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Esta obra discute como a didática pode contribuir para os processos de ensino e aprendizagem, levantando reflexões sobre a não neutralidade do fazer educativo. O campo de estudo da didática propicia a reflexão sobre concepções e práticas realizadas nas escolas e possibilita rever e superar encaminhamentos que não contribuem com o sucesso dos alunos. Nesse viés, esta obra permite ao futuro professor analisar as práticas pedagógicas e propor planejamentos e estratégias que corroborem com a visão de sujeito que se deseja formar: cidadãos reflexivos, críticos e autônomos. Com base em uma pedagogia crítica, de processos de ensino que garantam o direito à aprendizagem, são propostos, além dos métodos de ensino e de estratégias a serem utilizadas pelos docentes, encaminhamentos didático-pedagógicos que consideram cada um dos estudantes em sua integralidade. www.iesde.com.br facebook.com/iesdebrasil Código Logístico 58083 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6411-3 9 7 8 8 5 3 8 7 6 4 1 1 3 Regiane Laura Loureiro Didática D idática R egiane Laura Loureiro Didática IESDE BRASIL S/A 2019 Regiane Laura Loureiro Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ L931d Loureiro, Regiane Laura Didática / Regiane Laura Loureiro. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2019. 114 p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6411-3 1. Planejamento educacional. 2. Prática de ensino. I. Título. 19-57050 CDD: 370.71 CDU: 37.02 © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: BongkarnThanyakij/iStockphoto Regiane Laura Loureiro Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pela mesma instituição, é especialista em Organização do Trabalho Pedagógico e graduada em Pedagogia. Possui experiência como professora na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio, e como pedagoga em escolas que ofertam educação básica. Atua na formação continuada de professores e pedagogos em cursos, palestras e na elaboração de materiais que os subsidiem na melhoria dos processos pedagógicos. 1 A sociedade, a escola e a didática Neste capítulo, situaremos a didática para além dos métodos e das técnicas de ensino, refletindo sobre a visão difundida no senso comum, que entende que, por exemplo, determinado professor não tem didática, ou ainda que aquela professora tinha um jeito diferente de passar o conteúdo, de modo que todos aprendiam. Para ampliar e aprofundar o assunto, discutiremos o que é, afinal, a didática, contextuali- zando-a como uma área da pedagogia com objeto de estudo próprio: os processos de ensino. Enfatizaremos a não neutralidade desse fazer pedagógico, trazendo um histórico da construção desse campo de estudo, relacionando-o à visão de sociedade, de homem, de sujeito, de escola e de ensino e aprendizagem de acordo com o contexto político, econômico e social da época. Para isso, além de destacarmos alguns fatos históricos da sociedade brasileira, traremos pensadores com seus ideários para discutirmos como o campo da didática foi se construindo e influenciando os processos de ensino no Brasil. Com a finalidade de realizar uma síntese dessas reflexões, trataremos da importância de o professor realizar questionamentos sobre a sua própria prática, pois estes contribuem para a compreensão da não neutralidade do fazer pedagógico. As perguntas, fundamentadas em Libâneo (2002), permitem ao docente o entendimento da necessidade de se realizar encaminhamentos pedagógicos que contribuam para a construção de uma escola e de uma sociedade efetivamente democráticas. Assim, neste capítulo buscaremos responder às seguintes questões: o que ensinar? Para que ensinar? Quem ensina? Para quem se ensina? Como ensinar? Sob que condições se ensina? 1.1 O que é didática? Guardamos na memória, desde o início de nossa escolaridade, a lembrança de diversos professores que passaram por nossas vidas. Podemos nos lembrar de situações que nos fazem afirmar, por exemplo, que “aquela professora era muito boa, ela tinha um jeito especial de passar o conteúdo” ou “aquele professor sabia o conteúdo, mas não sabia ensinar”. Esses comentários tão comuns são remetidos à didática, que, embora tenha como objeto de estudo os processos de ensino, metodologias e técnicas de transmissão dos conteúdos, não está isolada das concepções de estudante, escola, sociedade e sujeito que se deseja formar. Dessa maneira, não há didática sem objetivos educacionais mais amplos, pois, se há ensino, ele ocorre em determinado contexto sociopolítico. De acordo com Libâneo (2006), a didática não é uma atividade restrita à sala de aula, ela tem por intuito investigar os objetivos, os métodos, os conteúdos e os contextos dessas formas de ensinar, considerando as intencionalidades educacionais, ou seja, não há neutralidade no Didática10 campo da didática. Portanto, essa área proporciona ao professor conhecimentos teóricos e práticos que o incentivam a não utilizar métodos e técnicas sem intenção, pois a didática diz respeito às intervenções pedagógicas do professor realizadas de modo a considerar qual sujeito se deseja formar para a sociedade. Nesse sentido, quando o professor se debruça sobre os conhecimentos da didática para realizar seu planejamento e as mediações necessárias para que os estudantes aprendam, é necessário que também se insira nos campos da história da educação, da filosofia, da psicologia educacional e da sociologia, entre outros saberes da pedagogia e de outras ciências, como economia, direito e biologia. A Figura 1 ilustra isso. Figura 1 – Didática e outras disciplinas da área da pedagogia Currículo e Planejamento Pedagogia Sociologia Educacional Didática Psicologia Educacional Biologia Educacional Filosofia Educacional História da Educação Fonte: Elaborada pela autora com base em Libâneo, 2006. Só assim, fundamentando-se em diversos campos do conhecimento, o professor terá um arcabouço teórico para questionar os rumos educacionais, o porquê de utilizar um encaminhamento metodológico em sala de aula em detrimento de outro, como trabalhar determinado conteúdo, considerando a fase do desenvolvimento dos estudantes e as marcas que serão deixadas na vida deles ao terem acesso a determinadas formas de ensinar. Quando o professor considera esses saberes e busca na didática elementos para organizar o trabalho pedagógico, ele tem condições de se autoavaliar, de analisar os motivos da consolidação ou não das aprendizagens, de refletir sobre a organização de suas aulas, sua relação com os estudantes, suas formas de propor a organização dos grupos de alunos, se está atingindo os objetivos do planejamento e do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. Isso porque a didática: A sociedade, a escola e a didática 11 trata dos objetivos, condições e meios de realização do processo de ensino, ligando meios pedagógico-didáticos a objetivos sociopolíticos. Não há técnica pedagógica sem uma concepção de homem e de sociedade, como não há concepção de homem e sociedade sem uma competência técnica para realizá-la educacionalmente. (LIBÂNEO, 2002, p. 5) Assim, as intervenções pedagógicas do professor se tornam mais conscientes, uma vez que as mediações realizadas com os estudantes são feitas de modo a considerar quem são eles, quais seus interesses, seus pontos de vista e seus contextos, levando em conta também de que forma atingir esse público, o que deve ser ensinado e em quanto tempo será ensinado. Como afirma Libâneo (2006), muitas pessoas acreditam que, para ser professor, basta a pessoa “levar jeito” ou ter um dom, porém isso não é verídico, pois aformação profissional docente requer estudo teórico e também muita prática, o que permite se articular com as exigências da sociedade em formar sujeitos em sua dimensão cognitiva, mas também nos aspectos físico-motor, social, emocional, artístico e espiritual. Se desejamos formar cidadãos em sua integralidade, precisamos também formar professores que busquem em si mesmos essa integralidade, relacionando teoria e prática em um movimento dialético entre agir-refletir-agir. Nesse viés, a didática orienta os professores a agir com base em situações concretas, na busca pela consolidação das aprendizagens de todos os estudantes (LIBÂNEO, 2002). Na didática voltada à formação para a cidadania e para as lutas democráticas, o docente busca estratégias metodológicas que sejam coerentes com essa concepção. Nesse sentido, ao organizar o trabalho pedagógico, lança mão de encaminhamentos que promovam a aprendizagem de todos os estudantes, acompanhando o processo de construção do conhecimento de cada um deles. Para aqueles que não atingiram os objetivos a serem consolidados no período planejado, o professor retoma as suas estratégias, revê suas ações e organiza atividades desafiadoras considerando as individualidades, a fim de que nenhum estudante seja excluído do seu direito de aprender. A didática, portanto, tem um papel fundamental na luta contra o fracasso escolar, pois a permanência do estudante e seu sucesso têm uma intrínseca relação com a forma como os objetivos educacionais são delineados e com as concepções dispostas no PPP. Exemplo: No PPP de uma escola, verificou-se que havia uma concepção de aprendizagem voltada à discriminação daqueles que tinham menor poder aquisitivo. Ao ser observada tal situação, houve um retorno para a escola sobre a inconstitucionalidade desse aspecto considerando que isso afetava o direito de todos os estudantes. A escola precisou rever o documento, no entanto, após algum tempo, verificaram-se casos de estudantes que estavam sendo reprovados, mesmo tendo condições de serem aprovados, com o discurso de que determinadas famílias não eram merecedoras da aprovação. Didática12 As concepções direcionam os encaminhamentos metodológicos, a visão de homem, sociedade, sujeito, cidadania, educação e da função social da escola. Nesse sentido, se escolhemos ser professores, não podemos compactuar com injustiças de qualquer natureza. Assim, quando o direito à aprendizagem é ferido de qualquer forma, precisamos nos posicionar e defendê-lo. A escola tem uma função social a ser cumprida, que não cabe a nenhuma outra instituição. É ela que possibilita o acesso aos conhecimentos socialmente elaborados pela humanidade, que, segundo Saviani (2007), são os saberes científicos, históricos e culturais. Dessa forma, não se justifica repassar a sua função à família ou a outra instituição. Somos os profissionais e precisamos considerar que todos os alunos são capazes de aprender, independentemente de sua condição econômica ou social. 1.2 Reflexões sobre a didática no Brasil Quando falamos que, no ato de ensinar, o professor leve em conta o respeito aos sentimentos da criança, valorize os interesses dos estudantes e que o trabalho pedagógico seja menos enfadonho e haja acesso de todos à escola, talvez pareça que nos referimos a um dos pensadores mais modernos da área da pedagogia. Entretanto, estamos nos referindo às ideias de Comenius (1592- 1670) surgidas ainda no século XVI. Comenius foi um educador protestante que nasceu na Morávia (atual República Checa) e em 1649 publicou seu mais famoso livro, A didática magna, no qual destacava o papel do professor nos processos de ensino, bem como os métodos e as técnicas que levam à solidez do conhecimento. Para o autor, era possível ensinar tudo a todos, e ele questionava o uso da simples memorização dos conhecimentos (COMENIUS, 2001). Nessa concepção, a educação visa ao bem-estar do ser humano e da sociedade. Porém, mesmo hoje esse pensamento não é realidade em algumas escolas brasileiras, uma vez que ainda há professores que reproduzem as formas tradicionais de ensino a que tiveram acesso na época em que eram estudantes. Permanecem ensinando com base na cópia do livro didático e na repetição, como se esse tipo de atividade levasse à aprendizagem, desconsiderando muitas vezes o que é previsto no PPP da escola e até o seu próprio discurso de que se deseja formar um estudante crítico, reflexivo e partícipe da vida em sociedade. Um questionamento ecoa diante dessa postura: como formar cidadãos críticos mantendo uma postura conservadora e silenciadora das vozes dos estudantes? Muitas vezes, a prática pedagógica está mais próxima do que predominou no Brasil entre 1549 e 1789, época da Ratio studiorum ou plano de estudos, que era o método pedagógico dos jesuítas, elaborado por Santo Inácio de Loyola em 1552, fundador da Companhia de Jesus. Essa companhia tinha como função a evangelização e o desenvolvimento de regras para a vida, promovendo um plano geral de ensino a ser utilizado nos colégios jesuíticos. Os jesuítas foram os principais educadores do Brasil no período colonial, em uma sociedade baseada na economia agrário-exportadora e explorada pela metrópole: Portugal. A tarefa A sociedade, a escola e a didática 13 educacional era fundamentada na catequização dos indígenas, mas, segundo Veiga (2011), para a elite colonial havia uma educação de outro tipo, voltada para o ensino geral e enciclopédico. Na Ratio studiorum, as verificações avaliativas eram realizadas por provas escritas e orais, nas quais os alunos deveriam demonstrar o que aprenderam (VEIGA, 2011). A metodologia explícita no plano continha o trinômio: estudar, repetir e disputar. Em 17591, o Marquês de Pombal (primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777) expulsou os jesuítas do Brasil, com o objetivo de abolir o domínio desses religiosos sobre os indígenas, principalmente nas fronteiras do país (MACIEL; NETO, 2006). Pombal pretendia que os indígenas libertos da escravidão e do domínio dos religiosos se miscigenassem e fossem utilizados na mão de obra do Brasil Colônia. Com ideias iluministas, o marquês estabeleceu, com base no Alvará de 28 de junho de 1759, total destruição da organização da educação jesuítica e sua metodologia de ensino, tanto no Brasil quanto em Portugal; instituição de aulas de gramática latina, de grego e de retórica; criação do cargo de “diretor de estudos” – pretendia-se que fosse um órgão administrativo de orientação e fiscalização do ensino; introdução das aulas régias – aulas isoladas que substituíram o curso secundário de humanidades criado pelos jesuítas; realização de concurso para escolha de professores para ministrarem as aulas régias; aprovação e instituição das aulas de comércio. (MACIEL; NETO, 2006, p. 470) Assim, com ideias iluministas, que se difundiam por toda a Europa, o marquês acreditava que a educação exigia um novo homem que poderia ser formado apenas por intermédio da educação. E esta deveria ser laica, ou seja, livre dos pensamentos religiosos, tanto que instituiu professores régios, que eram pagos com honorários vindos da Coroa portuguesa, ocorrendo pela primeira vez uma educação custeada pelo Estado. Quanto aos métodos utilizados, o marquês pretendia substituir aqueles tradicionais de ensino, instituindo os que considerassem a formação desse novo homem que utilizava a razão para resolver as questões do cotidiano. No entanto, conforme Maciel e Neto (2006), a reforma foi mais no conteúdo do que no método, e continuavam as formas de ensinar por meio da memorização e da repetição. Em meados de 1870, suprime-se o ensino religioso confessional das escolas públicas do Brasil, após a reforma de Benjamin Constant, sob a influência do positivismo2, definindo-se assim a laicidade3 das escolas públicas. Segundo Zanatta (2005), essa reforma utilizava-se do método intuitivo, inspirado em Pestalozzi (1746-1827). Esse educador, nascido na Suíça, retomou os pressupostosdefendidos por Rousseau (1712-1778), que tinham a educação como processo, considerando que seria o contato da criança com o mundo o que despertaria suas potencialidades naturais. 1 Nessa época, o Brasil ainda era colônia de Portugal. 2 Auguste Comte (1798-1857) é o principal nome do positivismo. Essa doutrina filosófica afasta a teologia definitivamente do conhecimento científico. O único conhecimento verdadeiro seria o científico. 3 Diz respeito à imparcialidade do Estado em assuntos religiosos, sem apoiar ou discriminar qualquer crença religiosa. Didática14 Outra preocupação colocada por Pestalozzi em seu método era o de aprender fazendo, pois era a atividade que levaria ao desenvolvimento das habilidades cognitivas e físicas. Para o educador, era necessário o contato dos alunos com os objetos, precedendo o uso de figuras para que ocorresse a aprendizagem. Conforme Veiga (2011), o professor era o centro dos processos de ensino e de aprendizagem e o responsável por transmitir o conhecimento enciclopédico aos estudantes. Essa concepção de ensino tradicional seguia os passos delineados pelo educador alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841), que entendia o estudante como uma tábula rasa e delegava ao professor o governo, a instrução e a disciplina (VEIGA, 2011). No governo, o professor agiria para controlar a agitação natural das crianças, formando-as para o mundo adulto e possibilitando a instrução, esta é o foco da educação e é por meio dela que o docente verifica qual é o interesse dos estudantes. Grande importância também é dada à disciplina, que ensina os estudantes a permanecerem no caminho da virtude e da moral. É uma escola com disciplina e métodos de ensino rígidos. Para Herbart, o aluno é um ser passivo que apenas recebe as informações do professor. A didática centra-se no intelecto e é fundamentada em regras lógicas, instrucionais. Ao estudante cabe o silêncio e por meio da disciplina se mantém a atenção ao conteúdo transmitido (VEIGA, 2011). De acordo com Marzari (2011), no final da década de 1930 a disciplina de didática começa a ser ministrada em cursos de formação de professores, constituída, ainda, de métodos e técnicas de ensino descolados de outras discussões sobre contextos históricos, políticos e econômicos, como se houvesse neutralidade na ação pedagógica. Entre 1930 e 1945, houve um cenário de mudanças no campo educacional brasileiro decorrente da reorganização dos aspectos econômico e político do país. Após a Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, que permaneceu no poder até 1954, é criado o Ministério da Educação e da Saúde Pública e em 1931 é implantada a Reforma Francisco Campos. É na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo que se tem a didática como disciplina em cursos de graduação, cujo foco era a qualificação do ensino (MARZARI 2011). O discurso liberal escolanovista começa a chegar ao Brasil em meados de 1920, mas é em 1932, no Manifesto da Escola Nova, que esse movimento se consolida. Na Escola Nova, diferente da escola tradicional, cujo foco era o professor, o centro é o estudante. Essa bandeira também foi levantada pelo Manifesto dos Pioneiros, de Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e outros. Nesse manifesto, a educação científica é estabelecida como método, fundamentando-se em Pestalozzi, Froebel, Dewey, entre outros educadores que defendiam a expansão do ensino público, a laicidade e a valorização do estudante como centro do processo educativo. Segundo Gadotti (1996), na Escola Nova a aprendizagem deveria ser ativa, pois assim a criança aprenderia a aprender. Nessa pedagogia, a didática ocorre pela ação do estudante e não pela instrução, como na escola tradicional. A sociedade, a escola e a didática 15 Conforme Veiga (2011), a maior dificuldade da Escola Nova foi a não consideração da realidade e da influência econômica, política e histórica nos processos educativos, pois para essa pedagogia os problemas e as dificuldades da escola deveriam ser sanados por ela mesma, visto que os desafios a serem enfrentados eram técnicos. De 1945 a 1960, a economia brasileira passou por uma fase de aceleração advinda da substituição das importações e da inserção do capital internacional no país. O modelo político esteve fundamentado nos pressupostos democráticos e era crescente a participação da população na sociedade. Mesmo nesse contexto, a didática perdeu espaço e foi introduzida a disciplina de Prática de Ensino, que tinha uma concepção menos abrangente dos processos (VEIGA, 2011). No período posterior a 1964, os rumos políticos do país se alteraram. Buscava-se a aceleração do crescimento econômico e a educação tinha um papel fundamental nesse processo. Nesse viés, o tecnicismo assumido pelo grupo militar e burocrático foi instaurado como concepção de trabalho (VEIGA, 2011). Assim, a pedagogia tecnicista via a didática sob a perspectiva ingênua de que os métodos e as técnicas utilizados no contexto educacional eram neutros. Diante dessa concepção, o mais importante eram os planos, os objetivos instrucionais. O professor era considerado um mero executor do que já tinha sido previamente determinado. Na década de 1980, instala-se a Nova República e com ela a ascensão do governo civil ao poder, pondo fim ao governo militar. A luta pela democracia atinge todas as instâncias da sociedade, inclusive a escola. A partir da Constituição de 1988 e da LDB n. 9.394/1996, garante-se ao cidadão brasileiro o direito não apenas à matrícula em uma escola, mas também a nela permanecer. Nesse contexto, a didática contribui para que o professor se politize, não reproduza métodos e técnicas em sala de aula desvinculados de contextos. Procura-se refletir sobre os contextos histórico, político e culturais da sociedade, da comunidade educativa e dos estudantes, buscando analisar as contradições de forma dialética, ou seja, a escola é influenciada pela sociedade, mas também a influencia (SAVIANI, 2007). Já a contemporaneidade, segundo Gadotti (2013), é marcada pelo projeto neoliberal, que se consolida nacional e internacionalmente, ampliando a exclusão social e cultural. O centro da política neoliberal é o mercado e a não interferência do Estado na economia, assim, abre-se mão de um projeto social transformador para formar um sujeito para o mercado de trabalho. A escola, nessa concepção, forma o homem com competências para se adequar ao mercado e não para o trabalho. A didática, nesse contexto, não é reflexiva, mas reproduz métodos e técnicas empresariais que visam à qualidade total e não à qualidade educacional dos processos de ensino e de aprendizagem. De acordo com Veiga (2011), essa didática prepara para o fazer, para o executar, e não para que o sujeito questione a ordem vigente. Na atualidade, várias são as concepções e também vários os encaminhamentos que decorrem dos modos de se conceber a educação, o sujeito, o estudante, os métodos de ensino e as formas de aprender. Logo, a didática comprometida com a transformação social, segundo Candau (2012), Didática16 procura contextualizar o processo de ensino e de aprendizagem, explicitando pressupostos e a visão de homem, sociedade e sujeito que se deseja formar. Esse autor estabelece diferenças entre a didática instrumental, que tem como pressuposto as pedagogias tradicionais, e a didática reflexiva, conforme demonstra o Quadro 1. Quadro 1 – Diferenças entre a didática instrumental e a didática reflexiva Didática instrumental Didática reflexiva Professor Executor Mediador Estudante Mão de obra futura Sujeito partícipe, cidadão. Método/técnica Pretensa neutralidade O método considera o contexto histórico-cultural do sujeito. Não há neutralidade. Utiliza o método ou a técnica tendo em vista a visão de estudante, de aprendizagem, de sociedade, entre outros. Conteúdo Instrucional e tem utilidade O professor contextualiza os saberes a que o estudante tem direito. Escola Forma indivíduoscompetentes. Garantia do direito à aprendizagem, não apenas do acesso ao espaço escolar. Fonte: Elaborado pela autora com base em Candau, 2012. Assim, é de máxima importância que os professores estejam cientes do papel da didática no processo de ensino e de aprendizagem e que a compreendam como elemento essencial na construção de uma escola e de uma sociedade mais democráticas. Uma didática reflexiva permite ao professor analisar sua prática pedagógica, fornecendo-lhe elementos para uma autoavaliação e também para replanejamento de ensino, de aula, bem como possibilidades de buscar novos saberes sobre a profissão docente. 1.3 Contextos histórico-culturais e a didática Como vimos, o campo da didática não é neutro, mas permeado pelos avanços e pelas contradições da sociedade. Nesse viés, desmistificar os pressupostos das ações educacionais permite ao professor tomar consciência sobre seu trabalho, o que lhe respalda na (re)tomada das suas decisões em prol do processo de ensino e de aprendizagem. Assim, quando o docente toma consciência de que as suas decisões no contexto de sala de aula não estão isoladas do contexto macro da sociedade, tem a possibilidade de planejar de maneira que o conhecimento socialmente construído e sistematizado seja acessível a todos os estudantes. Nessa perspectiva, segundo Libâneo (2002; 2006), a didática tem o grande valor de garantir aos sujeitos da aprendizagem a consolidação e a apropriação do conhecimento. Não está, portanto, isolada, mas inter-relacionada à visão de homem, de sociedade, de sujeito, de criança, de processo de ensino e de aprendizagem. Logo, se objetivamos formar um sujeito autônomo, reflexivo e participativo, os enca- minhamentos metodológicos precisam coadunar com o sujeito que se deseja formar. O PPP da escola deve ser o norte do professor, pois é nele que estão sistematizadas as concepções a serem colocadas em prática nas diferentes ações pedagógicas no cotidiano da instituição. A sociedade, a escola e a didática 17 Nesse contexto, o objeto de estudo da didática diz respeito à intencionalidade pedagógica nos processos de ensino, podendo estar relacionado: • a uma disciplina de formação que permite ao docente organizar seu trabalho pedagógico em sala de aula, discutindo a intencionalidade do processo de ensino; • ao estudo dos processos de ensino, abrangendo os métodos, as técnicas, as estratégias, o conteúdo a ser ensinado, considerando quem é o sujeito da aprendizagem; • aos contextos históricos, políticos e econômicos que trazem o pano de fundo para que o professor, de forma crítica, reflita sobre a função social da escola, tendo em vista o sujeito que se quer formar. A didática trará ao docente possibilidades de desvelar a não neutralidade do ato educativo: as ações que realiza em sala de aula não estão desvinculadas de um contexto maior; • ao papel do professor na educação contemporânea, de mediador dos processos de aprendizagem, uma vez que, se não houve aprendizagem, não houve ensino; • a possibilitar ao docente condições técnicas de não apenas dominar o conteúdo a ser ensinado, mas encontrar as melhores estratégias de ensinar os estudantes de forma que eles aprendam. Como afirma Libâneo (2002, p. 12): “para saber História, não basta saber História.”; • “à didática como teoria e como processo de ensino” (LIBÂNEO, 2002, p. 19). Libâneo (2002) sintetiza os propósitos da didática por meio de perguntas, as quais trazem elementos para a compreensão do que essa disciplina significa para a formação do professor, conforme exposto na Figura 2. Figura 2 – Categorias do objeto de estudo da didática Didática Para que ensinar? O que ensinar? Quem ensina? Para quem se ensina? Como ensinar? Sob que condições se ensina? Fonte: Elaborada pela autora com base em Libâneo, 2002. Didática18 Essas reflexões fornecem ao professor condições de contextualizar os processos de ensino, dirimindo qualquer dúvida sobre a não neutralidade da ação pedagógica no ambiente educativo, o que amplia a responsabilidade do fazer docente. Exemplo: O professor verifica que no PPP de sua escola a concepção de formação humana busca a integralidade do sujeito. Nesse sentido, ao propor atividades para o desenvolvimento da habilidade compreensão leitora, referente à língua portuguesa, ele deve decidir de que forma organizará em seu planejamento estratégias a fim de que o estudante realize leituras não apenas fluentes, mas que vão além do texto lido. Para desenvolver a habilidade, que é direito de aprendizagem do estudante, o professor tem a possibilidade de não apenas utilizar os conteúdos referentes ao componente curricular de Língua Portuguesa, mas de relacionar outros saberes e outras leituras referentes a outras linguagens e outras áreas do conhecimento. Dessa forma, a didática proporciona ao docente uma leitura ampliada dos contextos de aprendizagem, não limitando os processos de ensino a uma suposta neutralidade e ao uso de métodos e técnicas. O que não quer dizer que o professor não lance mão de múltiplas estratégias que contribuam para a consolidação da aprendizagem dos estudantes. Considerações finais Em síntese, o campo da didática é o ensino, porém, este não se resume a estratégias metodológicas e técnicas isoladas de um contexto histórico, cultural e econômico. Assim, quando o professor organiza seu planejamento de ensino e seu plano de aula (que trataremos nos próximos capítulos) e escolhe os melhores caminhos para a consolidação dos processos de aprendizagem, não está isolado das ideologias, dos conflitos, das tensões e dos propósitos da sociedade em que está inserido. Quando ciente de que seus encaminhamentos metodológicos podem coadunar ou não na formação de sujeitos autônomos, críticos e partícipes da vida em sociedade, o professor tem mais condições de escolher as melhores formas de ensinar os conteúdos aos quais os estudantes têm direito. Nesse sentido, não há neutralidade na ação do professor e no campo da didática, considerando que a ação de ensinar se faz com algum propósito, pois a escola é lugar de planejar, de aprender, de partilhar conhecimentos, de interagir, de questionar e de contribuir para a formação de sujeitos integrais.
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