Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PRISCILA CARLOS COSTA ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO GRUPO DE APOIO À CRIANÇA COM CÂNCER- GACC RN: notas sobre o terceiro setor NATAL/RN 2019 2 PRISCILA CARLOS COSTA ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO GRUPO DE APOIO À CRIANÇA COM CÂNCER- GACC RN: notas sobre o terceiro setor Monografia apresentada ao curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de bacharel em Serviço Social. Orientadora: Prof.ª Drª. Ilena Felipe Barros NATAL/RN 2019 Costa, Priscila Carlos. Atuação do serviço social no grupo de apoio à criança com câncer - GACC RN: notas sobre o terceiro setor / Priscila Carlos Costa. - 2019. 65f.: il. Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Serviço Social. Natal, RN, 2019. Orientador: Prof.ª. Drª. Ilena Felipe Barros. 1. Serviço social - Monografia. 2. Questão Social - Monografia. 3. Neoliberalismo - Monografia. 4. Criança com câncer - Monografia. I. Barros, Ilena Felipe. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 364:61 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355 3 TERMO DE APROVAÇÃO ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO GRUPO DE APOIO À CRIANÇA COM CÂNCER- GACC RN: notas sobre o terceiro setor Monografia apresentada ao curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de bacharel em Serviço Social. BANCA EXAMINADORA Aprovada em _____/_____/_____ ____________________________________________________________ Profa. Dra. Ilena Felipe Barros Orientadora – UFRN ____________________________________________________________ Profa. Drª. Miram de Oliveira Inácio Examinador Interno – UFRN ____________________________________________________________ Assistente Social Ana Carolina Galvão Examinador Externo – CEDECA CASA RENASCER Natal, 25 de junho de 2019 4 Dedico este trabalho a todas as crianças e adolescentes que fazem parte do Grupo de Apoio à Criança com Câncer, bem como aos seus familiares e acompanhantes que, em meio às adversidades, nos inspiram e nos fazem sonhar com a esperança de dias mais felizes. Obrigada!!! 5 AGRADECIMENTOS É em meio a um misto de sentimentos que escrevo essas linhas em agradecimento a todos aqueles que estiveram ao meu lado durante a Graduação, sobretudo neste último semestre. Aqueles que me são mais próximos sabem o quanto foi difícil concluir esta etapa, considerando que meu desejo era que tivesse sido bem mais tranquilo, no entanto, foram meses repletos de dúvidas acerca da produção deste trabalho e se poderia dar continuidade ou não a ele neste semestre. Embora, o mesmo tenha sido digitado à base de emoções como angústia, medo, ansiedade, etc. e etc., produzir sobre um tema tão relevante me preenche de ânimo para encarar os desafios vindouros que a profissão irá me proporcionar. Bem, aqui é um espaço para agradecimento, então vamos lá! Falar sobre o GACC causa em mim uma alegria que realmente não consigo descrever com poucas palavras. Lá eu tive a minha primeira experiência profissional formal. A instituição sempre representou para mim não um local de tristeza, de dor ou sofrimento. Embora estivéssemos todos preocupados com a situação das famílias abrigadas e de seus filhos no acompanhamento em combate ao câncer, o grupo sempre foi referência de esperança, fé e coragem. Ali existe uma corrente construída por mãos que tornam a instituição mais que um espaço para hospedagem ou abrigo. A instituição tem cheiro e jeito de casa e é desde sua fundação chamada pelos mais antigos de “Lar Esperança”. Lá eu pude conhecer e admirar voluntários, funcionários, mães e principalmente as crianças. Com o passar do tempo, retorno ao GACC, agora na condição de estagiária, sendo acompanhada pela Assistente Social e orientadora de campo Marici Souza, à qual eu terei sempre gratidão pelo apoio, dedicação e generosidade imensas. Enfim, a inspiração desta monografia vem do desejo de compartilhar a experiência gerada a partir de aspectos não apenas teóricos, mas da vivencia prática que me foi permitida através de motivos objetivos e subjetivos. Meus agradecimentos mais profundos também são dedicados aos professores que dedicaram paciência e incentivo. Acredito que não pode haver motivo maior para a dedicação que os mesmos demonstram, se não for amor ao que fazem. Vi em meio ao período acadêmico diversas demonstrações de luta e coragem e não poderia deixar de 6 citar, principalmente no último ano, em que o Brasil se encontrava sobre um processo de polarização política tão extremos e ameaças aos direitos, sobretudo à educação. Gostaria de agradecer à professora Cristina Dias, que estava conosco durante as marchas pré-eleições 2018. Obrigada à professora Rosangela Alves e ao professor Roberto Marinho, que tiveram bastante paciência comigo quando eu precisei contar com eles, em meio às minhas dificuldades. Obrigada à professora Miriam de Oliveira, sempre disposta a ouvir e orientar de forma flexível e paciente. Obrigada a minha orientadora professora Ilena Barros que, mesmo em meio a diversas outras atividades manteve a esperança em mim, mantendo o bom humor e a atenção. Quero agradecer também à equipe do Núcleo de Apoio ao Discente (NADIS). O evento proporcionado pelo núcleo para orientações do TCC foi um divisor de aguas para mim. Hoje me encontro aqui muito cansada, com algumas olheiras, à base constante de café, porém, me sinto feliz, sabendo que estou dando o meu melhor. Sim, gostaria de ter me dedicado mais e poderia ter feito com maior tranquilidade se tivesse me antecipado. É uma experiência que irei usar como aprendizado para a vida. Esse sonho está tomando proporções reais graças à dedicação de pessoas completamente especiais. Dentre eles, preciso citar meu companheiro e namorado Máurison Silva. Obrigada por cuidar de mim (sim, estou escrevendo isso em meio às lagrimas). Você é o meu presente! Aos meus pais, Ivandi e Joana Darc, minhas maiores lembranças da infância é do incentivo aos estudos que vocês sempre me deram e que continuou na fase adulta. Esta conquista pertence a vocês. Obrigada por cuidarem do meu filho. Por dedicarem o tempo e o amor de vocês a ele. Enquanto eu estava em uma rotina de trabalho e estudos, permanecia tranquila, pois não havia lugar melhor no mundo para ele estar, senão com vocês. Amo vocês! A Davi, meu filho. Eu agradeço ao Universo pela bondade infinita de me presentear com a missão de ser sua mãe. Como eu admiro você, meu pequeno gigante. Obrigada por me compreender, me apoiar, me ensinar tanto. Eu sou seu ninho e ficarei sempre observando você voar, vibrando com suas voltas e agradecendo em cada pouso seu. Amo você! Obrigada principalmente a bondade de todo o amor que rege o Universo. Pela dádiva da saúde e pela dádiva da fé. 7 Eu apenas queria que você soubesse Que aquela alegria ainda está comigo E que a minha ternura não ficou na estrada Não ficou no tempo, presa na poeira. Eu apenas queria que você soubesse Que esta menina hoje é uma mulherE que esta mulher é uma menina Que colheu seu fruto, flor do seu caminho. Eu apenas queria dizer A todo mundo que me gosta Que, hoje, eu me gosto muito mais Porque me entendo muito mais também. E que a atitude de recomeçar é todo dia, toda hora é se respeitar na sua força e fé é se olhar bem fundo até o dedão do pé. Eu apenas queria que você soubesse Que essa criança brinca nesta roda E não teme o corte das novas feridas Pois tem a saúde que aprendeu com a vida. (Gonzaguinha) 8 RESUMO Este trabalho tem por finalidade analisar a atuação do Serviço Social em uma Instituição de acolhimento a crianças com câncer e suas famílias, a partir do contexto do terceiro setor. O pano de fundo utilizado para o desenvolvimento desta pesquisa é o “Terceiro Setor” diante de um contexto neoliberal que gera a fragmentação das políticas sociais enquanto justifica e legitima a redução do Estado em intervir na área social. As transformações societárias no mundo, advindas da expansão do capitalismo e as implicações pós-revolução industrial, resultou na gênese e desenvolvimento da questão social e suas múltiplas expressões. Os lócus da pesquisa foi a Organização Não Governamental Grupo de Apoio à Criança com Câncer, no qual realizei meu estágio curricular. A pesquisa é do tipo qualitativo, abordando a revisão de literatura e pesquisa documental na Instituição. Nas conclusões, a pesquisa revelou a influência das políticas neoliberais no âmbito da efetivação das políticas sociais, o que implica na perda dos direitos, sobretudo os usuários em situação de maior vulnerabilidade social. As consequências desse processo também recaem sobre o trabalho profissional do Serviço Social. Palavras chaves: Questão Social; Neoliberalismo; Criança com câncer; Serviço Social. 9 ABSTRACT This study aims to analyze the performance of the Social Service in an institution to host children with cancer and their families, from the context of the third sector. The background to the development of this research is the "Third Sector" in the face of a neoliberal context that generates the fragmentation of social policies while justifying and legitimizing the reduction of the State in intervening in the social area. The societal transformations in the world, arising from the expansion of capitalism and the post- industrial revolution implications, resulted in the genesis and development of the social question and its multiple expressions. The locus of the research was the Non- Governmental Organization Child Support Group with Cancer, in which I completed my curricular internship. The research is of the qualitative type, approaching the review of literature and documentary research in the Institution. In the conclusions, the research revealed the influence of neoliberal policies in the scope of social policies, which implies the loss of rights, especially users in situation of greater social vulnerability. The consequences of this process also fall on the professional work of Social Work. Keywords: Social Issues; Neoliberalism; Child with cancer; Social service. 10 LISTA DE SIGLAS NADIS- Núcleo de Apoio ao Discente ONG - Organização Não Governamental GACC - Grupo de Apoio à Criança com Câncer IDH - Índice de Desenvolvimento Humano ONU - Organização das Nações Unidas PNAD - Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IAPS - Instituto de Aposentadoria e Pensões SUS - Sistema Único de Saúde LOS - Leis Orgânicas UNACON - Unidades de Assistência de Alta Complexidade PRAE - Programa de Acessibilidade Especial Porta a Porta SEMOB - Secretaria de Mobilidade Urbana HIVS - Hospital Infantil Varela Santiago CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social INCA - Segundo o Instituto Nacional do Câncer OMS - Organização Mundial da Saúde LOAS - Lei de Organização da Assistência Social INCA - Instituto Nacional do Câncer OMS - Organização Mundial da Saúde ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente PNAS - Política Nacional de Assistência Social 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE CAPITALISMO E QUESTÃO SOCIAL.................... 2.1 A gênese da Questão Social........................................................................................... 2.1.1 O ideário do liberalismo: do surgimento ao neoliberalismo atual.............................. 2.2 Índices da Questão Social no Brasil................................................................................ 2.3 O Terceiro Setor em debate............................................................................................ 2.4 A Política Nacional de Oncologia.................................................................................. 3 A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO GRUPO DE APOIO À CRIANÇA COM CÂNCER (GACC-RN) .......................................................................................... 3.1 Caracterizações do GACC-RN....................................................................................... 3.2 Breves considerações sobre a atenção da família no tratamento da criança com câncer................................................................................................................................... 3.3 A Atuação do Serviço Social no GACC-RN................................................................. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... REFERÊNCIAS................................................................................................................. 12 15 15 22 27 31 39 45 45 48 52 61 63 12 1.INTRODUÇÃO A presente monografia tem por objetivo geral analisar a atuação do Serviço Social em uma instituição de acolhimento a crianças com câncer e suas famílias, a partir do contexto do terceiro setor. A motivação por esse tema originou-se na experiência de Estágio Obrigatório em Serviço Social na Organização Não Governamental (ONG) Grupo de Apoio à Criança com Câncer (GACC), situado na Rua Floriano Peixoto, no número 383, no bairro de Petrópolis, na cidade do Natal, Rio Grande do Norte. No período de agosto/2017 a julho/2018, foi possível vivenciar o cotidiano de uma equipe multiprofissional no atendimento a crianças e adolescentes em tratamento oncológico, assim como acompanhar a rotina das famílias desde o período de diagnóstico e tratamento da doença. No GACC, foi possível conhecer o trabalho da assistente social, no âmbito da assistência social, buscando a compreensão do papel da profissão em uma ONG filantrópica inserida no Terceiro Setor e discutir as políticas sociais destinadas aos usuários diante da conjuntura neoliberal em que a sociedade brasileira se encontra. As demandas de serviços que as famílias acolhidas pelo GACC enfrentam são inúmeras expressões da questão social e a busca pelo apoio da instituição se dá na perspectiva de que suas necessidades sejam sanadas ou ao menos minimizadas. Com base nesses conhecimentos, buscaremos evidenciar os objetivos específicos desse trabalho, que visa discutir o papel do terceiro setor na efetivação de políticas sociais e no contexto neoliberal, apresentar a Política Nacional de Oncologia numa perspectiva do direito humano à saúde e caracterizar o trabalho do GACC e a atuação do Serviço Social no atendimento à criança com câncer. A partir desta pesquisa, procurei me debruçar sobre os desafios e possibilidadesno atendimento às famílias assistidas pelo GACC, considerando o aspecto do direito à assistência a partir da ótica do Terceiro Setor. Na busca de alcançar o objetivo apresentado, foi utilizado nesta monografia o método de pesquisa qualitativa, abordando a revisão de literatura e pesquisa documental da Instituição lócus do Estágio em Serviço Social. O levantamento bibliográfico possibilitou um amplo leque para a pesquisa, proporcionando uma maior compreensão 13 acerca do assunto. O modo de pesquisa qualitativa refere-se a um conjunto de técnicas interpretativas, objetivando a decodificação e descrição dos componentes de um sistema complexo. Segundo Minayo (2002), a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares e tem um grau de realidade que não pode ser calculado, enquanto Gil (2008) descreve a pesquisa qualitativa como uma relação dinâmica entre o real e o sujeito, um vínculo que não pode ser dissociado entre o mundo objetivo e subjetivo dos sujeitos que não podem ser limitados a números. Para ambos os autores, a pesquisa qualitativa é a análise do fenômeno social como um todo, onde é necessária a visualização do contexto a partir de estudos no local de origem dos dados descritivos, no qual o pesquisador procura interpretar a situação estudada. A diferença entre qualitativo-quantitativo é de natureza. Enquanto cientistas sociais que trabalham com estatística apreendem dos fenômenos apenas a região “visível, ecológica, morfológica e concreta”, a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas (MINAYO, 2002, p. 22). Diante do que foi apresentado, faremos no segundo capítulo desta dissertação uma breve contextualização acerca da gênese da Questão Social, ao passo que discorreremos brevemente sobre a inserção do capitalismo na sociedade, através do processo de expropriação da classe camponesa, acarretando o êxodo rural, o que deu início ao processo de pauperização da classe trabalhadora e ao surgimento do que Karl Marx denomina de proletariado. Compreendendo as transformações ocasionadas na sociedade europeia, assim como nos Estados Unidos, buscaremos contribuir acerca do entendimento da conjuntura que se instalava na sociedade brasileira desde sua colonização, buscando observar as dicotomias associadas aos aspectos societários tão distintos entre países em processo de industrialização. Nesse contexto, o Brasil, ainda em sua formação histórico escravista e de desenvolvimento tardio, estava longe de acompanhar as transformações econômicas, políticas, culturais e societárias ocorridas em grande parte do mundo. Adentraremos brevemente sobre os impactos pós Segunda Guerra Mundial, a partir dos quais, o capitalismo experimentou a intervenção do Estado na economia apresentada a fim de superar as transformações ocorridas com a destruição pós-guerra. 14 Ainda neste capítulo, trataremos de problematizar a inserção do liberalismo no Brasil desde sua primeira etapa, o projeto neoliberal e os impactos que afetam a sociedade contemporânea. Ainda neste mesmo cenário, buscaremos realizar uma leitura da trajetória do Terceiro Setor, inserido sob a ótica da sociedade brasileira. Diante desta problemática, as demandas de ações e políticas sociais são vistas como de fundamental importância para a classe trabalhadora, sobretudo para a parte da sociedade que se encontra em situação de vulnerabilidade, devido à desigualdade e exclusão social. Traremos uma concisa exposição de dados obtidos através da Organização das Nações Unidas, com a finalidade de apresentar aspectos e índices da desigualdade no país, o que comprova a ausência e ou ineficiência das políticas destinadas à assistência da população mais pobre. No terceiro capítulo, apresentaremos o cenário da Organização Não Governamental Grupo de Apoio à Criança com Câncer (GACC), sua história, características físicas, serviços e benefícios prestados aos usuários. Faremos também uma breve abordagem sobre as famílias acolhidas pelo GACC, qual o papel e importância do vínculo familiar durante o período de tratamento das crianças e adolescentes e quais as compreensões que as famílias possuem sobre os direitos do paciente com câncer e as políticas que podem minimizar as dificuldades e contribuir com a qualidade de vida da família. Para finalizar, exibiremos a atuação do Serviço Social no GACC e seu compromisso com a instituição e com os sujeitos de direito que buscam o apoio da mesma. 15 2 – CONSIDERAÇÕES SOBRE CAPITALISMO E QUESTÃO SOCIAL 2.1 - A Gênese da Questão Social De acordo com Santos (2012), para compreender a gênese da questão social, é necessário um esforço de uma delicada análise, visto que não é razoável afirmar com precisão uma data ou um momento exato em que o termo surgiu. Podemos afirmar que o período histórico a partir de 1830 contribuiu para essa nova forma de olhar a sociedade. Assim como a afirmação Hobsbawm (2005, p. 162, apud SANTOS, 2012, p.30), “[...] qualquer que seja o aspecto da vida social que avaliarmos, 1830 determina um ponto crítico[...]. Ele aparece com igual proeminência na história da industrialização e da urbanização, na história das migrações humanas, tanto sociais como geográficas, e ainda na história das artes e da ideologia. [...]1830 determina uma inovação ainda mais radical na política: o aparecimento da classe operária como uma força política autoconsciente e independente na Grã-Bretanha e na França. [...]na Grã-Bretanha e na Europa ocidental em geral, esse ano determina o início daquelas décadas de crise no desenvolvimento da nova sociedade que se concluem com a derrota das revoluções de 1848 e com o gigantesco salto econômico depois de 1851. ” Santos (2012) afirma que para compreendermos a concepção do capitalismo e as consequências da crescente pauperização que a sociedade do século XIX vivenciou, é necessário que tenhamos uma ideia mínima do que Karl Marx categorizou como “acumulação primitiva do capital”, a “pré-história do capitalismo”, o processo que se deu entre os séculos XV e o XVI. Essas transformações iniciaram-se com o processo de expropriação. Segundo a autora, além da sua privilegiada localização, a Inglaterra também possuía uma vasta quantidade de matéria prima, como minérios, o que contribuiu para a produção de ferro, considerado de fundamental importância para o avanço da tecnologia e para a produção de maquinário que seria utilizado em grandes proporções nos anos vindouros. A propriedade territorial era comumente pertencente aos senhores nobres, que permitiam aos servos arar a terra e, assim, a maior parte do cultivo era devolvida ao senhor feudal e a pequena parte do servo era utilizada em troca de serviços e para pagamento de tributos. 16 Apesar dos servos serem explorados (diferentemente do modelo de escravidão posteriormente adotado no Brasil) os camponeses, nas sociedades europeias, possuíam uma dívida com os donos da terra, a qual era “emprestada” para que pudessem cultivar meios para sua subsistência e ali morarem. Nesta troca, o servo teria uma dívida que seria paga através de impostos e lhe seria entregue parte da produção cultivada nessa mesma terra. Como afirma Netto e Braz (2010), A condição servil dos camponeses era muito distinta da condição dos escravos – embora duramente explorados (não só pelo dever do trabalho nas terras do senhor, mas ainda por inúmeros tributos, inclusive o dízimo recolhido pela Igreja), dispunham nas glebas e nas terras comunais. A economia do feudalismo era essencialmente rural e autárquica: cada feudo compunha-se de uma área de terra de extensão variável, envolvendo uma ou mais aldeias, e sua produção era destinada especialmente ao autoconsumo. À diferença da relaçãoque o escravo mantinha com o seu proprietário, a relação entre o servo e o senhor feudal implicava formalmente uma série de compromissos mútuos – a prestação de serviços pelos servos, proteção da vida do servo pelo senhor. (NETTO; BRAZ, 2010, p.69). Conforme Santos (2012), a política de cercamentos foi um método encontrado pelo trono, já que a terra passou a ser compreendida como um bem de produção. A nobreza rural estabeleceu as terras como suas, cercando as propriedades e introduzindo ali uma nova forma de conduzir a reprodução, uma estratégia formulada também com o objetivo de excluir os trabalhadores de seu meio de sustento. Por meio da autorização do Governo inglês, os camponeses foram retirados de suas terras para que os grandes proprietários estabelecessem sua criação e reprodução de animais, assim como o cultivo do algodão, a fim de serem comercializados para as indústrias de tecido que se encontravam em ascensão. Assim, como se refere Huberman, (1976, p. 114, apud SANTOS, 2012, p. 31). “[...] como o preço da lã subira (a lã era a principal exportação da Inglaterra), muitos senhores viram uma oportunidade de ganhar mais dinheiro da terra, transformando-a de terra cultivada em pasto de ovelhas [...] enquanto isso significava mais dinheiro, significava também a perda do emprego e do meio de vida dos lavradores que haviam ocupado a terra que passava a ser cercada. Para cuidar de ovelhas, é necessário um número de pessoas menor do que para cuidar de uma fazenda e os que sobravam ficavam desempregados. ” 17 A política dos cercamentos foi um método bastante conveniente para a categoria de investidores da época que objetivavam “adequar” a economia inglesa, adotando a estratégia da utilização das propriedades camponesas e submetendo essa população à exploração de sua força de trabalho, de modo que ela já não possuía mais nenhum meio de sustento, pois havia sido lhes tirada a terra. Através da análise marxiana, Fontes (2010) afirma, [...] a expansão da expropriação dos recursos sociais de produção não diz respeito apenas à expropriação da terra, de forma absoluta, mas à supressão das condições dadas de existência dos trabalhadores, e sua consequente inserção, direta e mediada pela tradição, nas relações mercantis (e no mercado de força de trabalho) (FONTES, 2010, p. 89). A partir dessas transformações societárias, houve um deslocamento da classe camponesa para as áreas urbanas em busca de trabalho, fenômeno esse denominado de “Êxodo Rural”, o que ocasionou um contingente que tornaria sua mão de sua obra em mercadoria, onde eram submetidos a salários irrisórios e condições precárias de trabalho, o que se transformaria em breve em uma nova categoria social, o proletariado. Sobre isso, Lessa (1999), traz uma afirmação sobre o capital, [...] o capital é uma forma de propriedade privada que não pode deixar de se expandir. Diferente da propriedade feudal, ou da propriedade de escravos, que poderia permanecer por séculos sem alterações significativas, o capital é uma forma de riqueza que apenas pode existir se servir para fazer negócios cada vez mais lucrativos (LESSA, 1999, p.30). Com a Revolução Industrial, o trabalho que até então era exercido de forma artesanal passou a ser substituído pelo modo fabril de produção através da implementação de máquinas a vapor, o que resultou na manifestação de duas novas categorias sociais antagônicas: o operariado, que vendia sua força de trabalho, e a burguesia, possuidora dos meios de produção capitalista. Em consequência disso, se fundamentaram os conflitos entre o capital e o trabalho. [...] é no século XIX, no contexto da Revolução Industrial, do desdobramento da grande indústria e da organização da classe trabalhadora (em sindicatos e partidos políticos) que lutava por melhores condições de vida e trabalho, que é colocada a questão social propriamente dita, vinculada à emergência do pauperismo e do perigo que ele significava para a ordem burguesa (PASTORINI, 2010, p.114). 18 Através desse desenvolvimento do capitalismo e de seu modelo econômico voltado para a acumulação do capital e, consequentemente, para a exploração da força de trabalho, as expressões da “Questão Social” passaram a se manifestar. Esse período foi caracterizado pela ampla e acelerada urbanização dos espaços através da industrialização, bem como pela valorização da riqueza destinada a um público restrito, a classe burguesa, que intensificava seu capital expressivamente, em detrimento do proletariado que, para garantir sua subsistência, se submetia a condições desumanas de trabalho. [...] O poder aquisitivo dos salários é de tal forma ínfimo que para uma família média, mesmo com o trabalho extenuante da maioria de seus membros, a renda obtida fica em nível insuficiente para a subsistência. [...] A pressão salarial força a entrada no mercado de trabalho das mulheres e das crianças de ambos os sexos em idade extremamente prematura, o que funciona também como mecanismo de reforço ao rebaixamento salarial. [...] A jornada de trabalho – apesar de diferir por ramos industriais – é, no início do século, de 14 horas. Em 1911 será em média de 11 horas e por volta de 1920, de 10 horas. [...] não terá direito a férias, descanso semanal remunerado, licença para tratamento de saúde ou qualquer espécie de seguro regulado por lei. Dentro da fábrica, estará sujeito à autoridade absoluta – muitas vezes paternalista – de patrões e mestres. Não possuirá também garantia empregatícia ou contrato coletivo (CARVALHO, 2005, p. 128-129). O desenvolvimento capitalista, além de contribuir para a pauperização da classe subalterna, também favoreceu na disseminação de numerosas doenças, a vista de que as condições de moradia eram extremamente precárias. Não havia interesse por parte do Estado no saneamento dos bairros populosos e o acesso à saúde era mínimo. Os problemas sociais, políticos e econômicos tiveram um expressivo aumento. Os trabalhadores mantinham uma rotina de trabalho em ambientes fabris com condições inóspitas e insalubres, devido à exposição excessiva ao calor, à ausência de ventilação e à umidade em excesso, o que acarretava diversas enfermidades nos bairros pobres. Assim, como afirma Carvalho (2005), [...] amontoam-se em bairros insalubres junto às aglomerações industriais, em casa infectas, sendo muito frequente a carência – ou mesmo falta absoluta – de água, esgoto e luz. Grande parte das empresas funciona em prédios adaptados, onde são mínimas as condições de higiene e segurança, e muito frequentes os acidentes [...] (CARVALHO, 2005. p. 129). 19 Santos (2012), afirma que diante dos abusos sofridos pela burguesia, a classe trabalhadora passou a se firmar de forma mais sistemática, a fim de manter uma organização em defesa da luta da categoria operária, o que foi possível com o fortalecimento dos sindicatos, com as manifestações públicas, com a imprensa operária e com as greves em massa. De acordo com Huberman, (1976, p. 2002, apud SANTOS, 2012, p. 40) “a revolução industrial e o sindicalismo deu passos tremendos. Isso tinha que ocorrer porque a Revolução Industrial trouxe consigo a concentração dos trabalhadores nas cidades, a melhoria dos transportes e comunicações, essencial a uma organização nacional, e as condições que fizeram tão necessário o movimento trabalhista. A organização da classe trabalhadora cresceu com o capitalismo, que produziu a classe, o sentimento de classe e o meio físico de cooperação e comunicação. ” Diante da conjuntura social com interesses adversos, o Estado, inicialmente, limitou-se na sua mediação na forma de repressão policial e violência contra a população operária, que passou a manifestar suas insatisfações diante do agravamento da questão social e das expressões geradas pelo empobrecimento da população. O desemprego, a violência,a fome e diversos tipos de mazelas ocasionadas pela extrema pauperização da classe operária em detrimento do acúmulo de riqueza de um número reduzido de possuidores propiciou o desenvolvimento de revolta na população. De acordo com Siqueira (2011), [...] desta forma, o próprio desenvolvimento capitalista, o aumento da riqueza socialmente produzida, não só não reduz a pobreza, como pelo contrário a produz e amplia: quanto maior o desenvolvimento capitalista, maior a pauperização[...]. (SIQUEIRA, 2011, p. 164). De acordo com a autora, o Estado, nesse momento, compreendeu a exteriorização da questão social como uma disfunção do indivíduo, responsabilizando e atribuindo a este o compromisso de “mudar de vida”. Posteriormente, o Estado passou a ingerir nas determinações jurídicas, contribuindo com estatutos e regulamentações de Leis Sociais, objetivando conter a classe trabalhadora. Diante do agravamento da “Questão Social”, os interesses da elite burguesa estavam ameaçados devido às inquietações e paralisações da população pauperizada, que iniciava um processo de organização. Para que a manutenção do lucro das indústrias capitalistas não fosse comprometida, a burguesia tratou de buscar alternativas para a 20 contenção da população, a fim de atenuar as necessidades desta, amenizando as insatisfações dos trabalhadores, objetivando a ordem e a aquietação deles. Assim como afirma Iamamoto (2005), A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. [...] (IAMAMOTO, 2005. p. 77). Segundo Santos (2012), as primeiras regulamentações a fim de proteger a classe operária se deram no início no século XIX, na Inglaterra, através da “Carta do povo”, mobilização fundamentada na luta pela democratização na política, tendo como principal manifestação a greve geral ocorrida em 1842, sendo marcada pela coleta de cerca de três milhões de assinaturas em prol desse documento. De acordo com Santos (2012), [...] considera-se indiscutível que as formas de protesto dos trabalhadores vão ampliando sua percepção como classe, na medida em que as reivindicações políticas se somam às econômicas, delineando um horizonte de superação da sociedade burguesa. Nesse momento, fica claro que o confronto principal não era entre “pobres” e “ricos”, e sim, entre trabalhadores, operários e patrões, capitalistas; era contra a exploração do trabalho pelo capital. (SANTOS, 2012 p. 40-41). Através dessa organização da classe trabalhadora, foi possível assegurar ao povo a defesa de importantes condições de trabalho, uma delas – de maior relevância – foi a fixação da jornada de trabalho em 10 horas máximas. Segundo Santos (2012), A carta do povo, de cunho visivelmente político, também solicitava o sufrágio universal para todos os homens adultos que não tivessem cometido crimes; renovação anual do Parlamento (esse feito não foi possível); um salário fixo para os parlamentares, para que os candidatos pobres pudessem também desempenhar um mandato; eleições com apuração de voto secreto, com o intuito de prevenir a corrupção reputada pela classe burguesa; demarcações eleitorais por zona iguais, como objetivo de uma representação justa; e extinção da exclusividade dos donos de terras, já que anteriormente apenas aqueles que pagassem o equivalente a 300 libras esterlinas teriam o direito de candidatarem-se. A partir de então, os eleitores também poderiam tornar-se elegíveis. 21 Devido à amplificação da Revolução industrial em outros países europeus, a Alemanha e a França, sequencialmente em 1839 e 1841, adotaram medidas equivalentes às da Inglaterra, assim como a Espanha, logo em 1873. Não obstante, a industrialização nos Estados Unidos experimentasse de forma intensa esse desenvolvimento industrial e urbano durante o século XIX, apenas no seguinte século manifestou-se uma regulamentação, com o propósito de oferecer apoio aos operários em caso de acidentes no campo de trabalho. De acordo com a autora, no Brasil, a evolução mais significativa na indústria se deu por volta da década 1930, porém, apenas na década de 1970, quando os acidentes de trabalho se encontravam em números extremamente elevados, houve certa responsabilidade para com a segurança e a saúde do trabalhador. Sendo assim, a legislação no âmbito do trabalho passou a atuar no intuito de mediar as tensões entre empregador e empregados, com o propósito de amenizar os acidentes e as doenças relacionados às atividades laborais, o que de fato foi um avanço de grande relevância para os direitos sociais. O surgimento do que é conhecido como “Questão social” está intrinsecamente atrelado ao desenvolvimento histórico de um sistema econômico e político que tem sido atualmente revisitado com novas características: o liberalismo. De acordo com Huberman (2010), Sem o amparo do braço social do Estado, cada vez mais pautado pelos conceitos gerenciais de eficiência, custo mínimo e não intervenção, esses cidadãos passaram a se valer cada vez mais da atuação de entidades criadas para mitigar os efeitos dessa ausência Estatal. Para uma maior compreensão sobre o liberalismo e a sua relação com a “Questão social”, faz-se necessária uma abordagem histórica sobre o seu surgimento, evolução e consolidação. 2.1.1 O ideário do liberalismo: do surgimento ao neoliberalismo atual Já foi observado neste trabalho que a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, no século XVIII, e ampliada para as grandes potências europeias ao longo de todo o século XIX, criou o contexto econômico que propiciou o posterior surgimento do liberalismo. 22 Segundo Huberman (2010), em um primeiro momento, a indústria estava voltada para o atendimento de uma demanda de consumo ainda insipiente e localizada no continente europeu. A indústria têxtil, metalúrgica e outros segmentos mantinham a produção em um nível que, embora frequente e regular, estava ainda longe de permitir um acúmulo significativo de capital nas mãos da classe que a comandava. O lucro alcançado com a atividade industrial era reinvestido na produção, mas devido ao volume limitado, não proporcionava um aumento significativo dessa, nem uma ampliação dos mercados consumidores. O impacto social da lenta e gradual consolidação da atividade industrial já se fazia sentir ainda mesmo na gênese do processo. Uma massa de trabalhadores que estavam disponíveis nos grandes centros urbanos, atraídos pelas possibilidades de ocupação, era extremamente explorada. A inexistência de uma legislação reguladora das relações trabalhistas, a qual só se formaria mais tarde, ao longo de um processo tortuoso de contestações e lutas dos trabalhadores, dava margem à existência de uma gama de realidades de exploração extrema da força de trabalho. Jornadas extenuantes, salários irrisórios, péssimas condições de higiene e segurança e ausência de garantias em casos de acidentes de trabalho são apenas alguns exemplos de situações às quais os trabalhadores eram submetidos. Segundo o autor, nos séculos XVIII e XIX, o Estado estava longe de assumir o papel de provedor que ele passaria a desempenhar ao longo de boa parte do século XX, o que deixava quase sempre os trabalhadores relegados à sua própria sorte, pelo menos até o momento em que começaram a surgir as entidades classistas que ampliariam gradativamente o seu poder contestatório e reivindicatório, a exemplo dos sindicatos. Ideologicamente, as bases do liberalismo foram iniciadas na Inglaterra ainda no século XVII, mas sua consolidação se deu ao longo de todo o século XVIII, culminando com a Independência dos Estados Unidos (1776) e com a Revolução Francesa (1789). De uma maneira geral, os teóricos liberais afirmavam que o Estadonão deveria interferir na vida dos cidadãos, permitindo a estes organizarem-se e empreenderem livremente. Assim, a economia de uma nação dependeria mais das leis da livre concorrência (oferta e procura) do que da intervenção estatal. Consoante Siqueira (2011), 23 [...]Adam Smith tornou-se um dos principais teóricos do liberalismo econômico. Sua principal teoria baseava-se no pressuposto de que deveria haver total liberdade econômica para que a iniciativa privada pudesse se desenvolver, sem a intervenção do Estado. A livre concorrência entre os empresários regularia o mercado, provocando a queda de preços e as inovações tecnológicas necessárias para melhorar a qualidade dos produtos e aumentar o ritmo de produção[...] (SIQUEIRA, 2011, p. 33). De acordo com a autora, A consolidação política dos ideais econômicos liberais se traduziu no desenvolvimento de leis que permitiram à elite industrial europeia, em desenvolvimento, uma ampliação gradativa de sua ação. Abriu-se caminho para o surgimento de corporações industriais que, à medida que cresciam, passavam a moldar o Estado aos seus interesses de acumulação de capital e de ampliação de seus mercados. Segundo Huberman (2010), no fim do século XIX, essas corporações, cada vez mais organizadas na forma de trustes e oligopólios nacionais, se viram diante de uma rivalidade que tinha como motor a busca por matéria prima, mão de obra barata, mercado consumidor e empreendimentos para investir o seu capital. Ainda no fim do século XIX, contudo, capitalismo industrial sofreu uma guinada que o fez alcançar um outro patamar de produtividade, de demanda, de mercados e, consequentemente, de acumulação de capital. Foi o momento em que, para ampliar justamente a produção e para fazer com que sua atuação fosse além das fronteiras nacionais, a elite industrial buscou a fusão da indústria com os bancos. Quando isso aconteceu, o potencial de investimentos das fábricas aumentou drasticamente e o raio de atuação das indústrias nacionais transbordou para as outras nações, buscando abrir frentes de ação em todas as partes do mundo. Huberman (2010), afirma, que essa situação ampliou a concorrência entre as nações industriais, que se lançaram em uma corrida para controlar áreas do mundo que pudessem fornecer matéria prima abundante, mercados consumidores ávidos pelos produtos de suas fábricas, uma massa ainda mais barata de mão de obra e uma possibilidade de investimento do capital acumulado que pudesse se reverter em ainda mais lucratividade. O alvo dessa corrida foram principalmente os continentes africano e asiático, que foram literalmente loteados em mesas de negociação e divididos de forma não consensual entre as potências industriais. Estava criado o pano de fundo para os conflitos de proporção generalizada que se seguiram no século XX: a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais. 24 Em um primeiro momento, influenciado pelas ideias liberais, o Estado seguia a sua função de intervenção mínima, inexistindo qualquer tipo de assistência social àqueles que compunham os extratos mais pobres da sociedade. Mas o sistema liberal sofreu um duro golpe em 1929, a partir da crise de superprodução da indústria norte-americana, e passou a ser fortemente questionado em sua habilidade de manter a pujança econômica e a coesão social. O autor ainda afirma, que a livre iniciativa, preconizada pelo liberalismo, levou a uma escalada da especulação que derrubou, em poucas horas, a Bolsa de Valores de Nova Iorque, ícone da economia liberal mundial. Para os críticos do liberalismo, houve a percepção deque a total livre iniciativa trazia um risco de desequilíbrio econômico e social e que esta precisaria de um contrapeso, ou até mesmo um controle. Foi a partir desse momento que o Estado passou a desempenhar um papel novo: inicialmente a partir do plano de recuperação econômica chamado de New Deal empreendido pelo presidente americano Franklin Delano Roosevelt, passou a prover os cidadãos, sobretudo os trabalhadores, de certas garantias que permitissem a estes a possibilidade de uma vida com um mínimo de dignidade. O Estado foi equipado para promover o acesso ao trabalho, à saúde, à educação e a toda uma série de benefícios e direitos sociais. Iniciada nos Estados Unidos na década de 1930, essa nova maneira de conceber o papel do Estado ganhou força nas nações europeias depois da Segunda Guerra Mundial, quando se espraiava pelo continente a “sombra” da ameaça do socialismo, que flertava com os trabalhadores os quais enfrentavam naquele momento uma realidade econômica precária decorrente sobretudo da destruição provocada pelo conflito. De acordo com Coutinho (1999), Esse sistema de mediações [as instituições da sociedade civil] [...] torna as crises revolucionárias nas sociedades ‘ocidentais’ um fenômeno bem mais complexo. Tais crises já não se manifestam imediatamente como resultado de crises econômicas, mesmo aparentemente catastróficas, e não impõem, portanto, uma solução rápida e um choque frontal; elas se articulam em vários níveis, englobando um período histórico mais ou menos longo. (COUTINHO,1999, p. 153). Segundo Huberman (2010), além disso, crescia na Europa nesse período a influência política das associações de trabalhadores, a exemplo dos sindicatos, que davam força às demandas do operariado e buscavam uma resposta do Estado. Esse movimento 25 resultou no surgimento de um aparelhamento estatal voltado para a assistência social da população. Se antes o Estado estava voltado para atender aos interesses das elites industrial e financeira, a partir de agora esse Estado passava a atentar para o bem-estar da classe trabalhadora. Ao longo de todo esse período, que se estendeu pelo menos até a década de 1970, o pensamento liberal foi silenciado. Seus defensores não encontravam espaço diante da força desse novo modelo de Estado provedor em uma realidade em que a economia se recuperava amplamente, gerando riquezas capazes de sustentar serviços, direitos e benefícios direcionados para a classe trabalhadora. A partir da década de 1970, porém, a economia mundial foi abalada por uma crise severa que acabou por promover uma reflexão sobre a ação e, principalmente, sobre o tamanho do Estado. O que antes era facilmente sustentado por um fluxo constante de recursos, passou a ser questionado em função de uma nova situação de inviabilidade. Voltou a ganhar força a ideia de não intervenção estatal, que levaria a um gradual abandono da prestação de serviços e da manutenção de garantias que, segundo os neoliberais, oneravam o Estado e impediam a sua gerência eficiente. Os dois países mais representativos dessa nova realidade de questionamento do Estado provedor foram os Estados Unidos, sob o governo de Ronald Reagan (1981-1989), e a Inglaterra, comandada pela Primeira Ministra Margareth Thatcher (1975-1979). Empresas estatais anteriormente criadas em função das demandas dos trabalhadores foram sendo assumidas pela iniciativa privada ou simplesmente deixaram de existir. Serviços antes prestados exclusivamente pelo Estado, como a educação e a saúde, foram abertos para a livre iniciativa. Segundo Harvey (2008), no Brasil, esse renascimento do liberalismo na forma neoliberal ganhou força nos anos 1990, a partir do governo do Presidente Fernando Collor de Melo (1990-1992). Houve um intenso programa de privatizações de empresas estatais, não sem antes passar por um processo de precarização a qual era usada como justificativa da venda dessas empresas para a iniciativa privada. Devido a isso, cidadãos que já não contavam com a prestação de serviços eficientes pelo Estado se viram ainda mais relegados a uma situação de dificuldade de acesso a esses serviços. De acordo com Harvey (2008), 26 O mundo capitalista mergulhou na neoliberalização como a resposta pormeio de uma série de idas e vindas e de experimentos caóticos que na verdade só convergiram como uma nova ortodoxia com a articulação, nos anos 1990, do que veio a ser conhecido como “Consenso de Washington”. [...] O desenvolvimento geográfico desigual do neoliberalismo, sua aplicação frequentemente parcial e assimétrica de Estado para Estado e de formação social atestam o caráter não elaborado das soluções neoliberais e as complexas maneiras pelas quais forças políticas, tradições históricas e arranjos institucionais existentes moldaram em conjunto por que e como o processo de neoliberalização de fato ocorreu. (HARVEY, 2008, p. 23). Além disso, a pauperização da classe trabalhadora e a diminuição do tamanho do papel do Estado faziam aumentar a dependência dessa classe em relação às elites detentoras dos meios de produção, resultando numa ampliação e num barateamento ainda maior da mão de obra disponível. Toda essa situação fez ampliar uma série de dificuldades econômicas e sociais da classe trabalhadora. A dificuldade de acesso aos serviços básicos e a diminuição das garantias e direitos associados à vivência da cidadania plena resultaram no que chamamos hoje de “Questão Social” no Brasil. Isso não significa que os problemas econômicos e sociais da classe trabalhadora no país tivessem surgido nesse momento, mas é fato que houve um aumento significativo das desigualdades e uma drástica diminuição de vários índices associados ao bem-estar dos trabalhadores. Além de elevados índices de analfabetismo e um baixo índice de desenvolvimento humano (IDH), os brasileiros tinham que lidar com uma acentuada desigualdade regional, que colocava os estados do sul do país em uma condição econômica e, consequentemente, social muito melhor que aquela verificada nos estados do norte e nordeste. 2.2 Índices da Questão Social no Brasil As reflexões mencionadas de forma breve no tópico anterior serão agora analisadas com maior detalhamento. São dados que traduzem de forma específica a existência da questão social no Brasil, justificativa para o surgimento do Terceiro Setor. Esses indicadores que ao mesmo tempo em que comparam o país às demais nações do mundo, permitem uma igual comparação entre as diversas regiões brasileiras, evidenciando as disparidades existentes entre elas. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma importante ferramenta para identificar a evolução e 27 desenvolvimento dos países. Os aspectos observados são desde a educação, mortalidade infantil, o nível de bem-estar da sociedade, de renda, de acesso aos serviços de saúde pela população, entre outros. Nesta pesquisa, iremos nos deter em apenas alguns aspectos. Os dados aqui enumerados foram levantados pela ONU (2016). Segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Brasil, no conjunto de 189 nações mundiais, encontra-se em 79º lugar. O número que representava este índice no país em 2018 era de 0,759, numa escala que vai de 0 a 1. Uma primeira análise pode levar à falsa interpretação de que o resultado é positivo, mas as evidentes disparidades entre as regiões brasileiras, assim como as diferenças econômicas entre os diversos segmentos sociais, criam um cenário deficitário para uma significativa parcela da população. Para se ter uma ideia, no Distrito Federal, (0,839), São Paulo (0,819) e Santa Catarina (0,813) foram as únicas classificadas na faixa de muito alto desenvolvimento humano, quando o indicador está acima de 0,8, enquanto no estado nordestino de Alagoas (AL), esse número não passa de 0,667, assim como Pará (0,675), Maranhão (0,678) e Piauí (0,678), que seguem com o mesmo baixo índice. Portanto, muito embora existam no Brasil pessoas que desfrutam de uma situação econômica e social privilegiada, comparável a condições verificáveis em países de alto IDH, há uma significativa parcela da população, distribuída em regiões, estados e mesmo em áreas específicas de grandes centros urbanos que vivenciam uma condição de extrema precariedade, com dificuldades de acesso a recursos e a serviços elementares para uma sobrevivência digna. Abaixo apresentamos a tabela referente as devidas proporções de cada estado brasileiro entre os anos 2011 a 20141. Os índices no país que apresentaram melhoras entre 2011 e 2014 são das regiões de Distrito Federal, São Paulo e Santa Catarina, segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e Fundação João Pinheiro. 1 O ranking do IDHM revela a manutenção das desigualdades regionais no país. Os 13 Estados das regiões Norte e Nordeste ocupam a parte de baixo do ranking. Acesso em 20 de mai. de 2019. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2016/11/22/df-sao- paulo-e-santa-catarina-lideram-desenvolvimento-humano-entre-estados.htm. https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2016/11/22/df-sao-paulo-e-santa-catarina-lideram-desenvolvimento-humano-entre-estados.htm https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2016/11/22/df-sao-paulo-e-santa-catarina-lideram-desenvolvimento-humano-entre-estados.htm 28 Outro importante índice é o de GINI ou (coeficiente de GINI), consiste em uma medida de desigualdade social distribuída também em uma escala de 0 a 1. Porém, quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade verificada no país. Segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), realizadora do levantamento dos dados, o Brasil detinha em 2013 o índice de 0,515, sendo considerado um dos 10 países mais desiguais do mundo. Um dos principais fatores para a formulação desse número é a análise da distribuição de renda. No Brasil, ainda segundo a mesma pesquisa, os 10% mais ricos da população detinham, em 2013, 41,55% de toda a renda nacional. Já os 50% mais pobres, tinham acesso a 16,41% dessa renda. 29 A inserção precoce de crianças no mundo do trabalho é outro fator que evidencia a disparidade social do país. Segundo pesquisa realizada pela ONU também em 2013, 39,6% das crianças e adolescentes até 17 anos precisavam trabalhar para complementar a renda familiar. Em algumas situações, a renda obtida com esse trabalho era mesmo a única da família. Tal situação, afasta os jovens da possibilidade de acesso à educação e, consequentemente, dificulta a sua formação intelectual e profissional, a qual representaria uma porta de acesso à inserção qualificada no mercado de trabalho. As crianças e adolescentes constituem, assim, mais um segmento a necessitar da intervenção das instituições de assistência do terceiro setor. Um número que, por sua vez, reflete a dificuldade de acesso aos serviços básicos de saúde é o alto índice de mortalidade infantil no Brasil. Em pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2017, o país apresentou o triste número de 12,8 mortes para cada mil nascimentos. Apesar de haver um avanço em relação à pesquisa anterior, do ano de 2016 (em que a taxa era de 13,3 mortes para cada mil nascidos vivos), esse número ainda é considerado alto para os padrões mundiais. No Chile, para citar um exemplo sul-americano, esse número é de “apenas” 6,7. Notadamente, há que se comemorar avanços recentes representados pela ampliação da assistência pré-natal, pela maior cobertura da vacinação de recém-nascidos, o que resultou na erradicação de doenças como paralisia infantil, sarampo e poliomielite (apesar do retorno da ameaça de algumas delas). Porém, os números continuam alarmantes. Um índice bastante dramático que também mostra a situação de vulnerabilidade social de amplos segmentos da sociedade brasileira é o de homicídios entre jovens de 15 a 29 anos de idade. Entre 2006 e 2016, houve 324.967 homicídios registrados no país, número maior àquele verificado empaíses em conflitos. No ano final dessa série, o número foi de 33.590, atingindo o pico histórico. No estado do Rio Grande do Norte, no período total da pesquisa, houve um aumento de 382% na quantidade de jovens assassinados. Esses números constam no Atlas da Violência de 2018, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Dentre todos os índices apresentados, talvez aquele que represente maior impacto na dependência de pessoas em situação de vulnerabilidade social diz respeito ao desemprego. Tristemente, desde o ano de 2016, quando se acirraram no Brasil uma crise econômica e política que passaram a “alimentarem-se” mutuamente, o número de 30 desempregados no país teve um aumento vertiginoso. Segundo dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no primeiro trimestre deste ano de 2019 12,7% da população economicamente ativa estava desempregada no Brasil, o que resulta em aproximadamente 13,4 milhões de pessoas desocupadas. De acordo com Pinto, Costa e Marques (2013), para que uma sociedade alcance um padrão de IDH, algumas medidas importantes devem ser tomadas. Uma delas é o combate à morte prematura, de forma que os recém-nascidos tenham oportunidade de usufruir uma saúde de qualidade igualmente com um ambiente saudável. Da mesma forma é importante que o Estado garanta a população conhecimento, autonomia e liberdade, ou seja, cumprindo com seu papel mantenedor. O fator renda é essencial para que se alcance a elevação do desenvolvimento, e sua ausência pode ser responsável por causar o distanciamento de uma qualidade de vida, importante para alcançar o desenvolvimento ideal desses cidadãos. A gravidade dessa ausência de qualidade e expectativa de vida, se deve ao fato de que, muitas famílias ficam dependentes de uma fonte segura de sustento em circunstância do desemprego e subemprego. Além disto, o Estado vem abandonando gradativamente o seu papel provedor e o apelo aos serviços e políticas públicas é latente. Sendo assim, os números apresentados mostram um retrato significativo da questão social no Brasil, evidenciando a necessidade de atuação das instituições que compõem a esfera do Terceiro Setor. 2.3 O Terceiro Setor em debate Em face do desmonte do Estado no que se refere às políticas públicas, é importante compreender o que fundamenta o Terceiro Setor e quais suas implicações diante da expansão e consolidação do neoliberalismo, que tem como característica o afastamento do Estado de sua responsabilidade social. Iremos aqui abordar a definição e o surgimento do termo e seu papel na sociedade brasileira. De acordo com Smith, (1991), a expressão “Terceiro Setor” passou a ser usada nos anos 70 nos EUA para identificar um setor da sociedade no qual atuam organizações sem fins lucrativos, voltadas para a produção ou a distribuição de bens e serviços públicos. 31 Em detrimento das sociedades Europeias e dos EUA, o Brasil apresenta características distintas no processo de industrialização, devido a toda a construção de sua formação social. Esta foi influenciada pela forma como se deu a sua colonização e, especialmente, pelo período escravocrata, quando durante séculos, o território brasileiro foi explorado com a finalidade de ser local de expropriação de recursos naturais e exploração da mão de obra, considerado também como ponto estratégico para as rotas comerciais marítimas e local para a expansão do comercio português. Assim como se refere Santos (2012), A origem da formação social brasileira tem sua gênese na condição de colônia de Portugal por ocasião do período conhecido como ‘expansão marítima’. Cabe lembrar que vários fatores levaram os países do “velho mundo” a essa empreitada. Dentre eles, Fausto (1997) destaca a necessidade de enfrentamento de uma crise econômica na Europa Ocidental, que em meio a guerras, escassez de alimentos e epidemias colocava como uma única alternativa a “expansão da base geográfica e da população a ser explorada”. (P. 21). Portugal possuía uma localização geográfica estratégica, além de uma “experiência acumulada ao longo dos séculos XIII e século XIV, no comércio de longa distância” (idem, p.21) e esses fatores, somados aos interesses econômicos de diversas classes e grupos sociais, fizeram com que os lusos se lançassem às “Grandes Navegações”. (SANTOS, 2012, p. 54- 55). Ainda de acordo com a autora, para os portugueses, o cenário inicial do Brasil Colônia não fazia parte dos interesses para o desenvolvimento econômico. Somente após 1530, Portugal passou a analisar do fato de que seria necessário tomar medidas para a criação de bases de abastecimento e fiscalização, visando impedir o contrabando estruturado, principalmente pela França e posteriormente pela Inglaterra, que invadiam o território brasileiro, afim de expropriar também a matéria prima local, sem aceitar a colônia como território pertencente à corte portuguesa. De acordo com Santos (1983), quando os colonos portugueses passaram a deslocar-se para o Brasil, objetivaram a possibilidade de explorar as fontes de riquezas aqui presentes. Como as alternativas eram vastas, os lusitanos passaram a observar o território brasileiro como uma possibilidade de expandir o comércio e o alcance de suas corporações, tudo isso com o apoio da coroa portuguesa, já que durante esse período, Portugal experimentava um déficit populacional devido à peste que assolou a Europa e que levou muitos à morte. 32 Assim como Reis e Silva (1991) afirmam, o Estado português estava organizado em uma monarquia absolutista. Nesse contexto, a relação entre governantes e governados era de soberano e de súditos, não existindo para estes últimos nenhuma garantia ou direitos objetivos e intocáveis perante o poder do Estado. Como súdito, o indivíduo estava sujeito às normas definidas pelos interesses dos reis e de seus aliados, a saber a nobreza e o clero. Logo, se o súdito não tinha direitos e garantias previstas em uma lei que estaria inclusive acima do rei (tal realidade somente começaria a se concretizar na Europa Ocidental a partir do fim do século XVIII, mais precisamente com a Revolução Francesa e com a repercussão da independência dos Estados Unidos), o Estado também não tinha para com esse indivíduo nenhuma obrigação de provimento de benefícios ou serviços. Quaisquer benesses concedidas aos portugueses derivavam naturalmente da “benevolência” do monarca, não de uma obrigação como provedor. Segundo os autores, foi esse o modelo de relação entre governante e governado que foi introduzido no Brasil desde o princípio da colonização. Quanto àqueles que viviam na colônia como homens livres e pobres, o provimento de suas necessidades cotidianas era precário e dependia fundamentalmente dos senhores que recebiam as terras e, com elas, poder e influência política. Na verdade, essa foi a realidade que se verificou no Brasil ao longo de todo o período colonial, adentrando nos períodos monárquico e até mesmo republicano. Não havia, nem em Portugal, nem aqui na América Portuguesa, nada que parecesse com serviços públicos destinados aos súditos. A educação, por exemplo, por muito tempo foi ministrada pelos padres jesuítas, e ainda assim não era direcionada para os membros da sociedade que não tinham posses. Reis e Silva (1991), afirma que o acesso à saúde dos mais pobres, era confiada a curandeiros que praticavam rituais repletos de um sincretismo o qual aglutinava crenças cristãs, indígenas e africanas. Nada disso tinha um caráter sistemático e abrangente, tampouco era provido pelo Estado. Na maioria das vezes, esse papel provedor foi desempenhado por instituições criadas pela própria sociedade. Durante todo o período colonial, surgiram e popularizaram-se no Brasil as chamadas irmandades religiosas. Consistiam em agremiações leigas que tinham a finalidadede socorrer os seus membros em seus 33 principais ofícios e sacramentos da liturgia cristã católica. Entre os “serviços” prestados pela comunidade de membros, não constavam saúde, educação ou assistência. A maior parte desses auxílios se tratava de ofícios ligados às obrigações religiosas dos católicos. À Irmandade da Misericórdia, por exemplo, cabia prover os respectivos membros do acesso ao batismo, o auxílio nos casamentos e, principalmente, nos rituais fúnebres e na extrema unção dos enfermos. Segundo os autores, conclui nesse ínterim, os homens e mulheres pobres no Brasil colonial estavam bem mais preocupados com o auxílio pós-morte, o qual garantiria aquilo que se definia como “uma boa morte” (velório, extrema unção, cortejo fúnebre, sepultura apropriada). Posteriormente surgiu a primeira instituição de atendimento à pobreza do país, a Irmandade de Misericórdia, que buscava desenvolver práticas de esmola, ofertava dotes para órfãos, numa tentativa de auxílio aos mais pobres. Diante disto, Mestriner (2001), afirma, [...] com uma pequena enfermaria que era ao mesmo tempo albergue e hospital, atendendo com alimentação, abrigo e enfermagem a escravos e homens livres, visto que não havia ainda médicos no país. (MESTRINER, 2001, p. 40). Ainda de acordo com Reis e Silva (1991), era um fato que em todas as regiões da colônia e em todas as atividades econômicas desenvolvidas, a distribuição dos recursos acontecia de maneira desigual e gerava um grande contingente de pessoas pobres e dependentes dos favores dos homens mais ricos e influentes politicamente. Os homens livres e pobres dependiam desses chamados “homens bons” para viabilizar praticamente tudo o que era necessário para a sua subsistência. A inexistência de uma articulação entre os homens mais pobres, assim como o controle exercido pela elite aristocrática, tornava inexistente também qualquer movimento reivindicatório mais significativo por determinados serviços ou acesso a bens materiais. Além disso, a aceitação da própria condição de pobreza era considerada uma virtude pregada pelas instituições religiosas, seculares ou leigas. A pobreza, mesmo quando extrema, não era um motivo para contestações de caráter político ou para o surgimento de bandeiras de igualdade social. Rebelar-se contra a condição material em que se encontrava era considerada uma rebeldia contra o destino que Deus reservara para si e isso resultava em homens e 34 mulheres serenamente resignados. Esse quadro só caminharia para uma mudança gradual a partir do século XVIII e, ainda assim, em regiões específicas do Brasil. De acordo com Reis (1991), havia ainda um outro fator que dificultava a formação de uma classe de homens pobres que pudesse fazer frente à desigualdade e à escassez de recursos e de oportunidades na sociedade açucareira: a escravidão. A escravidão era a forma de trabalho por excelência da economia açucareira. Nos primeiros momentos da colonização, o índio foi usado como escravo, mas logo as dificuldades logísticas da prática de escravizar os índios e a oposição da igreja fizeram com que os colonizadores preferissem “importar” escravos do continente africano. Além de mais habituados ao trabalho agrícola, os africanos, por meio do comércio pelo Oceano Atlântico, rendiam aos vendedores de escravos uma riqueza significativa. Portanto, se em relação a homens pobres e livres poderia se discutir a respeito de uma pretensa reivindicação por melhores condições de existência material, no que diz respeito aos escravos tal característica era impensável. Em primeiro lugar, porque o escravo era tido inicialmente como uma mercadoria e, uma vez adquirido pelo proprietário de terras, era considerado uma ferramenta de trabalho. O provimento do escravo era obrigação do senhor e este fazia isso com uma quantidade mínima de recursos. Como a escravidão era uma condição reconhecida em lei e praticada até mesmo pelo Estado português, não havia margem para a formação de movimentos de escravos, pelo menos nos primeiros séculos da colonização. A forma como os cativos se rebelava contra a sua condição era fugindo ou se vingando dos seus senhores, matando-os quando havia oportunidade. Conforme os autores, até mesmo nos quilombos, que eram comunidades de escravos fugidos criadas improvisadamente no meio da mata, praticava-se a escravidão, prova de que era improvável o surgimento entre os cativos de um movimento de caráter social em defesa dos escravos. Nesse sentido, Reis e Silva (1991), afirmam, A acomodação em si mesma, transpirava espírito crítico, disfarçava ações subversivas e frequentemente confundia-se com seu aparente oposto, a resistência[...] Em geral as atitudes extremas como fugas, crimes, suicídios só entravam em cena quando a negociação falhava ou não acontecia por intransigência senhorial ou impaciência escrava. (REIS e SILVA, 1991, p. 217). 35 Quando o Brasil se tornou um país independente e sob o comando de membros da família real portuguesa, a organização social permaneceu praticamente inalterada. Isso porque a intenção primeira da família real brasileira foi atender aos interesses políticos e econômicos da elite que a colocara no poder. Segundo os autores, um dos grandes sinais de que essa situação não mudaria foi a promulgação da chamada “Lei de Terras”, em 1950. Essa lei consolidou a divisão desigual de terras nas mãos das elites agropecuaristas ao definir a compra como a única maneira de se adquirir propriedades fundiárias no Brasil. Dessa maneira, de uma única vez, homens livres pobres ficaram impossibilitados de ocuparem e de terem como suas porções de terra localizadas até mesmo em regiões mais afastadas e pouco habitadas. Os homens mais ricos passaram a poder ampliar seus domínios territoriais, em um processo de concentração o qual resultou no modelo absolutamente desigual que existe hoje no país, qual seja, a existência de enormes latifúndios. Nas cidades, por sua vez, no fim do século XIX, teve início um lento, mas gradual, processo de industrialização. Aos poucos, o meio urbano teve que se adequar à crescente demanda de infraestrutura que a indústria exigia: ampliação de portos e de terminais ferroviários, alargamento de avenidas, incremento da rede elétrica. Ao mesmo tempo, criou-se a necessidade de se contratar trabalhadores livres, uma vez que a escravidão não era compatível com um modelo de trabalho que buscava a produtividade e a criação de um mercado consumidor formado por trabalhadores assalariados. Porém, ao contrário do que se poderia pretender como forma de inserção social de milhões de libertos os quais foram jogados na sociedade sem um amparo estatal que lhes garantisse um mínimo de condições dignas de existência, as autoridades e as elites brasileiras foram buscar a mão de obra para a indústria e para o campo nas massas de camponeses e operários pobres que constituíam o excesso populacional em países europeus, a exemplo da Itália. O Imperador D. Pedro I não só estimulou a transferência de milhares de famílias europeias, como até mesmo financiou a viagem que os trouxe para o Brasil. Enquanto isso, a massa de brasileiros, em sua maioria outrora escravos (embora agora como “homens livres”) não havia oportunidade para o trabalho na indústria e tampouco uma política de assistência que suprisse as suas necessidades mínimas, para que superassem 36 as dificuldades dessa nova realidade. Isso resultou na marginalização da população mais pobre. Segundo Behring e Boschetti (2007), John Maynard Keynes (1883-1946) defendia a intervenção do Estado na produção econômica e diferentemente do Brasil, os países aos quais tiveram influência do Keynesianismo, tiveram suas políticas sociais como propósito a geração de emprego, o aumento na distribuição de renda e a promoção da igualdade social. A teoria atribuiu ao Estadoo direito e o dever de conceder benefícios sociais que garantam à população um padrão mínimo de vida como a criação do salário mínimo, do seguro-desemprego, da redução da jornada de trabalho (que então superava 12 horas diárias) e a assistência médica gratuita. O Keynesianismo ficou conhecido também como "Estado de bem-estar social" (LANZANA, 2001, p. 109). Logo depois, o Keynesianismo agregou-se ao fordismo, que tem como base a produção em série e o consumo em massa e buscava aumentar a produção a partir da divisão do trabalho, incorporando movimentos severamente estudados. Nesse momento, começaram a haver mudanças para a classe trabalhadora, que pôde acessar os bens de consumo, devido aos altos lucros da indústria, à ampliação de demandas e à ascensão do nível de vida da população. O Estado de Bem-Estar Social buscou assegurar um acordo de neutralidade nas relações das classes sociais e amortecer a crise do capitalismo com a sustentação pública de um conjunto de medidas anticrise. Entretanto, foram beneficiados os interesses monopólicos. (BEHRING & BOSCHETTI, 2007, p.71), Segundo as autoras, no Brasil, a política social surgiu com o período do governo de Getúlio Vargas, no início da década de 1930, com algumas conquistas para a classe trabalhadora, como o surgimento dos IAPS (Instituto de Aposentadoria e Pensões). Isso foi considerado um avanço, embora esse direito fosse destinado apenas ao trabalhador de carteira assinada. Em seguida, o país experimentou um longo período de ditadura militar pós-1964, proporcionando aos trabalhadores alguns benefícios, como menciona Faleiros, os quais foram: a ampliação da previdência para os trabalhadores rurais (1971); a criação do Ministério da Previdência e assistência social (1974); entre outras. É importante ressaltar que a ditadura militar e o período do Fordismo influenciaram fortemente a internacionalização econômica do país. https://pt.wikipedia.org/wiki/Sal%C3%A1rio_m%C3%ADnimo https://pt.wikipedia.org/wiki/Sal%C3%A1rio_m%C3%ADnimo https://pt.wikipedia.org/wiki/Seguro-desemprego https://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_de_bem-estar_social 37 Behring e Boschetti (2007) afirmam que, na década de 1980, a classe trabalhadora obteve grande conquista com a Constituição Federal, que foi um momento no qual os movimentos sociais foram às ruas lutar por melhores condições de trabalho, moradia e outros benefícios sociais. Porém, essa época ficou economicamente conhecida como a década perdida, devido ao endividamento do país com altas taxas de inflação, aumento do desemprego e baixos índices de crescimento. De acordo com as autoras, no início dos anos 1990, espalhou-se uma campanha entre os políticos brasileiros e seus estudos reformistas, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. Essas reformas tinham como propósito aumentar o lucro do mercado, devido à grande crise econômica que o Estado Brasileiro enfrentara na década anterior, tendo como foco principal as privatizações na área da previdência social, o que menosprezava as conquistas obtidas no campo da seguridade social desde a Carta Magna. Assim, a proteção social perdia seu princípio universal e redistributivo, passando a privatizar os serviços públicos no campo educacional, previdenciário, e na saúde, reforçando o ideário de classe dominante. Segundo Montaño (2007), na sociedade vigente, vivencia-se um direcionamento para a expansão do “terceiro setor”, em particular das ONGs (organizações não governamentais), que justificam sua ação através da ausência do Estado em responder à questão social e utilizam como justificativa a crise financeira do Estado e sua incompetência em responder aos problemas sociais. Em princípio, a crise financeira está relacionada com a utilização econômica e política que a elite burguesa e as autoridades têm decidido a favor do mercado financeiro, como também em favor pessoal, dentre eles: favores políticos, altas taxas de juros ao mercado, elevado faturamento das obras, quitação de empresas arruinadas, corrupção, entre outros. Também empregam como argumento que a estagnação do Estado tem relação com seu traço burocrático, a inoperância em executar suas decisões e a sua cultura paternalista e clientelista. De acordo com o autor, essas alegações omitem algo importante de quem se valeu do clientelismo e do patrimônio do Estado, a elite burguesa que estimula o Estado mínimo. O autor defende que no Brasil nunca houve Estado protecionista, mas o que houve foi um aparato estatal que não soube desenvolver um sistema que assegurasse a proteção 38 social. Para isso, é necessário aumentar e intensificar o papel do Estado como garantidor de direitos. Assim, decorre um processo de transferência do Estado para a comunidade para intervir na esfera social. O pensamento neoliberal associa-se com a reestruturação produtiva, na qual o Estado restringe sua atuação em responder aos problemas sociais, e o terceiro setor passa a ser visto como uma maneira de superar a estagnação fiscal, em que a população perde seus direitos e, com isso, uma maior expansão da atividade civil. Na América Latina, nas décadas de 1970 e 1980, o avanço das ONGs esteve correlacionado com o aumento de recursos estrangeiros e logo aumentou, em 1990, devido à ausência do Estado, e à suspensão destes recursos, ao incentivo e à contribuição do Estado para essas instituições, por meio de parcerias, fornecendo isenção de impostos, empréstimos simples, comodidades em adquirir capital, equipamentos e funcionários. Conforme Montaño (2007), Na verdade, a função das “parcerias” entre o Estado e as ONGs não é a de “compensar”, mas a de encobrir e a de gerar a aceitação da população a um processo que, como vimos, tem clara participação na estratégia atual da reestruturação do capital. É uma função ideológica. (MONTAÑO, 2007, p.224). Essa parceria tem como finalidade ocultar a intenção da reorganização do capital, fazendo com que o indivíduo aceite este pensamento que opera somente em favor do capital e não do trabalhador. Para isso, o capital trabalha na reinstrumentalização de algumas áreas. De acordo com Montaño, (2007), primeiramente, o Estado, que restringe seu papel, modificando o sistema de seguridade social, dentre eles a previdência social. Em segundo lugar, as relações do modo de produção, mediante a destituição dos direitos trabalhistas, na terceirização e nas condições precárias das relações de trabalho. Em terceiro lugar, a sociedade civil, que tem como ideologia amparar a classe socialmente vulnerável, por meio da pacificidade dos sujeitos, na separação dos movimentos sociais, bem como na remoção do Estado, motivador de transformações, modificando a maneira de lutar pelos interesses, em busca do bem comum. Deste modo, a função do “terceiro setor” no neoliberalismo baseia-se em: 39 Justificação e legitimação da redução do Estado em intervir no social e na fragmentação da seguridade social, quando o terceiro setor lucra com as atividades que eram desenvolvidas pelo Estado, transformando direitos universais em privados. Desoneração do capital em financiar políticas do Estado e sociais, nas quais a população passa a se responsabilizar por suas próprias necessidades através da sua contribuição e do trabalho voluntário. Montaño (2007), também afirma que diante do cenário de políticas públicas paliativas e fragmentadas é de fundamental importância para a população brasileira apropriar-se das políticas sociais numa compreensão da perspectiva do direito. Na busca de minimizar os agravos em consequência do tratamento em combate ao câncer, as políticas sociais atuam de forma a garantir aos sujeitos em vulnerabilidade social a universalidade à saúde. Através do que foi posto, pode-se verificar certo avanço, como exemplo na criação da Política Nacional de Oncologia. A implementação dessa políticaparte da compreensão da ausência de condições de acesso da população brasileira no diagnóstico e tratamento do câncer e da necessidade de se estruturar uma rede de serviços regionalizada e hierarquizada que garanta atenção integral à população, bem como o acesso a consultas e exames para o diagnóstico da doença. 2.4 –A Política Nacional de Oncologia Uma das expressões da questão social, se refere aos índices de doenças e epidemias que assolam a população brasileira, entre elas o câncer infantil. De acordo com o INCA (2019), no Brasil, no ano 2018, houve uma estimativa de 12.500 novos casos de câncer infantil, e 2.704 mortes. Em todo o mundo, segundo a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês), há uma média de que, todos os anos, 215.000 casos são diagnosticados em crianças menores de 15 anos, e cerca de 85.000 em adolescentes entre 15 e 19 anos. Embora o fato seja alarmante, devemos considerar que quando diagnosticado precocemente, é possível que cerca de 80% de crianças e adolescentes sejam curados. 40 Fundamentados nestes dados, iremos realizar um breve resgate histórico da política de saúde brasileira e as conquistas sociais direcionadas à população no âmbito da saúde, dando ênfase à política Nacional de Oncologia. De acordo com Bravo (2007), o movimento da reforma sanitária foi um momento histórico que, representado por segmentos da sociedade civil, objetivava debater sobre a saúde no Brasil. Tal evento ficou conhecido como a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada na cidade de Brasília / Distrito Federal, no ano de 1986, e tinha como objetivo garantir que o Estado trabalhasse como Estado democrático de direito e cumpridor do seu papel na formulação e execução de políticas sociais, principalmente na área da saúde. Tinha como pauta analisar o processo histórico da saúde, os recursos financeiros destinados aos setores desta, sendo entendida como natural e direito inseparável do indivíduo. As ideias fundamentais foram o acesso universal, a compreensão de que a saúde é um direito fundamental e responsabilidade do Estado em garanti-la, a separação das responsabilidades nos níveis municipal, estadual e federal e acessibilidade no organismo de informações. A reforma sanitária foi o resultado de conflitos e encontros por parte da população que tinha como meta mudar o modelo de gestão de saúde, a qual era voltada ao modelo privado, garantindo assistência aos que estavam no mercado de trabalho e os que não tinham recursos para pagar por essa assistência ficavam à mercê das ações filantrópicas. Segundo Aguiar (2011), o Sistema Único de Saúde (SUS) é regulamentado pelas leis orgânicas (LOS) 8.080/90 e 8.142/90. É formado pelo conjunto organizado, vinculado a ações e serviços de saúde, e tem como participantes membros da esfera Estadual, Federal e Municipal, contando com os serviços privados de forma adicional. O sistema tem direção única e deve ser conduzido nos três níveis de Governo, de acordo com os seus princípios e diretrizes. A Lei 8.080/90 organiza os requisitos para precaução, efetivação e a reabilitação da população. Já a Lei 8.142 estabelece critérios a respeito da atuação da população na administração do SUS e, também, acerca da passagem dos fundos da saúde entre os Governos. O SUS tem como princípios doutrinários e organizativos: a universalidade, a qual diz respeito ao acesso universal de todos os indivíduos, sem discriminação ou vantagem nos serviços de saúde; a equidade, a qual tem relação com o fato de priorizar o acesso aos indivíduos que mostrarem-se em suprema carência; a integralidade, contida na 41 lei 8.080, diz respeito à união dos serviços e ações de prevenção e cura, podendo ser grupal ou pessoal, em todos os níveis de atenção. A integralidade é composta por duas perspectivas: a horizontal, que está relacionada a todas as áreas da saúde, sendo necessária à sistematização em todas as categorias de média, alta e baixa complexidade, de forma eficiente e positiva; e a vertical, que envolve o indivíduo na sua totalidade, contemplando aspectos que vão desde o nível sentimental, biológico, mental, social e cultural. A descentralização compreende que toda esfera de gestão (tanto a municipal, estadual ou federal) são responsáveis pelos serviços e ações de saúde. A regionalização organiza esses serviços por meio de sua territorialização e quantidade de habitantes, pois objetiva correto ordenamento dos serviços, no aprimoramento dos fundos financeiros, no conhecimento dos custos e no acesso equitativo. A participação e controle social estão relacionados à participação da população no organismo de gestão, como as conferências e conselhos de saúde, sendo importantes, pois formam organizações fundamentais em direção ao funcionamento do controle social, permitindo à população integrar-se nas definições, sugerir ações, projetos para dar respostas às questões de saúde, supervisionando o destino do dinheiro e avaliando a condição de assistência ofertada pelos serviços. As conferências de saúde foram estabelecidas pela lei 8.142/90 e devem ser realizadas de quatro em quatro anos. É importante ressaltar que as instituições públicas de saúde têm a obrigação de viabilizar as notícias e os dados para a comunidade, de maneira a permitir seu questionamento acerca dessa política, garantindo, assim, a atuação da coletividade. Embora através da Constituição a população tenha obtido benefícios na área da saúde, o SUS perpassa por diversos problemas para a sua efetivação, entre eles, escassos recursos financeiros; instabilidade dos conselhos; insuficiência de farmácias públicas; ampliação da área privada; organização desproporcional dos profissionais no país; irregularidades no acesso; aumento do ajuste entre o público-privado; redução do dinheiro nas despesas com saúde. A política de oncologia, segundo Jorge (2011), abrange ações que promovem desde a diagnose, recuperação, até mesmo serviços que possam amenizar o sofrimento do paciente que se encontra em estado terminal. A política de oncologia foi estabelecida 42 e é regulada pela Portaria GM/MS 2.439/2005, que deve estar associada ao órgão Federal, Estadual, Municipal, Ministério da saúde e às secretarias Estaduais, seguindo as atribuições de cada instituição. Essa política tem como objetivo possibilitar ações que identifiquem os elementos causadores de neoplasias2 e possam promover a diminuição dos danos em defesa da vida, de modo que possibilite a equidade e a emancipação dos indivíduos. Para isso, é necessária a sistematização da atenção básica, de média e alta complexidade; a criação de Rede Estadual ou Regional na prestação de serviços oncológicos que possibilitem atendimento integral e pontos de referência e contra referência; o estabelecimento de parâmetros técnicos que avaliem os serviços de oncologia, públicos como privados; abrangência dos serviços de saúde ao paciente oncológico que possam proporcionar a equidade, universalização, totalidade, controle social e acompanhamento oncológico; estimulo à pesquisa sobre a eficiência em oncologia, aperfeiçoamento dos gestores, qualificação dos profissionais de saúde, incentivo à troca de informações, de modo que possibilite demonstrar os dados obtidos nas pesquisas. De acordo com a Portaria GM/MS, existem alguns elementos fundamentais para a efetivação da atenção em vigilância da saúde que possam promover ações de prevenção causadora das neoplasias; o auxílio da rede de alta complexidade, a análise dos instrumentos que possam custear modernos equipamentos; desempenho de ações pela atenção básica que possam promover a prevenção, diagnose, assistência médica e multidisciplinar para os pacientes em tratamento; a democratização das informações, a qualificação e o aprimoramento dos profissionais em todos os níveis de atenção.Segundo os dados da referida Portaria, a atenção em oncologia deve estar baseada em suas diretrizes que estejam incluindo o aperfeiçoamento da atenção, regulamentação, o controle e a avaliação em todas as categorias da atenção. Para o seu funcionamento, são 2Quando o tumor se dá por crescimento do número de células, ele é chamado neoplasia - que pode ser benigna ou maligna. Ao contrário do câncer, que é neoplasia maligna, as neoplasias benignas têm seu crescimento de forma organizada, em geral lento, e apresenta limites bem nítidos. Elas tampouco invadem os tecidos vizinhos ou desenvolvem metástases. O lipoma e o mioma são exemplos de tumores benignos. Acesso 20 de mai. de 2019. Disponível em: https://www.inca.gov.br/perguntas-frequentes/todo-tumor-e- cancer https://www.inca.gov.br/perguntas-frequentes/todo-tumor-e-cancer https://www.inca.gov.br/perguntas-frequentes/todo-tumor-e-cancer 43 necessários alguns requisitos aos hospitais Unidade de Assistência de Alta complexidade em Oncologia (UNACONS), pois estes devem possuir equipamentos e recursos humanos e instalações adequadas, devem realizar processos cirúrgicos, serviços de oncologia, assistência de alta complexidade que permita a diagnose e o recurso terapêutico. Conforme Jorge (2011), as principais necessidades da área de oncologia são: insuficiência das redes que atendam este público para o tratamento e diagnose; a falta de equipamentos de radioterapia; o atraso no reparo das máquinas e a baixa oferta desses serviços, que acaba direcionando pacientes para estados vizinhos aos que residem, para realizarem tratamento e procedimentos cirúrgicos. O autor, ressalta que qualquer rede do SUS está habilitada a realizar procedimentos cirúrgicos. O autor faz uma comparação da política de oncologia do Brasil com outros países e mostra que o paciente demora muito tempo na fila de espera para procedimentos cirúrgicos, tratamento e exames. Tudo isso devido à falta de profissionais especializados em oncologia, à insuficiência de redes de alta complexidade e à incapacidade dos profissionais da atenção básica para prevenir e diagnosticar o câncer e conduzir aos centros de referência. Conforme Silva (2012), a pessoa com câncer dispõe de direitos que estão instituídos e regulamentados na cartilha dos direitos dos pacientes acometidos por neoplasias, o paciente desfruta de alguns benefícios durante o tratamento. Dentre eles, podemos citar: • sacar o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Porém, é necessário ter contribuído com a previdência social; • desconto na compra de automóveis adaptados ou especiais. Para isso, é exigido que o paciente comprove que ficou com sequelas devido à doença; • aposentadoria por invalidez. É obrigatório apresentar incapacidade para o trabalho; • auxílio-doença. O cidadão deve ter contribuído com o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) e estar incapacitado para prover sua subsistência; • reconstrução da mama para pacientes que tiveram amputação ou mutilação das mamas. Em caso de planos privados, o (a) paciente está assegurado (a) pela Lei Federal 10.223/01; • prioridade em processos jurídicos e administrativos para pessoas com idade igual ou superior a 65 anos; 44 • O Benefício de Prestação Continuada (BPC). Para se enquadrar neste benefício, a pessoa deverá nunca ter contribuído para a Previdência Social e estar inapto para o trabalho. O (A) paciente também poderá se adequar a benefícios disponíveis para a pessoa com deficiência, e, além disso, a sua renda per capita não poderá ultrapassar um quarto (¼) do salário mínimo. O referido benefício poderá ser renovado de dois em dois anos, analisando-se a disposição do paciente e verificando se este ainda se enquadra no programa. Em algumas cidades, o paciente com câncer também tem direito ao cartão de passagem de ônibus gratuito, oferecido pelas prefeituras. No caso da cidade do Natal/ RN, existe o cartão para pacientes que conseguem se locomover sozinhos e o Programa de Acessibilidade Especial Porta a Porta (PRAE), para pacientes que possuem dificuldade de locomoção para o tratamento. Ambos são viabilizados junto à SEMOB (Secretaria de Mobilidade Urbana). 45 3. A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO GRUPO DE APOIO À CRIANÇA COM CÂNCER - GACC/RN 3.1 - Caracterização do GACC-RN Diante do que foi posto, iremos discorrer de forma sintética a respeito da instituição pesquisada. Trata-se de um breve histórico sobre sua fundação, diante do cenário político ao qual foi alicerçada. O Grupo de Apoio à Criança com Câncer, mais conhecido como GACC/ RN, surgiu em 1988 pelo trabalho de funcionários voluntários que realizavam visitas descentralizadas às crianças internadas ou em tratamento oncológico ou hematológico no Hospital Infantil Varela Santiago (HIVS). Em 1990, percebendo as dificuldades crescentes dos pacientes e seus acompanhantes para dar continuidade ao tratamento, devido à ausência de condições financeiras para cobrir despesas de hospedagem, alimentação e transporte, o grupo alugou uma pequena sala, onde alguns produtos doados eram vendidos e o dinheiro arrecadado era revertido em contribuições para essas famílias. As crianças, bem como seus acompanhantes, necessitavam de um ambiente onde pudessem alimentar-se, tomar banho e até mesmo descansar. Muitos deles eram oriundos de bairros distantes e de cidades do interior. Em alguns casos, as crianças chegam a passar semanas na instituição, devido à dinâmica de seus tratamentos, o que inviabiliza ainda mais percorrer a distância entre hospital e casa. Devido ao crescente aumento do número de pacientes que buscavam o tratamento médico no Hospital infantil Varela Santiago, na Liga Norte-rio-grandense Contra o Câncer, e em clínicas especializadas, a fim de realizarem seus exames, a instituição resolveu investir na mudança do espaço. Em dezembro de 2002, através de auxílio voluntário, foi possível alugar uma casa vizinha ao referido hospital, na Avenida Marechal Deodoro da Fonseca. Esta também foi reformada com o auxílio da sociedade civil e nela o GACC-RN funcionou até maio de 2006. Mediante a ausência de espaço e à situação precária da casa após o desabamento de parte do teto, o grupo de voluntários e colaboradores começou a idealizar uma forma de ajudar os pacientes de maneira mais efetiva. 46 Logo depois, o Hospital Infantil Varela Santiago comprou a casa para ampliar o setor de oncologia e o GACC-RN iniciou uma grande campanha em prol da construção da sede própria. Nesse meio tempo, devido à necessidade de desocupação da casa, foram alugados dois espaços: uma casa na Av. Jundiaí, N°453, para funcionamento do setor administrativo e do Lar Esperança (local onde as crianças e suas famílias se hospedavam) e outro espaço na Travessa Ponciano Barbosa, N° 282, no Centro, para o funcionamento do Bazar e do Telemarketing, principal fonte de renda da instituição. A casa da Av. Jundiaí foi adaptada e passou a atender 283 crianças. Era composta de três quartos que comportavam sete beliches, cada quarto com um banheiro para as crianças e um para os adultos, uma pequena área adaptada como sala de leitura, acesso lateral para as salas de secretaria, gerência administrativa, setor financeiro, depósito de fraldas, salas de psicologia e nutrição. A garagem era utilizada para espaço de recreação. Havia uma pequena cozinha sem estrutura adequada e equipamentos. Também existia um refeitório que era utilizado como sala de TV. A sede não possuía armários suficientes para acomodar os pertences das crianças e acompanhantes. Com o apoio da mídia local, bem como da sociedade civil, foi feita uma campanha em prol da construção da sede. Dessa forma, artistas plásticos, empresáriose a população norte-rio-grandenses contribuíram com esta empreitada. Voluntários e funcionários foram capacitados de acordo com as suas funções. A instituição recebeu do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) o título de Utilidade Pública Federal, complementando os títulos adquiridos anteriormente na esfera municipal e estadual e o GACC passou a ser identificada como referência no apoio àqueles que precisam de apoio para vencer o câncer. No dia 18 de julho de 2009, aos 19 anos de existência, a ONG inaugurou sua sede própria. Isso acarretou na melhoria das condições de acomodação dos usuários e dos acompanhantes e contribuiu também para as melhores condições de trabalho dos funcionários e de dezenas de voluntários, além da oportunidade de ampliação do número de beneficiários, uma vez que a demanda é crescente. Hoje, a sede do GACC possui 22 quartos e cinco pavimentos, estruturados da seguinte forma: • Térreo - Recepção, Bazar, Estoque, Salas de atendimento psicológico e social, nutricional, odontológico, refeitório, cozinha, gerência, compras e eventos; 47 • 1° Andar - Diretoria, setor administrativo, sala de reuniões, central de doações (telemarketing), brinquedoteca e classe hospitalar; • 2° Andar – Dez dormitórios e dois quartos de isolamento para pacientes transplantados; •3 ° Andar – Mais dois dormitórios, espaços de convivência e televisão, setor de comunicação e marketing e de captação; • 4° Andar: Capela, sala de atividades para as mães, sala de triagem do bazar e área de serviço. O prédio é adaptado para receber portadores de deficiência, possuindo elevador, corrimãos, barras e sinalizações adequadas em cada ambiente, além de existirem em seu interior cadeiras de roda. Também há saídas e luzes de emergência, extintores de incêndio e toda estrutura exigida para a segurança dos assistidos de acordo com a normatização. A instituição acomoda crianças ou adolescentes em tratamento oncológico ou hematológico e acompanhantes em situação de vulnerabilidade, oriundos da capital e do interior do estado que necessitam de suporte material e emocional durante o tratamento, normalmente realizado no HIVS. Neste espaço, enumeramos alguns serviços que o GACC proporciona aos usuários: 1. Hospedagem na instituição, para crianças/adolescentes cadastrados em tratamento oncológico e/ou hematológico, junto de seus acompanhantes. 2. Alimentação na instituição com direito a seis refeições diárias para criança/adolescente e acompanhante; 3. Atendimento Psicossocial, Nutricional, Pedagógico e Odontológico; 4. Auxílio nas medicações, com a apresentação do receituário médico, sempre que possível; 5. Auxílio em exames de baixa e média complexidade, sempre que necessário e possível; 6. Auxílio funeral; 7. Oferta de uma cesta básica por mês, para cada família, conforme a disponibilidade dos itens doados à instituição; 8. Ações, eventos e/ou atividades de entretenimento que complementem o tratamento, levando o usuário a usufruir de momentos lúdicos, de bem-estar e integração, conforme disponibilidade de recursos. 48 9. Hospedagem na instituição, para crianças/adolescentes cadastrados em tratamento oncológico e/ou hematológico, junto de seus acompanhantes. A manutenção da casa, assim como o salário dos funcionários e as despesas gerais da instituição são providas através de doações voluntárias da sociedade civil. A unidade recebe diversos tipos de auxílio, desde a doação roupas e calçados, as quais são vendidos no bazar e o dinheiro é revertido para a compra de remédios e para pagar exames não acobertados pelo SUS, doação de alimentos não perecíveis, frutas e verduras destinados às refeições dos usuários e também na provisão das cestas básicas e até a doação do tempo, já que a instituição conta com a participação de diversos voluntários para vários departamentos. É importante ressaltar que o GACC funciona como casa abrigo, onde atende cerca de 300 crianças e acompanhantes, conforme sua capacidade rotativa (ou seja, as hospedagens das famílias são agendadas previamente e disponibilizada, conforme o número de quartos), os usuários têm participação contínua no processo de organização do local. As mães, pais e responsáveis são orientados desde o primeiro acesso sobre as atividades cotidianas da instituição. Embora exista funcionários destinados a função de manutenção, limpeza e cozinha, os acompanhantes contribuem nas atividades, a fim de cooperar com a organização e higiene do prédio. 3.2 Breves considerações sobre a atenção da família no tratamento da criança com câncer Mediante a contextualização apresentada, iremos discorrer de forma concisa, sobre a participação influente da família no processo de tratamento do câncer infanto- juvenil, bem como, buscar a compreensão, acerca do acolhimento institucional, dado a estes sujeitos em situação de vulnerabilidade. Segundo no Artigo 226, parágrafo 4 da Constituição Federal de 1988, a definição do termo “família” compreende como “entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes”. Diversos autores apresentam suas contribuições a respeito do conceito de família, todavia, iremos aqui aplicar a definição utilizada pelas políticas de saúde e assistência 49 tendo em vista que a compreensão do termo vem sendo utilizada para a efetivação de direitos sociais e intervenções profissionais. Diante desta perspectiva, compreende-se que família são indivíduos de uma unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, 93). Embora o ideal neoliberal mantenha o padrão conservador e de práticas higienistas, faz parte do cotidiano interventivo do Serviço Social, como agente mediador, o atendimento fundamentado no respeito a heterogeneidade, nas potencialidades, nos valores, crenças e identidades dos diversos arranjos familiares e na aceitação das particularidades desses indivíduos, contribuindo na perspectiva de fortalecer os vínculos, através de uma rede de cooperação que minimize as suas fragilidades. De acordo com Valle (1994) no processo de descoberta da doença e na busca pelo tratamento, as famílias em sua maioria, tendem a proteger seus filhos da informação a respeito do diagnostico, já que a descoberta gera uma série de dúvidas e angústias no seio familiar. Tais aspectos remetem a necessidade do estreitamento do vínculo familiar, independente do grau de parentesco, por ser considerado de especial influência no processo em propósito do tratamento e recuperação do indivíduo acometidos pelo câncer. Segundo Mioto (2000), é necessário que as instituições governamentais e não governamentais compreendam a família como um espaço que deve ser cuidado. O que compreendemos que em uma dada situação de doença no núcleo familiar, todos os membros desse grupo acabam por sofrer as interferências advindas desse período de descoberta e tratamento da doença. De acordo com Lima (1995), o momento do tratamento é onde a criança passa a compreender a sua real situação, pois além de sofrer os efeitos ambulatoriais, como reações pós quimioterapia, efeitos colaterais devido a medicações, a criança também pode passar a ficar impossibilitada de vivenciar atividades que antes eram corriqueiras, como brincar e ir para escola por exemplo. A partir da descoberta, inicia-se uma nova forma da família vivenciar sua rotina. Os responsáveis passam a buscar alternativas para o tratamento e o apoio de instituições relacionadas a doença, a fim de obterem informações sobre o tratamento, o acesso aos direitos do paciente, além de uma busca, com o objetivo de terem algumas de suas necessidades mais urgentes sanadas, ou ao menos amenizadas. 50 Por se tratar de um tratamento bastante delicado (agravado pela ausênciade suprimentos básicos da população mais pobre, como alimentação digna, dificuldade no acesso a medicamentos e ao transporte adequado, devido ao domicílio em bairros afastados ou em municípios distantes da capital), esse grupo de indivíduos sofre a experiência da doença de forma ainda mais árdua. O difícil processo do tratamento envolvendo esses grupos sociais pode acarretar muitas vezes em atraso de uma potencial cura no tratamento e recuperação, devido às necessidades e subjetividades de cada família. As crianças e seus familiares que buscam o apoio de uma ONG, a fim de atenuarem suas insuficiências nesse processo, encontram nessas entidades uma proteção que caberia ao Estado e, na incapacidade deste, descobrem esses meios no acolhimento das associações e organizações pela sociedade civil. De acordo com INCA (2011), o tratamento em prol da cura do câncer infantil, exige uma multidisciplinaridade de alguns serviços para que a intervenção na saúde do indivíduo seja bem-sucedida. Daí cabe o envolvimento da equipe tanto dos hospitais, como médicos, enfermeiros, equipe de radioterapia, bem como o apoio das diversas áreas que complementam esse tratamento, como fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e profissionais do serviço social estarem engajados nessa tarefa multidisciplinar. Uma alternativa que as famílias buscam para dar uma vida mais digna ao seu familiar acometido por neoplasia e até para os próprios cuidadores são os cuidados paliativos. Geralmente procurado quando não há mais esperanças de cura para o 34 paciente, os cuidados paliativos são definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como: [...] consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais (INTITUTO NACIONAL DO CÂNCER, 2002, p. 69). De acordo com as pesquisas da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, (2012), a partir do diagnóstico da doença, bem como todo o tratamento da doença, a integração dos profissionais, tem fundamental importância na contribuição na recuperação do indivíduo e na busca da redução das adversidades que desafiam essas famílias. A prática religiosa ligada a fé das famílias é comumente observada no processo de tratamento das crianças. São consideradas como estratégias de enfrentamento diante 51 desse período. No GACC, os eventos ecumênicos fazem parte da agenda institucional. Os princípios da fé católica, assim como as práticas e canções cristãs protestantes são consideradas bem aceitas dentro da instituição. Na experiência de estágio não foi possível observar outra alternativa religiosa presente no cotidiano da instituição. Os responsáveis pela organização dos eventos religiosos, buscam inserir as famílias e as crianças em práticas de devoção e reverencia. Mensalmente, é celebrada uma missa em forma de gratidão pela vida dos presentes ali. A busca pela espiritualidade contribui para o enfrentamento das diversidades vivenciadas pelas famílias. Ao buscarem a espiritualidade, parecem encontrar esperança na recuperação de seu ente querido, sendo este um ponto de referência para os familiares, no sentido de se manterem fortalecidos para enfrentarem os obstáculos vivenciados durante todos os processos. (SALCI; MARCON, 2011, p. 184). Embora exista um acompanhamento de alguns pais, irmãos, padrastos ou outras figuras do gênero masculino, as mães e avós ainda são as maiores representantes em número na instituição. Diante disso, o GACC possui uma ação na perspectiva de proporcionar a essas acompanhantes um dia dedicado a essas mulheres. Trata-se do “Projeto Mãe luz”, que atua no incentivo da autoestima das mães das crianças assistidas pela instituição. A cada ano, 12 mães da instituição são convidadas para participar da ação, que dispões salão de beleza e ensaio fotográfico. De acordo com Assumpção (1989), os indivíduos possuem aspectos que devem ser considerados relevantes, como sua cultura, seu modo de vida que vai além do econômico, aspectos esses que contribuem para a compreensão das famílias em sua integralidade. Dado a isso, as funções interdisciplinares possuem um papel de vasta importância para o enfrentamento das adversidades desses indivíduos. Diante disso, a participação dos assistentes sociais, mediante o contexto do tratamento do câncer infantil é de essencial relevância na busca pela compreensão do indivíduo em sua totalidade, não se limitando apenas ao aspecto saúde. É de suma importância, a busca por uma abordagem que identifique as necessidades e determinantes das famílias que buscam o acolhimento de uma instituição não governamental, compreendendo desde o primeiro momento dessa busca, que as necessidades dos usuários que vão além da relação saúde/doença. 52 3.3 A Atuação do Serviço Social no GACC Segundo Lima (1983), historicamente à raiz do Serviço Social, esteve associada a entidades de cunho religioso e caráter filantrópico em sua origem e através das tendências influentes dos Estados Unidos entre os anos 1940 e 1950, quando possuía como principal característica técnicas e aspectos positivistas, baseados na perspectiva do ajustamento do indivíduo, o que incluía práticas de apoio psicossocial. O Serviço Social é demandado nesse contexto, organizando-se em instituições da sociedade, na perspectiva de ajudar e assistir o necessitado, o deficiente e o desajustado socialmente (LIMA 1983, p. 50). A partir de 1980, o Brasil vivenciava um processo de redemocratização, assim como o Serviço Social incorporou novos temas e discussões teóricas embasadas no Marxismo. Ganhou relevância a 8ª Conferência Nacional de Saúde, que buscava debater os aspectos de saúde no país. Nesse período, os assistentes sociais já apresentavam seus trabalhos nos congressos com posicionamento crítico. De acordo com De acordo com Bravo e Matos (2007), embora houvesse progresso, os anos 1990 trouxeram desafios para a profissão ao buscar consolidar o projeto profissional, enquanto o Estado Neoliberal restringia o orçamento direcionado às políticas sociais. Assim, o Estado continuava prestando uma assistência mínima aos mais pobres. Nessa mesma década, o Serviço Social alcançou uma maturidade profissional e intelectual, consolidando-se com o Projeto Ético-político da profissão que tem como ponto central o comprometimento com a classe trabalhadora. Em 2002, esperava-se que houvesse uma radicalização no sentido de construir políticas sociais avançadas, que se operacionalizassem os marcos legais constados na Constituição Federal de 1988, e que, de fato, pudessem efetivar os direitos sociais. Entretanto, as políticas sociais se mantiveram fragmentadas e subordinadas ao capital financeiro, embora seja possível pontuar alguns avanços. Diante dessa conjuntura, o direcionamento tem sido no sentido da diminuição dos direitos, tendo por base a alegação da estagnação fiscal do Estado, modificando as políticas sociais em privativas, focalizadas e descentralizadas. Consequentemente, há uma substituição da política pública para a expansão das instituições filantrópicas que viabilizam as necessidades da população. 53 Na saúde, o que se observa é a falta de infraestrutura nos serviços públicos, de profissionais qualificados, carência de recursos, serviços burocráticos e precários. Na assistência, ocorre a precarização dos postos de trabalho e uma forte tendência ao conservadorismo da profissão com práticas filantrópicas e assistencialistas. No âmbito das ONGs, uma das consequências para o serviço social é refletida diretamente nas atividades do profissional, acarretando consequências, como a perda deseu campo de trabalho e ausência de autonomia. O profissional desempenha um papel de viabilizador de políticas sociais, visando responder às demandas da classe trabalhadora, através de uma visão crítica da realidade atuando num espaço de ideário burguês, respondendo suas demandas com serviços precários e focalizados, que não prezam pela emancipação dos sujeitos, e, por conseguinte, perdendo seu espaço de trabalho para indivíduos que prestam ações filantrópicas e não necessitam de profissionais qualificados. Embora o cenário seja de contradições e retrocessos, a assistência social possui sua proteção através de regulamentações obtidas por meio de lutas e reivindicações. Com o avanço da tecnologia, observa-se uma redução nos postos de trabalho, e, nesse momento, o terceiro setor, que possui como propósito promover o bem-estar dos indivíduos, começa a ser buscado por diversos profissionais que buscam ocupar um local de trabalho diante da conjuntura de desemprego latente. Em uma sociedade na qual impera um Estado mínimo para o social, a sociedade civil tende a sofrer as consequências desta desobrigação do Estado em cumprir o seu papel e assim, tendem a responsabilizar-se por meio de atividades voluntárias, o que é viável para o modo de produção e na criação de mão de obra barata, indispensável para formas de acréscimo ao capital. Em consequência disto, os profissionais de Serviço Social se deparam com o desafio de exercer as ações profissionais de forma a romper com o tradicionalismo entre teoria e prática, e realizar uma discussão sistemática entre acadêmicos e a categoria a fim do fortalecimento da classe. Vasconcelos (2003), destaca que é necessário, portanto, que os assistentes sociais, os quais utilizam a realidade como objeto de intervenção, estabeleçam as mediações indispensáveis para compreender essa realidade na direção de efetivar seu exercício profissional, rompendo com o conservadorismo, apropriando-se dos fundamentos que embasaram a profissão, percorrendo criticamente o trajeto situado na 54 discussão teórica, para compreenderem como as relações sociais são desenvolvidas, principalmente na sociedade brasileira, sendo necessária uma formação contínua. Sabe-se que os anos 1990, no Brasil, como citados nos itens anteriores, trouxeram um cenário de retrocesso no campo dos direitos, eclodindo um novo processo que confronta com o sistema democrático nos aspectos financeiro, político e social, num momento de crise e reestruturação do capital em nível internacional. Segundo Raichelis (2009), o sucateamento dos órgãos públicos quando a maior parte que usufrui desses serviços é a população de baixa renda, torna-se favorável ao capital ao propagar uma falsa ideia de que o sistema público e o Estado são ineficientes. Novas mudanças no perfil profissional. Diante de novas possibilidades de inserção nos espaços sócio ocupacionais, são requisitadas novas habilidades e competências técnicas e teóricas para poder executar suas atividades de forma adequada, conforme seu campo de trabalho, assim como atuar nas políticas sociais de forma interdisciplinar e intersetorial. O trabalho interdisciplinar é importante porque necessita de conhecimentos específicos de cada profissão, colaborando através dos conhecimentos apresentados em sua área. Portanto, o trabalho interdisciplinar e intersetorial são essenciais para uma atuação em conjunto, no qual são estabelecidas relações com diversos sujeitos, onde existe uma troca de experiências que busca atender os interesses em comum, ou seja, as demandas da população que usufrui dos serviços públicos. Embora o trabalho do assistente social no início fosse desempenhado dentro das comunidades, a categoria vem perdendo esses espaços ao atender somente demandas dentro da instituição. Por isso, é necessário resgatar os espaços democráticos, juntamente com a população, a fim que as discussões e busca por avanços permaneçam. Para Alencar (2009), o neoliberalismo nada mais é do que um liberalismo conservador travestido, quando o Estado passa a ser mínimo, passando a existir um retorno de práticas assistencialistas, e, consequentemente, uma fragmentação em meio aos direitos sociais. Assim, as privatizações ganham espaço em diversos setores, como educação, saúde, assistência e a atual questão em debate, na previdência social. Nessa perspectiva, os sujeitos sociais acabam sendo responsabilizados por questões que cabem à esfera estatal, a solidariedade em forma de democracia e autonomia dos sujeitos vêm com o intuito de enxugar gastos e diminuir responsabilidades, a cedência 55 dos serviços sociais em forma de parcerias trazem contradições no âmbito dos direitos outrora conquistados, dando espaço ao terceiro setor. Conforme Alencar (2009), Nesta perspectiva, ganha acento a noção de “terceiro setor”, enquanto espaço situado ao lado do Estado (público) e Mercado (privado), no qual são incluídas entidades de natureza distinta como ONGs, fundações empresariais, instituições filantrópicas e atividades do voluntariado. Consideram-se entidades de fins públicos de origem diversa (estatal e social) e de natureza distinta (privada e pública). O “terceiro setor” é considerado um setor “não-governamental”, “não- lucrativo” e “esfera pública não-estatal” materializado pelo conjunto de “organizações da sociedade civil consideradas de interesse público”. (ALENCAR, 2009, p. 8). Segundo a autora, o procedimento da contrarreforma no Brasil, transferindo os serviços sociais para o “terceiro setor”, traz novidades para as condições de trabalho e autonomia em requisitos profissionais do Assistente Social, gerando novas funcionalidades e competências, porém desvincula o profissional da ideia central da profissão, que está ligada à origem da questão social, na tentativa de combatê-la ou extingui-la. A adoção dessa postura profissional ligada às instituições do “terceiro setor” remete ao caráter de ajuda, solidariedade, e é capaz de ocasionar uma desprofissionalização do serviço social. De acordo com a autora, se analisarmos o sistema neoliberal, da forma como ele realmente é, em se tratando de Estado mínimo, veremos que isso acarreta problemas para o Assistente Social no âmbito empregatício, devido à precarização do trabalho, à diminuição de gastos na criação das políticas públicas, à terceirização e à diminuição de profissionais no setor público. Em vista disso, os profissionais do serviço social devem estar unidos na perspectiva de lutarem pelo seu espaço ocupacional dentro daquilo que lhe é atribuição e, também, competência, não deixando de lado o seu compromisso com a classe trabalhadora, ao reconhecer-se como tal, sem esquecer o seu compromisso com a construção do seu projeto ético político e com o código de ética, enxergando os usuários como sujeitos de direitos e se desvinculando do caráter da ajuda e solidariedade, deixando claro que isso são valores humanos, mas que não devem ser colocados como função específica do Assistente Social. 56 Segundo Martinelli (2011), um dos grandes desafios para o serviço social para efetivar direitos na atualidade é que os profissionais se reconheçam como sujeitos que fazem parte de um processo que teve a trajetória histórica da profissão oriunda de mudanças sociais e profissionais. Parte dessas mudanças está atrelada ao período após a Constituição de 1988, que ampliou os direitos. Um grande exemplo é o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, criado em 1990. Ele estabelece os direitos desses sujeitos e garante sua proteção, a qual era violada na maioria das vezes pelos próprios familiares. Também há a Política Nacional de Assistência Social, criada em 2004, que trabalha articulada com as outras políticas, visando conhecer a realidade da população para poder transformar a vida dos sujeitos. Diante do que foi apresentado, podemos destacaras conquistas para a profissão foram: Os direitos sociais passaram a ser fundamentais nas políticas públicas; trabalho intersetorial entre as políticas e dos serviços em rede e na criação do sistema de proteção social; participação nas políticas voltadas à proteção das famílias para obtenção de renda através do trabalho; rompimento com o clientelismo e o autoritarismo no planejamento das políticas públicas; novas formas de trabalhar com a proteção social, de modo educativo e preventivo, que garantam um bom relacionamento entre as comunidades e famílias. Martinelli (2011), destaca que a categoria, em conjunto com os movimentos sociais, teve grande relevância na criação dos direitos e nos espaços democráticos, além de na área de atuação para conseguir efetivar direitos é primordial estar vinculada com os diversos movimentos da sociedade. A autora destaca que, para romper com o projeto contra hegemônico, é necessário que o assistente social seja ousado, capacitado para estabelecer relutância à ordem vigente. Assim, para progredir na concepção de direitos e em favor da ética é fundamental exercer trabalhos socioeducativos, permeados na formação da cidadania e nos direitos sociais, voltados pelos princípios do Código de ética profissional. Embora os direitos garantam a condição de sujeitos políticos, isso não os exclui das manifestações da questão social. Por isso, as atividades profissionais devem ter o indivíduo como o centro, ao serem os principais requerentes dos serviços de proteção social. Desse modo, o assistente social atua interligado com os direitos sócio assistenciais 57 que foram legitimados com a Constituição Federal e proporcionados por intermédio das políticas públicas. Ainda que o Estado Neoliberal venha trazendo diversas consequências para os trabalhadores, como desregulamentação das leis trabalhistas, obstáculos no acesso aos direitos, aumento da pobreza e fragilidade de um trabalho coletivo entre os profissionais perante um contexto adverso, é crucial trabalhar direcionado com o projeto da profissão. Segundo Netto (1999), Enfim, o projeto assinala claramente que o desempenho ético-político dos assistentes socais só se potencializará se o corpo profissional se articula com os segmentos de outras categorias profissionais que compartilham de propostas similares e, notadamente, com os movimentos que se solidarizam com a luta geral dos trabalhadores. (NETTO,1999 p.16). Conforme o autor, é a busca pelo estabelecimento da justiça que possibilita um novo direcionamento para o Serviço Social, que tange na pretensão de uma atual cultura política que prossiga no exercício efetivo dos direitos. É intervindo politicamente que se consegue superar o conservadorismo que sustenta práticas clientelistas e autoritárias, legitimando o projeto profissional. É diante desse cenário político de conquistas e retrocessos que abordamos a atuação do Serviço Social no GACC, no qual a atuação do Serviço Social demanda de constantes desafios. Para isso, as ações específicas do profissional dessa área exigem habilidades de conhecimentos teórico-metodológicos, éticos-políticos e técnico- operativos, que lhe possibilitem a utilização de seus instrumentais fundamentados no Código de Ética Profissional e na Lei de Regulamentação da Profissão, aparato este a fim de nortear suas intervenções (CFESS, 2012, p. 30). A postura desse profissional, diante da intervenção no âmbito da política de Assistência Social, deve despir-se de julgamentos e interpretações conservadoras e tradicionalistas, assim como assumir uma responsabilidade de realizar a entrevista cadastral de caráter não punitivo, mas de mediação. Diante dessa perspectiva a partir do histórico da profissão, iremos aqui realizar uma breve leitura a respeito do que foi compreendido sobre a atuação do Serviço Social numa instituição de Terceiro Setor. O Serviço Social é reconhecido dentro do GACC como uma profissão fundamental, considerada pelos demais setores como a porta de entrada da instituição. A postura da profissional é de bastante empatia pelos usuários. Nesse primeiro momento no 58 processo de ingresso dos acolhidos na instituição, a profissional busca despir-se de julgamentos, interpretações conservadoras e tradicionalistas, assim como assumir uma responsabilidade de realizar um acolhimento capaz de esclarecer dúvidas e de proporcionar aos usuários uma conversa que desenvolva confiança nos familiares nessa nova fase de vida. Na sala do Serviço Social, a profissional busca introduzir um diálogo baseado na escuta qualificada, identificando as subjetividades da família acolhida, na perspectiva de compreender as demandas, objetivando a intervenção necessária. As famílias responsáveis pelas crianças e adolescentes que buscam acolhimento na instituição possuem uma série de dúvidas e angústias. Dúvidas principalmente em relação à doença de que estão acometidos. Nesse caso, a profissional procura encaminhar para os setores específicos, como o próprio médico que acompanha o caso do paciente. Esses usuários também estão desprovidos de várias informações a respeito dos serviços aos quais têm direito. Na entrevista com a profissional, o usuário recebe seu primeiro suporte, que é de fundamental importância nesse período de descoberta e tratamento da doença. Na sala do Serviço Social, também são esclarecidas dúvidas a respeito do que é a ONG (como se sustenta, através de quais recursos, o que pode oferecer de apoio à família) e ela irá também evidenciar as normas institucionais, já que o GACC permaneceu com viés de “casa abrigo”, característica mantida desde sua fundação. Após realização da entrevista e cadastro da família, a assistente social oferece um guia com essas informações e orientações e a criança e o acompanhante são conduzidas à hospedagem, recebendo kit dormitório e um quarto para ambos descansarem, até a próxima etapa do tratamento. Sobre isso, Yasbek contribui, [...] o trabalho do assistente social pode produzir resultados concretos nas condições materiais, sociais e culturais da vida de seus usuários, em seu acesso e usufruto de políticas sociais, programas, serviços, recursos e bens, em seus comportamentos, valores, seu modo de viver e de pensar, suas formas de luta e organização, suas práticas de resistência. (YASBEK, 2002, p. 180). Dentre as várias demandas institucionais, podemos observar que além das atribuições destinadas à sua área de atuação, a assistente social não se limita ao seu dever profissional. No cotidiano, além das demandas oficiais (como encaminhamentos, liberação para medicamentos, agendamentos para exames, consultas, terapias), são destinadas a ela responsabilidades como participação na organização de eventos e ações, 59 bem como a elaboração de atividades para com as crianças e seus responsáveis. O setor recebe uma grande veiculação de atendimentos. Diariamente, podem ocorrer até cerca 30 ou mais solicitações, incluindo novos cadastramentos, ação que mais exige maior esforço da profissional. Esses atendimentos são organizados por meio de fichas, distribuídas na recepção, criadas pela própria profissional, para otimizar seu trabalho. Apesar do posicionamento efetivo, o Serviço Social dispõe de uma autonomia relativa na execução de suas atividades. Embora exista um esforço por parte da profissional como agente mediadora, em oferecer ações potencializadora para a emancipação dos sujeitos assistidos na instituição, a burocratização tende a minimizar a sua atuação, o que limita o papel da instituição como provedora em funções assistencialistas. Essa estrutura hierárquica evidencia a correlação de forças, o que gera entraves na autonomia da profissional, bem como na ampliação das ações desenvolvidas pelo setor. Contudo, é notório o importante papel que o Serviço Social assume na instituição, onde dentro de seus limitese possibilidades busca assumir uma responsabilidade baseada nos conhecimentos teórico-metodológicos atribuídos à profissão, buscando trabalhar na perspectiva da defesa de uma sociedade justa e igualitária, que garanta o acesso universal aos programas e políticas sociais. Dessa forma, compreende-se a contribuição do Serviço Social como de fundamental importância para minimizar os entraves da questão social que se apresentam através das diversas demandas das famílias acolhidas pela instituição, para que esses usuários deem continuidade ao tratamento de seus filhos. Conforme o cenário apresentado, o GACC, possui características voltadas à filantropia, aspecto comumente instituições do terceiro setor. Possui alguns traços da caridade e viés assistencialista. Em virtude disso, a instituição vem mantendo seu papel com o auxílio da sociedade civil, diversamente do Estado que não cumpre com o papel de provedor. Conforme Bravo (2003), embora os cidadãos tenham conquistado direitos com a constituição de 1988, a partir dos anos 1990 surgiu a desresponsabilização do Estado com a política neoliberal, garantindo o mínimo para a população carente, ficando os outros à mercê dos serviços privados. Como citado acima, isto ocasiona impedimento para efetivação da política de saúde e assistência, que se tornam restritas, pouco efetivas e 60 pontuais, como exemplo o GACC, que não possui condições para o acesso a todos que precisarem. Segundo Montaño (2007), o terceiro setor utiliza ações de caridade e solidárias, desenvolvidas por entidades da sociedade civil, em que elas retiram a responsabilidade do Estado para dar respostas aos problemas sociais. O que se discute é um novo modelo de respostas às demandas sociais, com a desobrigação do sistema financeiro e a responsabilização para o indivíduo e a sociedade, tornando-se viável ao neoliberalismo. Seu principal objetivo é a remontagem do capital, restringindo ou excluindo a ação do Estado nos vários setores sociais. Com isso, as políticas sociais tornam-se privativas, as quais o sujeito adquire-as como mercadorias, ou vincula-se a ações caritativas. Além disso, são focalistas, com direção, principalmente, às áreas com demandas pontuais, devido à insuficiência de recursos para suprir suas necessidades. Assim, a nova maneira de se trabalhar com a questão social no neoliberalismo deve ser de dois sentidos: prestar assistência aos sujeitos com poder aquisitivo, que possam comprar os serviços ofertados pelo mercado, e intermediar as instituições filantrópicas, ou pelo Estado, as necessidades pontuais dos sujeitos com serviços escassos e rápidos. Dessa forma, para ocultar o rombo no sistema previdenciário e na área social estabelece-se um Estado mínimo, privatizando e passando sua responsabilidade para a sociedade ou terceiro setor, que comercializa ou oferece serviços sociais sem nenhum custo financeiro. 61 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS As organizações filantrópicas assumem um espaço cada vez mais importante no âmbito das políticas de saúde, tendo em vista essa conjuntura de aprofundamento da ofensiva neoliberal, onde há um desmonte do Sistema Único de Saúde e privilégio do setor privado. Entretanto, embora durante muito tempo essas organizações tenham sofrido duras críticas, há de se observar que estas passaram, desde a década de 1990, a contribuir de forma significativa, através de seus serviços assistenciais prestados à população, sobretudo aos mais pobres. O estágio curricular obrigatório no GACC foi valiosamente importante para a formação acadêmica na qual pude ser inserida. Através dessa experiência, foi possível se fazer a relação entre a teoria e a prática. Além disso, possibilitou explorar a rotina institucional, sobretudo o fazer profissional do Serviço Social e essencialmente, compreender acerca das demandas que perpassam pela instituição, para o qual foram utilizados os conhecimentos adquiridos na academia. Observou-se, no período de estágio, que os profissionais do Serviço Social da instituição possuem conhecimento teórico-metodológico, ético-político e técnico operativo. Trata-se de uma equipe multidisciplinar bastante respeitada entre os departamentos e por todos os profissionais. É pertinente para o serviço social buscar a compreensão acerca da realidade da classe trabalhadora, a fim de um empenho e um atendimento humanizado, visto que as famílias que buscam apoio da instituição, além da vulnerabilidade social, encontram-se fragilizadas emocionalmente diante do quadro de saúde dos filhos, e buscam na instituição, além de orientações quanto aos seus direitos, o acolhimento e a aceitação como indivíduos. Tendo em vista os aspectos observados, percebeu-se a importância da articulação do serviço social junto à rede de atendimento ao usuário. Foi possível verificar a importância da profissão em mediar a comunicação em rede socioassistencial, junto as demais instituições da área da saúde como hospitais, clínicas, órgãos públicos, defensoria pública, CRAS, CREAS, entre outros, com o intuito de amenizar os entraves e burocracias que as famílias enfrentam. 62 Diante do que foi apresentado, os retrocessos das políticas sociais com a consolidação do neoliberalismo, o aumento na questão social, assim como os agravos que perpassam as famílias usuárias do GACC, o presente trabalho, buscou contribuir para a reflexão a respeito do terceiro setor. É importante ressaltar a dificuldade da categoria profissional em efetivar o seu projeto ético-político, nesse contexto de flexibilização no mundo do trabalho e o espaço que o terceiro setor tem ganhado, substituindo o papel de órgãos públicos por órgãos de âmbitos privados. Nesse sentido, o Assistente Social, como membro pertencente à classe trabalhadora, deve articular-se com os demais profissionais da categoria, levando em conta os seus princípios do Código de Ética, que tem a liberdade como valor ético central, objetivando o enfrentamento a questão social que surge diante das contrariedades apresentadas. O respaldo e aparato provêm da Constituição Federal, que defende a cidadania, de forma abrangente, a todos os indivíduos sociais, elencando, também, a Lei 8.662/93, que consiste na regulamentação da profissão. Portanto, compreendeu-se que é oportuno trazer reflexões para a prática profissional e para os problemas evidenciados neste breve trabalho, no intuito de garantir a constante busca pela aproximação no que diz respeito à garantia e ao acesso aos direitos e a busca para a emancipação dos indivíduos. Também se destaca a contribuição acerca da compreensão da atuação do profissional de Serviço Social nos espaços sociocupacionais contraditórios, marcados pela atuação do Estado no modo capitalista neoliberal. 63 REFERÊNCIAS ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS. Manual de cuidados paliativos. Rio de Janeiro: Diagraphic; 2012. AGUIAR, Zenaide Neto. SUS: Sistema Único de Saúde – antecedentes, percurso, perspectivas e desafios. São Paulo. 1ª ed. Martinari, 2011. ALENCAR, Mônica Maria Torres de. O trabalho do assistente social nas organizações privadas não lucrativas. 2009. Disponível em:< http://www.cressrn.org.br/files/arquivos/4UkPUxY8i39jY49rWvNM.pdf >. Acesso em: 10 abr. 2019. ASSUNÇÃO, Elizabete; COELHO, M.T. Problemas de Aprendizagem. São Paulo, Ática, 1989. BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2007. BRASIL. Código de ética do/a assistente social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. - 9. ed. rev. e atual. - [Brasília]: Conselho Federal de Serviço Social, [2011]. Disponível em: < http://www.cresses.org.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=69&It emid=78>. Acessado em 16 de mai de 2019. BRASIL. ConstituiçãoFederal, 1988. Lei nº Art.196, de 05 de outubro de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069/90, de 13 de julho de 1990. BRASIL. Ministério do desenvolvimento social e combate à fome. Política Nacional de Assistência Social. Brasília: 2004. BRASIL. Lei Orgânica da Assistência Social, LOAS - Lei n. º 8.742/93. In: Cress 7ª R- RJ. Assistente Social: ética e direitos. 4ª ed. Rio de Janeiro, 2003. BRASIL. Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da Saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 20 set. BRAVO, Maria Inês Souza. Política de Saúde no Brasil. Disponível em: <http://www.escoladesaude.pr.gov.br/arquivos/File/Politica_de_Saude_no_Brasil_Ines_ Bravo.pdf>. Acesso em: 05, maio 2019. BRAVO, Maria Inês de Souza; MATOS, Maurilio Castro de. Política de saúde, ética e Serviço Social: Reforma sanitária e projeto ético-político do Serviço social: elementos para o debate. In: BRAVO, Maria Inês Souza et al. Saúde e Serviço Social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2007. http://www.cressrn.org.br/files/arquivos/4UkPUxY8i39jY49rWvNM.pdf 64 CARVALHO, Raul; IAMAMOTO, Marilda Villela. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica.18. ed. São Paulo: Cortez, 2005. CFESS. Comissão de Fiscalização. Atribuições privativas do (a) assistente social em questão. 1. ed. ampl. Brasília: CFESS, 2012a. COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 60a ed. São Paulo: Atlas, 2008. Disponível em < https://ayanrafael.files.wordpress.com/2011/08/gila-c-mc3a9todos- etc3a9cnicas-de-pesquisa-social.pdf>. Acesso em 20 de maio de 2019. GRUPO DE APOIO À CRIANÇA COM CÂNCER GACC/ RN. Disponível em: <https://www.gaccrn.org.br/ > Acesso em: 05 mai. 2019. HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola, 2008. HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem: Do Feudalismo ao Século XXI. LTC, 2010. IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 2005. INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER (BRASIL). Divisão de Comunicação Social. Direitos sociais da pessoa com câncer. / Instituto Nacional de Câncer. – 2 eds. Rio de Janeiro: INCA, 2002. INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER José Alencar Gomes da Silva. Incidência de Câncer no Brasil. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/estimativa/2019/tabelaestados.asp?UF=RN>. Acesso em: 24 abr. 2019. JORGE, José. Política Nacional de Atenção Oncológica. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2011. Disponível em: <http://www.sbradioterapia.com.br/pdfs/relatorio- tribuna-contas-uniao.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2019. LANZANA, ANTONIO Evaristo Teixeira. Economia Brasileira: fundamentos e atualidade - São Paulo: Atlas 2001. LESSA, Sérgio. In: Capacitação em Serviço Social e Política Social: Módulo 2: Reprodução social, trabalho e serviço social. Brasília: CEAD, 1999. 65 LIMA, A. A. Serviço Social no Brasil: a ideologia de uma época. São Paulo: Cortez, 1983. LIMA, R. A. G. A enfermagem na assistência à criança com câncer. São Paulo, AB,1995. MARTINELLI, Maria Lucia. O Serviço Social e a Consolidação de direitos: desafios contemporâneos. 2011. Disponível em: <http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/sss/article/view/8634843/2760>. Acesso em: 02, maio 2019. MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e a assistência social. São Paulo: Cortez, 2001. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. MIOTO, R. C. T. Cuidados Sociais Dirigidos à Família e Segmentos Sociais Vulneráveis. O trabalho do assistente social e as políticas sociais, mod. 04. Brasília: UnB, CEAD, 2000. MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e Questão Social: Critica ao padrão emergente de intervenção social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007. NETTO, José Paulo. BRAZ Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2010. NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do Serviço social. 1999. Disponível em: <http://www.fnepas.org.br/pdf/servico_social_saude/texto2-1.pdf>. Acesso em: 25 maio 2019. PASTORINI, A. A categoria “questão social” em debate. São Paulo, Cortez– Coleção questões da nossa época; v. 17, 2010 PINTO, D. G; COSTA, M. A; MARQUES, M. L.A. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal brasileiro. 2013. RAICHELIS, Raquel. O Trabalho do Assistente Social na esfera estatal. 2009. Disponível em: </www.unifesp.br/campus/san7/images/servico- social/Texto_Raquel_Raichelis.pdf>. Acesso em: 04, maio 2019. REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX, São Paulo, Cia. das Letras, 1991. REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e Conflito: A resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Cia das Letras, 1989. 66 SALCI M. A., MARCON S. S. Enfrentamento do câncer em família. Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2011. SANTOS, Josiane Soares. “Questão social”: particularidades no Brasil. São Paulo: Cortez, 2012. SANTOS, Maria Villela. A Balaiada e a insurreição de escravos no Maranhão. São Paulo, Ática, 1983. SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS no 145, de 15 de outubro de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Social – PNAS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2009. SILVA, Instituto Nacional do Câncer Jose Alencar Gomes da. Direitos sociais da pessoa com Câncer. 3. ed. Rio de Janeiro: Inca, 2012. SMITH, David Horton. Four Sectors or Five? Retaining the Member-Benefit Sector. Nonprofit and Voluntary Sector Quarterly. V. 20 N. 2, Summer, 1991. SIQUEIRA, Luana de Souza. Pobreza e Serviço social: diferentes concepções e compromissos político. Rio de Janeiro: Cortez, 2011. VALLE, E. R. M. Vivências da família da criança com câncer. In M. M. M. J. Carvalho (Ed.), Introdução à psico-oncologia, São Paulo, 1994. VASCONCELOS, Ana Maria de. Parâmetros do Serviço Social: o projeto profissional hegemônico. In: VASCONCELOS, Ana Maria de. A Prática do Serviço Social. 2. ed. São Paulo, Cortez, 2003. YAZBEK, M. C. Voluntariado e profissionalidade na intervenção social. Revista de Políticas Públicas, Maranhão, v. 6, n. 2, 2002.