpoG_htum4 Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 39 LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1992. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2006. LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. São Paulo: Heccus, 2013. LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994. PERES, Claudio Afonso; SILVA, João Carlos. Educação e liberalismo: O público e o privado no ensino superior em questão. Revista HISTEDBR On-line: Unicamp, 2006. Disponível em: http://www.histedbr. fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario7/TRABALHOS/C/Claudio%20afonso%20peres.pdf. Acesso em: 23 mar. 2019. PILETTI, Claudino. Didática geral. São Paulo: Ática, 2004. SAVIANI, Dermeval. Sobre a natureza e a especificidade da educação. Germinal: marxismo e educação em debate, Salvador, v. 7, n. 1, p. 286-293, jun. 2015. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/ revistagerminal/article/view/13575. Acesso em: 22 mar. 2019. SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 2009. VALLE, Ione; RUSCHEL, Valle Elizete. Política educacional brasileira e catarinense (1934-1996): uma inspiração meritocrática. Revista Eletrónica de Investigación y Docência, v. 3, p. 73-92, 2010. Disponível em: https://revistaselectronicas.ujaen.es/index.php/reid/article/viewFile/1162/984. Acesso em: 23 mar. 2019. 3 Planejar para quem? Neste capítulo, discutiremos a necessidade do planejamento, considerando os saberes a serem ensinados, sem perder de vista o sujeito da aprendizagem. Falaremos da importância de sistematizar e também registrar antecipadamente o que será realizado em sala de aula, pois esse registro é um instrumento de trabalho do professor. Do mesmo modo, a dialogicidade, a interação, a problematização e a empatia configuram-se como aliados do docente, tendo em vista a superação de um ensino transmissivo e autoritário. Também discutiremos a importância de um planejamento cujo objetivo seja que todos aprendam e que preveja uma avaliação, de forma processual e diagnóstica, para verificar quando algum estudante não avançou no processo de construção do conhecimento. Nesse caso, é necessário que o professor retome, reveja, se autoavalie e proponha atividades diferenciadas para que o direito à aprendizagem seja consolidado. 3.1 O sujeito da aprendizagem Planejamos quando antecipamos mentalmente nossas ações cotidianas, fazemos escolhas, redimensionamos e confirmamos as trajetórias a partir das decisões tomadas. O planejar está presente em várias esferas da vida em sociedade, pois é um processo de racionalização do que será feito, permitindo organização, otimização do tempo, articulação entre diferentes pessoas com vistas à consolidação dos objetivos delineados. Assim, conforme Vasconcellos (2011), planejar não é apenas algo que se realiza antes de agir, é também realizar a ação de acordo com o que se pensou. Podemos afirmar que planejar é próprio do ser humano na busca por melhores possibilidades na concretização de uma ação. No que tange à educação formal no espaço escolar, o planejamento não pode ocorrer de forma intuitiva, pois diante da função social de garantir o direito à aprendizagem a todos os estudantes, existem o compromisso e a obrigação de que os profissionais da escola realizem suas ações educativas mediante o uso de registrosformais de sistematização dos encaminhamentos didáticos. Ao registrar o planejamento, o professor sistematiza os objetivos educacionais a serem atingidos com os estudantes, antevê o tempo destinado para que as estratégias pedagógicas sejam desenvolvidas, como também os recursos, os espaços, os critérios de avaliação da aprendizagem e os seus instrumentos de verificação. Segundo Vasconcellos (2011), o planejamento educativo deve ser compreendido como um instrumento de trabalho do professor, pois lhe possibilita uma atuação reflexiva sobre a sua própria prática, a autoavaliação e, consequentemente, o replanejamento. Vídeo Didática42 Nesse viés, não se trata de preencher um formulário e entregá-lo a determinado profissional da escola, ao contrário, o planejamento é de uso efetivo de quem o pensou, organizou e registrou. Segundo Gesser (2011), é instrumento teórico-metodológico de intervenção e mudança, pois não basta organizá-lo, é necessário colocá-lo em ação. Podemos afirmar que no planejamento feito pelo professor há três momentos que se inter- relacionam, como se verifica na Figura 1 a seguir. Figura 1 – Momentos do planejamento Avaliação Elaboração Concretização Fonte: Elaborada pela autora com base em Libâneo, 2013. Observa-se que o planejamento deve ser dinâmico. Se o professor avaliar que sua organização pedagógica não está atingindo os objetivos propostos, terá de redimensionar o trabalho. Portanto, não se avalia apenas a aprendizagem do estudante, mas sobretudo o ensino realizado pelo professor. O processo de autoavaliação é, pois, fundamental para que os objetivos educacionais propostos sejam concretizados. Um dos elementos essenciais para a concretização dos objetivos educacionais propostos no planejamento é a efetivação de atividades significativas aos estudantes, que promovam reflexão e desafios considerando a heterogeneidade da turma. Em cada turma há estudantes que aprendem em ritmos e de formas diferenciadas, cabendo à escola organizar tempos e espaços que contemplem todos, uma vez que todos são capazes de aprender. Isso não significa que o professor deva fazer um planejamento para cada estudante. Precisa, porém, considerar cada um deles e suas diferentes formas de aprender. As pessoas são únicas e, mesmo que fosse possível criar de forma artificial uma turma com conhecimentos semelhantes e, portanto, homogênea, pouco tempo depois as diferenças apareceriam: é inevitável encontrarmos heterogeneidade nos níveis de conhecimento dos estudantes, não só no primeiro ciclo, como em todas as etapas da escolarização. Exatamente porque as pessoas humanas são únicas, mesmo que criássemos, artificialmente, uma turma de alfabetizandos começando o ano letivo com níveis de conhecimento muito semelhantes (no que diz respeito à língua escrita e à sua notação), pouco tempo depois iríamos nos defrontar com a visível diferenciação nos conhecimentos agregados por aqueles estudantes, na mesma área de linguagem. (CURITIBA, 2018, p. 7) Planejar para quem? 43 Sabemos que realizar adequações no planejamento é um desafio, mas se defendemos uma escola que forme para a democracia, não exclua, acolha, cumpra com sua função social, precisamos encontrar encaminhamentos didático-pedagógicos que se coadunem às nossas convicções. Utilizar atividades diferenciadas e diversificadas é um meio de consolidar esses objetivos. Em atividades diversificadas, o professor busca diferentes estratégias para ensinar o mesmo conteúdo a todos os estudantes. Utiliza jogos, materiais didáticos diversos, brincadeiras, leituras de textos (individuais e coletivas), desafios, entre inúmeras outras possibilidades, tornando o assunto interessante e considerando as diferentes formas de aprender dos estudantes (HOFFMANN, 2005). Em atividades diferenciadas, o professor verifica que determinado estudante não consolidou a aprendizagem em certo conteúdo. Considerando os pressupostos legais e baseando-se em uma concepção de ensino e de aprendizagem segundo a qual todos são capazes de aprender, organiza, então, uma proposta de trabalho específica para esse estudante, de modo que ele seja contemplado em suas necessidades de aprendizagem. É a individualização de encaminhamentos metodológicos. Também com respeito àquele aluno que já consolidou seus conhecimentos em determinado conteúdo, o professor necessita diagnosticar em que momento da aprendizagem ele está, para propor novos desafios e problematizações de modo que ele possa continuar avançando (HOFFMANN, 2005). O Quadro 1, a seguir, apresenta as diferenças entre as atividades diversificadas e as atividades diferenciadas. Quadro 1 – Atividades diversificadas e diferenciadas Atividades diversificadas Atividades diferenciadas Estratégias diversificadas utilizadas pelo professor para contemplar uma turma em relação à apresentação e ao aprofundamento do conteúdo. Organização de um grupo de estudantes com o mesmo nível de conhecimento. Atividades que, de diferentes maneiras, abordam o mesmo conteúdo. O professor personaliza um jogo para os estudantes para atender a necessidades específicas. Atividades organizadas tendo em vista as necessidades de cada um dos estudantes. Fonte: Elaborado pela autora com base em Hoffmann, 2005. O professor, diante do currículo oficial (prescrito), dos documentos legais e do PPP da unidade educativa, que embasam o trabalho na escola, deve organizar seu planejamento de ensino e de aula, considerando quem são os estudantes e seus interesses. Assim, o trabalho escolar garante a aprendizagem dos conhecimentos sistematizados (científicos, históricos e culturais) a que os alunos têm direito, sem deixar de ser sensível aos sujeitos da aprendizagem. Nesse sentido, é inconcebível que o professor, enquanto mediador dos processos de ensino e de aprendizagem, não planeje seu trabalho considerando seus estudantes, levando em conta seus saberes, suas experiências e a sua pluralidade cultural, com vistas à ampliação e à sistematização do conhecimento científico a que têm direito. Didática44 Como vimos nos capítulos anteriores, ao tratar da história da didática e das tendências pedagógicas, observamos que não há neutralidade no fazer pedagógico. Dessa forma, se temos uma concepção humanista de educação e, portanto, de formação humana, a qual defende a integralidade do sujeito, ao organizar um planejamento precisamos considerar tais questões. Nessa concepção, a escola buscará formar o sujeito não apenas na dimensão cognitiva, mas também nas dimensões afetiva, físico-motora, ética, social, lúdica, estética, entre outras, conforme apresentado na Figura 2. Figura 2 – Dimensões de um sujeito integral Sujeito integral Dimensão cognitiva Dimensão social Dimensão afetiva Dimensão ética Dimensão estética Dimensão lúdica Fonte: Elaborada pela autora com base em Moll, 2013. Perceba, na Figura 2, que as diferentes dimensões a serem desenvolvidas no espaço escolar com o sujeito de aprendizagem não são fragmentadas, mas se integram. A esse respeito, Moll (2013) ressalta a necessidade de a escola reconectar o seu tempo organizacional aos tempos de aprendizagem e aos tempos de vida do estudante, possibilitando que estes sejam organizados em função do processo de aprendizagem dos estudantes. Dizer que a escola deve respeitar os tempos de vida, expressão também utilizada por Arroyo (2009), significa que ela deve prever os sujeitos da aprendizagem, sua fase de desenvolvimento, suas vivências, sua cultura e sua história de vida. Durante o planejamento, ao considerar os tempos de vida, a criança não será tratada como um adulto em miniatura ou um “vir a ser”. No tempo em que está vivendo, ela já é uma cidadã e tem direito a ter vez e voz no espaço educacional. Planejar para quem? 45 Para a criança, o seu tempo vivido não é fragmentado em grades horárias e o conhecimento dividido em aulas de cinquenta minutos não lhe faz sentido. Assim, se a escola busca formar para a integralidadedo sujeito, necessita buscar planejamentos em que a curiosidade, a imaginação, o desafio, a criatividade e o diálogo sejam suas premissas. Esse tempo continuum é o tempo relacionado à vida dos estudantes, em que não há a preocupação em vencer os conteúdos previstos para determinados períodos ou com o número de componentes curriculares a serem aprendidos. Nesse sentido, Moll (2013) ressalta a importância de aproximar o tempo do relógio, dos cronogramas e dos calendários escolares aos tempos de vida dos estudantes, pois a escola precisa cumprir esse tempo institucional – regido culturalmente pela sociedade e pela legislação –, mas não pode perder de vista sua finalidade e o público a que se destina. Para colocar essa concepção em prática no cotidiano escolar, é preciso: • considerar quem são os estudantes para os quais ensinamos; • elaborar planejamentos que considerem os diferentes tempos de aprendizagem; • contextualizar os conhecimentos a serem ensinados, de forma que os estudantes se sintam desafiados a aprender; • planejar atividades diferenciadas e diversificadas; • avaliar o planejamento e, se necessário, replanejar; • considerar os espaços educativos como elementos curriculares a serem planejados e mediados na organização do planejamento; • observar os estudantes e com eles dialogar, não se posicionando de forma autoritária. Outras ações podem ser sugeridas a fim de efetivar uma proposta que escute e observe quem são os sujeitos da educação. É essa reflexão que traremos a você na próxima seção, na qual trataremos dos desafios do professor na construção do conhecimento com os estudantes. 3.2 Os desafios na construção do conhecimento Como já destacamos anteriormente, não basta ao professor registrar o que pretende realizar com seus estudantes para que avancem nos processos de aprendizagem. É necessário que coloque em prática o que registrou, avalie seu planejamento continuamente e, se preciso, realimente, reorganize e retome suas proposições. O professor comprometido com concepções progressistas de educação é engajado na luta contra o fracasso escolar. Ao organizar seu trabalho pedagógico e colocá-lo em prática, terá uma postura acolhedora com todos os estudantes, independentemente de sua origem social, etnia ou gênero. A didática, segundo Candau e Koff (2015), sempre interagiu com os contextos históricos e com as diferentes teorias que buscavam explicar como as crianças aprendem e como o professor deve ensinar. Em nosso país, principalmente após a reabertura democrática, nos anos 1980, desenvolveu-se uma perspectiva crítica em defesa do direito à educação. Vídeo Didática46 De acordo com Ferreira e Souza (2018), do jornal O Globo, houve uma queda no número de matrículas no ensino fundamental, que, segundo os estatísticos do Ministério de Educação e Cultura (MEC) entrevistados, é explicada pela mudança no perfil demográfico da população, ou seja, há menos estudantes ingressando na etapa. Para o MEC, o ensino fundamental está universalizado em 99%, o que traz à educação brasileira outros desafios: o direito à matrícula está quase consolidado, necessitamos conquistar a efetivação do direito à aprendizagem. Ao pensarmos na qualidade dos processos de ensino ofertados a esses estudantes, ainda temos muito a conquistar em nosso país. Nós, educadores, precisamos compreender que a escola da nossa infância, com suas concepções, metodologias e formas de ensino fundamentadas em pressupostos tradicionais, em que o controle, a disciplina, o silêncio e o exercício de repetição e de memorização eram imperativos já não mais funciona. Conforme Arroyo (2009), é necessário quebrar a imagem que temos da infância e de nossa postura profissional, pois muitas vezes repetimos uma imagem romantizada da docência: somos aqueles que regam a plantinha do conhecimento ou que moldam as massinhas em transformação. Os estudantes seriam as plantinhas, sensíveis, quietinhas e prontas para serem cuidadas. Essa imagem, segundo o autor, não mais define a infância nem a adolescência. Diante desses conflitos, para Arroyo (2009) há um mal-estar fecundo, pois, ao enfrentá- -los, podem-se construir novas configurações para docentes e discentes: estudantes reais, com seus tempos de vida, com suas vivências e com suas culturas. Sim, os estudantes têm cultura! E elas são múltiplas! Relatamos, a seguir, uma experiência com formação continuada de professores. Exemplo: Recebemos um convite para falar a docentes sobre indisciplina na escola. A queixa era de que os estudantes não prestavam atenção, não faziam tarefas e não se comportavam. Refletimos com os profissionais sobre o PPP da escola, levantando questões relativas a planejamento, currículo e avaliação. No início, indignação: “Como assim? Não há fórmulas mágicas nem receitas de contenção de estudantes?” Esperavam um milagre, uma apostila, o que não houve. Precisamos olhar para a realidade, realizar diagnósticos sobre a comunidade local e a comunidade educativa, traçar objetivos, metas, questionando-nos: qual a nossa função diante desse diagnóstico? O planejamento se faz após uma avaliação diagnóstica. A indignação deu lugar à reflexão sobre os tempos e os espaços organizados e mediados para aprendizagem. O saldo final foi positivo: após a discussão coletiva, compreendeu-se que cabe à escola oferecer estratégias organizacionais sem fundamentar-se em pedagogias tradicionais: silêncio, atividades repetitivas, contenção e culpabilização dos estudantes. Planejar para quem? 47 Conforme Arroyo (2009), é necessário trazer os estudantes para o centro do nosso olhar e superar a imagem de alguém que está pronto a obedecer, dócil e que se não fizer a atividade estará pronto a aguardar uma punição. Se o professor ainda tiver essa concepção, os conflitos em sala de aula serão maiores. O estudante da atualidade já não aceita mais um professor disciplinador, autoritário e que exige silêncio absoluto. O silêncio, em uma perspectiva progressista, ocorrerá de acordo com as propostas do professor: haverá os momentos de pesquisa, que vão exigir silêncio, e os momentos de trabalho em grupo, quando ocorrerá diálogo e movimento do estudante. Como podemos superar esse imaginário e cumprir nossa função diante do desafio de garantir o direito à aprendizagem? Arroyo (2009) ressalta que há escolas que vêm encontrando possibilidades variadas de se aproximar de imagens mais reais de quem sejam seus alunos: oficinas, dias de encontro, comunidade na escola, entre outras. O importante é mudar o olhar, pois só assim a didática muda também. Hoje, conforme Libâneo (2013), é necessário que os professores eduquem para o diálogo e para a democracia, considerando a heterogeneidade das turmas e possibilitando encaminhamentos didático-pedagógicos que privilegiem as diferenças entre os estudantes e suas múltiplas culturas e formas de aprender. Luckesi (1994) discute a função do professor na práxis pedagógica. Para o autor, ele é o mediador entre a cultura elaborada pela humanidade (saber científico) e o estudante (que tem saberes também). O docente deve, então, ser capacitado a compreender sua própria realidade, a sociedade em que vive, suas contradições e injustiças e suas possibilidades de transformação. Ainda segundo Luckesi (1994), além de dominar os conhecimentos científicos a serem ensinados aos estudantes, o professor necessita ter compromisso político, caso contrário, ao realizar os encaminhamentos metodológicos, ele se limitará a reproduzir o conhecimento já posto sem relacioná-lo aos contextos históricos e sociais. Assim, o professor tem o desafio de buscar permanentemente a competência teórica e a competência técnica. Cabe, ainda, destacar a importância da mediação do professor, fundamentada na teoria de Vygotsky (1991), conforme esquematizado na Figura 3. Figura 3 – Importância da mediação do professor Zona de desenvolvimento real Zona de desenvolvimento potencial Zona de desenvolvimento proximalZDR ZDP Mediação Fonte: Elaborada pela autora com base em Vygotsky, 1991. Didática48 O professor mediador atua na zona de desenvolvimento proximal, que é a distância entre a zona de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento potencial. Ao mediar, lançando desafios, problematizações, auxiliando o estudante a avançar no processo de consolidação das aprendizagens, o professor contribui para que o estudante tenha autonomia e desenvolva suas potencialidades. Esse processo de aprendizagem no espaço escolar é permanente e sistemático, pois conforme o estudante consolida aprendizagens e desenvolve-se, o professor organiza outras mediações para que o estudante avance de maneira sucessiva. • Zona de desenvolvimento real: o estudante realiza sozinho. • Zona de desenvolvimento proximal: o professor atua a fim de consolidar aprendizagens. • Zona de desenvolvimento potencial: o estudante realiza, com a mediação do professor, aquilo que não conseguiria realizar sozinho. É uma perspectiva das aprendizagens que se consolidarão no futuro. Para o teórico, a aprendizagem começa muito antes de a criança frequentar a escola. Logo, quando o professor planeja algo a ser trabalhado, esse saber já tem uma história prévia. Vygotsky (1991) explica que o professor, ao ensinar as operações matemáticas, muitas vezes não considera que a criança teve experiências com elas sem que houvesse uma sistematização: ao brincar com os colegas ou ao realizar uma compra com a família, por exemplo. O professor realizará intervenções para que o estudante ultrapasse o conhecimento vivencial de senso comum, rumo a um saber científico. Outro ponto relevante da teoria de Vygotsky (1991) refere-se à função da escola. Segundo ele, um ensino direcionado para o que a criança já sabe é ineficaz, pois não a faz avançar. Assim, um bom ensino se adianta ao desenvolvimento, uma vez que a aprendizagem gera desenvolvimento. Cabe ao professor organizar situações estratégicas para que o estudante se desenvolva continuamente. 3.3 O papel do professor na gestão de sala de aula A gestão de sala de aula pressupõe que o docente organize seu trabalho fundamentando-se no PPP da escola, que prevê concepções de ensino e de aprendizagem a serem colocadas em prática por meio das intervenções do docente. Este, comprometido com a visão de sujeito que deseja formar, planeja seu trabalho em prol da emancipação, da autonomia, da reflexão sobre a prática educativa e da contextualização do conhecimento a ser ensinado. Assim, estabelece pontes entre os saberes advindos da cultura local dos estudantes e o saber socialmente elaborado, cumprindo sua função social de mediador no processo de ensino e de aprendizagem. Ao pautar o trabalho pedagógico em Freire (1996), para quem ensinar não é transferir o conhecimento, mas criar condições para a aprendizagem, o professor planejará um ambiente educativo em que o diálogo esteja presente, considerando quem são os estudantes e o conhecimento a ser ensinado a eles. Vídeo Planejar para quem? 49 Dessa forma, quando não há avanço no processo de construção do conhecimento por algum estudante, reorganiza-se o trabalho pedagógico. Assim, avaliação e planejamento são correlacionados. Planeja-se e, caso não haja aprendizagem, o que é verificado na avaliação, replaneja-se, pois o objetivo é garantir o direito de aprender. Nessa perspectiva, o professor será aquele que, diante do objeto do conhecimento, instiga o estudante para que possa ter curiosidade, ao mesmo tempo que respeita os saberes que ele trouxe de suas vivências. Exemplo: O professor verifica que na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) os estudantes de 2º ano devem estar alfabetizados. Diante dessa determinação do documento, o docente organiza um ambiente educativo propício à alfabetização e ao letramento. Assim, realiza avaliações diagnósticas para verificar quem ainda não consolidou as aprendizagens necessárias para o ano em curso e organiza estratégias a fim de que todos continuem avançando no processo de apropriação da leitura e da escrita. Realizando essas ações técnico-pedagógicas, o professor também não pode deixar de lado o vínculo com seus estudantes, a alegria da convivência, da descoberta e da dialogicidade, apregoada por Freire (1996). Na gestão de sala de aula em que há esse vínculo professor-aluno, os saberes advindos dos estudantes serão considerados. Vasconcellos (2011) também chama atenção para a necessidade de o professor criar vínculos com os estudantes, tendo em vista que o processo de ensino-aprendizagem é um encontro que gera crescimento para ambos, já que ao ensinar, o professor também aprende. Empático e sensível à realidade dos estudantes, o docente buscará colocar em prática um currículo emancipador. Sem essa postura, o professor tenderá a agir de forma autoritária e atribuirá a não aprendizagem dos estudantes à falta de atenção, a problemas de saúde, à estrutura familiar, entre outras explicações de senso comum que desconsideram o sujeito. Na Figura 4, a seguir, podemos observar diferenças entre professores autoritários e professores com autoridade pedagógica. Figura 4 – Autoritarismo x Autoridade do professor × Sto kk et e/ Sh ut te rs to ck w av eb re ak m ed ia /S hu tte rs to ck Fonte: Elaborada pela autora. Didática50 Ao observarmos a Figura 4, podemos nos remeter à nossa história como estudantes, com certeza tivemos as duas experiências. O professor à esquerda representa docentes autoritários, que não aceitam a opinião dos estudantes, não admitem erros, procuram meios de justificar a reprovação dos estudantes e não suas aprendizagens. À direita, vemos um professor que tem autoridade pedagógica sobre o conhecimento a ser ensinado, como também sobre a turma. Vê o erro como uma oportunidade para retomar o conteúdo, reavaliar sua metodologia e explicitar os avanços dos estudantes. Quando decidimos ser professores, precisamos ser guiados por exemplos inspiradores, além do conhecimento teórico e prático a ser conquistado nessa trajetória. Ensinar, portanto, não é uma questão de dom ou de levar jeito. Ensinar, segundo Freire (1996), exige rigorosidade metódica, ou seja, há necessidade de organizar o ensino, de maneira que o estudante se sinta instigado a saber mais, a questionar, a comparar, a superar seus conhecimentos advindos de outros grupos sociais. Para o autor, ensinar não pode se distanciar da pesquisa, pois como aguçar a curiosidade dos estudantes para que procurem outras formas de chegar à mesma resposta se o professor também não exercer a “curiosidade epistemológica” (FREIRE, 1996)? É a superação da visão ingênua sobre o conhecimento, a sociedade, o ensino e a aprendizagem. Schön (1992) definiu princípios fundamentais para que os profissionais desenvolvam uma prática reflexiva sobre o seu trabalho, trazendo-nos elementos para discutirmos a formação continuada de um professor pesquisador e, portanto, reflexivo. Vejamos esses princípios na Figura 5 a seguir. Figura 5 – Princípios fundamentais para um professor pesquisador reflexivo Conhecimento na ação Reflexão sobre a reflexão na ação Reflexão na ação Professor pesquisador e reflexivo Fonte: Elaborada pela autora com base em Schön, 1992. Nesse viés proposto por Schön, o professor necessita gerir a sala de aula com conhecimento sobre a ação pedagógica, assim como deve ter conhecimento da especificidade do componente curricular a ser ensinado. Para alfabetizar os estudantes, além de conhecer teorias sobre alfabetização e letramento, necessita saber como colocar esses saberes em prática, construindo um ambiente alfabetizador propício à aprendizagem e considerando aquilo que os alunos já sabem. Planejar para quem? 51 No momento em que está colocando em prática seu planejamento, o professor necessita buscar na interação com os estudantes encontrar a melhor maneira de se comunicar com eles, de interagir e de propor encaminhamentos, a fim de queaprendam. Ao refletir na ação, o professor se analisa, avaliando se a forma como propôs os encaminhamentos didático-pedagógicos foi a mais adequada ou se poderiam ser diferentes, com outras configurações. Finalmente, ao refletir sobre a reflexão na ação, o professor se distancia do seu próprio fazer pedagógico, analisando se poderia ter pensado de outra forma, se não há outros elementos da prática ou da teoria que possam ser revistos, retomados ou reorganizados. Considerações finais O professor, quando pautado por concepções progressistas em educação, não apenas organiza seu planejamento, com propostas desafiadoras e problematizadoras, mas interage com os estudantes de modo que a dialogicidade esteja presente em todos os seus encaminhamentos. Interagindo com os estudantes, reconhece-os como sujeitos da aprendizagem, que não apenas assimilam o conhecimento, mas o transformam e o relacionam à vida em sociedade. Para propiciar essa ação sobre o objeto do conhecimento, o professor necessita pautar-se em ações reflexivas, que, segundo Schön (1992), ocorrem em três momentos: conhecimento na ação, reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação, permitindo ao docente uma gestão de sala de aula que ultrapasse o fazer técnico. Ampliando seus conhecimentos • HOFFMANN, Jussara. Avaliação: mito e desafio – uma perspectiva construtivista. Porto Alegre: Mediação, 2003. É o primeiro livro escrito por Hoffmann e traz discussões sobre a importância de uma avaliação dialógica em que o professor também se avalia ao longo do processo de ensino. Traz questionamentos para a reflexão do professor, tais como: o professor tem refletido sobre as atividades realizadas pelos alunos? Como utiliza essas reflexões em prol das aprendizagens dos estudantes? Ao planejar, considera-se a avaliação da aprendizagem e sua autoavaliação? Essas e outras reflexões que envolvem a concepção de avaliação mediadora defendida pela autora, trazem ao leitor a perspectiva de que a avaliação deve ocorrer em função da aprendizagem e não da exclusão. • MOLL, Jaqueline (org.). Os tempos da vida nos tempos da escola: construindo possibilidades. Porto Alegre: Penso, 2013. Este livro, organizado por Jaqueline Moll, propõe-se a debater e refletir sobre possibilidades de se considerar os tempos de vida dos estudantes na organização pedagógica da escola. A obra reúne a produção de diferentes educadores que investigaram possíveis caminhos a serem trilhados, tendo em vista a consolidação da educação integral no país. Didática52 • ALIKE. 2017. 1 vídeo (8 min). Publicado pelo canal MindEduca. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=UATPH44jRSw. Acesso em: 7 maio 2019. O filme retrata a necessária sensibilidade e interação para educar uma criança. Paste, um menino alegre que gosta de desenhar e de ouvir música, quer mostrar ao pai Copi o que aprende e o que faz. Porém, o pai, envolvido nas obrigações no dia a dia, preocupa- -se em fazer o filho seguir regras, sem interação e sem reflexão, o que torna Paste uma criança triste. Atividades 1. Como o professor pode organizar seu planejamento pautando-se na teoria da zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky? 2. Por meio dos aprendizados adquiridos com a leitura deste capítulo, contra-argumente a seguinte afirmação: “leva jeito para ensinar, nasceu com o dom!” 3. Compare atividades diferenciadas e atividades diversificadas. Referências ARROYO, Miguel G. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis: Vozes, 2009. CANDAU, Vera Maria Ferrão; KOFF, Adélia Maria Nehme Simão. A didática hoje: reinventado caminhos. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 40, n. 2, p. 329-348, abr./jun. 2015. Disponível em: http://www.scielo. br/pdf/edreal/v40n2/2175-6236-edreal-46058.pdf. Acesso em 1 maio 2019. CURITIBA. Secretaria Municipal de Educação. Integrando saberes: aproximação entre Língua Portuguesa e Matemática. Curitiba: SME, 2018. FERREIRA, Paula; SOUZA, André. Censo escolar 2017: cai o número de matrículas da educação básica. O Globo, 31 jan. 2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/censo-escolar-2017- cai-numero-de-matriculas-na-educacao-basica-22347576. Acesso em: 29 mar. 2019. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GESSER, Verônica. O planejamento educacional: da gênese histórico-filosófica aos pressupostos da prática. Curitiba: CRV, 2011. HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre: Mediação, 2005. LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. São Paulo: Heccus, 2013. LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994. MOLL, Jaqueline (org.). Os tempos da vida nos tempos da escola. In: MOLL, Jaqueline. Os tempos da vida nos tempos da escola: construindo possibilidades. Porto Alegre: Penso, 2013. SCHÖN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, António. (org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. VASCONCELLOS, Celso dos S. Currículo: a atividade humana como princípio educativo. São Paulo: Libertad, 2011. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. http://www.scielo.br/pdf/edreal/v40n2/2175-6236-edreal-46058.pdf http://www.scielo.br/pdf/edreal/v40n2/2175-6236-edreal-46058.pdf 4 Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização do planejamento Neste capítulo, primeiramente situaremos as três dimensões ou níveis de avaliação educacional: avaliação de sistema ou de larga escala, avaliação institucional e avaliação da aprendizagem, explicitando a inter-relação entre elas e suas especificidades. Em seguida, abordaremos as características da avaliação da aprendizagem em uma perspectiva emancipatória e democrática, o que permite ao professor realizar mediações tendo em vista a consolidação das aprendizagens. Com base na avaliação que considera o estudante como sujeito histórico e que, portanto, chega com conhecimentos prévios sobre os saberes científicos trabalhados na escola, refletiremos sobre a importância de o professor mediador organizar seu planejamento diante de propostas avaliativas diagnósticas e formativas. Nesse sentido, o professor precisa planejar a avaliação da aprendizagem e decidir quais instrumentos de verificação utilizará para analisar os avanços dos estudantes, bem como suas dificuldades, tendo em vista a retomada de seus encaminhamentos e a premissa de que todos são capazes de aprender. 4.1 Avaliação e planejamento ou planejamento e avaliação? A avaliação, de acordo com Freitas et al. (2009), sempre impacta as pessoas, pois, independentemente dos espaços sociais em que ocorram e da intencionalidade, podem gerar mudanças positivas, qualificação ou exclusão e julgamento. Em uma perspectiva emancipatória, a avaliação e o planejamento têm uma relação intrínseca, pois, ao realizar uma avaliação diagnóstica, o planejamento ocorrerá, tendo em vista a efetivação de ambientes educativos em prol do direito à aprendizagem. Colocado em prática, esse planejamento será avaliado, a fim de ser realimentado, revisto e redimensionado. Dessa forma, avalia-se não apenas o estudante, mas também os processos de ensino. Portanto, a avaliação educacional, segundo Freitas et al. (2009), ocorre em três níveis ou dimensões: avaliação em larga escala ou de sistema, avaliação institucional e avaliação da aprendizagem. Os três níveis convergem, mas cada um mantém sua especificidade. Enquanto a avaliação de sistema ou de larga escala opera em nível macro, a avaliação institucional e a avaliação da aprendizagem ocorrem dentro do espaço escolar. Leia, a seguir, a explicação de cada nível de avaliação educacional, fundamentada em Freitas et al. (2009). Vídeo Didática54 • Avaliação de sistema ou de larga escala: avalia os processos de ensino de forma macro, o que permite a reorientação ou o planejamento de políticas públicas.É instrumento global de avaliação das redes de ensino e, segundo Freitas et al. (2009), possibilita verificar tendências ao longo do tempo. Quando utilizada de maneira não classificatória ou excludente, permite ao Estado análises diagnósticas sobre a qualidade do trabalho educativo e do investimento público para melhoria dos processos educacionais. • Avaliação institucional: deve estar pautada no modo como o Projeto Político Pedagógico coloca em ação a sua concepção de ensino, de aprendizagem, de avaliação, de gestão democrática, de ambiente educativo, entre outros elementos essenciais do trabalho educativo, tendo em vista a consolidação das aprendizagens. Assim, a comunidade escolar (professores, pedagogos, funcionários, famílias e estudantes) avalia a organização do trabalho pedagógico realizado pela escola, discutindo e articulando os elementos avaliados a um diagnóstico da unidade educativa, o qual possibilita gerar um plano de ação coletivo em que se estabelecerão responsabilidades, objetivos, estratégias, recursos, tempos e espaços para melhoria do trabalho educacional. • Avaliação da aprendizagem: é organizada pelo professor com vistas a verificar como os estudantes estão aprendendo o que lhes é ensinado. Nesse nível, o docente deve também realizar uma autoavaliação, pois, ao analisar sua turma e o percurso de aprendizagem de cada estudante, pode verificar a necessidade de replanejamento do ensino. Segundo Luckesi (2018), a avaliação da aprendizagem não pode mais ser a tirana, se desenvolvida em uma perspectiva acolhedora, trará dados para os profissionais da escola reorganizarem o trabalho pedagógico. Se o estudante não aprendeu, avalia-se também o ensino, as estratégias, os encaminhamentos e a organização do ambiente educativo, a fim de retomar o planejamento e as ações dele decorrentes. O autor destaca a diferença entre avaliação e verificação. Enquanto a avaliação direciona-se para o futuro, para a mediação do professor e com vistas à aprendizagem, na verificação há apenas constatação de como o estudante está naquele determinado momento. Um dos equívocos mais comuns no processo de ensino e de aprendizagem é deixar a avaliação apenas para o final de um conteúdo trabalhado. Nessa perspectiva, o planejamento é realizado somente no início e a avaliação ao término do trabalho, como se não houvesse possibilidade de retomadas no meio desse caminho. No processo de execução do planejamento, se o professor percebe que seus encaminhamentos não estão surtindo os efeitos desejados, ele deve retomar seu trabalho; caso contrário, a tendência é culpar o estudante por não ter aprendido. Para Freitas et al. (2009), o ato avaliativo dentro de sala de aula deve estar inter-relacionado ao Projeto Político Pedagógico da escola. Se a instituição se pauta por uma visão emancipatória de sujeito da aprendizagem, a avaliação não pode ser classificatória. Essa relação pode ser vista na Figura 1 a seguir. Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização do planejamento 55 Figura 1 – Relação entre o Projeto Político Pedagógico e a avaliação da aprendizagem Avaliação da aprendizagem: diagnóstica e formativa. Avalia-se para intervir, mediar, retomar o planejamento. Avalia-se para que a aprendizagem aconteça. Avalia-se para incluir, pois todos são capazes de aprender. O professor também se avalia e é avaliado, não para buscar rótulos, mas para que se aprimore e busque formação continuada e apoio na equipe gestora. Estudante: aprende de forma ativa, é um cidadão. Todos são capazes de aprender. Professor: mediador, organiza o planejamento e a avaliação de modo a colocar em prática as concepções dispostas no PPP. Gestão: democrática Sociedade que se deseja: democrática, superando todo tipo de discriminação e exclusão social. Sociedade inclusiva. Fonte: Elaborada pela autora com base em Luckesi, 2018. Ao observar essa correlação, reforçamos a necessidade de coerência entre o que está disposto no PPP da escola e o que se coloca em prática nos processos de ensino e de aprendizagem. Dessa forma, se no PPP da escola consta que o estudante é aquele que aprende de forma ativa, o professor é mediador, a avaliação da aprendizagem é formativa, diagnóstica e processual, cabe ao professor realizar encaminhamentos pedagógicos coerentes com o que o documento maior da escola afirma. Caso se verifique que o professor está agindo de forma contrária ao direito à aprendizagem dos estudantes, cabe à equipe gestora redirecioná-lo para que se fundamente no PPP da unidade educativa. A avaliação escolar é um meio e não um fim em si mesma; está delimitada por uma determinada teoria e por uma determinada prática pedagógica. Ela não ocorre num vazio conceitual, mas está dimensionada por um modelo teórico de sociedade, de homem, de educação e, consequentemente, de ensino e de aprendizagem, expresso na teoria e na prática pedagógica (CALDEIRA, 1997, p. 122). Dessa forma, está ao alcance do professor desenvolver uma postura avaliativa condizente com a proposta educativa que supere a classificação e o rótulo. Ao propor avaliações em uma perspectiva emancipatória, o professor concretiza as diferentes funções da avaliação da aprendizagem. • Avaliação diagnóstica: ocorre não apenas no início do ano letivo, mas em diferentes momentos, para que o professor avalie se o seu planejamento tem atingido os estudantes. Considera o conhecimento prévio destes, que se deve levar em conta nos encaminhamentos pedagógicos a serem realizados, tendo em vista o avanço na construção do conhecimento. Realizam-se diagnósticos para que seja possível a mediação e, assim, o avanço do estudante e não a sua reprovação. O foco é a aprendizagem, superando a mera verificação. Didática56 • Avaliação formativa: ocorre ao longo do processo, continuamente. Pressupõe o diálogo permanente entre professor e estudante, pois este deve estar ciente do que já avançou e o que ainda precisa consolidar em suas aprendizagens. O erro é visto como percurso para as aprendizagens e não como parte do julgamento para a exclusão ou classificação. O professor se vale de inúmeros instrumentos avaliativos a fim de acompanhar e intervir no processo de aprendizagem do estudante (ESTEBAN, 2004). A avaliação formativa é regulatória dos processos de ensino, o que, de acordo com Perrenoud (1999), pressupõe organizar encaminhamentos didático-pedagógicos diferenciados aos estudantes, de acordo com suas necessidades. Observa-se que não basta utilizar diferentes instrumentos de verificação ou de análise das aprendizagens, é necessário que a concepção de ensino e de aprendizagem favoreça a democracia e, dessa forma, também o direito à aprendizagem. Caso contrário, os diferentes instrumentos de verificação apenas servirão para comprovar que alguns estudantes não conseguem aprender. 4.2 Planejando a avaliação Para assumir um caráter mediador e transformador, a avaliação da aprendizagem não pode ocorrer aleatoriamente. Deve ser organizada pelo professor, com apoio da equipe pedagógica, de maneira planejada e articulada com os demais processos de ensino. O olhar avaliativo na perspectiva mediadora, segundo Hoffmann (1991), exige do professor observar o percurso de aprendizagem de cada estudante, o que pressupõe uma concepção de educação como direito e não como favor, em que o docente registra os avanços e os desafios a serem superados e reflete sobre os caminhos a serem seguidos. O registro do professor, guiado pelo direito à aprendizagem, será base para o replanejamento. Assim, essas observações não são direcionadas com base na nota do estudante, pois esse número não revela o que ele sabe ou o que ainda precisa aprender. As observações registradas dizem respeito ao que já está consolidado no processo de aprendizagem e o que ainda precisa de mediação para se consolidar. Servem também para que o professor, ao refletir sobre seus registros, reorganize sua prática pedagógica. Assim, avaliação é, segundoHoffmann (1991), reflexão transformada em ação, pois não se avalia para fazer julgamentos, mas para acompanhar o estudante em sua aprendizagem. Avaliar é estar lado a lado do aluno, orientando, mediando e intervindo a fim de promover a construção do conhecimento. O professor, portanto, buscará conhecer as estratégias do pensamento do estudante, observando, registrando e refletindo sobre como ele resolveu os desafios propostos, contribuindo, assim, para que a escola seja inclusiva e de qualidade. Fundamentando-se nesses pressupostos, o professor pode organizar e planejar diferentes instrumentos avaliativos que gerem registros de acompanhamento da aprendizagem dos estudantes: provas, trabalhos individuais e coletivos, debates, exposições orais, painéis, registros individuais ou coletivos sobre as estratégias utilizadas para a resolução de desafios propostos, Vídeo Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização do planejamento 57 entre outros. Isso significa que o professor não pode pautar a avaliação da aprendizagem em um único momento de análise ou de correção de atividades. Ele precisa investigar como o estudante pensa sobre os conhecimentos científicos e, então, realizar as mediações. Utilizando diferentes instrumentos avaliativos, o professor tem mais possibilidades de registrar o avanço dos estudantes e realizar seu replanejamento. Uma das formas mais eficazes de acompanhar o percurso da aprendizagem é o portfólio, que, segundo Zílio (2010), é o instrumento de registro que permite superar a visão de que o professor é o “examinador” e o estudante, o “examinado”. Com esse instrumento de registro, o estudante tem condições de refletir sobre seu próprio processo de aprendizagem, verificando o quanto já avançou e os desafios que ainda precisa superar para consolidar conhecimentos. Professor e estudante podem comparar as primeiras atividades com as últimas, analisando o resultado do trabalho de ambos. O trabalho com o portfólio tem se apoiado em seis princípios básicos: a construção pelo próprio aluno, possibilitando-lhe fazer escolhas e tomar decisões; a reflexão sobre as suas produções; a criatividade, porque o aluno escolhe a maneira de organizar o portfólio e busca formas diferentes de aprender; a autoavaliação pelo aluno, porque ele está permanentemente avaliando o seu progresso; a parceria professor-aluno e entre alunos, eliminando-se ações e atitudes verticalizadas e centralizadoras; a autonomia do aluno perante o trabalho (VILLAS BOAS, 2005, p. 295). Dessa forma, ao organizar registros sobre o percurso da aprendizagem dos estudantes por meio de portfólios, o professor precisa desconstruir posturas autoritárias e verticalizadas de avaliação da aprendizagem. Na concepção emancipatória e mediadora de avaliação da aprendizagem, observa-se, registra-se e medeia-se. Há desenvolvimento da autonomia, da reflexão, do compartilhamento de informações, da criatividade do estudante e do uso de diferentes linguagens para expressar o que vem sendo consolidado. Para elaborar portfólios que não se limitem a organizar os diferentes materiais produzidos pelos estudantes, sugerimos alguns elementos balizadores com base em Villas Boas (2005) e em Shores e Grace (2001): • Identificação: nome do estudante, da escola, dos professores e ano letivo. O estudante pode personalizar essa capa. • Organização das atividades: em conjunto com o estudante, decide-se como serão sistematizadas as propostas a serem colocadas no portfólio, se por área do conhecimento, por projetos, por atividades etc. Nem todas as atividades realizadas serão contempladas no portfólio. Será selecionado o que é significativo para compor uma amostragem do que foi desenvolvido pelo estudante. • Demonstração do percurso: datas das atividades, consigna das atividades (breve resumo do objetivo da atividade selecionada), registro do estudante sobre a escolha da atividade para compor o portfólio. Didática58 • Flexibilidade: se o estudante escolher uma atividade considerada significativa para demonstrar seu percurso de aprendizagem, mas após um período realizar outra demons- trando que ele está no mesmo patamar e comunica com mais clareza sua aprendizagem, o estudante, em diálogo com o professor, tem autonomia para realizar a substituição. • Fichas de autoavaliação: o estudante pode registrar como enxerga seu percurso de aprendizagem. Quando nos propomos a elencar esses elementos na organização dos portfólios, não estamos afirmando que são passos a serem seguidos. O que esperamos é criar instrumentos de registro de avaliação que permitam ao professor e ao estudante se autoavaliarem. O estudante avalia seu percurso de aprendizagem e o professor, seu processo de ensino. É importante destacar que uma avaliação por meio de portfólios não exclui outras formas de registro de acompanhamento da aprendizagem do estudante, como fichas avaliativas de observação e cadernos de registro do professor, imagens, filmagens, autoavaliação do estudante, avaliação do que este produz em seu caderno, entre outros. É claro que todos esses elementos podem compor o portfólio, porém, como esse é um instrumento que pressupõe certa autonomia, cabe aos envolvidos no processo educativo analisar se ele cumpre sua função como avaliação processual e formativa. Se percebem que essa avaliação não alcança os propósitos de consolidar a concepção emancipatória, é necessário revê-la. O portfólio é um instrumento que possibilita visualizar as aprendizagens. Caso o docente ainda esteja apegado a notas ou a médias escolares, é um meio de ele sensibilizar o olhar para as diferentes estratégias que os estudantes elaboram ao resolver uma situação-problema ou mesmo reconhecer seus “erros”. Olhar o erro dos estudantes de forma reflexiva desencadeia um questionamento a respeito dos processos de ensino, o que possibilita ao professor rever suas estratégias didáticas, de modo que haja avanços nos processos de aprendizagem (HOFFMANN, 1991). 4.3 Reflexões sobre processos avaliativos A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN n. 9.394/1996) determina que a avaliação da aprendizagem ocorra de forma processual e formativa, com os aspectos qualitativos sobrepondo-se aos aspectos quantitativos. Dessa forma, os sistemas de ensino e as escolas buscam encontrar políticas e estratégias para que a aprendizagem seja o foco do fazer educativo. A legislação vigente e os estudos sobre avaliação pautados em concepções emancipatórias buscam superar as concepções classificatórias de avaliação em que o rótulo, a exclusão e a dificuldade de aprendizagem estão no discurso e no fazer pedagógico. Quantos professores ainda hoje utilizam a avaliação da aprendizagem como instrumento de poder e de coação, atribuindo notas ou conceitos que, segundo Luckesi (2018), padronizam os estudantes? Muitos professores afirmam ser necessário que os estudantes aprendam com um sistema classificatório, com a finalidade de integrá-los à sociedade, pois esta utiliza-se Vídeo Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização do planejamento 59 de mecanismos para classificá-los enquanto indivíduos. Para esses docentes, as avaliações excludentes selecionam os indivíduos para o mercado de trabalho, um concurso público ou o vestibular. No entanto, é preciso entender o objetivo real da avaliação. Se o estudante está na escola, cuja função é garantir a aprendizagem, seria contraditório utilizar-se de elementos organizativos do trabalho pedagógico que resultem na exclusão desse direito. Hoffmann (1991) questiona as justificativas que alguns professores utilizam para manter uma avaliação pautada em exames, sem considerar o percurso de aprendizagem dos estudantes: • Os alunos são imaturos. • Os alunos são desinteressados. • Os alunos não têm comportamento adequado, logo não merecem passar de ano. A autora pondera que essa perspectiva de avaliação educacional está fundamentada em uma concepção comportamentalista daeducação, pois supervaloriza as informações transmitidas aos estudantes e supõe que eles devam responder do mesmo modo, reproduzindo o que lhes foi transmitido. O aluno é um receptor passivo dos conteúdos que são sistematizados pelo professor. Se não houve resposta adequada do estudante nos exames, foi ele que não se esforçou e não estudou. Hoffmann (1991) ressalta que essa concepção tem raiz na filosofia positivista de Auguste Comte (1798-1857), segundo a qual a sociedade pode ser estudada de forma objetiva, como as ciências exatas, o que pressupõe neutralidade no que se refere aos processos educativos e à avaliação educacional. Sabemos que não há neutralidade nas ações educativas, nem homogeneidade na escola, pois ela reflete as contradições e as diferenças da sociedade. Porém, quando as avaliações são pautadas em pressupostos positivistas, não é considerada a heterogeneidade dos sujeitos presentes na escola, assim como suas múltiplas formas de aprender e seus diferentes ritmos de aprendizagem. Já em uma visão crítica, a avaliação deixa de ter uma perspectiva de julgamento, cobrança e controle, para ser uma aliada no processo educativo, pois o foco não está nos resultados, mas, segundo Afonso (2007), em princípios como a solidariedade, a empatia, a justiça, a equidade, a igualdade de condições e a qualidade pedagógica. O Quadro 1, a seguir, apresenta as diferenças entre as perspectivas democrática e autoritária na avaliação da aprendizagem. Quadro 1 – As perspectivas democrática e autoritária na avaliação da aprendizagem Perspectiva democrática Perspectiva autoritária Considera a heterogeneidade das aprendizagens e das culturas. Considera que os estudantes aprendem de forma homogênea. Utiliza-se de diagnósticos para intervir e mediar no processo de aprendizagem. O diagnóstico existe para classificar os estudantes. Princípios: solidariedade, empatia, justiça, equidade, igualdade de condições e qualidade pedagógica. Princípios: julgamento, exclusão, cobrança e controle. Ensino fundamentado na interação. Ensino fundamentado na transmissão. Aprendizagem fundamentada na interação e na reelaboração dos conhecimentos socialmente construídos. Aprendizagem fundamentada na memorização e na reprodução. O estudante realiza ações sobre o objeto do conhecimento com vistas à aprendizagem. O estudante objetiva notas para passar de ano. Reproduz o que foi transmitido pelo professor. Fonte: Elaborado pela autora com base em Hoffmann, 2001 e Perrenoud, 1999. Didática60 Nesse comparativo, fica clara a importância de sempre refletirmos sobre a avaliação da aprendizagem que estamos efetivando na escola, muitas vezes a avaliação tradicional ou clássica utiliza-se de vários instrumentos avaliativos, como se o número de exames ou avaliações pudesse superar uma concepção excludente. Dessa forma, ao buscar uma autoavaliação permanente sobre os processos de ensino e de aprendizagem, nós, professores, devemos refletir sobre a finalidade das avaliações que praticamos, se as realizamos para padronizar e justificar a não aprendizagem ou para mediar, retomar e intervir com vistas à democratização da escola, buscando garantir o acesso, a permanência do estudante e a qualidade do ensino. Considerações finais A avaliação da aprendizagem não é algo meramente técnico, exigindo do professor apenas o domínio na organização de questões avaliativas ou de outros instrumentos de verificação do que foi ensinado. Ao contrário, na avaliação não há neutralidade em seus procedimentos nem mesmo no que a fundamenta. Ao organizar atividades avaliativas que produzem informações sobre o percurso de aprendizagem dos estudantes, o professor, fundamentado em uma concepção emancipatória, organizará ou realimentará seu planejamento tendo em vista a aprendizagem de todos. Nesse sentido, a avaliação não serve para classificar, julgar ou determinar o destino dos estudantes. A avaliação mediadora, como afirma Hoffmann (1991), pressupõe acompanhar, rever, retomar e intervir para que todos os estudantes avancem. Com vistas a sugerir possibilidades de trajetórias aos docentes adeptos dessa concepção inclusiva, reafirmamos a necessidade de se planejar a avaliação, os instrumentos de avaliação e os instrumentos de registro de avaliação, como o portfólio. Por meio da construção de portfólios, todos os envolvidos no processo de ensino e de aprendizagem podem refletir sobre suas ações: o professor sobre a organização e a efetivação do seu trabalho e o estudante sobre o registro do que já conquistou em suas aprendizagens e do que ainda precisa atingir. Ampliando seus conhecimentos • LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação em educação: questões epistemológicas e práticas. São Paulo: Cortez, 2018. O livro, lançado para comemorar os cinquenta anos de estudos em avaliação de Luckesi (2018), traz discussões sobre pressupostos epistemológicos do ato de avaliar e o uso de seus resultados, que possibilitam diagnósticos e intervenções aos profissionais da educação. A obra traz, ainda, conceitos e práticas relacionados à avaliação da aprendizagem, e auxilia nas discussões voltadas à avaliação em larga escala (de sistema). Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização do planejamento 61 • ESCRITORES da liberdade. Direção: Richard LaGravenese. Estados Unidos: MTV Filme, 2007. 122 min. O filme, baseado em uma história real, narra a história da professora Erin Gruwell, que trabalha com estudantes considerados problemáticos. Esses alunos não acreditam em seu potencial e nem mesmo a professora, mas, aos poucos, a docente decide quebrar as barreiras e lutar por esses alunos sem o apoio da direção. Ela percebe que o seu planejamento não é eficaz para aqueles estudantes e, a fim de cumprir sua função no processo de ensino e aprendizagem, aproxima-se dos alunos, conhece suas histórias e coloca em prática planejamentos que consideram esse contexto. Atividades 1. Diferencie os níveis de avaliação educacional, trazendo reflexões sobre como eles se inter-relacionam. 2. Como a elaboração de portfólios pode contribuir para uma concepção de avaliação de aprendizagem formativa e diagnóstica? 3. Diferencie a avaliação em uma perspectiva emancipatória de uma avaliação em perspectiva autoritária. Referências AFONSO, Almerindo Janela. Avaliação em educação: perspectivas de emancipação social ou regulação gestionária? In: AFONSO, Almerindo Janela et al. Avaliação na educação. Pinhais: Editora Melo, 2007. CALDEIRA, Anna M. Salgueiro. Avaliação e processo de ensino-aprendizagem. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 3, p. 53-61, set./out. 1997. ESTEBAN, Maria Tereza. Pedagogia de projetos: entrelaçando o ensinar, o aprender e o avaliar à democratização do cotidiano escolar. In: SILVA, Janssen Felipe; HOFFMANN, Jussara; ESTEBAN, Maria Teresa (orgs.) Práticas avaliativas e aprendizagens significativas: em diferentes áreas do currículo. Porto Alegre: Mediação, 2004. FREITAS, Luiz Carlos de et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis: Vozes, 2009. HOFFMANN, Jussara Maria Lerch. Avaliação: mito e desafio – uma perspectiva construtivista. Educação e Realidade, Porto Alegre, 1991. LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação em educação: questões epistemológicas e práticas. São Paulo: Cortez, 2018. PERRENOUD, Phillipe. Avaliação: da excelência à regularização das aprendizagens: entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999. SHORES, Elizabeth; GRACE, Cathy. Manual de portfólio: um guia passo a passo para o professor. Porto Alegre: Artmed, 2001. Didática62 VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. O portfólio no curso de Pedagogia: ampliando o diálogo entre professor e aluno. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 26, n. 90, p. 291-306, jan./abr. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v26n90/a13v2690.pdf. Acesso em: 6 abr. 2019. ZÍLIO, Cátia. Uma proposta para (re)significar a avaliação na formação de professores. Cinted – UFRGS. Novas Tecnologias naEducação, v. 8, n. 3, p. 1-9, dez. 2010. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/renote/ article/download/18089/10665. Acesso em: 6 abr. 2019. 5 Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem Neste capítulo, discutiremos a importância de se construir um Projeto Político Pedagógico (PPP) de modo democrático, contando com a participação de toda a comunidade educativa. No PPP estarão sistematizadas as concepções de sociedade, escola, estudante, ensino e aprendizagem que se deseja consolidar, a partir da leitura da realidade. Logo, será necessário realizar um diagnóstico, a fim de desvelar as características, necessidades e potencialidades dessa comunidade educativa. Para melhor compreender a relação entre o PPP e as práticas desenvolvidas no cotidiano escolar, refletiremos sobre a necessária utilização desse documento como instrumento teórico- prático, sendo imprescindível superar a concepção de um PPP como documento de gaveta. Também abordaremos a importância de um PPP emancipatório para a construção de planejamentos que levem em conta os saberes da comunidade local e de cada um dos estudantes, para se avançar no processo de construção do conhecimento. Nesse viés, traremos os desafios de atualização dos PPPs diante da Base Nacional Comum Curricular – BNCC. 5.1 Concepções do PPP e práticas pedagógicas O Projeto Político Pedagógico (PPP) é o plano maior da instituição, dele decorrem todas as ações que a escola efetiva e, como afirma Vasconcellos (2002), é uma sistematização, embora não definitiva, das intenções da unidade educativa a partir da leitura da realidade. Para realizar a leitura dessa realidade, a equipe gestora (direção, pedagogos e coordenadores) necessita organizar instrumentos que possibilitem o levantamento de dados sobre a comunidade educativa. Após esse movimento, é preciso realizar a tabulação dos dados e a sua interpretação, o que permitirá à escola considerar o contexto de vida dos estudantes, para, então, sistematizar o trabalho com o conhecimento científico. Tendo em vista a função social da escola de garantir o direito à aprendizagem, a comunidade educativa levantará pressupostos a serem considerados em todo o fazer pedagógico. Assim, se a escola registra que os estudantes aprendem de forma ativa e os professores são os mediadores do processo de aprendizagem, é preciso encontrar encaminhamentos que consolidem esses pressupostos. Dessa forma, os envolvidos no processo educativo devem buscar a efetivação entre o que está descrito no documento e os encaminhamentos realizados no dia a dia da escola. Se o seu intuito é formar estudantes com uma visão crítica da sociedade em que vivem, exercendo seus Vídeo Didática64 direitos e deveres de forma reflexiva, você deve organizar sua ação pedagógica de modo que eles possam vivenciar a democracia no cotidiano da instituição. Não há coerência no PPP quando a escola se considera democrática e tem o objetivo de formar para o exercício da criticidade, mas, em sala de aula, o professor não realiza as mediações necessárias com vistas ao avanço dos processos de aprendizagem. Segundo Luckesi (1994, p. 55), nessa pedagogia, os conteúdos e os procedimentos didáticos não têm “nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais. É a predominância da palavra do professor, das regras impostas”. Kramer (1997) propõe questionamentos na análise do PPP a serem colocados em prática pela comunidade educativa a fim de superar relações autoritárias no espaço escolar. • O PPP tem um diagnóstico que possibilita aos envolvidos no processo educacional analisá-lo e propor ações para compreender a realidade local e agir sobre ela? • Esse diagnóstico permite aos professores inter-relacionar o planejamento educacional e o currículo a ser trabalhado com os estudantes, considerando a comunidade em que a escola está inserida? • Há compromisso com a democratização do acesso, da permanência e das aprendizagens dos estudantes? • Quem são as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos da comunidade escolar e como são considerados no PPP da escola? • Há uma concepção de ensino e de aprendizagem que leve em conta os diferentes tempos de aprendizagem dos estudantes de modo a garantir a mediação necessária ao desenvolvimento de cada um? • Desde a entrada dos estudantes na escola, como ocorre a consolidação do PPP? Há acolhimento ou frieza? Há diálogo ou silêncio? • Como são os encaminhamentos metodológicos dos professores e sua relação com os estudantes? • Quais são as estratégias que a escola utiliza a fim de assegurar as condições necessárias para que todos aprendam? • Como são organizados os tempos e os espaços escolares? O tempo é qualificado ou os estudantes ficam imóveis o dia todo, realizando exercícios sem significado? Os espaços de sala de aula são utilizados para contemplar diferentes propostas de trabalho do professor, organizando os estudantes de acordo com o objetivo a ser alcançado (individual, dupla, trio etc.)? Como se pode perceber, o PPP é um instrumento de máxima importância para construir a identidade da escola. Além de registrar as concepções de homem, sociedade, escola, aprendizagem e ensino, traz possibilidades de a comunidade educativa colocar em prática o que foi discutido, decidido e sistematizado pelo coletivo escolar. Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 65 Dessa forma, quando o PPP é alicerçado em uma concepção democrática e, portanto, participativa, há uma construção coletiva. Do mesmo modo, sua efetivação é realizada por todos os profissionais da escola, que buscam consolidá-lo em todas as suas ações. Figura 1 – Elaboração do PPP e sua efetivação Sistematização do PPP, concretização das propostas expressas pelo coletivo. Sensibilização da comunidade educativa e compreensão da importância do PPP. Levantamento de referencial teórico, estudo coletivo, definição de concepções e propostas. Análise do contexto educacional e da comunidade educativa. Fonte: Elaborada pela autora com base em Vasconcellos, 2002. É relevante que a equipe gestora da escola sensibilize toda a comunidade educativa para a importância da participação coletiva no PPP. Dessa forma, o documento será resultado do envolvimento, da discussão, do estudo e do planejamento não apenas de uma equipe diretiva, mas também de professores, pais/responsáveis, pedagogos, funcionários e estudantes. Os envolvidos na elaboração do PPP devem produzir um diagnóstico do contexto socioeconômico da comunidade educativa por meio da aplicação de questionários. Esse diagnóstico permite identificar como a função social da escola vem sendo vivenciada pelos estudantes e percebida pelas famílias e pelos profissionais da escola. Deve-se, também, averiguar qual é a formação acadêmica das famílias/responsáveis e dos profissionais da escola, com isso, é possível identificar quais são os recursos financeiros da unidade educativa, como é o seu ambiente educacional e quais são as características do seu entorno. Essencial também é a análise dos processos educacionais da escola pela comunidade educativa, considerando dados advindos das matrículas, da evasão escolar, das reprovações e do acompanhamento das avaliações de aprendizagem realizadas, assim como da avaliação institucional e das avaliações em larga escala (como Saeb, por exemplo). Desenvolvendo processos de ensino e de aprendizagem fundamentados em concepções críticas, as quais permitem aos envolvidos no processo educativo engajarem-se em prol de uma escola democrática, a comunidade educativa necessita de pressupostos teóricos que possam responder aos questionamentos e aos desafios propostos no diagnóstico. Conforme Kramer (1997), toda proposta é situada em determinado contexto e traz seus valores, seus objetivos e suas ideologias, não havendo neutralidade. Logo, é necessário haver uma base teórica que sustente a prática educativa de modo a garantir o direitoà aprendizagem. Didática66 Cabe destacar que a escola é o espaço formal para o acesso dos estudantes aos saberes socialmente construídos e, dessa forma, ao serem definidos os marcos teóricos que devem constar no PPP, estes precisam proporcionar aos professores, aos pedagogos e à equipe gestora subsídios para atuarem em prol da garantia das aprendizagens dos educandos. 5.2 A consolidação das aprendizagens e o PPP Um PPP emancipatório, termo utilizado por Veiga (2003), não é apenas um documento a ser utilizado para cumprir a legislação vigente. Seu objetivo primordial é mobilizar a comunidade educativa para que a função da escola seja cumprida: consolidação das aprendizagens de todos os estudantes, preparação para o exercício da cidadania e desenvolvimento pessoal e social do sujeito. Assim, um PPP emancipatório precisa ir além da elaboração participativa (que o caracteriza como democrático): deve ser posto em prática por todos os envolvidos no processo educativo, norteando o trabalho de professores, pedagogos, da direção e dos demais funcionários da escola. Nessa perspectiva, o PPP é voltado para a inclusão dos estudantes e de sua família/ responsáveis nos processos educativos e nas decisões tomadas na escola, uma vez que a emancipação humana pressupõe diálogo, participação, solidariedade e questionamentos sobre a realidade. Formar para a emancipação pressupõe, segundo Silva (2013), a criação de condições para se reconhecer o outro como importante em vez de subestimá-lo como alguém incapaz ou com menos condições de agir sobre a realidade ou de aprender, opinar e se fazer ouvir. Esse pressuposto não é válido apenas para os profissionais da escola e suas famílias, mas sobretudo para os estudantes, que necessitam ter voz e vez no fazer educativo. Os discentes precisam ser ouvidos no cotidiano da escola, pois podem colaborar na organização desta, no acesso aos materiais para a aprendizagem dos conhecimentos socialmente construídos, nas condições estruturais da escola, nas relações com o professor, bem como entre os alunos. Segundo Formosinho e Araujo (2008), é preciso acreditar na competência das crianças, posto que se desenvolvem cognitiva, moral, social, emocional, física e racionalmente. O desenvolvimento global da criança exige dos envolvidos no processo educativo um trabalho em duas dimensões: intencional e, ao mesmo tempo, sensível. Isso porque, ao colocar em prática o planejamento, a intenção é que os conhecimentos aos quais os estudantes têm direito lhes sejam acessíveis e, com isso, alcance-se uma dimensão técnico-pedagógica. Na dimensão sensível, garantem-se espaços de escuta e de mediação, de acordo com cada sujeito da aprendizagem. O Quadro 1, a seguir, compara as duas dimensões do trabalho do professor. Quadro 1 – Dimensões do trabalho do professor com vistas à formação emancipatória Vídeo Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 67 Dimensão técnico-pedagógica Dimensão sensível Planejamento de estratégias e encaminhamentos didáticos que considerem o nível de aprendizagem dos estudantes e os leve a avançar. O professor ouve e observa o estudante, percebe seu desenvolvimento, suas potencialidades e necessidades educacionais para, a partir desses elementos, planejar. Planejamento tendo em vista os conhecimentos a que os estudantes têm direito. O professor considera os saberes que os estudantes têm e manifestam sobre o conhecimento que será trabalhado na escola. Garantia de que o PPP está sendo consultado e colocado em prática nos propósitos educativos. O PPP é vivenciado por professores e estudantes. Se no documento está sistematizada a necessidade de diálogo, não há um clima de obediência dentro de sala de aula, mas de respeito e de construção do conhecimento. Utilização de diferentes estratégias que considerem o nível de desenvolvimento dos estudantes. Utilização de estratégias diferenciadas e diversificadas tendo em vista os diferentes ritmos de aprendizagem e as diversas formas de se aprender, com base na observação e no registro de avaliação dos estudantes. Avaliação da aprendizagem utilizando-se de diferentes instrumentos de registro de avaliação e variados momentos de verificação. A avaliação, como afirma Hoffmann (2014), ocorre na perspectiva da mediação, quando se observam os caminhos de construção das aprendizagens dos estudantes, a fim de que o professor possa intervir, retomar e replanejar. Fonte: Elaborado pela autora. Assim, é necessário que o professor fundamentado em um PPP emancipatório e democrático se paute nessas duas dimensões para realizar seu trabalho educativo, pois necessita tanto ter domínio de instrumentos e metodologias que lhe permitam planejar e praticar o planejamento, quanto um olhar sensível e humano para com os estudantes. Perrenoud (2001) destaca a importância de o professor ser um profissional reflexivo, que exerça autocrítica sobre sua prática, o que prevê uma permanente análise metódica de seu trabalho, buscando compreender-se como um sujeito que também aprende enquanto ensina, assim como uma análise de seu percurso profissional. Ou seja, um profissional que revê e retoma ações necessárias à aprendizagem dos estudantes, dialoga com a comunidade educativa, com outros professores e com os estudantes, superando suas dificuldades nessa trajetória e desenvolvendo habilidades que lhe permitam relacionar as dimensões técnica e humana de sua profissão. A prática reflexiva leva o professor a questionar-se e é feita com leitura, estudo, discussão coletiva sobre o trabalho docente e planejamento sobre a própria formação. Se desejamos que os estudantes aprendam, avancem no processo de construção do conhecimento, não podemos continuar a reproduzir com eles as formas de ensino a que tivemos acesso. Precisamos articular nosso entendimento sobre o que é ser professor com nossa prática em sala de aula. Nessa trajetória profissional, o professor não pode parar no tempo, pelo contrário, deve estudar sempre, atualizar-se constantemente, não se limitar à formação inicial. Assim, o professor realiza análises e reflexões críticas sobre a sociedade, o contexto político, histórico e econômico em que a escola está inserida, evitando tendências pessimistas em relação a seu próprio trabalho e seus estudantes. Didática68 Uma escola de sucesso em uma concepção tradicional, segundo Hoffmann (2014), é aquela em que os estudantes respondem às verificações da aprendizagem (normalmente provas), utilizando-se da memorização. Já uma escola de sucesso, em uma concepção que acredita nas crianças, em seu potencial e no seu futuro, respalda-se nos questionamentos que a autora propõe para analisar e refletir sobre a qualidade do trabalho pedagógico ofertado: — Os alunos desenvolvem-se moral e intelectualmente? — Estão ativos, curiosos, felizes nesses ambientes? — Quais os seus avanços, as suas conquistas? — Que oportunidades de refletir sobre a vida a escola lhes oferece? — Que projetos de vida eles anunciam? — Em que medida a escola vem contribuindo para que os seus projetos se tornem possíveis? (HOFFMANN, 2014, p. 36.) Dessa forma, uma escola que se envolve no sucesso dos estudantes busca construir um ambiente acolhedor, compreendendo cada sujeito da aprendizagem como capaz, como um ser humano único, com suas subjetividades, potencialidades e necessidades educativas. Hoffmann (2014) chama atenção para a necessidade de o professor observar as diferenças individuais dos estudantes, sem tentar homogeneizar a turma em seus encaminhamentos, buscando responder ao desafio de pensar projetos educativos que vão ao encontro do que cada estudante precisa para avançar no processo de aprendizagem. Assim, a fim de efetivar o sucesso da escola em uma perspectiva democrática, podemos delinear uma proposta de trabalho com base nas concepções presentes no PPP, conforme a Figura 2. Figura 2 – Articulação entre o PPP e os processos de ensino e de aprendizagem PPP:defesa de uma escola de qualidade, inclusiva, gerida democraticamente, que considere que todos os estudantes são capazes de aprender e que o professor é um mediador. Organização de propostas que levem em conta os saberes dos estudantes e considerem o professor um mediador. Articulação com a prática educativa: planejamento, avaliação, organização dos espaços e tempos de aprendizagem. Atividades que considerem os saberes dos estudantes, os desafios e as problematizações. Fonte: Elaborada pela autora. Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 69 A mediação do professor é essencial no processo de aprendizagem do estudante, o que significa que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar condições para que o aluno aprenda FREIRE (1996). Nesse sentido, é importante que o professor reconheça quais são os conhecimentos que os estudantes detêm sobre o que será trabalhado, assim, os sentidos para essas aprendizagens terão novos significados. Os conhecimentos que o aluno possui não são um obstáculo para a aprendizagem, mas o requisito indispensável para ela – os alunos e alunas não aprendem apesar de seus conhecimentos prévios, mas por meio deles –, e a compreensão da realidade é um processo gradual, que ocorre simultaneamente ao enriquecimento desses conhecimentos prévios, pois não se trata de suprimi- -los, mas de usá-los, revisá-los e enriquecê-los progressivamente. (MAURI, 2009, p. 98) Quando o professor ouve, observa e considera quem são os estudantes e suas aprendizagens anteriores, proporciona-lhes condições de revisitar os saberes que já possuem e os desafia a reelaborar, enriquecer e compreender a realidade de forma mais elaborada, consolidando aprendizagens. Assim, cabe ao professor organizar encaminhamentos didáticos de modo que os estudantes explicitem seus saberes anteriores e possam reorganizá-los, conferindo a esses novos saberes mais ordenação. Mauri (2009) considera que, para que esse movimento de reelaboração seja progressivo, é importante que o professor preste atenção ao que se denomina como “erro” dos estudantes. Se esses “erros” forem analisados pelo docente, mostrarão as estratégias utilizadas pelos alunos para responderem aos desafios. Dessa forma, podem-se organizar outros encaminhamentos metodológicos que levem os alunos a aplicarem o conhecimento de modo mais bem-sucedido e, assim, consolidar aprendizagens. 5.3 O PPP e os desafios da BNCC O PPP traz a sistematização dos anseios de uma comunidade educativa, se construído coletivamente, como afirma Veiga (2003), é um processo elaborado de dentro para fora, no qual são definidas as trajetórias a serem seguidas em busca da consolidação de uma escola de qualidade. A qualidade defendida em uma escola democrática é aquela que pressupõe o direito à aprendizagem como foco do trabalho educativo, ou seja, princípios como a equidade, a igualdade, a inclusão, a participação de todos e a transparência nas decisões são considerados. A gestão democrática no Brasil foi institucionalizada legalmente na Constituição Federativa do Brasil em 1988, em cujo art. 26, inciso VI, consta que o ensino público em todo o país precisa ser gerido sob essa forma de organização. A LDBEN n. 9.394/1996, seguindo a Lei maior do país, regula a gestão democrática em seu art. 3º, cabendo aos sistemas de ensino e às escolas públicas serem estruturadas e regulamentadas seguindo as normas desse princípio organizacional. As escolas passam, Vídeo Didática70 então, a ganhar, segundo Carvalho (2015), certo grau de autonomia nas decisões nos âmbitos pedagógico, administrativo e financeiro, contando com a participação da comunidade educativa nessas decisões. Os estabelecimentos de ensino passam, com isso, a ter a incumbência de elaborar e cumprir o seu PPP, conforme o art. 12, respeitando as normas da lei. O Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001 estabeleceu metas a serem implementadas em relação à gestão democrática. Da mesma forma, o PNE (2014-2024), define, em seu art. 2º, inciso VII, a promoção desse princípio como uma diretriz. Na meta n.º 19 do PNE (2014-2024), há diferentes estratégias que visam consolidar esse princípio nas escolas públicas do país, da qual destacamos a 19.6, que versa sobre a necessidade de se incentivar a participação da comunidade educativa na elaboração e na execução dos PPPs e dos currículos. Quando trazemos essa breve retrospectiva histórica da instituição da gestão democrática no ensino público do país e, mais especificamente, a participação de toda a comunidade educativa na elaboração do PPP, objetivamos reafirmar que, mesmo com todo esse respaldo legal para exercer a democracia, ainda temos o desafio de superar a visão desse documento como algo meramente burocrático. O PPP, como afirma Vasconcellos (2002), é instrumento teórico-metodológico para a atuação na realidade educativa, tendo como pressuposto o compromisso coletivo com a emancipação humana, pautada no acesso ao conhecimento científico dos estudantes, superando os saberes de senso comum. Um PPP burocrático servirá apenas para a normatização da escola. Não haverá participação genuína das diferentes pessoas que fazem parte da comunidade educativa, mas somente uma pseudoparticipação, isto é, os envolvidos no processo educacional são chamados para reuniões apenas para validar o que já foi decidido pela equipe diretiva anteriormente. Exemplo: No PPP está explícito que os estudantes aprendem de forma ativa, participativa e o professor é o mediador no processo de construção do conhecimento. O Conselho de Escola é chamado para decidir sobre uma verba recebida. Os participantes têm dúvida de como aplicá-la: se em um passeio para os estudantes de 5º ano, que irão para outra escola no ano seguinte; ou investir na biblioteca, cujos livros estão deteriorados. Embora os estudantes do 5º ano tenham o direito de visitar os diferentes espaços da cidade, essa decisão implicaria retirar destes e dos demais alunos o acesso a uma biblioteca com um acervo de qualidade. O Conselho de Escola decidiu, então, que a escola optaria pelo investimento na biblioteca. Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 71 Diferentes teóricos, como Vasconcellos (2002), Veiga (2003) e Kramer (1997), defendem que o PPP deve contextualizar a realidade local, contendo diagnóstico que possibilite à comunidade educativa intervir coletiva e intencionalmente nessa realidade, de modo a contribuir para a melhoria da qualidade educacional. Por isso, não se tomam decisões democraticamente com base em decisões individuais. O PPP, como afirma Kramer (1997), não é um lugar, é um caminho. É flexível, sendo necessário retomá-lo, revisitá-lo e realimentá-lo constantemente, uma vez que nas discussões, estudos e decisões coletivas pode-se verificar a necessidade de se fazer modificações que atendam aos objetivos da comunidade educativa. Gerir uma escola com base em seu PPP rompe com uma visão fragmentada de conhecimento, pois assim podem-se valorizar os saberes da comunidade educativa a fim de possibilitar aos estudantes o acesso ao conhecimento científico, propiciando a vivência de um currículo democrático. A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) –, documento homologado em 22 de dezembro de 2017, no que se refere à educação infantil e ao ensino fundamental, e em 14 de dezembro de 2018, no que concerne ao ensino médio – traz, para todas as escolas do país, públicas e particulares, a normatização para se trabalhar e garantir o ensino dos conhecimentos essenciais a todos os estudantes. Conforme o próprio documento, a BNCC se insere como referência para a elaboração dos PPPs e dos currículos dos sistemas de ensino e das escolas, estabelecendo os pontos de chegada para os estudantes. A relação entre os três documentos é apresentada na Figura 3. Figura 3 – A BNCC, os currículos e os PPPs BNCC Adequação dos currículos Adequação dos PPPs Fonte: Elaboradapela autora. Embora a BNCC aponte os saberes e as dez competências a serem consolidadas, fazendo com que os currículos sejam adequados considerando-se esses conhecimentos essenciais, os quais são direitos de aprendizagem de todos os estudantes do país, assim como a cultura e as especificidades das diferentes regiões brasileiras, os PPPs devem ser produzidos ou reelaborados pelas comunidades educativas sem perder de vista a realidade local. Ao final da educação básica, as competências comuns a todos os componentes curriculares devem ser consolidadas. Didática72 Figura 4 – Educação básica e as dez competências gerais Educação infantil Ensino médio Ensino fundamental 10 competências 10 competências 10 competências consolidadas Fonte: Elaborada pela autora com base em Brasil, 2017. Desde a educação infantil – primeira etapa da educação básica –, as competências são trabalhadas, dando-se continuidade em todo o ensino fundamental e consolidando-se ao final do ensino médio – última etapa da educação básica. Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. (BNCC, 2017, p. 8.) Os currículos dos sistemas de ensino e os PPPs das escolas devem ser atualizados até 2020, segundo a BNCC, considerando as indicações para o trabalho com os direitos de aprendizagem presentes no documento. Assim, tem-se com a BNCC um patamar comum a todos os estudantes e escolas brasileiras, enquanto os currículos e os PPPs são múltiplos. • BNCC: documento normativo para todas as escolas que ofertam educação básica no país, no qual constam as aprendizagens essenciais a que todos os estudantes têm direito. É a referência para a elaboração ou reelaboração dos currículos e dos PPPs (BRASIL, 2017). • Currículo: conforme Moreira e Candau (2007), é o coração da escola. Nele se concentram as relações entre educação e sociedade. Nessa concepção, currículo não é apenas um documento com a indicação dos conteúdos a serem trabalhados em cada ano letivo, mas, sobretudo, um dispositivo em que há um campo de disputa sobre que tipo de sujeito que se deseja formar em determinada sociedade. Para formar esse sujeito, há não só conhecimentos que são considerados essenciais, como também formas de se ensinar esses saberes, de se avaliar, de utilizar os livros didáticos, de formar professores e, sobretudo, de políticas públicas a serem seguidas. Não há neutralidade no campo curricular, pois sempre haverá interesses: formar para o mercado de trabalho (que é instável e excludente) ou formar integralmente (para a emancipação humana e para a democracia). As teorias críticas e pós-críticas de currículo defendem a importância de valorizar não somente a cultura produzida no campo das diferentes ciências, mas também as múltiplas culturas dos diferentes sujeitos pertencentes à comunidade educativa. • PPP: como afirma Vasconcellos (2002), é o plano global da escola. Em uma perspectiva emancipatória e democrática, deve-se considerar a realidade local para avançar no processo de construção do conhecimento com os estudantes. É instrumento teórico- Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 73 -prático que possibilita à comunidade educativa consolidar a identidade da instituição. A partir da sistematização do PPP, podem-se avaliar os processos educacionais ofertados à comunidade educativa, fornecendo-se, assim, subsídios para o replanejamento da escola. Quanto à reelaboração dos PPPs, tendo-se em vista a BNCC, será necessário considerar não só os conhecimentos essenciais descritos nesse documento, como também as habilidades específicas que são desenvolvidas de acordo com cada componente curricular e as dez habilidades gerais. Ao realizar essa adequação, não se pode perder de vista o direito de serem incluídos, no currículo local, elementos da cultura da própria escola e da região em que ela está inserida. Também se destaca que, ao se optar por uma concepção de currículo crítico e/ou pós-crítico, haverá no cotidiano escolar a defesa de uma escola pública gratuita e de qualidade para todos; logo, o princípio é democrático e inclusivo. Considerações finais O PPP fundamentado na emancipação é um projeto de vivência da democracia e, dessa forma, não está fechado para as sugestões da comunidade educativa, para a inovação nas formas de ensinar e para os saberes que os estudantes já detêm. Nessa perspectiva, os professores e os demais profissionais da escola necessitam considerar a realidade local e o que consta no PPP para planejar ações que contribuam para a melhoria da qualidade educacional. O PPP construído de forma participativa evidencia a identidade da comunidade educativa e envolve todos na busca por uma escola inclusiva que cumpra sua função social de assegurar o direito à aprendizagem. A BNCC é um documento normativo para os sistemas de ensino e escolas que ofertam educação básica. Com base nela, os currículos e os PPPs devem ser adequados, garantindo os saberes essenciais que constam no documento. Assim, enquanto a BNCC dispõe sobre os conhecimentos e as habilidades que todos os estudantes devem desenvolver, os currículos e os PPPs trazem as especificidades locais a serem consideradas no fazer pedagógico. Ampliando seus conhecimentos • PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício do professor: profissionalização e razão pedagógica. São Paulo: Artmed, 2001. O autor traz valiosas discussões sobre o trabalho do professor, afirmando a necessidade de o profissional construir um conjunto de saberes que lhe permita dominar, além dos conteúdos a serem ensinados aos estudantes, conhecimentos didáticos e transversais. Para que ocorra aprendizagem, não basta ao professor repassar conteúdos, é necessário que ele organize situações didáticas com atividades que tenham sentido e desafiem os estudantes. Didática74 • QUANDO SINTO que já sei. Direção: Antonio Sagrado, Raul Perez e Anderson Lima. Despertar Filmes, 2014. (78 min). O documentário aborda as possibilidades que escolas brasileiras encontraram de efetivar propostas inovadoras na educação. Conta com o depoimento de estudantes, familiares, professores e diretores sobre como concretizaram experiências educacionais que romperam com o modelo tradicional de ensino. • VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Inovações e projeto político-pedagógico: uma relação regulatória ou emancipatória? Cad. Cedes, Campinas. v. 23, n. 61, p. 267-281, dez. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v23n61/a02v2361.pdf. Acesso em: 12 abr. 2019. A autora traz ao leitor possibilidades de questionar a função do PPP na escola: se vem cumprindo apenas uma função burocrática, se é um documento regulador ou se tem sido vivenciado pela comunidade educativa de forma emancipatória. O PPP construído coletivamente e na perspectiva democrática tem como foco a melhoria da qualidade educacional, de modo que os estudantes tenham acesso a uma formação que lhes possibilite exercer plenamente a sua cidadania. Atividades 1. A partir da ilustração, descreva como se dá o processo de elaboração do PPP e a sua efetivação em uma perspectiva democrática. Sistematização do PPP, concretização das propostas expressas pelo coletivo. Sensibilização da comunidade educativa e compreensão da importância do PPP. Levantamento de referencial teórico, estudo coletivo, definição de concepções e propostas. Análise do contexto educacional e da comunidade educativa. Fonte: Elaborada pela autora com base em Vasconcellos, 2002. 2. Diferencie BNCC, currículo e PPP e descreva como as escolas deverão atualizar seus PPPs diante da BNCC. 3. Sistematize um quadro, diferenciando um PPP construído democraticamente e um PPP organizado de forma burocrática. Projeto Político Pedagógico e os processosde ensino e de aprendizagem 75 Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 14 abr. 2019. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 14 abr. 2019. BRASIL. Ministério de Educação/Secretaria de Educação Básica. In: MOREIRA, Antônio Flávio; CANDAU, Vera Maria Ferrão. Indagações sobre o currículo: currículo, conhecimento e cultural. Brasília: Ministério da Educação, 2007. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag3.pdf. Acesso em: 13 abr. 2019. BRASIL. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Diário Oficial da União, Poder legislativo, Brasília, DF, 26 jun. 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm. Acesso em: 14 abr. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP, de 22 de dezembro de 2017. Disponível em: http:// basenacionalcomum.mec.gov.br/images/historico/RESOLUCAOCNE_CP222DEDEZEMBRODE2017.pdf. Acesso em: 14 abr. 2019. CARVALHO, Jeferson Luís Marinho de. PNE (Plano Nacional de Educação) 2014-2024: A gestão democrática na educação se faz presente? Holos, ano 31, v. 8. Disponível em: http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/ HOLOS/article/view/3355. Acesso em: 1 maio 2019. FORMOSINHO, Júlia Oliveira. ARAUJO, Sara Barros. Escutar as vozes das crianças como meio de (re) construção de conhecimentos acerca da infância: algumas implicações metodológicas. In: FORMOSINHO, Júlia Oliveira (org.). A escola vista pelas crianças. Porto: Porto Editora, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996. HOFFMANN, Jussara. 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Quando sistematizamos e registramos o que desejamos efetivar com os estudantes, o processo de ensino e de aprendizagem pode ser avaliado à medida que é posto em prática. Assim, não apenas os estudantes são avaliados em seu percurso de aprendizagem, mas também os profissionais, havendo possibilidade de retomar, rever e replanejar o trabalho educativo. O planejamento educacional não pode estar à mercê do acaso, pois a escola é o lugar que deve garantir o direito à aprendizagem. Nesse sentido, trataremos também neste capítulo, dos elementos constitutivos que são essenciais para um planejamento eficaz, diferenciando o planejamento de ensino e o de aula, e discutiremos a inter-relação necessária entre ambos. 6.1 Planejamento educacional e suas interfaces com a aprendizagem Planejar é parte da vida de todos os seres humanos. Quando tomamos decisões, mesmo as mais simples do nosso cotidiano, precisamos nos organizar mentalmente para agir de acordo com essas definições. Assim, podemos avaliar se tomamos a decisão acertada ou não e, se necessário, realizar um replanejamento. Desse modo, o planejamento é um direcionador e um facilitador das ações humanas, permitindo ao sujeito qualificar suas ações e diminuir o improviso. Para Libâneo (2006), quando o planejamento é aplicado à organização dos processos de ensino e de aprendizagem, os profissionais conseguem articular a atividade escolar ao contexto educacional, objetivando a melhoria contínua da qualidade da educação. Tendo em vista a consolidação das aprendizagens dos estudantes, que é a finalidade da escola, o planejamento não pode acontecer de maneira informal, mas sistemática, detalhada e com registros, a fim de efetivar os objetivos educacionais elencados. Quando não há planejamento nos processos educativos ou se lida com ele apenas de forma técnica, sem considerar os contextos econômicos, políticos e sociais, os profissionais da educação ficam à mercê do acaso ou dos interesses das classes dominantes, pois não há neutralidade na educação. O planejamento é um guia das ações, não sendo absoluto, pois há possibilidades de flexibilização. Flexibilizar, porém, não é sinônimo de desconsiderar diagnósticos realizados e agir sem levar em conta quem são os sujeitos da aprendizagem. Ao contrário, com um planejamento minucioso, observando os interesses, as necessidades e o direito à aprendizagem, organiza-se para esse fim e, caso se verifique que os objetivos não estão sendo efetivados, reorganizam-se os encaminhamentos, possibilitando que todos venham a ter seu direito à educação respeitado. Vídeo Didática78 Para Vasconcellos (1992), Gandin (1994), Gesser (2011) e Libâneo (2006), há diferentes níveis de planejamento, cada um com sua especificidade, porém há inter-relação entre eles, como mostra o Quadro 1. Quadro 1 – Níveis de planejamento nos processos educacionais Planejameno educacional Planejameno institucional Planejameno de ensino e plano de aula Diz respeito ao planejamento dos sistemas de ensino: nacional, estadual e municipal. Está relacionado à organização do PPP da escola, que é construído de acordo com o princípio democrático, coletivamente, com a participação dos diferentes segmentos da comunidade educativa. O plano de ação da escola elaborado anualmente necessita estar articulado ao PPP da instituição. Envolve a racionalização dos saberes a serem ensinados aos estudantes. No planejamento de ensino, com base no currículo e no PPP da escola, seleciona-se o que será ensinado por período de tempo estabelecido pelo regimento da unidade (bimestral, trimestral, semestral ou anual). Já no plano de aula, há o detalhamento do que será trabalhado. Fonte: Elaborado pela autora com base em Vasconcellos, 1992; Gandin, 1994; Gesser, 2011 e Libâneo, 2006. O planejamento educacional no Brasil é reflexo das políticas públicas para a educação e, por isso, o direcionamento ocorrerá de acordo com a legislação que regulamenta essas políticas. Nesse sentido, o planejamento educacional diz respeito à intencionalidade do Estado na gestão das escolas do país, estado ou município. O planejamento institucional ocorre no interior da escola com a participação da comunidade educativa. O PPP da instituiçãoé o planejamento global da escola, como afirma Vasconcellos (1992), construído de acordo com um diagnóstico contextual, um estudo sobre os pressupostos teórico- metodológicos a serem utilizados como balizadores das ações educativas. Já o plano de ação da escola, organizado anualmente, necessita elucidar minuciosamente como o PPP será colocado em prática. O planejamento do trabalho pedagógico da instituição educativa pode ser realimentado conforme a avaliação institucional realizada pelas famílias, professores, funcionários da escola e equipe gestora, analisando dificuldades e avanços a fim de propor novos encaminhamentos que venham a contribuir para a organização escolar e resultem na melhoria dos processos educativos. Quando o plano de ação é articulado ao PPP, possibilita-se à escola traçar estratégias mais detalhadas de como se consolidarão as concepções e os objetivos traçados nesse documento. Enquanto o PPP tem uma duração maior, geralmente de três ou quatro anos, dependendo da comunidade educativa e da orientação dos sistemas de ensino para sua reelaboração, o plano de ação tem uma duração menor e atribui ao coletivo escolar o seu monitoramento. Exemplo: No PPP de uma escola, há uma concepção de ensino e de aprendizagem a ser efetivada pela comunidade educativa. Na avaliação institucional realizada, verificou-se que a avaliação da aprendizagem é praticada de modo tradicional: os professores aplicam uma única prova para Elementos constitutivos do planejamento 79 lançar uma nota para os estudantes, sem considerar o que estava acordado no PPP, ou seja, que a avaliação seria diagnóstica e formativa. Nesse sentido, no plano de ação da escola para aquele ano letivo, registrou- -se a necessidade de se realizarem estudos com os professores a fim de se resgatar a concepção de avaliação educacional, bem como oficinas para auxiliar a organização dos portfólios dos estudantes. No plano de ação, é necessário estabelecer prazos, responsáveis pelos encaminhamentos, estratégias e recursos, a fim de que haja o monitoramento das ações definidas pela comunidade educativa. O planejamento de ensino, segundo Libâneo (2006), refere-se à previsão dos objetivos de ensino-aprendizagem a serem alcançados pelos estudantes, sendo nele também incluídos as metodologias, os critérios de avaliação da aprendizagem, os prováveis instrumentos de verificação da aprendizagem e os recursos a serem utilizados. O planejamento de ensino precisa estar articulado ao PPP da unidade, seguindo as concepções nele presentes. Para realizar o plano de aula, o professor precisa pautar-se primeiro na organização do planejamento de ensino, pois aquele é um detalhamento deste. Enquanto no planejamento de ensino tem-se a previsão dos conhecimentos a serem ensinados por dois, três ou seis meses (dependendo do PPP da escola e do seu regimento), o plano de aula é elaborado para, no máximo, 15 dias. Ao colocar em prática o plano de aula, trazendo minuciosamente o que estava proposto no planejamento de ensino, há mais condições de se refletir sobre os avanços e as dificuldades dos estudantes, possibilitando ao professor replanejar seus encaminhamentos com vistas a promover a aprendizagem de todos. 6.2 Construindo planejamentos eficazes O planejamento escolar não pode ser apenas uma ação formal, como afirma Luckesi (1994), mas uma ação que gera organização nos processos educativos. Essa organização não é burocrática, mas sistematizadora de decisões pedagógicas que objetivem a consolidação das aprendizagens. Para o autor, o planejamento não pode ser um ato ingênuo de preenchimento obrigatório de formulários. Deve ser uma ação intencional que permita ao docente cumprir sua função de mediador no processo de aprendizagem, lançando desafios e problematizações aos estudantes de modo que estes superem o conhecimento de senso comum e se apropriem de saberes científicos, aos quais têm direito. Quando há planejamento, evita-se a monotonia de aulas sem vida e sem dinamismo. Sem ele, desconsideram-se os sujeitos da aprendizagem, desvalorizando-os. Por isso, o planejamento e a avaliação devem caminhar articuladamente. Se a equipe gestora (direção e pedagogos) e os professores concluírem que as ações previstas no planejamento, quando executadas, não geram o efeito desejado, é necessário reorganizar os encaminhamentos. Vídeo Didática80 Para melhor visualizar o que cabe ao planejamento de ensino e ao plano aula, sistematizamos o Quadro 2, que traz elementos constitutivos de ambos, explicitando suas diferenças. Quadro 2 – Elementos constitutivos do planejamento de ensino e do plano de aula Planejamento de ensino Plano de aula Objetivos de ensino-aprendizagem: propósitos definidos a partir do currículo escolar. Referem-se ao que deve ser ensinado e ao que deve ser aprendido em um período mais longo, de acordo com o PPP e o regimento da escola (bimestral, trimestral ou semestral). O professor pode se questionar: o que ensinarei para que o aluno aprenda neste período de trabalho pedagógico? Qual é o objetivo do ensino-aprendizagem em que estarei envolvido neste tempo? Objetivos de aprendizagem: registra-se o que o estudante deverá saber, após a efetivação do plano de aula. Conforme Libâneo (2006), esses objetivos devem ser claros e demonstrar aonde se quer chegar com o trabalho a ser desenvolvido. Ao organizá-lo, o professor necessita consultar o planejamento de ensino, para que fique claro aonde quer chegar com sua aula ou com o conjunto de suas aulas. Conteúdo: segundo Libâneo (2006), é o conjunto de conhecimentos a serem apreendidos pelos estudantes. Pode se referir a habilidades, atitudes, princípios e processos. No planejamento de ensino, constarão todos os conteúdos a serem trabalhados no decorrer do tempo previsto. Conteúdo: constitui o objetivo de aprendizagem a ser trabalhado pelo professor. Mesmo que diferentes conteúdos perpassem a aula, há um foco principal. Metodologia: é a forma como o professor encaminhará o trabalho. Ele registra a metodologia, mas sem detalhá-la. Metodologia: o professor detalha as formas como trabalhará o conhecimento a ser apreendido pelos estudantes, sistematizando passo a passo seus encaminhamentos e estratégias. Avaliação da aprendizagem: o professor prevê como a avaliação formativa, cumulativa e diagnóstica acontecerá. Descreve elementos para a análise do processo de aprendizagem. Aqui, o registro pode ser mais amplo, pois no plano de aula registram-se as especificidades. Avaliação da aprendizagem: o professor registra como avaliará a apreensão do conhecimento pelo estudante, em consonância com o PPP e com o plano de ensino. Por exemplo: análise do portfólio do estudante; prova; trabalho em grupo; organização do caderno do estudante para verificar o que ele aprendeu sobre o conhecimento trabalhado. Avaliação do planejamento de ensino: o professor, à medida que coloca em ação o planejamento de ensino nos planos de aula, tem a possibilidade de analisar se o que propôs foi apreendido pelos estudantes. Caso verifique que seus objetivos de ensino-aprendizagem não foram consolidados, há a necessidade de retomar o planejamento de ensino. Avaliação do plano de aula: como já afirmamos anteriormente, o plano não é um engessamento do trabalho do professor. Caso se verifique que o conhecimento ainda não foi consolidado, o professor precisa avaliar seu plano de aula, propondo outras estratégias, ampliando o tempo de trabalho – se necessário – e organizando outras atividades diferenciadas e diversificadas, para que todos aprendam. Fonte: Elaborado pela autora com base em Libâneo, 2006 e Gesser, 2011. É importante organizar o trabalho pedagógico por meio do planejamento de aula com base no planejamento de ensino – que é fundamentado no PPP e no currículo oficial do sistema de ensino ao qual a escola pertence –, sem esquecer quem é o estudante, seus conhecimentos, sua cultura local e seus interesses. A dialogicidade,defendida por Freire (2005), reside na articulação dos encaminhamentos pedagógicos pelo professor, pois essa ação permite ao docente e aos estudantes aproximarem- -se. O professor precisa ouvir os estudantes para saber quais são os seus conhecimentos sobre os Elementos constitutivos do planejamento 81 conteúdos trabalhados no contexto escolar e eles devem ouvir o professor, pois este é o responsável pela organização dos desafios, problematizações e demais estratégias para que os estudantes evoluam em suas aprendizagens. Para Freire (2005), as pessoas são seres inacabados e, assim, sempre estão aprendendo umas com as outras. Dessa forma, o professor que dialoga com os estudantes aprende novas formas de ensinar e entende o que eles pensam sobre o desafio proposto. Nesse viés, o planejamento é necessário, sem se perder de vista a construção de um ambiente propício às aprendizagens. Quando, portanto, reiteramos a importância do planejamento e sua eficácia, não estamos defendendo uma concepção pedagógica tecnicista, cujo foco era a formação de mão de obra para o mercado de trabalho e cujas estratégias e encaminhamentos metodológicos previstos no planejamento não propunham reflexões críticas sobre o conhecimento trabalhado em sala de aula. O que importava era que o conteúdo fosse transmitido e o planejamento cumprido, havendo uma suposta neutralidade do planejamento e dos métodos de ensino. Atualmente, não podemos deixar de defender a necessidade do planejamento no contexto escolar, de modo a organizar o trabalho educativo do professor e garantir que os conhecimentos a que os estudantes têm direito lhes sejam acessíveis. Porém, ao colocar em prática o plano de aula, o professor precisa considerar a integralidade do estudante, suas dimensões cognitiva, afetiva, física, espiritual, histórica, artística, entre outras, pois fazê-lo não é propor ao estudante cópias do livro didático, ou deixá-lo quatro horas diárias sentado sem permitir que dialogue com os colegas. Os estudantes aprendem também uns com os outros. Assim, superamos a concepção de uma suposta neutralidade do planejamento, pois ele deve ser organizado em função da aprendizagem dos estudantes. Além disso, o professor deve questionar os conhecimentos, levando os estudantes a perceberem a historicidade e o contexto da produção científica. Conforme Saviani (1989), os conhecimentos necessitam ser reavaliados diante das realidades sociais e do avanço da ciência. Defendemos, portanto, as pedagogias sociocríticas, ou seja, aquelas em que, segundo Libâneo, Oliveira e Toschi (2012), a escola se posiciona contra as desigualdades sociais e econômicas e busca encontrar metodologias e encaminhamentos que assegurem a todos os estudantes o acesso aos conhecimentos científicos. Conforme esses autores, quando o professor realiza o planejamento de ensino e de aula fundamentado nessas tendências pedagógicas, precisa incorporar as discussões sobre o meio ambiente, os problemas da vida urbana e o respeito às diferenças culturais entre os sujeitos, combatendo toda forma de preconceito e discriminação. 6.3 Planejamento de ensino, plano de aula e a BNCC A BNCC, como já afirmamos, é um documento normativo a ser implementado em todas as escolas que ofertam educação básica no país até 2020. Todos os sistemas de ensino e as escolas públicas e particulares terão de cumprir o que a BNCC determina quanto à revisão ou construção dos currículos e dos PPPs e, articuladamente, orientar os planejamentos de ensino e de aula dos professores. Vídeo Didática82 Tendo em vista a consolidação das dez competências gerais propostas na BNCC que permearão o trabalho com os conhecimentos essenciais dos diferentes componentes curriculares e áreas do conhecimento, é notório que, para planejar, o professor considere como essas competências serão trabalhadas no cotidiano de sala de aula. Os conhecimentos essenciais, segundo a BNCC (BRASIL, 2018), referem-se ao conjunto de saberes organizados, de forma progressiva, que todos os estudantes devem dominar até o final da educação básica. Assim, a todos os discentes do país, da educação infantil ao ensino médio, deve-se assegurar o direito à aprendizagem, respeitadas as especificidades de cada região e de cada escola. Em outras palavras, é necessário que todas as escolas trabalhem com os conhecimentos essenciais previstos na BNCC e considerem no seu fazer pedagógico os conhecimentos advindos de cada cultura local para organizar seus planejamentos, haja vista que o processo de ensino e de aprendizagem não ocorre de forma transmissiva ou por acúmulo de conhecimentos. A BNCC elucida a organização dos conhecimentos e assegura o que deve ser trabalhado em todo o país. Com base nesse direcionamento, os sistemas de ensino organizam seus currículos formais. De modo articulado, as escolas reelaboram o seu PPP. Neste, considera-se o diagnóstico sobre a comunidade educativa e elencam-se os elementos para a organização dos planejamentos de ensino e de aula. Para formulá-los, o professor deve ter em vista os conhecimentos essenciais a serem trabalhados pelo estudante, as avaliações diagnósticas e o PPP da escola, que contemplará as concepções de ensino e de aprendizagem definidas no seu coletivo, como podemos observar na Figura 1 a seguir. Figura 1 – BNCC, PPP, currículos, planejamentos de ensino e plano de aula BNCC Currículos organizados pelos sistemas de ensino Planejamento de ensino Plano de aula PPP de cada escola Fonte: Elaborada pela autora. Elementos constitutivos do planejamento 83 Por meio dessa análise, podemos concluir que o trabalho do professor não é isolado em uma sala de aula, mas articulado a uma concepção de sujeito que se deseja formar. Ciente dos propósitos de formação humana, o professor, ao organizar seu planejamento, pode se posicionar em prol de uma organização com vistas à formação de sujeitos autônomos, reflexivos e críticos, coerentemente com o que está previsto no PPP da escola em que trabalha. Assim, ao trabalhar com um conhecimento essencial a que o estudante tem direito, o professor o faz sem desconsiderar os saberes que ele já tem e sem se omitir de sua função de mediador no processo de ensino e de aprendizagem. Esse docente deve, então, organizar-se por meio de um planejamento que valorize a formação humana integral. O que significa isso? Exemplo: Ao planejar, o professor organiza tempos e espaços que levam em conta quem são os estudantes e sua fase de desenvolvimento. Se são alunos da educação infantil, a interação e a brincadeira devem se fazer presentes, pois é por meio destas que eles aprendem, desenvolvem-se e se socializam. Dessa forma, ao sistematizar um planejamento de ensino e de aula, o docente precisa pensar: por quanto tempo as crianças estarão envolvidas nessa proposta? Qual é o espaço disponível para realizá-la? Como organizar o espaço para a atividade? Os materiais são adequados à faixa etária? Será preciso repetir essa proposta em outro momento ou apenas uma vez será suficiente para os alunos compreenderem a atividade e, além disso, aprenderem sobre o conhecimento envolvido na atividade? Com esse exemplo, não queremos dizer que apenas na educação infantil a interação e a brincadeira devem ser contempladas. Nossa intenção é propor ao professor questionar o seu planejamento, de modo que este não se torne linear ou um mero preenchimento burocrático, esquecendo-se de quem são os seus estudantes. Planejar não é uma ação fria e neutra, mas ocorre com base nas concepções de ensino e de aprendizagem. Se o professor, por exemplo, acredita que o sujeito não tem nenhum saber e que deve dominar as habilidades previstas na BNCC, certamente organizará atividades de treino, sem reflexão crítica sobre o conhecimento a ser ensinado. Ao contrário, se o profissional se fundamenta em uma concepção sociocrítica, organizará seu planejamento e colocará em prática, de modo contextualizado, os conhecimentos essenciais determinadosna BNCC, além de selecionar metodologias e organizar tempos e espaços adequados à aprendizagem dos estudantes, sem desmerecer os saberes que estes já possuem sobre o mundo. Em uma concepção sociocrítica de educação, o planejamento do professor não é uma ação solitária. Prevê a participação de outros docentes e da equipe gestora, que colaboram com as discussões sobre os processos de ensino e de aprendizagem; as metodologias de ensino; Didática84 as concepções presentes no PPP; as avaliações institucional e da aprendizagem; entre outros estudos e reflexões que sejam pertinentes à organização do trabalho pedagógico, vislumbrando planejamentos de ensino e de aula que atinjam os objetivos educacionais. Para que o professor organize os seus planejamentos de ensino e de aula e contemple as dez competências previstas na BNCC no seu fazer pedagógico, é necessário que ele tenha essas competências. Assim, uma equipe escolar comprometida em desenvolver nos estudantes o que está previsto no documento norteador dos currículos, buscará uma formação continuada em que esses saberes se consolidem. Exemplo: Vamos tomar como exemplo a 10ª competência: “agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” (BRASIL, 2018, p. 10). Essa competência deve perpassar o planejamento de ensino e de aula do professor, caso isso não aconteça, o estudante não saberá agir de acordo com o que ela objetiva. Além disso, o professor deve ter essa competência ou não proporcionará vivências no ambiente educativo de forma a desenvolvê-la no estudante. Por isso, é importante haver reflexões sobre as necessárias competências do professor para que estas sejam desenvolvidas nos alunos. Dessa forma, a relação entre teoria e prática deve estar presente no trabalho docente. Se desejamos formar para a integralidade, precisamos buscar essa integralidade em nossas ações e na dialogicidade com os estudantes. Como afirma Freire (2005), o ser humano é um ser da práxis, logo, pode refletir sobre seus fazeres e, caso perceba que não há coerência entre o que afirma e o que pratica, tem condições de rever sua trajetória e redirecioná-la. Assim, um professor, quando se autoavalia e verifica distanciamento entre o que ensina e o que concretiza em suas ações, tem capacidade de transformar seu fazer pedagógico como também a si mesmo, enquanto sujeito que pensa sobre sua prática e sobre sua própria formação, com autonomia e responsabilidade para modificar-se. Considerações finais Planejar é próprio dos seres humanos. Se planejamos, podemos, em vez de agir ao acaso, prever os passos de nossas ações e, com isso, avaliar se tomamos acertadamente nossas decisões ou não. Ao sistematizar o planejamento, não precisamos esperar o final de sua execução para realizar avaliações, podemos fazê-las ao longo do percurso. Elementos constitutivos do planejamento 85 No caso do planejamento no âmbito educativo, diante da função social da escola, os profissionais envolvidos na organização do trabalho pedagógico devem realizá-lo com comprometimento e ética. O planejamento organizado comprometidamente terá objetivos claros, encaminhamentos didáticos que considerem quem são os estudantes, tempos e espaços definidos para que os conhecimentos científicos sejam trabalhados e desafiem os estudantes a aprenderem. A ética dos profissionais estará presente à medida que os princípios da democracia se consolidem no planejamento e em sua execução, havendo o cuidado para que, caso algum estudante demonstre dificuldade em compreender determinado conceito, haja a retomada e a reorganização das estratégias de explicitação do conhecimento, consolidando-se o direito de todos aprenderem. O trabalho coletivo não se efetiva apenas estando-se presente no momento do planejamento, mas quando todos os profissionais da escola se envolvem no sucesso do estudante. Ampliando seus conhecimentos • FERREIRA, Francisco Whitaker. Planejamento sim e não: um modo de agir num mundo em permanente mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. No livro, com prefácio de Paulo Freire, o autor trata das ações que os profissionais deveriam realizar antes de colocar seu planejamento em prática. Traz discussões essenciais para os educadores, como a necessidade de fundamentar-se em três principais pontos para a realização do planejamento: preparação do plano (pesquisa, discussão e sistematização), efetivação do que foi descrito e avaliação. • NENHUM a menos. Direção: Zhang Yimou. China: China Film Group Corporation, 1999 (106 min.). O filme retrata o drama de uma menina chinesa de 13 anos que é convidada a substituir seu professor, pois este precisa se ausentar das aulas para cuidar de sua mãe doente. Determinada a cumprir o desafio de ser professora, a menina não pode deixar nenhum estudante desistir. Como ainda é muito jovem, muitas vezes ela age como se não fosse a docente e tem dificuldades em assumir uma postura de autoridade diante dos alunos. • BRASIL. Ministério da Educação. As 10 competências gerais da BNCC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_AS_DEZ_COMPETENCIAS. mp4. Acesso em: 21 abr. 2019. O vídeo apresenta didaticamente as dez competências gerais que perpassam os conhecimentos essenciais a serem trabalhados na educação básica e consolidados ao final do ensino médio. https://www.google.com.br/search?q=nenhum+a+menos+dire%C3%A7%C3%A3o&stick=H4sIAAAAAAAAAOPgE-LUz9U3MLEoMszREstOttJPy8zJBRNWKZlFqckl-UWLWCXyUvMySnMVEhVyU_PyixVAMoeXH16cDwBi69npQAAAAA&sa=X&ved=2ahUKEwjC1u2B7tzhAhXiGbkGHXs9D3YQ6BMoADAaegQICxAK https://www.google.com.br/search?q=nenhum+a+menos+zhang+yimou&stick=H4sIAAAAAAAAAOPgE-LUz9U3MLEoMsxRAjMNTTJSkrTEspOt9NMyc3LBhFVKZlFqckl-0SJWqbzUvIzSXIVEhdzUvPxihaqMxLx0hcrM3PxSAESe9sNNAAAA&sa=X&ved=2ahUKEwjC1u2B7tzhAhXiGbkGHXs9D3YQmxMoATAaegQICxAL Didática86 • SILVA, Andréa Villela M. A pedagogia tecnicista e a organização do sistema de ensino brasileiro. Revista HISTEDBR On-line, Campinas. n. 70, p. 197-209, dez. 2016. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/316901276_A_pedagogia_tecnicista_e_a_ organizacao_do_sistema_de_ensino_brasileiro. Acesso em: 20 abr. 2019. O artigo traz uma perspectiva histórica do tecnicismo no Brasil, contextualizando como essa tendência pedagógica ainda está presente na organização escolar, uma vez que o sistema capitalista de produção exige da sociedade uma formação humana que responda aos seus interesses e uma mão de obra que se ajuste às suas demandas. Atividades 1. Explicite a diferença entre a flexibilização da ação docente diante do planejamento e o improviso do professor sem compromisso com a organização desse documento. 2. Diferencie planejamento de ensino e plano de aula. 3. Observe a imagem e discorra sobre os níveis de planejamento nos processos educacionais. BNCC Adequação dos currículos Adequação dos PPPs Fonte: Elaborada pela autora com base em Vasconcellos, 1992; Gandin, 1994; Gesser, 2011 e Libâneo (2006). Referências BRASIL. Ministério da Educação. As 10 competências gerais da BNCC. Disponível em: http:// basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_AS_DEZ_COMPETENCIAS.mp4. Acesso em: 21 abr. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. 2018. Disponível em: http://download.basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 21 abr. 2019. FERREIRA, Francisco Whitaker. Planejamento sim e não: um modo de agir num mundo em permanente mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. Elementos constitutivos do planejamento 87 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. GANDIN, Danilo. A prática do planejamento participativo. Petrópolis: Vozes, 1994. GESSER, Verônica. O planejamento educacional: da gênese histórico-filosófica aos pressupostos da prática. Curitiba: CRV, 2011. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo:Cortez, 2006. LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreia; TOSCHI, Mirza Seabra. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2012. LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994. SILVA, Andréa Villela Mafra da. A pedagogia tecnicista e a organização do sistema de ensino brasileiro. Revista HISTEDBR On-line, Campinas. n. 70, p. 197-209, dez. 2016. Disponível em: https://www.researchgate. net/publication/316901276_A_pedagogia_tecnicista_e_a_organizacao_do_sistema_de_ensino_brasileiro. Acesso em: 20 abr. 2019. SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1989. VASCONCELLOS, Celso dos S. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. São Paulo: Libertad, 1992. 7 Reflexões sobre métodos de ensino Neste capítulo, explicitaremos a importância de selecionar metodologias que coadunem com a concepção de ensino e de aprendizagem defendida no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, pois se nele há a defesa de um sujeito crítico, reflexivo e partícipe da sociedade, as formas como ensinamos e as relações entre professor e estudante precisam estar de acordo com essas proposições. Destacaremos a importância de nós, professores, reconhecermos as tendências pedagógicas que fundamentam as ações no processo educativo, pois muitas vezes acabamos por reproduzir a maneira como fomos ensinados em nosso tempo de estudantes, ainda que em nosso discurso haja certa criticidade. É necessário buscar a coerência entre a concepção e a prática educativa. Outro assunto a ser discutido é a importância de realizarmos o planejamento de ensino e de aula, registrando critérios de ensino-aprendizagem, objetivos, metodologias e sistematizando também as estratégias e os recursos a serem empregados, objetivando a aprendizagem de todos os estudantes. Para a sistematização e a organização de planejamentos coerentes, que explicitem objetivos de ensino e de aprendizagem e encaminhamentos metodológicos que promovam a apropriação e a reelaboração dos conhecimentos científicos a que os estudantes têm direito, discutiremos também a importância da ludicidade, incluindo jogos, brinquedos e brincadeiras na organização do trabalho pedagógico. Também refletiremos sobre a concepção de ambiente educativo necessária à organização de tempos e espaços de aprendizagens significativas. 7.1 Uma conversa sobre metodologias de ensino Como já vimos anteriormente, as concepções de homem, de sociedade, de ensino e de aprendizagem direcionam os encaminhamentos em sala de aula. Muitas vezes o professor tem um discurso crítico, mas ao colocar em prática seu planejamento, não há efetivação de uma proposta que vá ao encontro do que apregoa. Nesse sentido, precisamos retomar as concepções de ensino e aprendizagem e enfatizar o “como” realizar em sala de aula, a fim de que possamos proceder a uma avaliação permanente do nosso fazer pedagógico, buscando uma coerência entre os objetivos estabelecidos no planejamento e a metodologia utilizada. Assim, a metodologia diz respeito ao caminho utilizado até a efetivação do objetivo estabelecido, são os processos necessários para que as aprendizagens se consolidem. A fim de atingir os objetivos educacionais, podemos nos remeter a diversos métodos de ensino; esse conjunto de Vídeo Didática90 métodos é a metodologia. No entanto, ao utilizarmos essa metodologia, não podemos esquecer as concepções que embasam nossas ações. Segundo Mizukami (2003), é necessário pensar na intencionalidade do projeto educativo, quando se apregoa uma teoria deve-se ter em mente uma prática, uma forma de encaminhar o trabalho pedagógico que coaduna com essa abordagem e busca explicar os processos de ensino e de aprendizagem. Na concepção tradicional, o professor está no centro do processo, a pedagogia é transmissiva, o estudante não tem saberes prévios, logo, a metodologia utilizada não dará voz ao que ele já sabe de suas aprendizagens em outros espaços educativos. Busca-se sempre o silêncio absoluto, as carteiras e cadeiras enfileiradas, com estudantes sentados um atrás do outro. O professor transmite aos estudantes o que está previsto no bimestre, trimestre ou no ano sem se preocupar com a aprendizagem deles. Nesse contexto, são comuns frases como: “Eu ensinei, ele que não se esforçou!”, “Eu fiz minha parte, ele que reprovou sozinho!”, “A matéria é essa. Se ele não aprendeu, a culpa não é minha!”, “Na minha disciplina ele está reprovado, pois não sabe nada.” Outras afirmações que carregam concepções de ensino e de aprendizagem excludentes são frequentes no cotidiano escolar, buscando justificar as não aprendizagens dos estudantes. Conforme Mizukami (2003), a concepção de ensino tradicional é externa ao aluno, que precisa ser capaz de acumular informações, enfatizando a preocupação com a apresentação dos conteúdos em detrimento da compreensão dos processos. A aprendizagem, em uma metodologia tradicional, tem as seguintes características: • Método expositivo em que o professor fala e o estudante ouve. • O trabalho intelectual do estudante acontece após a explicação do professor. • O ambiente educativo não é planejado pelo professor. • Um estudante senta-se atrás do outro. • A avaliação é tradicional, portanto, excludente e classificatória. Para Becker (1993), o produto desse tipo de encaminhamento metodológico será alguém que abre mão do seu direito de pensar; é a morte da crítica, da criatividade e da curiosidade. Para que pensar, se tudo já está pronto? Para que saber como funciona a sociedade? Para que saber de onde vem o conhecimento se apenas quero estudar para arrumar um emprego? A subserviência está decretada. De acordo com Saviani (2013), na pedagogia tradicional o centro do fazer educativo é o intelecto, prescindindo de todas as outras dimensões humanas. O conhecimento é passado como verdade absoluta, professor e estudante não interagem com os saberes científicos, pois estes têm uma suposta neutralidade. Ao professor, cabe transmiti-los; aos alunos, memorizá-los sem reflexão. Assim, o conhecimento seria ensinado ao estudante, mas o questionamento, a reflexão, a historicidade dos saberes científicos não seriam explicitados. Reflexões sobre métodos de ensino 91 Exemplo: Em uma aula de Matemática tradicional, uma professora ensinaria o sistema de numeração decimal (SND) de forma transmissiva, sem reflexão, propondo aos estudantes que cobrissem os pontilhados para aprender o traçado dos números, ligassem o número à quantidade, escrevessem do número um ao dez e assim por diante. Se o currículo do primeiro ano previsse que os estudantes dominassem, até o final do ano letivo, os números de um a cem, esse encaminhamento se repetiria, os estudantes estariam sentados sempre um atrás do outro e o professor proporia atividades de cópia dos números, de completar com sucessor e antecessor para reforçar o conteúdo, entre outras. Já um professor fundamentado em uma proposta crítica, cujo objetivo é formar sujeitos que refletem sobre o contexto social em que estão inseridos, primeiramente buscaria ensinar de forma prática e concreta a base 10, que é o fundamento do SND, para não reproduzir com os estudantes a forma como obteve esse conhecimento. Também reconheceria que esse sistema foi elaborado e sistematizado pela humanidade, e mesmo a Matemática, uma ciência exata, seria contextualizada historicamente. Dessa forma, poderia iniciar seu planejamento contando a história dos números e estimulando os estudantes a contarem nos dedos e fazerem a inter-relação com a vida em sociedade. Os jogos e a problematização estariam presentes, partindo do pressuposto de que todos são capazes de aprender. Como a avaliação é processual e diagnóstica, o professor observaria, no decorrer do ano, o avanço dos estudantes no processo de construção do conhecimento. Diante da dificuldade de algum estudante, haveriaa necessidade de reelaboração do planejamento e de elaboração de novas estratégias, de modo que se consolidassem as aprendizagens necessárias para aquele ano letivo. Ao organizar o trabalho pedagógico contextualizando e historicizando os saberes, de forma com que os estudantes reelaborem seus saberes adquiridos em suas vivências, o professor tem condições de levantar questionamentos, de instigar os sujeitos a buscarem novas soluções para as problematizações relacionadas aos conhecimentos científicos. Como podemos observar, não há neutralidade nas metodologias de ensino, pois se o professor se fundamentar em uma pedagogia tradicional, não haverá criticidade nem historicidade, mas reprodução. Essa forma de ensinar, segundo Saviani (2013), está relacionada a uma visão hegemônica, a qual traz em seu bojo a manutenção de uma sociedade excludente e classificatória, Didática92 o que corrobora com um fazer educativo que não considera as diferenças entre os estudantes e suas diversas formas de aprender. Dessa maneira, se há estudantes que não atingem os objetivos propostos pela escola, há culpabilização desses sujeitos, o que acaba impedindo a busca por estratégias que venham possibilitar a aprendizagem a que todos têm direito. A corrente pedagógica renovada, também chamada de Escola Nova, surgida na Europa e nos Estados Unidos no século XIX, toma força no Brasil entre as décadas de 1920 e 1930, fazendo severas críticas à escola tradicional e principalmente a seus métodos de ensino. Para seus defensores, essa escola não ensinava a pensar, mas apenas a copiar (GADOTTI, 1996). Essa corrente pedagógica teve como marco o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, um documento elaborado por 26 educadores, como Anísio Teixeira (1900-1971), Fernando de Azevedo (1894-1974), Lourenço Filho (1897-1970), entre outros nomes da educação nacional. Esse documento oferecia novas diretrizes para a educação do Brasil e defendia a adaptação da escola à nova fase de desenvolvimento produtivo do país (GADOTTI, 1996). Defendia-se que a escola não deveria ser privilégio de alguns, mas ser de acesso a todos, e, portanto, laica, gratuita e obrigatória. Nesse sentido, houve avanços na concepção de uma escola democrática. No entanto, Saviani (2013) denomina a pedagogia da Escola Nova de pedagogia da existência, para o autor, essa tendência tira o foco dos conteúdos escolares e, portanto, do conhecimento científico, trazendo para o cerne da escola o aprender a aprender. Segundo Saviani, essa concepção privilegia o individualismo e a meritocracia. Se o sujeito não for ativo, não buscar aprender, não realizar as atividades propostas e não se esforçar, ele não aprenderá, pois o professor é apenas um facilitador. A metodologia de uma escola que fundamentasse suas ações na pedagogia da Escola Nova teria as seguintes características: • Métodos ativos: os estudantes têm autonomia para descobrir os conhecimentos ‒ trabalhos em grupo, dinâmicas e pesquisas. • Tem como base o pragmatismo: aprender fazendo. • O professor é o facilitador: o ambiente educativo é planejado pelo professor, porém o estudante tem autonomia para nele agir. • O estudante aprende de acordo com seus interesses: precisa ter experiências por meio das atividades propostas pelo professor. É preciso frisar que entre 1964 e 1985 o Brasil passava pela ditadura militar. Nesse contexto, os objetivos educacionais voltavam-se para a formação de um homem produtivo e eficiente, mas que não questionasse, fosse subordinado à ideologia dominante (SAVIANI, 2013). A pedagogia tecnicista, que segundo Saviani (2013) também é tradicional, valorizava os objetivos instrucionais, os recursos audiovisuais, a produtividade do estudante, as técnicas e os manuais. O professor era aquele que aplicava atividades sem refletir ou discutir com os estudantes. O que se priorizava era o saber fazer, não o saber pensar sobre o conhecimento. Reflexões sobre métodos de ensino 93 Enquanto na pedagogia tradicional o professor era o centro do processo, na pedagogia tecnicista tira-se dele esse papel, pois o docente se torna um executor dos manuais. O filme Tempos modernos, de Charlie Chaplin, traz um retrato dessa visão de homem e de sociedade que espera que os sujeitos apenas reproduzam o que está posto na sociedade. O sujeito apenas deve saber a técnica, sem diálogo, sem reflexão e reproduzir ações. Nessa perspectiva, o trabalhador não tem o domínio do conhecimento sobre o processo de elaboração do seu trabalho. O que cabe a ele é fazer muito bem uma parte do produto, portanto, não se espera da escola a formação crítica desse homem trabalhador. Essa pedagogia ainda está muito presente nas escolas brasileiras, mas não contribui para a formação de um sujeito que questiona, reflete, se posiciona sobre a sociedade em que vive. Logo, o método de ensino é a instrução, em que o estudante está sendo preparado para ocupar o mercado de trabalho, o que Saviani (2013) denomina de mecanicismo. Destaca-se que a metodologia utilizada no tecnicismo tem as seguintes características: • Foco no planejamento burocrático e não no planejamento pensado, tendo em vista quem é o estudante e as aprendizagens a que tem direito. • Nem o aluno nem o professor são o centro do fazer educativo e sim as técnicas, os materiais e os objetivos. Há um discurso em prol da neutralidade dos métodos de ensino. • O aluno tem que assimilar passivamente o saber dos manuais de ensino, os quais transmitem o saber científico, que não é historicizado. • Não há dialogicidade entre professor e estudante. • A formação é voltada para o mercado de trabalho e para a técnica, sem reflexão, pois o objetivo é cumprir as novas demandas da sociedade capitalista. Segundo Luckesi (2003), o interesse era formar sujeitos competentes e, assim, a escola deveria ter métodos voltados à racionalização e à objetividade, com professores que eram responsáveis por passar a verdade científica aos estudantes, garantindo de forma eficaz (por meio de métodos, técnicas, livros, manuais, recursos tecnológicos, objetivos instrucionais) o conhecimento que deveria ser aprendido pelos discentes. A avaliação na pedagogia tecnicista é excludente, pois aqueles que não se adaptavam à suposta neutralidade, objetividade e racionalidade dos métodos eram reprovados e marginalizados, o que gerava altos índices de abandono escolar. Paulo Freire (1921-1997) questionava o ideário tecnicista. Para ele, o sujeito não deveria apenas estar no mundo, mas refletir sobre ele, de forma que pudesse interagir, dialogar, se apropriar do conhecimento e das diferentes culturas, mas também as construir. Freire (1997) defendia que os professores assumissem uma postura crítica, em que predominasse o diálogo com os estudantes, o que os levaria a uma postura inquieta sobre a sociedade vigente, com questionamentos e crítica sobre ela. Paulo Freire levantava reflexões profundas sobre a necessidade de uma educação humanizadora e, para isso, seu método de alfabetização de adultos tinha como características: Didática94 • respeitar o educando e seus saberes; • pensar criticamente a sociedade – o sujeito está na sociedade e tem possibilidades de agir sobre ela; • considerar os contextos dos sujeitos e suas culturas para alfabetizar; • superar o que denomina de consciência mágica para uma consciência crítica. Os educandos podem questionar a sociedade que é historicamente construída; • trabalhar, na alfabetização, com palavras que tinham significado para os trabalhadores. Estas eram contextualizadas e posteriormente o aluno era apresentado a elas, pois para Freire (1989, p. 9): “a leitura de mundo precede a leitura da palavra.”; • combater o mito da neutralidade educacional. De acordo com Freire (1989), a suposta neutralidade negava o caráter político da educação. A educação é sempre voltada a favor de algo, de quem ou do quê; • buscar, por meio da dialogicidade, a superação da educação bancária, em que o professordepositava e os estudantes recebiam. O processo de abertura democrática, que ocorreu em meados dos anos 1980, consolidando- se na Constituição Federal de 1988, possibilitou a ascensão dos movimentos de estudo, discussão, reflexão e reivindicação dos educadores brasileiros em prol do acesso e da permanência dos estudantes na escola como também o direito à aprendizagem. Nesse sentido, as pedagogias contra- hegemônicas ganharam força (SAVIANI, 2008). Com isso, a denominada pedagogia crítico-social dos conteúdos de Saviani (2008) ganha força, defendendo o ensino de conteúdos vivos, concretos e que fazem sentido para os sujeitos na sua vida em sociedade. Os conteúdos a serem ensinados são os conhecimentos científicos, históricos e culturais sistematizados pela humanidade, a que os estudantes têm o direito de ter acesso no espaço da escola. Os conteúdos são patrimônio de todos os homens e não apenas de uma elite e, se foram sistematizados pelos homens, podem ser historicizados e, portanto, questionados. Para a pedagogia crítico-social os conteúdos devem ser analisados e trabalhados à luz da história e das realidades sociais (SAVIANI, 2008). O professor, nessa tendência, é um mediador e seleciona metodologias que possibilitem ao estudante se apropriar dos conhecimentos: • O método a ser selecionado levará em conta os contextos histórico-políticos e sociais dos estudantes, a fim de aproximar o conhecimento científico à vida destes. • O aluno tem saberes advindos de sua experiência imediata e o professor organiza o ambiente educativo e a sua intervenção pedagógica com vistas à apropriação do conhecimento científico. • A aprendizagem significativa parte do que o estudante já sabe para o que ele ainda não domina, mas será ensinado pelo professor. • Vale-se de modelos de ensino em que se destaca a relação entre conteúdos de ensino e as vivências sociais, articulando-se o político e o pedagógico, pois, para a pedagogia histórico-crítica, não há neutralidade no ato educativo. Reflexões sobre métodos de ensino 95 • Utiliza-se da dialética, o que prevê a ação-reflexão-ação como balizadora das ações educativas. Diante dessas reflexões, a pedagogia histórico-crítica entende que a educação é mediadora entre os saberes advindos do senso comum dos sujeitos e os conhecimentos sistematizados (científicos), logo todos os saberes partem da prática social global e voltam para ela. Ao pensar nos recursos, estratégias e encaminhamentos metodológicos a serem utilizados pelo professor em seu trabalho pedagógico segundo essa tendência pedagógica, não se exclui a possibilidade de contemplar o trabalho em grupo, a utilização das tecnologias digitais, de diferentes livros, laboratórios e equipamentos que possibilitem aos estudantes reelaborar o conhecimento científico, ultrapassando o senso comum. Ainda é muito comum nas escolas os professores recriminarem os estudantes pelo uso das tecnologias digitais em sala de aula. No entanto, é preciso mudar a concepção para que a prática nesse ambiente seja modificada, se os professores continuarem a combatê-la, perderão uma importante aliada no trabalho educativo. Um professor pode permitir o uso de tecnologias digitais em sala de aula sem abrir mão de sua função de mediador se mantiver uma postura aberta ao diálogo com os estudantes, tirando dúvidas sobre o conteúdo trabalhado ou mesmo lançando perguntas sobre a pesquisa a ser feita, incentivando a turma a novos desafios. A tecnologia é produto da ciência e o professor deve aceitar o desafio de utilizá-la em sala de aula, mas de forma contextualizada e mediada. Caso contrário, estará apenas utilizando novos recursos que podem até contribuir para que os alunos fiquem silenciosos e disciplinados, mas o docente perderá a oportunidade de problematizar os conhecimentos científicos aos quais os estudantes têm direito. Assim, apenas treinamentos sobre o uso de novas tecnologias não são suficientes. É preciso levar aos professores possibilidades de construção de novos paradigmas educacionais, nos quais as novas tecnologias sejam parte de um currículo vivo, reflexivo, inclusivo e com dialogicidade. Os diálogos entre professor e estudantes, estudantes e estudantes, escola e comunidade necessitam estar presentes. Segundo Masseto (2006), a tecnologia precisa ser utilizada de acordo com os objetivos de ensino-aprendizagem, sendo coerente com as concepções presentes no currículo da escola e no PPP. Se nesses documentos há a proposta de uma pedagogia crítica, não cabe utilizar nos encaminhamentos didáticos tecnologias digitais que não promovam a reflexão e a construção de novos conhecimentos. Dessa forma, “precisarão estar coerentes com os novos papéis tanto do aluno, como do professor: estratégias que fortaleçam o papel de sujeito da aprendizagem do aluno e o papel de mediador, incentivador e orientador do professor nos diversos ambientes de aprendizagem” (MASSETO, 2006, p. 143). A criticidade também deve estar presente nas metodologias de ensino que se utilizam das tecnologias, pois se o estudante não é aquele que repete o que foi ensinado, não cabe ao professor transferir o seu papel de transmissor – da pedagogia tradicional – a uma tecnologia digital. Didática96 Para Masseto (2006), é necessário que o professor incentive a participação ativa dos estudantes no processo de aprendizagem e, para isso, deve planejar situações em que haja interação, assim como a pesquisa, o debate e o diálogo, sem abrir mão da ética, do respeito às outras opiniões e ao outro, da historicidade, da criticidade e da sensibilidade. Se o objetivo é a formação integral do sujeito, considerando-o em todas as suas dimensões, como apontam Guará (2006), Moll (2008) e Coelho (2009), não se podem negar ao estudante possibilidades de frequentar uma escola construída e ressignificada tendo em vista uma perspectiva emancipadora e reflexiva. Algumas dessas dimensões podem ser percebidas na figura seguinte, mas não se limitam a estas. O que queremos destacar é a inter-relação entre essas dimensões, pois o ser humano é integral. Figura 1 – Dimensões humanas e o processo de aprendizagem Aluno Criativa Sociocultural Fisico-motora ÉticaCognitiva Estética Lúdica Fonte: Elaborada pela autora com base em Guará, 2006; Moll, 2008 e Coelho, 2009. Diante de uma concepção humanizadora de estudante e de sujeito histórico e partícipe da vida em sociedade, temos uma escola que, buscando garantir sua função social, necessita se atualizar e se apropriar das tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDICs), mas sem deixar de lado a ludicidade nos seus encaminhamentos metodológicos, pois esse recurso possibilita a formação para a sensibilidade, para a empatia, para o diálogo e para a criatividade. A ludicidade, que trataremos com mais detalhes na seção seguinte, é uma dimensão humana que tem sido muitas vezes preterida no espaço escolar. Quando, porém, esse elemento perpassa o planejamento do professor, traz possibilidades de uma pedagogia que valoriza os saberes dos estudantes, não sendo indiferente a eles. Reflexões sobre métodos de ensino 97 7.2 A ludicidade no planejamento do professor A ludicidade está presente na vida dos seres humanos desde a sua tenra idade. Por meio dela, a criança se expressa e se apropria da cultura em que está inserida. Vygotsky (2010) traz em seus estudos a importância do brincar para o desenvolvimento infantil, pois nessa ação a criança demonstra um comportamento mais avançado, sendo, dessa forma, base para comportamentos mais elaborados no futuro. Para Leontiev (2010), a ludicidade é a atividade principal da criança, que se utiliza dessa forma de expressão para resolver conflitos internos e cumprir desejos que são impossíveis de realizar no momento. O estudioso cita o exemplo de uma criança que vislumbra dirigir um carro, porém não pode fazê-lo na realidade. Nessa impossibilidade, utiliza-se do lúdico para realizar o seu desejo. Os dois teóricos trazema nós, educadores, possibilidades de empregar esses fundamentos sobre a aprendizagem e o desenvolvimento humano na organização do trabalho pedagógico, selecionando metodologias que venham a contribuir para a consolidação da função social da escola na garantia do acesso aos saberes mais elaborados. Segundo Vygotsky (2010), o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento. Nesse sentido, ao realizar nosso planejamento, podemos estruturar encaminhamentos metodológicos que venham desafiar os estudantes de forma lúdica a realizarem ações que impulsionem sua aprendizagem e, por conseguinte, seu desenvolvimento. Para o autor, a aprendizagem gera desenvolvimento. Dessa forma, o jogo e a brincadeira, enquanto possibilidades estratégicas do professor para o ensino, não podem ocorrer de forma assistemática, mas sim planejada e organizada, de modo a garantir novos desafios aos estudantes e, assim, novas aprendizagens. Se o professor propõe essas ações apenas quando sobra algum tempo na aula, não será possível aumentar os desafios nem acompanhar os avanços dos estudantes. No jogo e na brincadeira, as crianças entram em contato com o conhecimento científico enquanto socializam, dialogam e expressam seus pontos de vista. Vygotsky (2012) questiona o ensino realizado de forma transmissiva, pois ocorre artificialmente e por meio de exercícios de memorização, resultando em aversão das crianças ao ensino e não proporcionando resultados satisfatórios no processo de aprendizagem. Dessa forma, quando o professor propõe encaminhamentos metodológicos que se fundamentem na ludicidade, não está perdendo seu tempo nem preenchendo o tempo dos estudantes, está possibilitando interação, descobertas e autonomia. Para demonstrarmos como a ludicidade se constitui em um dos elementos a serem considerados na metodologia do professor, vamos primeiramente entender a diferença entre jogo, brinquedo e brincadeira. Vídeo Didática98 • Jogo: acontece em tempos e espaços determinados e pressupõe regras. Estas podem ser construídas anteriormente por determinados grupos sociais, sendo fruto da cultura de um povo ou elaboradas no momento do jogar. Se o professor escolher utilizar jogos para ensinar o conteúdo, necessita descrevê-lo no planejamento: como é, suas regras, o tempo necessário e os objetivos. Eventualmente, o professor deve propor várias vezes o mesmo jogo, dependendo do grau de dificuldade de suas regras, para que os estudantes possam, além de aprender a jogar, apropriar-se do conhecimento que o jogo lhes proporciona. Um jogo de tabuleiro pode ser utilizado pelo professor para ensinar conteúdos, por exemplo: um jogo cooperativo cujo objetivo seja que todos os jogadores cheguem ao final salvando uma floresta dos perigos do desmatamento, articulando, portanto, conteúdos da disciplina de Ciências. Já o tradicional jogo de xadrez desenvolve, segundo Toledo (2008), o raciocínio lógico, a autonomia, a interação, a concentração e o pensamento analítico. • Brinquedo: possibilita à criança um substituto dos objetos reais, colocando-a na presença de sua reprodução, que, segundo Kishimoto (2008), pode ser o que existe na natureza, no cotidiano e nas construções humanas. Os brinquedos disponibilizados aos estudantes no contexto escolar precisam ser selecionados com cuidado, considerando segurança, diversidade de materiais e possibilidades de aprendizagens. • Brincadeira: as brincadeiras tradicionais são transmitidas oralmente e garantem ludicidade. Segundo Toledo (2008), se a escola separa momentos “sérios” de aprender dos momentos de ludicidade, a criança vai relacionando a aprendizagem a algo sempre penoso e difícil. Se as crianças aprendem na brincadeira, por que não considerar essa possibilidade na escola? Essa autora ainda questiona: “Por que as crianças precisam deixar de brincar para serem transformadas no adulto? Por que o adulto não pode brincar?” (TOLEDO, 2008, p. 12). Segundo a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), brincar é um direito de aprendizagem na educação infantil, o que pressupõe a diversificação e o planejamento de brincadeiras pelo professor, ampliando os saberes das crianças sobre as brincadeiras tradicionais, bem como possibilitando que elaborem ou reelaborem novas formas de brincar. No ensino fundamental, mesmo que o direito ao brincar não conste na BNCC, as brincadeiras também podem ser utilizadas para contextualizar conteúdos, espaços e tempos de vivências de aprendizagens. Por exemplo: no quarto ano, a professora vai trabalhar um conteúdo relacionado à vinda dos imigrantes para o Brasil. A fim de iniciar a discussão, realiza uma pesquisa com as famílias dos estudantes para descobrir de que povos são descendentes. A docente pode partir de sua própria história de vida, explorar sua árvore genealógica, para depois investigar as dos estudantes. Ela pesquisa uma brincadeira típica de seus avós, ensina-a às crianças e as estimula a buscar outras brincadeiras junto a seus pais e avós para explorar aquelas trazidas por eles. De posse dessas informações, a professora apresenta o mapa-múndi e localiza os países de origem desses familiares, comenta sobre a cultura desses antepassados e sobre a contribuição deles na cultura brasileira. A docente também constrói com os estudantes um mural com as informações sobre esses povos e sobre sua influência na cultura brasileira. Há muitas experiências de escolas no Reflexões sobre métodos de ensino 99 país que inseriram projetos de resgate do uso de brinquedos, de brincadeiras e de jogos no recreio, tendo excelentes resultados na diminuição da violência nesse tempo/espaço de vivência escolar. Planejar as metodologias de ensino, trazendo a ludicidade como elemento essencial na condução do processo de ensino e de aprendizagem, possibilita ao professor organizar ambientes de aprendizagem em que a brincadeira, o brinquedo, o jogo e os materiais didáticos sejam utilizados de forma a proporcionar aos estudantes ferramentas de ampliação cultural, ao mesmo tempo que lhes fornecem desafios e mediações que lhes permitam consolidar aprendizagens. 7.3 Trilhando caminhos para a consolidação das aprendizagens Para Vygotsky (2010), o que o estudante faz hoje com auxílio dos adultos poderá fazer amanhã com autonomia, pois a mediação realizada lhe possibilitou aprender e, assim, avançar no desenvolvimento. Dessa forma, o estudo sobre a zona de desenvolvimento proximal1 permite ao professor planejar situações didáticas em que o estudante realize com auxílio o que ainda não consegue sozinho, porém, ao fazê-lo com apoio do professor ou dos colegas, avança no processo de aprendizagem e adquire autonomia. Segundo Vygotsky (2010), o bom ensino se adianta ao desenvolvimento. Desse modo, ao organizar o trabalho pedagógico, o professor precisa pensar em diferentes estratégias para que todos os estudantes evoluam em suas aprendizagens e se desenvolvam. Essa teoria nos leva a pensar sobre a importância do professor no processo de aprendizagem e de desenvolvimento dos estudantes. Assim, ao mediar, intervir, propor, organizar, questionar, oportunizar discussões, reflexões, comparações, pesquisas, entre outras ações que possibilitem ao estudante não apenas estar em um ambiente, mas nele interagir e aprender, o professor estará cumprindo seu papel de mediador, contribuindo para que a escola se efetive como um lugar único e propício à construção do pensamento científico e de acesso a ele. Ao organizar o ambiente educativo, não basta o professor colocar nas paredes um alfabeto ou um quadro numérico. É preciso que construa um ambiente vivo e interacional entre estudante e estudantes e estudante e professor, pois a educação não pode estar à margem da vida. Para Vygotsky (2010), sem esse movimento, sem o diálogo e sem o questionamento, a escola torna- -se como a combustão sem o oxigênio, é como respirar no vácuo. Assim, um ambiente educativo propício às aprendizagens pode ter alfabetos, quadros numéricos,textos, jogos e demais materiais didáticos necessários aos encaminhamentos pedagógicos. No entanto, sem a mediação do professor que leve o estudante a interagir nesse ambiente, avançando no processo de aprendizagem, esses recursos perdem o sentido. 1 O nível de desenvolvimento proximal (ZDP), segundo Vygotsky (2010), é a distância entre a zona de desenvolvimento real (ZDR) e a zona de desenvolvimento potencial. É na ZDP que o professor mediador deve atuar, pois, ao fazê-lo, o estudante consolida aprendizagens: o que fazia antes com auxílio, o que revela o seu potencial (com auxílio), passa a fazer com autonomia (ZDR). Vídeo Didática100 De acordo com Forneiro (2008), para que o professor planeje ambientes educativos adequados à concepção de sujeitos autônomos, criativos, capazes de aprender e participantes da vida em sociedade, é necessário se preocupar com as diferentes dimensões do espaço educacional. Primeiramente, a autora diferencia espaço escolar de ambiente educativo, como podemos ver no Quadro 1. Quadro 1 – Diferença entre espaço escolar e ambiente educativo Espaço escolar Ambiente educativo Definido como algo físico. O espaço é uma das dimensões que compõe o ambiente educativo. Relacionado aos objetos que compõem o ambiente: carteiras, cadeiras e mural. Os objetos também compõem o ambiente educativo, porém são planejados tendo em vista o processo de ensino e de aprendizagem. Em uma concepção tradicional de ensino, o espaço é inflexível. Não é modificável de acordo com a proposta de trabalho realizada pelo professor. É considerado elemento curricular e, portanto, em uma concepção crítica, possibilita aos educadores planejá-lo de acordo com os objetivos educacionais. Tem uma pretensa neutralidade. Não objetiva a neutralidade, pois será organizado de acordo com sua concepção e objetivos. O espaço é o lugar onde se ensina. Possibilidade de uma estrutura de oportunidades aos estudantes. Fonte: Elaborado pela autora com base em Forneiro, 2008. Ao objetivarmos a consolidação das aprendizagens dos estudantes e, assim, optarmos por uma concepção de ambiente educativo que promova a interação, o desafio, a problematização, a pesquisa, a elaboração, a criticidade e o questionamento, as metodologias de trabalho não promoverão o silêncio, mas o diálogo. Dessa forma, o ambiente educativo será coerente com a metodologia a ser desenvolvida em sala de aula. Se planejamos ensinar um conteúdo e utilizamos um jogo de tabuleiro como uma das estratégias de trabalho, não haverá silêncio absoluto, pois as crianças estarão sentadas em grupos e buscarão estratégias para jogar com assertividade. Os murais da sala não serão os mesmos o ano inteiro, pois trarão registros do que está sendo produzido pelos estudantes naquela semana ou naquele mês. O ambiente educativo, nessa perspectiva, é muito mais do que um lugar para armazenar as coisas, pois condiciona a dinâmica do trabalho também às aprendizagens. A forma como a escola dispõe e planeja o ambiente educativo diz muito sobre a sua concepção de estudante, de ensino e de aprendizagem. Poderíamos também dizer: “diga-me como organiza o espaço de sua aula e lhe direi que tipo de professor(a) você é e que tipo de trabalho você realiza” (FORNEIRO, 2008, p. 238). Considerações finais As metodologias de ensino selecionadas pelo professor para colocar em prática o planeja- mento de ensino e de aula revelam as suas concepções de ensino e de aprendizagem. Reflexões sobre métodos de ensino 101 Dessa forma, é de máxima importância que os profissionais da escola busquem superar as concepções relacionadas às teorias pedagógicas tradicionais, pois elas consideram o professor como um transmissor de conhecimentos e o estudante como alguém que não tem conhecimento algum. O professor precisa saber o que vai ensinar, dominando o conteúdo e as metodologias, para que possa intervir no processo de construção de conhecimento, o que lhe confere autoridade em sala de aula. No entanto, a autoridade não pode ser confundida com o autoritarismo, pois este não auxilia o desenvolvimento da autonomia dos estudantes, a criticidade, a ética, a reflexão sobre o contexto histórico e cultural e a consolidação da democracia. A autoridade do professor lhe concede legitimidade na gestão de sala de aula. Assim, mesmo que a metodologia escolhida tenha o objetivo de instigar e fomentar o diálogo, a pesquisa e o debate, isso não lhe tira de sua função de mediador no processo de aprendizagem dos estudantes; ao contrário, esse papel é consolidado. Autoridade tem a ver com admiração; já o autoritarismo, com submissão. Que sejamos professores que conquistem a autoridade em sala de aula, pois assim seremos referências positivas para nossos estudantes. Ampliando seus conhecimentos • MACHADO, Silvia Cota. Análise sobre o uso das tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDICs) no processo educacional da geração internet. Revista RENOTE, Porto Alegre, v. 14, n. 2, dez, 2016. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/renote/article/ view/70645/40070. Acesso em: 3 maio 2019. O artigo destaca a necessidade de os professores da atualidade superarem a forma unilateral e rígida de ensinar. O modelo de aprendizagem centrado no acúmulo do conhecimento ou na transmissão do conteúdo do professor ao estudante não contribui para que a aprendizagem colaborativa aconteça. A autora traz um breve histórico da tecnologia e de seu uso pela geração que é nativa digital, contrastando sua utilização pelos professores. • GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2009. O livro apresenta possibilidades para se colocar em prática a pedagogia histórico-crítica. Primeiramente, situa essa tendência pedagógica no contexto histórico-social brasileiro e, em seguida, ressalta a importância do acesso dos estudantes ao saber sistematizado – científico. Destaca a função do professor como mediador do processo de aprendizagem dos estudantes, como também a concepção metodológica decorrente da tendência pedagógica, o que pressupõe a dialética como caminho a ser trilhado. • DRAGO, Rogério; RODRIGUES, Paulo da Silva. Contribuições de Vygotsky para o desenvolvimento da criança no processo educativo: algumas reflexões. Revista FACEVV, Didática102 Vila Velha, n. 3, p. 49-56, jul./dez. 2009. Disponível em: https://docplayer.com.br/254096- Contribuicoes-de-vygotsky-para-o-desenvolvimento-da-crianca-no-processo- educativo-algumas-reflexoes.html. Acesso em: 2 maio 2019. O texto, fundamentado em Vygotsky, traz valiosas contribuições para propor encaminhamentos didático-pedagógicos aos estudantes em idade escolar. Os autores defendem a ideia de que o ser humano está em permanente desenvolvimento e é por meio da mediação e da cultura que nos educamos e, portanto, nos humanizamos. Abordam a questão do brincar e sua função no desenvolvimento de funções psicológicas superiores, que são próprias dos seres humanos: percepção, memória, afetividade, imaginação, linguagem, dentre outros conceitos. Atividades 1. De que forma o professor que se fundamenta na teoria da zona de desenvolvimento proximal pode realizar seu trabalho pedagógico? 2. De que maneira a tecnologia pode estar presente nos encaminhamentos metodológicos do professor? 3. Organize um quadro explicitando as diferenças entre as metodologias utilizadas nas tendências pedagógicas tradicionais e nas tendências pedagógicas progressistas. Referências BECKER, Fernando. A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. Petrópolis: Vozes, 1993. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. 2018. Disponível em: http://download.basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 2 maio 2019. COELHO, Lígia Martha C. da Costa. História(s) da educação integral. Em Aberto, Brasília, v. 22, n. 80, p. 83-96, abr. 2009. Disponível em: http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/2222/2189. Acesso em: 2 maio 2019.GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1996. FORNEIRO, Lina Iglésias. A organização dos espaços na educação infantil. In: ZABALZA, Miguel A. Qualidade em educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1989. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. GUARÁ, Isa. É imprescindível educar integralmente. Cadernos Cenpec, n. 2, p.15-24, 2006. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/168. Acesso em: 2 maio 2019. KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. São Paulo: Cortez, 2008. Reflexões sobre métodos de ensino 103 LEONTIEV, Alexei. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In: VYGOTSKY, Lev S. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2010. LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 2003. MASSETO, Marcos T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: MORAN, José Manuel; MASSETO, Marcos T.; BEHRENS, Maria Aparecida. Novas tecnologias e mediação pedagógica. São Paulo: Papirus, 2006. MOLL, Jaqueline. Conceitos e pressupostos: o que queremos dizer quando falamos de educação integral? In: BRASIL. Ministério da Educação. Salto para o futuro: Educação Integral, 2008. Disponível em: http://www. ufrgs.br/projetossociais/Biblioteca/4_TV_Escola_Educacao_Integral.pdf. Acesso em: 2 maio 2019. MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 2003. SAVIANI, Dermeval. Teorias pedagógicas contra-hegemônicas no Brasil. Foz do Iguaçu, Revista Ideação, v. 10, n. 2, p. 11-28, 2008. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/ideacao/article/view/4465/3387. Acesso em: 11 maio 2019. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez, 2013. TEMPOS Modernos. Direção: Charles Chaplin. Estados Unidos: Continental, 1936. 87 min. TOLEDO, Cristina. O brincar e a constituição de identidades e diferenças na escola. In: II CONGRESSO INTERNACIONAL COTIDIANO: diálogos sobre diálogos, 2008, Niterói. Anais [...]. Niterói: Grupoalfa, 2008. VYGOTSKY, Lev. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 11. ed. São Paulo: Ícone, 2010. VYGOTSKY, Lev. Obras escogidas. Tomo III. Moscou: 2012. Gabarito 1 A sociedade, a escola e a didática 1. Conforme Libâneo (2002), essas questões são fundamentais para refletir sobre a didática em um propósito emancipador, pois não há neutralidade nos processos de ensino. A Didática é uma das disciplinas da pedagogia e contribui para a formação do professor e a ação docente na medida em que trata das condições e dos meios para a efetivação dos processos de ensino, o que responde à pergunta “como ensinar?” Já a pergunta “para quem se ensina?” permite ao professor ir além dos conhecimentos a serem ensinados e olhar o estudante como sujeito ativo nos processos de ensino, com interesses, cultura, uma identidade e uma história de vida que precisam ser considerados. A pergunta “o que ensinar?” diz respeito ao conteúdo a ser trabalhado pelo professor, ou seja, é necessário que se faça cumprir a função social da escola na garantia do direito à aprendizagem, aos conhecimentos científicos, históricos e culturais selecionados no currículo para o trabalho com os estudantes. O questionamento “para que ensinar?” traz os propósitos e os fins da educação: garantir que todos os estudantes aprendam. O professor necessita planejar estratégias diferenciadas e diversificadas para que os diferentes ritmos e formas de aprender sejam respeitados e, assim, as aprendizagens sejam consolidadas. A pergunta “sob que condições se ensina?” traz ao professor reflexões sobre o contexto social, político e econômico em que a escola está inserida. Assim, o objetivo dessa reflexão não é apenas chegar a uma mera constatação e justificativa para a não aprendizagem dos estudantes; ao contrário, deve-se analisar o contexto e verificar as dificuldades, estas servem como diagnóstico para que o trabalho pedagógico aconteça. A crença de que todos são capazes de aprender é fundamental para o trabalho do professor. As discussões sobre “quem ensina?”, por sua vez, permitem ao docente olhar para si, para sua formação inicial e para a necessidade de buscar formação continuada no decorrer de sua carreira. Essa questão contribui para a autoavaliação permanente do professor, apontando para o replanejamento do processo de ensino quando se verifica que há dificuldades na aprendizagem dos estudantes. 2. Na didática instrumental, que tem como pressuposto as pedagogias tradicionais, o professor é um mero executor do que já foi determinado em um currículo prescritivo. Ou seja, o docente não é visto como alguém que reflete sobre sua prática nem como um profissional reflexivo, que revê, retoma e replaneja seu trabalho. Assim, nessa concepção, ele aplica métodos e técnicas sem perceber o estudante como um sujeito de direitos, pois este será um depositário das informações que são transmitidas. Logo, o conteúdo a ser ensinado, assim como as formas de ensino, são carregados de uma pretensa neutralidade, sem uma compreensão dos contextos em que foram produzidos. A escola 106 Didática tem o propósito de formar indivíduos competentes, para exercer um papel no mercado de trabalho. Já na didática reflexiva o professor é o mediador dos processos de aprendizagem dos estudantes e, para isso, lançará desafios, problematizações e intervenções de modo que todos aprendam, pois o aluno é o sujeito da aprendizagem. Ele não é o cidadão do futuro, pois já é cidadão. Os processos de ensino serão pensados, tendo em vista o que se deseja ensinar, para quem se deseja ensinar, como se deseja ensinar, possibilitando ao docente a retomada contínua do planejamento e dos encaminhamentos realizados. Os conteúdos ensinados são contextualizados, a fim de que o estudante relacione os saberes aprendidos com a vida em sociedade. 3. Nessa concepção, o sujeito da aprendizagem é visto como alguém sem voz ativa no processo de aquisição do conhecimento, uma tábula rasa, e cabe ao professor depositar o conteúdo a ser apreendido. Se o estudante não aprender, é culpabilizado. A culpa pode recair sobre seu comportamento desatencioso, sobre seu contexto familiar, sobre a situação econômica da família, entre outras formas de justificar a não aprendizagem. Assim, tem-se uma didática que se fundamenta na meritocracia, pois aprenderão apenas aqueles que se esforçam, que têm condições para assimilar o conhecimento, que têm famílias que os incentivem etc. Os que não se adequam ao que a escola tem para oferecer são excluídos. A sociedade que se deseja nessa concepção, embora o discurso propagado seja, por vezes, em prol da emancipação, é a sociedade que marginaliza os menos favorecidos, aquela que incentiva a competitividade, que propõe a pseudoparticipação como forma de mascarar a democracia prevista na legislação. Essa didática instrucional e tradicional ainda está presente nas escolas brasileiras, que em seus PPPs anunciam uma concepção mais avançada de ensino e de aprendizagem, no entanto, ainda trazem em muitas de suas ações pedagógicas vestígios de uma escola que deseja a disciplina, o silêncio absoluto, vencer o conteúdo sem considerar se houve aprendizagem. A didática reflexiva permite ao professor rever esses encaminhamentos, proporcionando- -lhe condições de se autoavaliar e avaliar os processos pedagógicos dos demais membros do colegiado, a fim de que a escola – como determina a legislação vigente – seja de fato democrática. 2 Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 1. A práxis educativa, segundo Saviani (2009), não é apenas a relação entre teoria e prática, mas a atividade humana que transforma a sociedade. Para que isso seja possível, o professor precisa ser consciente de seu papel diante do processo de ensino e de aprendizagem, que nãose esgota em sala de aula, mas se desdobra em práticas sociais globais. No método dialético defendido por Saviani (2009), o professor terá os seguintes passos para concretizar, com a ressalva de que eles não seguem uma ordem, podendo o docente ir e vir pelos passos até que o estudante tenha domínio do saber científico historicamente acumulado pela humanidade. Gabarito 107 Professor mediador do processo educativo Prática social: ponto de partida Problematização Prática social: ponto de chegada Catarse Instrumentalização Fonte: Elaborada pela autora com base em Saviani, 2009. 2. As pedagogias liberais têm a função de preparar os indivíduos para essa sociedade, não buscando encaminhamentos metodológicos em que o conhecimento científico, histórico e cultural sejam alicerce para a criticidade. A intenção é preparar o indivíduo para ocupar lugares predeterminados na sociedade. Há ênfase na igualdade de oportunidades, mas baseada em uma ideia de meritocracia: se o aluno não conseguiu aprender, é porque não se esforçou, não porque não lhe foram dadas as condições para a aprendizagem. As pedagogias progressistas atuam na contramão das pedagogias liberais, pois instru- mentalizam os estudantes com conhecimentos científicos ao mesmo tempo que possibilitam aos envolvidos no processo de ensino e de aprendizagem realizar crítica à organização da sociedade. Assim, ao organizarem o trabalho pedagógico, buscarão utilizar encaminhamentos em que os estudantes tenham voz, sintam-se desafiados a aprender, mas tenham na figura do professor (como na teoria crítico-social dos conteúdos) um mediador dos processos de aprendizagem. 3. O pedagogo necessita diagnosticar na escola em que trabalha as concepções que perpassam a prática dos docentes, a fim de selecionar estratégias formativas de modo que os professores analisem a sua própria prática educativa e busquem superar aquelas que não levam à formação de sujeitos reflexivos, críticos, autônomos e atuantes na vida em sociedade. Esse profissional pode também encontrar estratégias para retomar o planejamento dos professores que não estão atuando de acordo com os pressupostos em prol da emancipação humana. Assim, o pedagogo pode intervir nos três momentos do planejamento: na sua elaboração, no momento de sua execução e na avaliação como um todo. Quando o pedagogo participa de momentos avaliativos do planejamento, ele auxilia a consolidação de uma avaliação formativa, que tem o seu foco no processo de ensino e de aprendizagem, ou seja, não é apenas o estudante que está sendo avaliado, mas também o professor, com o intuito de promover a retomada dos processos de ensino. 108 Didática 3 Planejar para quem? 1. O professor que fundamenta seu trabalho na teoria de Vygotsky atua como um mediador no processo de aprendizagem do estudante, contribuindo para seu desenvolvimento, pois de acordo com esse teórico, a aprendizagem precede o desenvolvimento. Ao atuar na zona de desenvolvimento proximal, que é a distância entre a zona de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento potencial, o professor auxilia o estudante a fazer com autonomia aquilo que não consegue fazer sozinho. Ao mediar, lançando desafios, problematizações, auxiliando o estudante a avançar no processo de consolidação das aprendizagens, o professor contribui para sua autonomia e para o desenvolvimento de suas potencialidades. Esse processo de aprendizagem no espaço escolar é permanente e sistemático, pois à medida que o estudante consolida aprendizagens, o professor organiza outras mediações, levando o estudante a avançar. 2. Como afirma Paulo Freire (1996), para ser professor e ensinar é necessário rigorosidade metódica, organizar o ensino de maneira que o estudante sinta-se instigado a saber mais, a questionar, a comparar, a superar seus conhecimentos advindos de outros grupos sociais. Para o autor, ensinar não pode se distanciar da pesquisa, pois como aguçar a curiosidade dos estudantes para que procurem outras formas de chegar à mesma resposta, que não se contentem com respostas prontas, se o professor também não exercer a “curiosidade epistemológica” (FREIRE, 1996)? É a superação da visão ingênua sobre o conhecimento, sobre a sociedade, sobre o ensino e sobre a aprendizagem. Outro ponto fundamental para contra-argumentar a afirmação é a necessidade de o professor ser um profissional reflexivo. Essa reflexão, segundo Schön (1992), deve ocorrer de forma articulada e contínua, por meio do conhecimento sobre a prática, da reflexão sobre a prática e da reflexão sobre a reflexão na ação. 3. Para ensinar determinado conhecimento aos estudantes, objetivando que todos aprendam, o professor precisa realizar um planejamento que considere os diferentes ritmos de aprendizagem dos estudantes e as diferentes formas de aprender. Assim, quando o professor tem compromisso com um PPP emancipador, buscará diversificar as atividades. Tornará o conhecimento trabalhado em sala atrativo a todos: jogos, materiais didáticos, brincadeiras, leituras de textos são algumas estratégias de que o professor pode lançar mão para que todos se sintam desafiados. Já nas atividades diferenciadas, o professor realiza o planejamento de forma personalizada, pensando na dificuldade do estudante ou como ele se sente desafiado. Se o estudante já consolidou seus conhecimentos antes dos demais, o professor deve diagnosticar em que momento da aprendizagem ele está e propor novos desafios e problematizações, para que possa continuar avançando. Gabarito 109 4 Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização do planejamento 1. Enquanto a avaliação de sistema ou de larga escala opera em nível macro, a avaliação institucional e a avaliação da aprendizagem ocorrem dentro do espaço escolar. Avaliação de sistema ou de larga escala: avalia os processos de ensino de uma forma macro, o que permite a reorientação ou o planejamento de políticas públicas. Avaliação institucional: avalia como o PPP é colocado em prática, a sua concepção de ensino, de aprendizagem, de avaliação, de gestão democrática, de ambiente educativo, entre outros elementos essenciais para o trabalho educativo, tendo em vista a consolidação das aprendizagens. Assim, a comunidade escolar (professores, pedagogos, funcionários, famílias e estudantes) avalia a organização do trabalho pedagógico realizado pela escola, discutindo e articulando os elementos avaliados a um diagnóstico da unidade educativa, o qual possibilita gerar um plano de ação coletivo em que se estabelecerão responsabilidades, objetivos, estratégias, recursos, tempos e espaços para melhoria do trabalho educacional. Avaliação da aprendizagem: refere-se à avaliação organizada pelo professor, com vistas a verificar como os estudantes estão aprendendo o que é ensinado. Nesse nível de avaliação, o professor também pode realizar uma autoavaliação, pois, ao analisar sua turma e o percurso de aprendizagem de cada estudante, ele checa a necessidade de replanejamento de ensino e de aula. Enquanto a avaliação em larga escala é externa à escola, a avaliação institucional é interna. Assim, quando o colegiado organizar-se coletivamente para refletir sobre esses índices, pode inter-relacionar os dados advindos dos dois níveis de avaliação, possibilitando uma reflexão sobre o ambiente educativo, o que resulta em mais possibilidades de organização do trabalho pedagógico. 2. O professor tem mais possibilidades de registrar o avanço dos estudantes e replanejar a partir da elaboração de portfólios que demonstram o percurso dos discentes. Esse instrumento de registro permite superar a visão de que o professor seja o “examinador” e o estudante, o “examinado”. Com esse instrumento de registro, o estudante tem condições de refletir sobre seu próprio processo de aprendizagem, verificando o quanto já avançou e o quanto ainda precisa superar para consolidar conhecimentos. Professor e estudante podem comparar as primeiras atividadescom as últimas, analisando o resultado do trabalho de ambos. Dessa forma, é necessário desconstruir posturas autoritárias e verticalizadas de avaliação da aprendizagem, em que o professor espera que o estudante responda exatamente o que ele ensinou. Na concepção emancipatória e mediadora de avaliação da aprendizagem, observa-se, registra-se e medeia-se. Há desenvolvimento da autonomia, da reflexão, do compartilha- mento de informações, da criatividade do estudante e do uso de diferentes linguagens para expressar o que vem sendo consolidado. 110 Didática 3. Avaliação em uma perspectiva emancipatória: nessa concepção, considera-se a hetero- geneidade dos estudantes, com suas múltiplas formas de aprender e diferentes ritmos de aprendizagem. A avaliação diagnóstica é proposta pelo professor com vistas ao planejamento de ensino e de aula, com atividades diferenciadas e diversificadas, objetivando a aprendizagem de todos os estudantes. Os princípios que balizam essa perspectiva emancipatória de avaliação são: solidariedade, empatia, justiça, equidade, igualdade de condições para aprendizagem e qualidade pedagógica. O professor é o mediador no processo de aprendizagem dos estudantes, organizando problematizações e propostas nas quais estes interajam e sintam-se desafiados a aprender. Avaliação em uma perspectiva autoritária: considera que os estudantes aprendem de forma homogênea e devem adaptar-se ao que é proposto pelo professor. O currículo é visto como uma listagem de conteúdos a serem ensinados. Os princípios que a embasam são a exclusão daqueles que não se adequam ao ensino transmissivo, cobrança e controle. Avalia-se para punir, controlar, passar ou reprovar e não para aprender. 5 Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 1. É necessário que a equipe gestora mobilize a comunidade educativa para que esta compreenda a importância do PPP como um instrumento teórico e prático que permite aos envolvidos no processo educacional vivenciar a gestão democrática, como determina a legislação vigente. Sendo o PPP o plano global da instituição, como afirma Vasconcellos (2002), recomenda- se que seja elaborado não apenas pelos técnicos e especialistas das escolas ou da secretaria, mas com a participação de professores, pais/responsáveis, pedagogos, direção, funcionários da escola e estudantes. Em sua construção, devem-se levar em conta a realidade e o contexto educacional para a organização e sistematização de um projeto educativo que vise ao direito à aprendizagem. Após esse movimento de sensibilização, levantamento dos dados da realidade educativa e sua análise, utiliza o referencial teórico na definição dos fundamentos para a compreensão dos dados obtidos no diagnóstico, bem como na formulação do planejamento das ações que contribuem para a melhoria da qualidade dos processos de ensino e de aprendizagem. Ao terminar o documento, não se encerram as ações, pois ele não deve ficar na gaveta, mas circular entre todos os envolvidos nas ações educativas, visto que as discussões, as reflexões, as decisões e todas as ações realizadas no espaço escolar devem estar respaldadas pelo PPP. 2. BNCC: documento normativo para todas as escolas que ofertam educação básica no país, no qual constam as aprendizagens essenciais a que todos os estudantes têm direito. É a referência para a elaboração ou reelaboração dos currículos e dos PPPs (BRASIL, 2017). Currículo: conforme Moreira e Candau (1997), é o coração da escola e nele se concentram as relações entre educação e sociedade. Nessa concepção, currículo não é apenas um documento com a indicação dos conteúdos a serem trabalhados em cada ano letivo, mas, Gabarito 111 sobretudo, um dispositivo em que há um campo de disputa sobre o tipo de sujeito que se deseja formar em determinada sociedade. Para formar esse sujeito, há não só conhecimentos considerados essenciais, como também formas de se ensinar esses saberes, de se avaliar, de utilizar os livros didáticos, de formar professores e, sobretudo, de políticas públicas a serem seguidas. Não há neutralidade no campo curricular, pois sempre haverá interesses: formar para o mercado de trabalho (que é instável e excludente) ou formar integralmente (para a emancipação humana e para a democracia). As teorias críticas e pós-críticas de currículo defendem a importância de valorizar não somente a cultura produzida no campo das diferentes ciências, mas também as múltiplas culturas dos diferentes sujeitos pertencentes à comunidade educativa. PPP: como afirma Vasconcellos (2002), é o plano global da escola. Em uma perspectiva emancipatória e democrática, deve-se considerar a realidade local, para, a partir dela, avançar no processo de construção do conhecimento com os estudantes. É um instrumento teórico- -prático que possibilita à comunidade educativa consolidar a identidade da instituição. Com a sistematização do PPP, pode-se avaliar os processos educacionais ofertados à comunidade educativa, fornecendo, assim, subsídios para o replanejamento da escola. Quanto à reelaboração dos PPPs, tendo-se em vista a BNCC, será necessário considerar não só os conhecimentos essenciais descritos nesse documento, mas também as habilidades específicas que são desenvolvidas de acordo com cada componente curricular e as dez habilidades gerais. 3. PPP democrático PPP burocrático Elaboração Construção coletiva. Elaborado por especialistas. Funcionalidade Fundamenta as ações da comunidade educativa. Documento para regulamentar o funcionamento da escola. Planejamento e ação Organizado pelo coletivo da escola, tendo em vista os pressupostos presentes no documento. O planejamento educacional não tem relação com os pressupostos teórico- metodológicos descritos no documento. Diagnóstico da realidade local É considerado na elaboração do planejamento da instituição. O diagnóstico foi realizado apenas para compor um documento obrigatório. Fonte: Elaborado pela autora. 6 Elementos constitutivos do planejamento 1. Quando o professor se compromete com a consolidação das aprendizagens dos estudantes, realiza os planejamentos de ensino e de aula articuladamente. Dessa forma, suas aulas não estarão embasadas no improviso, mas fundamentadas na organização de espaços e tempos elaborados com o objetivo de garantir a apropriação do conhecimento científico, previsto no currículo da escola e no seu PPP. Quando existe planejamento, existe a flexibilização deste, pois, ao colocá-lo em ação, o professor pode avaliar seu trabalho pedagógico à medida que o executa, retomando e reorganizando seu planejamento quando necessário. Em um 112 Didática planejamento minucioso, observam-se os interesses, as necessidades dos alunos e o direito à aprendizagem, e, caso se verifique que os objetivos não estão sendo efetivados, reorganizam- -se os encaminhamentos, possibilitando que todos venham a ter seu direito à educação respeitado. 2. No planejamento de ensino, os professores do ano, fundamentando-se no currículo e no PPP de sua escola, organizam coletivamente os critérios de ensino-aprendizagem que serão trabalhados com os estudantes, assegurando metodologia, critérios de avaliação da aprendizagem e recursos correspondentes. No planejamento de ensino, não se detalham esses elementos, pois este é organizado para um período de tempo maior, o que depende dos documentos orientadores da escola (bimestral, trimestral ou semestral). Já o plano de aula é o detalhamento do plano de ensino, sendo organizado para um período de, no máximo, 15 dias. O plano de aula, organizado pelo professor de cada turma, considera as especificidades dos estudantes, sendo necessário verificar quais são suas dificuldades e potencialidades, para que o docente possa diferenciar e diversificar as atividades. 3. O planejamento educacional diz respeito ao planejamento dos sistemas de ensino: nacional, estadual e municipal. O planejamento institucional está relacionado à organizaçãodo PPP da escola, que, de acordo com o princípio democrático, previsto na Constituição de 1988, deve ser construído coletivamente, com a participação dos diferentes segmentos da comunidade educativa. O plano de ação da escola, elaborado anualmente, necessita estar articulado ao PPP da instituição. Os planejamentos de ensino e de aula envolvem a racionalização dos saberes a serem ensinados aos estudantes. No planejamento de ensino, com base no currículo e no PPP da escola, seleciona-se o que será ensinado por período de tempo, o que é estabelecido pelo regimento da unidade (bimestral, trimestral, semestral ou anual). Já no plano de aula, detalha-se o que será trabalhado. 7 Reflexões sobre métodos de ensino 1. Para Vygotsky (2010), o que o estudante pode fazer hoje com auxílio dos adultos ele poderá fazer amanhã com autonomia, pois a mediação realizada lhe possibilita aprender e avançar no desenvolvimento. Para o estudioso, a aprendizagem precede o desenvolvimento. O estudo sobre o nível de desenvolvimento proximal permite ao professor planejar situações didáticas em que o estudante realize com auxílio o que ainda não consegue realizar sozinho, porém, ao fazê-lo com apoio do professor ou dos colegas, avança no processo de aprendizagem e adquire autonomia. Essa teoria nos leva a pensar sobre a importância do professor no processo de aprendizagem e no desenvolvimento dos estudantes. Assim, ao mediar, intervir, propor, organizar, questionar, propor discussões, reflexões, comparações, pesquisas, entre outras ações que possibilitem ao estudante não apenas estar em um ambiente, mas nele interagir e aprender, o professor estará cumprindo o seu papel de mediador, contribuindo para que a escola se efetive como um lugar único e propício à construção do pensamento científico e de acesso a ele. Gabarito 113 2. A tecnologia é produto da ciência e o professor necessita aceitar o desafio de utilizá-la em sala de aula, mas de forma contextualizada e mediada. Caso contrário, estará apenas utilizando novos recursos que podem até contribuir para que os alunos fiquem silenciosos e não demonstrem problemas de indisciplina, mas o docente perderá a oportunidade de problematizar os conhecimentos científicos a que os estudantes têm direito de forma que se sintam motivados e desafiados a aprender. Assim, não basta realizar treinamentos com os professores sobre o uso de novas tecnologias, mas, para além de saber utilizar, levar a eles possibilidades de construção de novos paradigmas educacionais, nos quais as novas tecnologias sejam parte de um currículo vivo, reflexivo, inclusivo e com dialogicidade. Os diálogos entre professor e estudantes, estudantes e estudantes, escola e comunidade necessitam estar presentes. Segundo Masseto (2006), a tecnologia precisa ser utilizada de acordo com os objetivos de ensino-aprendizagem, sendo coerente com as concepções presentes no currículo da escola e no PPP. 3. Tendências pedagógicas liberais Tendências pedagógicas progressistas Pedagogia tradicional • Não há questionamentos, o professor é o centro do fazer educativo. • O estudante aprende ouvindo, copiando e memorizando, logo o professor utiliza o método expositivo, em que se objetiva transmitir conteúdos. • Não há reflexão sobre o contexto político, econômico e social da escola, nem a historicização dos conteúdos trabalhados pelo professor. • Suposta neutralidade. Tendência pedagógica libertadora de Paulo Freire • Diálogo entre educador e educando. • Valorização dos contextos e da história de vida dos educandos. • A leitura de mundo precede a leitura da palavra: levanta- -se o universo vocabular dos educandos, para posteriormente ensinar o código escrito. • Organização dos círculos de cultura Pedagogia da Escola Nova • Aprender a aprender. • O professor é um facilitador. • Valorização da aprendizagem pelos sentidos. • O centro do processo é o estudante. • A motivação para a aprendizagem precisa vir do estudante. • Trabalho com centros de interesse, experiências. Tendência pedagógica crítico-social dos conteúdos • Método dialético. • Ação-reflexão-ação. • Professor mediador. • Estudante tem conhecimentos que são valorizados nos encaminhamentos metodológicos, com vistas ao domínio do conhecimento científico. Pedagogia tecnicista • Nem o estudante, nem o professor são o centro do fazer educativo. • Valorização do planejamento burocrático. • Ênfase nas tecnologias, nos recursos, nos objetivos instrucionais. • Destaque para a eficiência e a racionalidade. Fonte: Elaborado pela autora com base em Saviani, 2013. Código Logístico 58083 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6411-3 9 7 8 8 5 3 8 7 6 4 1 1 3 Regiane Laura Loureiro Didática D idática R egiane Laura Loureiro Página em branco Página em branco