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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2022.0000394450 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000063-73.2020.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante CRISTÓVÃO HENRIQUE DOS SANTOS, é apelada NATHALIA SILVA MOURA. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores CLAUDIO GODOY (Presidente sem voto), AUGUSTO REZENDE E ENÉAS COSTA GARCIA. São Paulo, 25 de maio de 2022. ALEXANDRE MARCONDES Relator(a) Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1000063-73.2020.8.26.0562 -Voto nº 25973 2 1ª Câmara de Direito Privado Apelação Cível nº 1000063-73.2020.8.26.9562 Comarca: Santos (7ª Vara Cível) Apelante: Cristóvão Henrique dos Santos Apelada: Nathalia Silva Moura Juíza sentenciante: Thais Caroline Brecht Esteves Voto nº 25.973 Ação de consignação em pagamento. Partes que adquiriram um imóvel enquanto estavam namorando. Rompimento do namoro. Financiamento contratado apenas em nome da autora. Consignação pela autora dos valores das parcelas quitadas pelo réu. Reconvenção oposta pelo réu com pedido de indenização por danos materiais e morais. Sentença que julgou procedente a ação e improcedente a reconvenção. Quantia consignada pela autora correta. Inexistência de direito do réu a quantia correspondente à valorização do imóvel. Rompimento do namoro ou de promessa de casamento que não é causa, por si só, de dano moral. Ausência de prova de circunstância excepcional quando do rompimento da relação, expondo a parte a situação vexatória e humilhante. Inexistência de ofensa à dignidade e à honra do réu. Indenização por danos morais PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1000063-73.2020.8.26.0562 -Voto nº 25973 3 indevida. Doutrina e jurisprudência. Sentença mantida. Recurso desprovido. A r. sentença de fls. 281/286, de relatório adotado, julgou procedente ação de consignação em pagamento movida por Nathalia Silva Moura em face de Cristóvão Henrique dos Santos, considerando quitado o débito da autora, condenando o réu ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, ressalvada a gratuidade da justiça concedida. A r. sentença julgou improcedente a reconvenção, condenando o reconvinte nas custas, despesas processuais e honorários advocatícios de 10% sobre o valor atribuído a reconvenção, ressalvado o benefício da justiça gratuita. Recorre o réu-reconvinte, alegando nas razões de fls. 291/299, em síntese, que tinha intenção de ter o imóvel como investimento, de modo que resolvendo ficar ele a autora deve lhe pagar a quantia correspondente à valorização do bem. Insiste ainda na indenização por dano moral decorrente do rompimento da promessa de casamento, que lhe causou profunda tristeza, dor, degradação de sua imagem, da honra e da boa fama. Contrarrazões a fls. 303/310. Não há oposição ao julgamento virtual. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1000063-73.2020.8.26.0562 -Voto nº 25973 4 É o relatório. O recurso não merece provimento. É fato incontroverso que as partes mantiveram relacionamento amoroso por cerca de 7 anos e durante este período decidiram financiar um apartamento junto à Caixa Econômica Federal. O financiamento foi feito apenas em nome da autora, mas as partes pactuaram que cada uma pagaria metade do valor do financiamento. Conforme alegado na inicial, as partes resolveram por fim ao relacionamento amoroso. A autora ajuizou a presente ação para consignar em juízo o valor pago pelo réu pelo financiamento do imóvel, uma vez que o requerido se recusa a receber a quantia oferecida. Nenhum reparo merece a r. sentença. A recusa do réu em receber a quantia oferecida pela autora é injusta, autorizando a consignação em pagamento pela autora (art. 355, I do CC). O imóvel foi adquirido em 28 de junho de 2018, para pagamento em 360 meses, com vencimento da primeira parcela em 20/07/2018. O contrato de financiamento foi feito em nome PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1000063-73.2020.8.26.0562 -Voto nº 25973 5 da autora e o réu/reconvinte contribuiu para o pagamento das prestações somente até agosto de 2019. Desde então a autora/reconvinda vem pagando sozinha as parcelas do financiamento. Considerando que o imóvel foi adquirido em nome da autora e que desde agosto 2019 o apelante deixou de pagar a sua parte do financiamento, está claro que não tem interesse sobre o imóvel, fazendo jus somente à restituição do que pagou, ausente qualquer prova concreta de valorização que justifique o pagamento de uma quantia maior pela apelada. Sendo assim, correta a r. sentença ao considerar quitado o débito da autora/reconvinda com o réu/reconvinte. Também sem razão o apelante no tocante à pretendida indenização por danos morais. Ainda que firme e concreta a relação das partes e o compromisso de futura celebração de casamento, inexiste vínculo obrigacional entre elas, de modo que o rompimento do namorou ou a desistência do noivado - por parte da autora/reconvinda não pode ser considerado, por si só, fato ensejador de reparação por danos morais. A frustração e tristeza do réu/reconvinte ante o fim do relacionamento não pode se sobrepor à liberdade conferida à autora/reconvinda de manter-se unida ou não a ele, de acordo com o princípio da afetividade, e de perseguir sua felicidade, constituindo PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1000063-73.2020.8.26.0562 -Voto nº 25973 6 família com quem queira. É dizer, a conduta da apelada é plenamente lícita e o rompimento do relacionamento amoroso não se deu, no caso concreto, em circunstâncias humilhantes ou vexatórias, ofensivas à dignidade e à honra do apelante. Na lição de Yussef Said Cahali, “a simples ruptura do noivado não legitima só por isso a pretensão indenizatória, se não vislumbrada ilicitude no rompimento”, ressaltando que “em circunstâncias especialíssimas, a recusa do consentimento prometido poderá representar gravame aos legítimos interesses afeição, estima e consideração do parceiro preterido. Desse modo, desde que identificada (no exame do caso concreto) a existência de um procedimento gravemente injurioso envolvendo o ato de arrependimento, com injusta agressão à dignidade, à estima e ao respeito que o ofendido faz por merecer, evidencia-se a ocorrência de um dano moral passível de reparação” (“Dano Moral”, Ed. RT, 2ª ed., 1998, pp. 649-654). Carlos Roberto Gonçalves, comungando do mesmo entendimento, destaca que “Se o arrependimento for imotivado, além de manifestado em circunstâncias constrangedoras e ofensivas à sua dignidade e respeito (abandono no altar ou negativa de consentimento no instante da celebração), o direito à reparação do dano moral parece-nos irrecusável” (“Responsabilidade Civil”, Ed. Saraiva, 8ª ed., 2003, p. 66). PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1000063-73.2020.8.26.0562 -Voto nº 25973 7 Veja-se ainda, na mesma linha, a doutrina de Maria Berenice Dias: “Ainda em muitos casos o noivado precede o casamento, mas isso não se traduz em obrigação de casar, ainda mais se o amor antes sentido se esvaiu, a justificar o rompimento da relação. O noivado é mero compromisso moral e social e significa que os nubentes têm a intenção de casar. Esse compromisso, no entanto, pode ser desfeito a qualquer tempo. Não se pode negar que a dor e o sofrimento causados por uma separação não desejadasão intensos e profundos, mas, conforme bem adverte Maria Celina Bodin de Morais, não são sentimentos que se comportam no conceito jurídico de dano moral (...) Essa é a postura, que norteia a jurisprudência, que não reconhece a responsabilidade civil pela ruptura unilateral imotivada do noivado, deixando de impor o pagamento de indenização por dano moral como sucedâneo da dor e do sofrimento. Com o fim do noivado, cabe tão só buscar os danos materiais (...)” (“Manual de Direito das Famílias”, Ed. RT, 9ª ed., 2013, p. 130/131). Não se está negando o dissabor experimentado pelo réu/reconvinte pelo fim do relacionamento amoroso. Mas isto por si só não é causa de dano moral. Sancionar a atitude daquele que perdeu a ternura por outrem, a quem está atrelado por livre e espontânea vontade, sendo ambos maiores e capazes, sem prova concreta de ofensa a atributo da personalidade e de sequela psicológica permanente, é forçar a construção de afeição inexistente. Nesse sentido: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1000063-73.2020.8.26.0562 -Voto nº 25973 8 “Indenização. Frustração de promessa de casamento. Dano moral que não é automático, dependendo de prova de especial circunstância que tenha causado singular exposição ou abalo à parte, mas o que no caso não se demonstrou. Improcedência. Sentença mantida. Recurso desprovido” (Apelação Cível nº 0012874-29.2913.8.26.0562, 1ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Claudio Godoy). “Assistência judiciária Indeferimento Elementos dos autos, porém, que são no sentido da insuficiência de recursos da ré para o regular custeio do feito Gratuidade que alcança não somente aqueles em situação de miséria absoluta, mas os impossibilitados de arcar com custas processuais sem prejuízo próprio ou da família Benefício concedido. Responsabilidade civil Indenização de Danos Materiais e Morais Rompimento de noivado às vésperas do casamento Sentença proferida sem a produção das provas requeridas pelas partes Matéria controvertida e relevante Necessidade de produção de provas Sentença anulada de ofício, prejudicado o apelo da ré” (Apelação Cível nº 1030934- 93.2015.8.26.0002, 1ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Augusto Rezende). “RESPONSABILIDADE CIVIL ROMPIMENTO DE NOIVADO - Comprovação da existência de relação amorosa entre as partes e dos preparativos de seu casamento Inexistência de vínculo obrigacional - Ausência de prova de circunstância excepcional quando do rompimento do noivado, expondo PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1000063-73.2020.8.26.0562 -Voto nº 25973 9 a parte a situação vexatória e humilhante. Inexistência de ofensa à dignidade e à honra da autora - Indenização por danos morais indevida - Reparação de danos materiais limitada às despesas efetivamente comprovadas Divisão dos custos em razão da comunhão de interesse das partes - Ratificação dos fundamentos da sentença (art. 252 do RITJSP) - Sentença mantida Recursos desprovidos” (Apelação nº 0005442-61.2010.8.26.0368, 3ª Câmara de Direito Privado, de minha relatoria, j. 18/06/2013). “INDENIZATÓRIA. Danos morais e materiais. Rompimento de noivado. Ausência de ato ilícito. Inexistência de vinculo obrigacional. Exercício regular de direito. Ausência de situação vexatória ou constrangedora para a autora. Frustração experimentada a qual todos se sujeitam ao estabelecer uma relação amorosa. Danos morais inexistentes. Gastos com a reforma de apartamento do qual a autora é promitente compradora, para futura residência do casal. Dispêndio financeiro que provocará a valorização de seu imóvel e se reverterá em seu benefício. Entrega de bens de pequeno valor ao réu e aos seus familiares. Comodato não configurado. Doação. Negócio jurídico gratuito que, uma vez aperfeiçoado, não pode ser revogado por mera disposição do doador. Pagamento de parte do valor de motocicleta antes utilizada pelo casal. Posse que passou a ser exercida exclusivamente pelo réu. Dever de indenizar a autora pela quantia despendida. Vedação ao enriquecimento sem causa. Recurso parcialmente provido” (Apelação nº 0000287-92.2010.8.26.0072, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Milton Carvalho, j.16/05/2013). PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1000063-73.2020.8.26.0562 -Voto nº 25973 10 Portanto, correta a sentença que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. Em respeito ao artigo 85, parágrafo 11, do Código de Processo Civil, majoram-se os honorários advocatícios sucumbenciais para 12% do valor da causa da consignação em pagamento e 12% do valor atribuído à reconvenção, observada a gratuidade judiciária concedida ao apelante. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. ALEXANDRE MARCONDES Relator
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