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LINGUAGEM AUDIOVISUAL E-book 1 Fabiano Pereira Neste E-Book: INTRODUÇÃO ���������������������������������������������� 3 CONFLUÊNCIA TECNOLÓGICA �������������� 5 O cinematógrafo ��������������������������������������������������� 10 Decupagem no cinema clássico �������������������������� 18 Griffith e a montagem clássica ���������������������������� 27 A montagem soviética ������������������������������������������ 34 CONSIDERAÇÕES FINAIS ����������������������42 SÍNTESE ������������������������������������������������������ 44 2 INTRODUÇÃO Olá! Você sabe que culturalmente vivemos imersos em textos, imagens e sons� Mas você já se deu con- ta de como, cada vez mais, eles estão reunidos e combinados na forma de conteúdos audiovisuais? Cinema, TV, internet em todos seus formatos e ca- nais. Influências da literatura, do teatro, da pintura, da fotografia e da música, bem como efeitos óticos e sonoros, servem de base e enriquecem essa pro- dução em variados momentos e graus� E isso vem desde o início do cinema, primeira mídia audiovisual, até quando ele era silencioso� Porém, essa produção traz suas particularidades também e aí está a razão da força do seu apelo� Para este primeiro módulo, organizamos um retrospecto histórico que agrupa as primeiras inovações expressivas e conceituais desse universo, hoje bem assimiladas e difundidas. Consideramos o início da história do cinema o ano de 1895, com a primeira exibição pública do cinemató- grafo dos irmãos Lumière� Neste módulo, você pode conhecer as tecnologias e influências culturais que contribuíram para formatar a fase inicial do cinema� Vamos apresentar os chamados pré-cinema e primei- ro cinema, tratar dos planos, movimentos e ângulos de câmera, continuidade e demais características de linguagem que se tornaram uma convenção com o cineasta americano D. W. Griffith, conhecidas como cinema clássico� A montagem, organização, em geral, sequencial de imagens em movimento, marca essa 3 história desde sempre. Tanto que era elemento cen- tral do pensamento e da obra de cineastas soviéticos, como Lev Kuleshov, Sergei Eisenstein e Dziga Vertov, que rapidamente perceberam limitações e buscaram sofisticar a forma de criar narrativas pelo cinema. Você certamente vai reconhecer como essa história segue viva e forte nos filmes e séries a que assiste até hoje. Boa leitura e bom aprendizado! 4 CONFLUÊNCIA TECNOLÓGICA Neste tópico, você conhecerá um pouco sobre como nasceu e se estabeleceu a linguagem audiovisual, antes mesmo de o aparato fílmico reunir o elemento sonoro� Conhecer bem suas estratégias e efeitos mais recorrentes do audiovisual é primordial não só para você poder trabalhar com qualquer aspecto de comunicação hoje, mas em todos os campos pro- fissionais e sociais. É improvável existir cidadania plenamente exercida no século 21 para quem não compreende as diferentes articulações das mídias audiovisuais. Como notou Eisenstein, “enquanto di- rige as emoções, o filme convencional propicia uma oportunidade de estimular e dirigir todo o processo de pensamento” (EISENSTEIN, 2002, p. 69). Porém, antes de haver convenções de linguagem, o cinema representou uma conquista técnica. Apresentado publicamente em 1895, o cinemató- grafo do irmãos franceses Auguste e Louis Lumière, primeiro aparelho capaz de registrar e exibir ima- gens em movimento, reuniu uma série de capaci- dades técnicas que havia décadas eram tentadas e experimentadas� Alguns exemplos de técnicas e aparelhos anteriores a ele são a lanterna mágica dos séculos 17 e 18, exercícios de persistência retiniana de Joseph Plateau, bem como os experimentos de decomposição do movimento da fisiologia animal do 5 francês Étienne-Jules Marey e do inglês Eadweard Muybridge. Já conhecia alguma delas? Quando se fala hoje que a TV ou o celular embutiu funções do computador, funções do rádio, do telefone ou uma da outra, chama-se esse processo convergência mi- diática, como estudaremos oportunamente� Você percebe como esse fenômeno é bastante antigo? Figura 1: Sequência fotográfica dos estudos de fisiologia animal de Muybridge� Fonte: Wikimedia. Pois bem, imagens com efeito de movimento já exis- tiam com a lanterna mágica. Seus slides sequen- ciais reproduziam cenas curtas, uma vez que eram deslizados diante de uma fonte de luz em ambiente escuro� Já Plateau não só realizou estudos sobre o fenômeno ótico da fisiologia da visão humana, que mantém a imagem na retina pouco além do tempo em que ela foi registrada pelo olho – efeito chamado pós-imagem –, como também criou o aparelho fena- quisticópio� Este forjava a leitura do movimento de uma pequena animação com um desenho a cada raio equidistante por divisórias de um disco, a ser girado a partir de uma certa velocidade� Marey e Muybridge trabalharam num sentido oposto, o de decompor o movimento de corpos, animais ou humanos, por meio 6 https://commons.wikimedia.org/wiki/Eadweard_Muybridge#/media/File:Muybridge_horse_gallop.jpg de fotografias sequenciadas, de modo que fosse possível ver vários fragmentos de um movimento que muitas vezes o olhar humano não captava cla- ramente. A aparelhagem que desenvolveram, como a fotografia instantânea de Muybridge e a cronofo- tografia em tiras de filme de Marey, foi decisiva na criação do cinematógrafo� Esses e outros estudos, efeitos e tecnologias representam uma fase histórica que muitos chamam de pré-cinema. Figura 2: Parece uma espingarda, mas é uma câmera desenvolvida por Marey� Fonte: Wikimedia. Aparelhos como a lanterna mágica e o fenaquis- ticópio, além de instrumentos de pesquisa óptica, acabaram se tornando produtos do mercado de en- 7 https://commons.wikimedia.org/wiki/%C3%89tienne-Jules_Marey#/media/File:Fusil_photographique_Marey1.png tretenimento no século 19� Vários outros produtos de efeito óptico compunham um mercado que incluía o estroboscópio (1832) com seu efeito de animação de imagens, o zootrópio (1835) e seu tambor com fres- tas de simulação de imagens em movimento, o este- reoscópio (1838) com seu efeito de tridimensionali- dade e o folioscópio (1868), livreto com desenhos em posição sequencialmente distanciada a cada página, para ser folheado rapidamente e simular movimento. Todos esses produtos aguçaram a curiosidade do público por soluções cada vez mais sofisticadas de efeito óptico e simulação da realidade, como hoje muita gente acompanha com entusiasmo as mais recentes evoluções da tecnologia digital� Todos eles contavam com fatores primordiais para sua opera- ção, como fonte de lugar, movimento e velocidade, recursos de que qualquer mídia audiovisual atual também precisa para funcionar� Figura 3: Pelas frestas do zootrópio você podia ver a imagem ani- mada� Fonte: Wikimedia. 8 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Zootropio_-_Museo_scienza_tecnologia_Milano_05899.jpg Facilmente associados hoje à computação gráfica, os efeitos visuais já eram bastante difundidos mes- mo antes do nascimento do cinema. Afinal, se você parar para pensar, é fácil concordar que todos os aparelhos que simulavam o movimento da imagem antes do cinematógrafo já produziam tão somente isso: efeitos visuais� Porém, eles não eram os úni- cos. Desde o século 18 já havia, por exemplo, um espetáculo luminoso conhecido como fantasmago- ria, que aproveitou o interesse vigente pela literatura gótica. Retroprojeções em ambientes fechados, com o equipamento escondido, contavam com movimento de aproximação e distanciamento, emitia a luz da imagem num espelho oblíquo. O reflexo dessa ima- gem espectral incidia numa cortina de fumaça ge- rada por uma espécie de braseiro (MANNONI, 2003, p� 153)� As sessões podiam contar até com efeitos sonoros assustadores e choques elétricos, sensação tátil comparável às do cinema 4D atual, que você pode experimentar num shopping center� A tecnologia do chamado fantascópio era um desenvolvimento da lanterna mágica que, mais tarde, receberia lente objetivade foco ajustável, o que proporcionava mais efeitos� SAIBA MAIS Um ótimo livro que conta toda a evolução tec- nológica que levou à criação do cinema é Entre pássaros e cavalos – Marey, Muybridge e o pré-cinema, de Raimo Benedetti, que mostra coincidências e contribuições mútuas dos dois pesquisadores� 9 O cinematógrafo Figura 4: Cinematógrafo dos irmãos Lumière� Fonte: Wikimedia� A noite do dia 28 de dezembro de 1895 foi histórica, você sabia? Num salão do Grand Café do Boulevard des Capucines, em Paris, típico local que também 10 https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Cinematograph#/media/File:CinematographeProjection1aaa.jpg servia de palco para apresentações artísticas, os irmãos Lumière organizaram a primeira apresentação pública de seu cinematógrafo� Dez curtas-metragens compunham a programação de 25 minutos de du- ração. Entre eles, um que mostrava a chegada de um trem à estação de La Ciotat se aproximando da câmera� Mesmo que na diagonal, a imagem do trem causou medo de atropelamento em algumas das pessoas presentes, desacostumadas com a projeção de imagens daquela maneira, naquele tamanho e contexto. Entre os outros filmes estavam um com o próprio Auguste Lumière e sua esposa alimentando seu bebê e outro com um menino brincando com uma mangueira (BORDWELL, 2010, p. 9). São filmes curtos assim, com pouca narrativa, que dominaram a primeira fase do assunto deste tópico, o primeiro cinema que, para muitas referências, nascia ali� 11 Figura 5: Os irmãos franceses Auguste e Louis Lumière� Fonte: Wikimedia� Vale você saber que o aparelho cinematógrafo em si já existia havia quatro anos, embora só usado em laboratórios� Há quem considere esse o marco de nascimento do cinema, especialmente no Estados Unidos� “A corrente norte-americana toma como marco a exibição feita por Thomas Edison, em 1889, quando projetou pela primeira vez um filme realizado em laboratório” (COSTA, 1998, p. 1). De qualquer for- 12 https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/93/Fratelli_Lumiere.jpg ma, havia pesquisas sobre imagens em movimento filmadas e projetadas em diferentes países. O autor lembra que para um público habituado a espetáculos musicais, teatrais, circenses e burlescos, aquelas cenas cotidianas registradas como fotos em movi- mento eram muito surpreendentes, especialmente quando os corpos filmados se moviam em direção à câmera. “As imagens cinematográficas, hoje tão sofisticadas, moldaram a percepção do homem mo- derno mais integralmente que qualquer outra forma de representação artística” (COSTA, 1998, p. 1). O público respondeu com interesse crescente e a in- dústria prosperou, especialmente na França, Estados Unidos e Inglaterra� Os primeiros filmes eram exibidos ao ar livre, nas empenas dos edifícios ou nos terraços dos cafés. Eram levados pelos ambulantes a feiras e a praças de aldeias as mais remotas. Está aí a origem do termo movie [...], que de- signa o hábito de se ver filmes nos cinemas, cunhado pelos norte-americanos que, no en- tanto, ainda chamam a sala de exibição de teatro. Após a exibição dos irmãos Lumière, as projeções passaram a ser feitas no interior de variadas salas de espetáculos, para entreter a plateia no intervalo dos números teatrais. A nova técnica de divertimento veiculava, em geral, documentários. Demoraria ainda alguns anos até que os filmes de Méliès e Griffith criassem uma linguagem cinematográfica própria (COSTA, 1998, p. 1). 13 Foi nas regiões metropolitanas que o cinema se po- pularizou primeiro� Ele dividia espaço com outras formas de entretenimento, como números musicais, de ilusionismo ou acrobacia, sketches cômicos ou peças de teatro� Faltava uma identidade própria, em termos de linguagem, espaço e público� Muitas vezes os filmes mostravam exatamente esses mesmos tipos de apresentação artística, só que em versão filmada. “Os catálogos dos produtores da época clas- sificavam os filmes produzidos como “paisagens”, “notícias”, “tomadas de vaudeville”, “incidentes”, “qua- dros mágicos”, “teasers” (eufemismo para designar a pornografia) etc.” (MACHADO, 2011, p. 76). Era a arte popular que rendia assunto ao primeiro cinema, não a erudita da literatura, do teatro e da ópera� Essa qualidade improvisada inicial foi evoluindo no sentido de um maior conforto nas salas exibidoras até por volta de 1910, bem como uma gradual tenta- tiva de estruturar narrativas e desenvolver qualidades artísticas de ficção em meio ao que antes eram ape- nas registros documentais� A organização, o conforto e a limpeza das salas foram sendo gradualmente aprimorados, tornando a experiência da exibição de filmes, antes um ambiente espartano e mundano, um programa a ser apreciado em família� Começou ain- da nessa fase também uma padronização de obras com estruturas narrativas mais complexas, com ins- piração na literatura, no teatro, até em passagens bíblicas. A forma de se filmar as cenas no primeiro cinema também lembrava muito a disposição das plateias nos espetáculos teatrais� Nessa fase do cinema, predominava o enquadra- mento estático e de plano aberto, como a sua visão quando se senta nas primeiras fileiras, assentos cen- 14 trais, de um teatro� Essa forma de delimitar a cena já era empregada na fotografia, indústria de onde vinham os irmãos Lumière e outros empresário do novo setor, o que explica os registros estáticos du- rante os primeiros anos da nova mídia� Raros foram os filmes com movimentos de câmera a partir de seu próprio eixo ou com mudanças de foco, muito embora panorâmicas e travelings já compusessem parte do arsenal expressivos da lanterna mágica� Figura 6: Filmes cada vez mais narrativos e de apelo fami- liar em salas cada vez mais confortáveis para sua exibição� Fonte: Wikimedia. Também já era empregada na fotografia, através de álbuns, a ideia de selecionar e organizar imagens di- ferentes numa sequência, algo que a pintura rupestre e a das igrejas medievais que retratavam a via sacra já haviam explorado, ainda que não sistematicamente – como fariam as histórias em quadrinhos, nascidas também em 1895� Essa maneira de organizar uma 15 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cinematographe_Lumiere.jpg narrativa linear, que geraria a montagem cinema- tográfica, era um recurso que se desenvolveu aos poucos no cinema, ao lado da trucagem fílmica, no que o também cineasta francês Georges Méliès foi o mestre mais conhecido nessa fase. Méliès vinha do teatro, em que já exercitava técnicas de ilusionis- mo� No cinema explorou bastante a sobreposição de material filmado, gerando imagens fantásticas que deram o pontapé inicial para os efeitos especiais hoje tão empregados nos filmes de aventura. O filme mais conhecido de Méliès é Viagem à Lua (Le voyage dans la lune, França, 1902)� Porém, você pode encontrar exemplos mais evidentes das trucagens dele nos curtas-metragens Quatro cabeças é melhor que uma (Un homme de têtes, França, 1898), O ho- mem orquestra (L’homme orchestre, França, 1900) e O homem com a cabeça de borracha (L’homme à la tête en caoutchouc, França, 1901), que se destacam por usarem simultaneamente a imagem do próprio cineasta filmada em diferentes momentos. Dessa forma, a montagem por cortes e mudança para outro tempo e espaço de filmagem ocorria parcialmente, apenas com a mudança de tempo de registro de um mesmo espaço� Assim, Méliès evidenciava uma qua- lidade intrinsecamente cinematográfica, impossível no teatro e na fotografia. 16 Figura 7: Cena de O homem orquestra (L’homme orchestre, França, 1900), em que Méliès multiplica sua própria imagem e explora criativamente recursos exclusivamente fílmicos� Fonte: IMDB� Mesmo com a câmera fixa e a encenação que re- metia à do proscênio nas peças de teatro, típicas do primeiro cinema, uma diferença primordial entre a cena fílmica e a teatral é o efeito de perspectiva transferido para a imagem bidimensional, o que se percebe pelo tamanho relativo dos corposdispostos na imagem (MACHADO, 2011, p� 91)� Esse era um desafio, pois a película de filme da época tinha uma definição demasiadamente baixa para registrar com nitidez suficiente os corpos que estivessem mais ao fundo, tornando-as algo semelhante a borrões. A pro- fundidade de campo da cena precisava ser restrita, o que nem sempre era possível em cenas externas� Isso gerou a necessidade de aproximar a câmera dos atores, como o teatro não permitiria, e tornar a 17 https://www.imdb.com/title/tt0135453/mediaviewer/rm3335814912 ação dramática mais legível para as plateias pela fisionomia das personagens em cena. Podcast 1 Decupagem no cinema clássico É importante que você note que transformações em uma grande mídia popular, como o cinema, não acontecem da noite para o dia� Elas se estabelecem depois de uma série de recursos e ideias se torna- rem disponíveis e recorrentes no âmbito daquela produção. Foi assim que se decodificou o cinema clássico, tema deste tópico, o que tampouco tardou em excesso� “Muito cedo a câmera deixou de ser apenas testemunha passiva, abandonando a função de registradora objetiva dos acontecimentos, para se tornar a sua testemunha ativa e sua intérprete” (MARTIN, 2005, p 41)� Narrativas foram sendo organizadas por cenas de maneira sequencial e lógica, de compreensão tão fácil e emocionalmente envolventes quanto possí- vel. Sequências passaram a demarcar espaços e tempos em função de uma necessidade dramática� Decupar um filme é, portanto, fazer essa organiza- ção de sequências divididas por cenas, com seu contexto espaço-temporal, e estas por planos, de modo a buscar conduzir o olhar do espectador para 18 https://famonline.instructure.com/files/168894/download?download_frd=1 as informações mais importantes da trama a cada momento� Você já percebeu isso? A forma mais simples de você entender o que é um plano é pensar num segmento de filme entre dois cortes, entre um dos momentos que (a/o) diretor(a) grita “ação!” e, depois, “corta!” – caso a edição não reduza o trecho original, é claro. Tanto que, quando ele é longo, convencionou-se chamá-lo de plano-se- quência. Se há movimento de câmera e movimenta- ção em cena, é provável que um único plano inclua diferentes enquadramentos� O enquadramento é um conceito muitas vezes sinônimo de plano, mas só funciona nessa equivalência quando o plano é fixo. Em geral, o enquadramento é identificado conforme a quantidade de informação, ou mesmo do corpo dos atores em cena que ele mostra� Sobre a classificação dos enquadramentos, vale fri- sar que você pode encontrar pequenas variações de referências em suas pesquisas, mas nada que invali- de a ordem, crescente ou decrescente, de abertura do quadro da câmera em relação aos corpos – em geral humanos – que ele exibe. Ela foi surgindo conforme se observou a produção cinematográfica que, por estar em constante evolução, não necessariamente representa algo típico do que se chama de cinema clássico� Vamos adotar a referência de Ismail Xavier (2008, pp� 27-28): 19 Plano Geral: o mais usado no primeiro cinema, é aberto o suficiente para enquadrar todo o espaço cênico, interno ou externo� Figura 8: Plano geral� Cena de Harold Lloyd em Never Weaken (1921)� Fonte: IMDB. 20 https://www.imdb.com/name/nm0516001/mediaviewer/rm1675197952 Plano de Conjunto: nele cabem personagens ou ob- jetos que fazem parte da ação e o cenário em que se encontram. De referência ambígua, é mais fechado que o plano geral e não necessariamente mostra o corpo inteiro� Figura 9: Plano de Conjunto. Cena de Charles Chaplin em Idílio campestre (Sunnyside, 1919)� Fonte: IMDB. 21 https://www.imdb.com/name/nm0000122/mediaviewer/rm3034786816 Plano Americano: personagens vistos aproxima- damente da cintura para cima (plano médio, para alguns). Muitas fontes citam os joelhos como marcação, para deixar à vista as amas no faroeste americano� Figura 10: Plano Americano. Cena de Buster Keaton em Entre secos e molhados (What! No Beer?, 1933)� Fonte: IMDB� 22 https://www.imdb.com/name/nm0000036/mediaviewer/rm2243058432 Primeiro Plano ou Close-up: aqui o enquadramento abrange o rosto de um ator ou atriz, enfatizando a expressividade da experiência das personagens em cena� Figura 11: Primeiro Plano� Cena de Maria Falconetti em O Martírio de Joana D’Arc (La passion de Jeanne d’Arc, 1928)� Fonte: IMDB� 23 https://www.imdb.com/title/tt0019254/mediaviewer/rm1573944576 Primeiríssimo Plano ou Plano de Detalhe: mostra apenas parte do rosto, como um ou dois olhos, boca, nariz ou orelha. Figura 12: Primeiríssimo Plano, raro, ainda mais nos primei- ros anos do cinema clássico. Cena de Anthony Perkins em Psicose (Psycho, 1960)� Fonte: IMDB� Outro aspecto importante da cinematografia, a fo- tografia de cinema, que você pode notar, são os ân- gulos de enquadramento� Estes incorrem em menor variação pelas premissas clássicas� É considerado normal quando a câmera que registra a cena encon- tra-se à altura dos olhos do que seria um observador de estatura mediana que estivesse presente na cena� Outras variações são “câmera alta” e “câmera baixa” (XAVIER, 2008, p� 28), ou respectivamente, plongée/ picado e contraplongée/contrapicado� Em francês, plongée quer dizer mergulho. Nesses casos, os cor- pos filmados são vistos por uma câmera em posição superior, que mostra bem o chão ou água em que eles se encontram ou, pelo contrário, posição inferior 24 https://www.imdb.com/title/tt0054215/mediaviewer/rm2320583424 que, além dos corpos em cena, revela o céu ou teto, do cenário ou locação� Como lembra Xavier, no primeiro cinema a decupa- gem só envolveria um plano de conjunto em que se desenrola cada sequência, até que um corte leva a narrativa para o próximo. O cinema clássico sofis- ticou muito essa dinâmica, fragmentando as sequ- ências e cenas para um olhar e um entendimento mais preciso do espectador, algo que o teatro não permite, pois o espectador tem um ponto de vista fixo do começo ao fim do espetáculo. Gradualmente, foi se tornando depreciativa a decupagem básica do primeiro cinema, chamada pejorativamente de “teatro filmado” pela imitação das soluções dramatúrgicas. Uma vez transformada em convenção assimilada, a compreensão e aceitação do cinema clássico pela plateia suprime o estranhamento da descontinuidade temporal em função de uma “continuidade lógica (de sucessão de cenas ou fatos)”� (XAVIER, 2008, p� 28) A câmera podia assumir um ponto de vista sob um ângulo diferente do frontal; as entra- das e saídas (e em geral a movimentação dos atores) eram efetuadas de modo mais livre, permitindo-se inclusive a movimentação de- les em direção à câmera, o que sugeria uma abertura que incluía o espaço atrás desta. (XAVIER, 2008, p. 28) O movimentos de câmera oferecem menos varieda- des, ainda que você possa encontrar nomes diferen- 25 tes em função da técnica adotada, é mais proveitoso pensar no efeito e organizar a nomenclatura de forma mais simples e eficaz nesse sentido. Quando a câ- mera se move em seu eixo, sem sair do lugar, como que na trajetória de um arco, temos uma panorâmica� Pode ser para os lados ou para cima e para baixo� Já os travelings implicam em tirar a câmera do lugar, geralmente por meio de trilhos, podendo ser laterais, para frente ou para trás, bem como para cima ou para baixo (MARTIN, 2005, pp. 55-56). São necessi- dades dramáticas que guiam esses movimentos, que devem, pelos preceitos clássicos, ser fluidos como parte de um processo natural do olhar, não como estratégia de técnica fílmica� FIQUE ATENTO Apesar de parecerem com os travelings de deslo- camento frontal e de recuo, o zoom não represen- ta movimento de câmera. Seja para frente (zoom in) ou para trás (zoom out), trata-se de um ajuste de lente da câmera� O corte dentro de uma mesma cena, num mesmo contexto espaço-temporal, ainda que a produção de cada tomada leve mais tempo e até envolva outros espaços durante a filmagem(nem sempre um plano de detalhe precisa ser registrado no mesmo dia e lo- cal) é uma das maiores conquistas de expressividade específicas do cinema. E isso acarreta a necessida- de de um cuidado extremo durante a produção dos filmes, para que todos os elementos em cena sejam 26 registrados como e onde estavam depois do corte seguinte� Você já assistiu a algum daqueles vídeos de erros de continuidade em filmes famosos? Eles são facilmente encontrados na internet� Por trás da diversão, existem as falhas que evidenciam a impor- tância desse cuidado� Griffith e a montagem clássica São as regras de continuidade, outra herança do cinema clássico, que mantêm as ligações fluidas entre planos por meio de ligações temporais lógi- cas e envolventes� Neste tópico, você vai ver como a fragmentação da imagem fílmica vem à tiracolo de sua detalhada coesão, num sistema organizado em função de um discurso – que é uma ideia que cada cena e cada sequência desenvolve – e qual é a par- ticipação do cineasta americano D. W. Griffith nesse processo. No francês, chama-se raccord “qualquer elemento de continuidade entre dois ou mais planos” (BURCH, 2011, pp. 29-30). Há várias técnicas para isso, mas vale mais entender a razão de seu valor para a narrativa fílmica clássica� 27 Figura 13: D. W. Griffith, que sistematizou a linguagem cine- matográfica clássica. Fonte: IMDB� Graças à ampla assimilação dos preceitos do cinema clássico, todo o leque de estratégias adotadas para essa familiaridade e esse conforto deve envolver o espectador de tal maneira, que ele dificilmente per- ceba como está tendo seu olhar e sua compreen- são minuciosamente guiados pelos realizadores da obra, tornando-se assim praticamente imperceptível a série de articulações empregadas para isso� Antes uma solução idêntica à do palco de teatro, no pri- meiro cinema, a entrada e a saída de personagens de dentro do quadro demonstram claramente essa preocupação� As entradas e saídas (de quadro) das perso- nagens serão reguladas de modo a que haja lógica nos seus movimentos e o espectador possa mentalmente construir uma imagem do espaço da representação em suas coor- 28 https://www.imdb.com/name/nm0000428/mediaviewer/rm1495214080 denadas básicas mesmo que nenhum plano ofereça a totalidade do espaço numa única imagem. As direções de olhares das perso- nagens serão fator importante para a cons- trução de referenciais para o espectador, e vão desenvolver-se segundo uma aplicação sistemática de regras de coerência. (XAVIER, 2008, p. 33) Algumas soluções se tornaram habituais, como o início de sequência em plano aberto, para se situar espacialmente a cena, seguido de planos mais fe- chados que permitam acompanhar cada elemento da situação dramática ali desenvolvida. Segue-se então fragmentos que guiem o olhar do espectador por uma série de ações e reações que façam a nar- rativa caminhar adiante. Essa decupagem permite se revelar gradualmente o que os enquadramentos anteriores não permitiam ver, proporcionando con- tinuidade, motivação e identificação (XAVIER, 2008, pp� 33-34)� Um dos mais eficientes recursos dessa identifica- ção é câmera subjetiva, aquele enquadramento em que vemos exatamente o que uma das personagens em cena enxerga, colocando-nos na posição não só de cúmplices, como também de participantes, conscientes ou não, daquela ação� Ela costuma ser usada em momentos em que a carga dramática se intensifica. Do olhar compartilhado, podemos expe- rimentar o estado psicológico daquela personagem, 29 criando-se dessa forma um vínculo de identificação mais intenso� Outro recurso fundamental nesse sentido é o cha- mado campo/contracampo, em que há, quase sem- pre, um diálogo pela perspectiva intercalada de seus dois ou mais interlocutores� A(s) câmera(s) se posiciona(m) num ângulo de cerca de 180 graus, tam- bém chamado de eixo. É comum o enquadramento incluir o ombro de um dos atores por trás enquanto mostra o rosto do outro, depois vice-versa� O nome campo/contracampo vem dessa oposição espacial cinematográfica, enfatizada depois pela montagem. A disposição espacial dos atores em cena fica clara para o espectador e ainda permite uma percepção mais abrangente das motivações e das reações dra- máticas das personagens, aprofundando assim a imersão do espectador na situação ali representada, pelo envolvimento emocional da expressão facial� 30 Figura 14: Chaplin em Luzes da cidade (City lights, 1931), visto adiante do ombro da atriz Virginia Cherrill, exemplo do campo/con- tracampo; quando o corte mostrar o rosto dela na mesma cena, saberemos que ela está de frente para ele� Fonte: IMDB. Coube a Griffith o papel não de criador, mas de ela- borador de uma síntese de soluções expressivas que o cinema já empregava em diferentes obras, em forma de uma linguagem organizada por uma série de convenções� A continuidade do cinema passava a se estruturar por uma série de várias formas de rup- turas, mas quem primeiro percebeu e organizou um referencial teórico a respeito das práticas de Griffith foi o cineasta e teórico russo Vsevolod Pudovkin. Para ele, o ritmo da montagem das imagens assis- tidas sequencialmente deve respeitar uma série de compatibilidades entre as imagens, de modo a criar efeitos sensoriais, verdadeiro exercício de ilusionis- 31 https://www.imdb.com/name/nm0000122/mediaviewer/rm2935140864 mo a partir de disposições do próprio espectador (XAVIER, 2008, p� 34)� Com Griffith, além da a decupagem dos planos, também se difundiu a prática da montagem para a criação de efeitos e sentidos, além da mera transi- ção de um quadro para outro� A montagem paralela estruturou um efeito de simultaneidade (um mesmo tempo fílmico) para cenas registradas em dois ou mais espaços distintos� Você certamente já percebeu isso em cenas de perseguição ou de corrida contra o tempo, em que essa estratégia é corriqueira e inva- riavelmente usada para intensificar tensões. Ainda mais quando algum personagem corre risco de vida até que outro chegue para salvá-lo. Figura 15: Cenas de perseguição, como em A general (The general, 1926), ajudam a entender a estratégia da montagem paralela� Fonte: IMDB� 32 https://www.imdb.com/title/tt0017925/mediaviewer/rm4122838272 Os cortes criam um vai-e-vem entre quem foge e quem persegue ou quem corre para salvar alguém da morte e há, quase sempre, um encontro das duas partes no final da sequência. Com a intercalação da montagem paralela, a expectativa e a tensão do es- pectador diante do adiamento da resolução daquele conflito são crescentes, exemplo nítido da manipula- ção emocional das estratégias da linguagem audio- visual em seus potenciais específicos. Mesmo antes dos movimentos de câmera, a montagem paralela já era empregada, com atores correndo em direção a ou para longe da câmera. Na filmografia de Griffith, a decupagem por cortes mais frequentes começa a se acentuar a partir de 1908, fazendo dele o grande sis- tematizador da linguagem cinematográfica clássica (XAVIER, 2008, p� 36)� O primeiro plano merece des- taque nesse sentido, por sua intensidade dramática� O que é mais importante para mim aqui, não é o fator cronológico, mas a constatação básica de que o uso do primeiro plano deu-se em fun- ção de uma necessidade denotativa – dar uma informação indispensável para o andamento da narrativa. Com outros procedimentos, não foi outra a trajetória, como mostra o caso dos movimentos de câmera, de início ligados à necessidade de acompanhar as personagens em cenas exteriores. (XAVIER, 2008, p. 31) Decupagem é, portanto, a fragmentação das sequ- ências e cenas do filme em planos, ângulos e movi- 33 mentos ainda na fase do roteiro, ao passo que mon- tagem é a segmentação por cortes na película e sua posterior junção a outros fragmentos do material já filmado. Mal tinha sido codificada pela primeira vez uma linguagem especificamente cinematográfica, estudiosos e realizadores russos perceberamtanto sua eficácia quanto suas limitações, o que, mesmo assim, reiterava seu caráter referencial� Tanto que a linguagem e a montagem clássicas seguem sendo, com larga folga, as mais recorrentemente adota- das pela indústria cinematográfica mundial até hoje. Entretanto, para efeito de repertório e abertura ao caráter criativo da arte de fazer filmes, conhecer o contraponto de seus críticos é essencial, até para você eventualmente poder considerar fazer escolhas com mais clareza e liberdade, se um dia participar de alguma produção� Podcast 2 A montagem soviética Mais que as questões diretamente políticas envolven- do a revolução russa de 1917, sua importância como fenômeno histórico teve grande caráter cultural. No viés artístico da cultura, a produção cinematográfica teve um papel central no contexto histórico da época naquele país, mas que repercute muito até hoje no pensamento sobre a linguagem audiovisual� Forma e conteúdo deveriam refletir as propostas de rup- 34 https://famonline.instructure.com/files/168895/download?download_frd=1 turas econômicas e sociais ali recém-empregadas; afinal, era importante buscar enxergar o mundo de uma forma alternativa e nova, e ensinar esse novo olhar ao povo que a revolução pretendia representar preceitos identificados como construtivistas. É sobre essa contribuição que este tópico discorre� Independentemente de conteúdo e viés ideológico, o cinema russo pós-revolução reconhecia a capaci- dade do cinema americano de envolver e fascinar suas já grandes plateias, especialmente por conta da montagem. O cineasta Lev Kuleshov foi o primeiro a se embrenhar na investigação dos efeitos alcan- çados pela cinematografia dos Estados Unidos, já organizada como indústria, mais que a francesa e a inglesa� Fluência e ritmo no encadeamento de pla- nos foram aspectos considerados determinantes e Kuleshov também acreditava na necessidade de uma montagem que alcançasse seus propósitos sem ser percebida enquanto estratégia, em articulações de espaço e tempo que, mesmo que artificiais, sejam percebidas como verossímeis� Já ouviu falar do efei- to Kuleshov? Pois bem, ele leva a uma somatória em que o produto da combinação de duas imagens é um conceito que a ligação delas permite supor e que, uma vez trocada uma dessas imagens por outra, o produto é um conceito diferente. Observe a figura 15: 35 Figura 16: No documentário Effekt Kuleshova (1969) entende-se o famoso efeito Kuleshov, com que uma mesma imagem associada a outras gera diferentes deduções, como “fome, tristeza e desejo”� Fonte: IMDB� Pudovkin, por sua vez, considerava um cinema de conscientização por meio de uma totalidade orgânica das partes da obra� “Tal idéia de organicidade é im- portante para entender a contraposição do construti- vismo à narrativa clássica. Enquanto esta última tra- balha com o sentido literal das imagens, a narrativa construtivista trabalha com a própria construção do sentido” (MORALES JR., 1996, p. 2). A organicidade surge das relações de complementaridade ou conflito entre planos. Embora discípulo de Kuleshov, Pudovkin tinha uma proximidade maior com outros cineasta e teórico de renome durador, Sergei Eisenstein, oriundo do teatro de agit-atrações, alternativa ao narrativo tradicional� O cinema dele também se estabeleceria 36 https://www.imdb.com/title/tt3736946/mediaviewer/rm510947584 por uma montagem de atrações, que guarda para o espectador certos choques que o levem a perceber a ideologia ali proposta� Eisenstein propunha uma organização de sentidos que se opunha ao encadeamento narrativo natura- lista estruturado por Griffith. Seu intuito não era o de reproduzir a realidade, então ele empregava rupturas na linearidade narrativa� “Um cinema revolucionário, onde o elemento discursivo estaria sempre evidente e nunca invisível� Esse elemento é a própria montagem” (MORALES JR., 1996, p. 2). Eisenstein se propunha a romper com o caráter ilusionista do cinema clássico em nome da defesa de um conceito� Você já assistiu a alguma filme assim? Saía o literal, entrava o simbólico. Saía a articulação que descreve, entrava a articulação que faz entender por meio da síntese. “O filme deve ter essa quali- dade fisiológica: combinação e inserção das par- tes no todo e reconhecimento do todo nas partes” (MORALES JR., 1996, p. 3). Observe que a montagem proposta por Eisenstein estrutura um conflito de for- ças entre o equilíbrio harmônico e a irregularidade da desproporção. Esse choque afasta o espectador de sua atitude adequada ao aspecto conformista do cotidiano, um choque que equipara em valor o racional e o sensorial� Nem todo mundo tem abertura para isso� Você teria? 37 Figura 17: Detalhadamente decupada para gerar uma tensão cres- cente, a famosa cena da escadaria de Odessa de O encouraçado Potemkin (1925), de Eisenstein� Fonte: IMDB. O plano por si só já era para Eisenstein uma célula de montagem (EISENSTEIN, 2002, p. 42), por con- ta das relações de profundidade de campo que se pode explorar pela simples disposição dos corpos na imagem� Mas o cineasta estabeleceu alguns outros tipos de montagem (EISENSTEIN, 2002, pp. 79-87), por meio de cortes, nem sempre compreensíveis sem exemplos práticos, mas que priorizam diferentes aspectos de cada plano: ● Métrica: aqui Eisenstein considera o comprimento de cada fragmento como referência de articulação por meio de padrões de repetição ou de encurtamen- to para gerar tensões, como se fosse a pulsação do filme. ● Rítmica, o conteúdo do quadro é que determina o comprimento, portanto, a duração de cada fragmento 38 https://www.imdb.com/title/tt0015648/mediaviewer/rm1692869120 de filme. Pode-se introduzir material mais intenso num tempo facilmente distinguível� ● Tonal: o movimento dentro do quadro serve de refe- rência para impulsionar o movimento de um quadro para outro, seja deslocamento de corpos, geometria dos corpos e/ou espaços em cena, vibração da luz e suavidade de foco, o que ele tratava como tons do filme. ● Atonal: proporciona um cálculo coletivo de todos os apelos de cada fragmento, um conflito entre o tom principal de um fragmento e uma atonalidade dele, uma referência à composição musical. ● Intelectual: o conflito se dá por justaposição de sensações a partir de associações intelectuais� Outro cineasta e teórico russo que se destacou no pensamento cinematográfico da época foi Dziga Vertov, que elogiava o cinema americano pelo pri- meiro plano e pelo dinamismo, mas não via funda- mento no estudo de movimento da produção daquele país� Ele decidiu investir no sentido dessa lacuna que observou. Seu famoso documentário Um homem com uma câmera (Chelovek s kinoapparatom, União Soviética, 1929), é uma profusão quase constante de diferentes movimentos e ritmos de uma grande cida- de, na interação entre homem e máquina – inclusive o que registra sua própria ação com sua câmera� A temática dessa interação é central em sua obra� A dinâmica do movimento representava para Vertov a passagem de uma ordem que cede espaço para que uma nova se construa� 39 Figura 18: Um homem com uma câmera (1929) e sua apo- teose de movimentos urbanos e industriais, causados pelo ser humano e redefinindo a dinâmica de sua vida. Fonte: IMDB� Vertov se apoiava na dinâmica entre o movimento e os intervalos na articulação da montagem� “Essa manipulação de intervalos deve levar em conta as correlações possíveis entre as imagens que, ao se- rem encadeadas numa progressão, formam uma unidade complexa constituída pela soma destas cor- relações” (MORALES JR., 1996, p. 4). Assim como Eisenstein, Vertov tratava das variações entre tipos de plano, os movimentos e intensidades de luz dentro da própria imagem, a velocidade interna destes e a dos cortes, “interações, atrações e repulsões”� Realizador apenas de documentários, o cineasta acreditava na imparcialidade do registro da câmera, que chamava de cine-olho, isento da interferência dasubjetividade do olhar humano. Um registro que não apresente o mundo como algo natural, mas sim socialmente 40 https://www.imdb.com/title/tt0019760/mediaviewer/rm3864199424 construído – daí sua contribuição de viés ideológico, ao levar à conclusão de que pode ser desconstruído. A exemplo de como a montagem constrói o filme, como explicita Um homem com uma câmera. REFLITA Sugestão: reveja dois ou três dos seus filmes fa- voritos e observe quais escolhas de montagem eles trazem. Busque relacionar o tema das obras a essas estratégias� 41 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste primeiro módulo, você pôde conferir como o cinema foi resultado de uma série de pesquisas e efeitos óticos de entretenimento que já existiam havia décadas, quando não séculos antes de seu nascimento enquanto formato de espetáculo, em 1895� Foi de primordial importância destacar como ele herdou algumas de suas potencialidades da pintura, da fotografia, bem como da dramaturgia do teatro� Você ainda descobriu como, no início, o cinema tinha bem pouco de uma natureza ex- pressiva própria, até que, gradualmente, a organi- zação sequencial de suas imagens foi ganhando sofisticação por meio de uma decupagem� Esta trazia como principal objetivo um direcionamento narrativo claro, fácil e envolvente� Observamos como, pela linguagem cinematográfi- ca clássica, a fragmentação da cena é a estratégia mais artificial e distante de um olhar naturalista, mas sua função de condução da narrativa e da formação de sentidos é bastante eficiente – e aceita sem resistências� Os variados tipos de pla- no, as angulações de câmera e os movimentos de câmera guiam nosso olhar, habituado a esse direcionamento, quase sempre sem se dar conta� Essa é a receita de sucesso de Hollywood há cerca de um século� Por fim, verificamos como, ainda no início da codificação do cinema clássico, com seus parâmetros exclusivos da arte fílmica, um 42 contraponto russo validou as conquistas do cine- ma da Griffith, mas propôs um cinema em que as estratégias ficassem evidentes na sua artificiali- dade, em nome da conscientização do espectador sobre as técnicas, as estratégias e os propósitos do fazer cinematográfico� 43 SÍNTESE - Efeito Kuleshov - Narrativa construtivista - Montagem enquanto discurso evidente - Estilos de montagem de Sergei Eisenstein - Dziga Vertov e a dinâmica da imparcialidade documental A MONTAGEM SOVIÉTICA - Fragmentação - Direção do olhar - Câmera subjetiva - Campo/Contra-campo - Montagem paralela GRIFFITH E A MONTAGEM CLÁSSICA - Encadeamento narrativo - Enquadramento - Planos, ângulos e movimentos de câmera - Cortes - Continuidade DECUPAGEM NO CINEMA CLÁSSICO - Irmãos Lumière - Primeiro cinema - Teatro filmado - Dos salões às salas de cinema - Georges Méliès O CINEMATÓGRAFO - O pré-cinema - Aparelhos de efeitos ópticos - Fotografia - Marey, Muybridge e a decomposição do movimento - Efeitos visuais CONFLUÊNCIA TECNOLÓGICA LINGUAGEM AUDIOVISUAL Referências Bibliográficas & Consultadas ALVEZ, M� N�; ANTONIUTTI, C� L�; FONTOURA, M� Mídia e produção audiovisual: uma introdução� Curitiba: InterSaberes, 2012. 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