Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA Mayara Joice Dionizio Política contemporânea Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Discutir o liberalismo social. Explicar o neoliberalismo. Descrever o cenário democrático contemporâneo. Introdução Atualmente, o regime neoliberal é adotado por vários países no mundo. No entanto, há várias abordagens de liberalismo e o seu maior paradoxo é: como garantir a liberdade individual e, ao mesmo tempo, combater a desigualdade social? Todas as correntes de pensamento visam a elaborar uma solução para tal paradoxo. Há as correntes que defendem que a própria competitividade neoliberal e a liberdade econômica seriam por si só suficientes para sanar as questões sociais. De outro lado, há os liberais que defendem que haja alguma regulação do Estado em relação à economia, mesmo que em um regime neoliberal. Neste capítulo, você conhecerá as questões que abordam as teorias liberais, bem como a necessidade de reelaboração do capitalismo clás- sico. Verá também como o liberalismo pode ter um aspecto social, de apoio às questões de condição básicas aos indivíduos. E poderá, ainda, acompanhar como se deu a adesão ao neoliberalismo por parte de alguns governos. Por fim, poderá compreender o cenário democrático atual. Liberalismo social Há uma notória diferença entre o liberalismo clássico e o liberalismo social, que consiste na concepção de liberdade. Contrariamente ao que pensavam os liberais clássicos — que deve ser garantida a liberdade individual e, conse- quentemente, um Estado que não fosse intervencionista —, os liberais sociais defendiam o ideal de “liberdades positivas”. Assim, no liberalismo social, a C12_Politica_contemporanea.indd 1 09/01/2019 11:26:19 falta de condições básicas, como, por exemplo, educação, alimentação e saúde, poderia ser considerada um risco à liberdade do indivíduo. Ou seja, ambas as teorias identifi cam que o maior foco da teoria liberal deve ser garantir a liberdade individual, entretanto, discordam sobre o que seja liberdade. Os principais teóricos dessa corrente social do liberalismo foram os britânicos Leonard Trelawny Hobhouse (1864-1929) e Thomas Hill Green (1836- 1882) conhecidos como os “novos liberais”. O principal argumento desses pensadores é que, para se atingir a liberdade que a teoria liberal almeja, é necessário que o indivíduo tenha apoio do Estado, dito de outra maneira: é necessário que o Estado intervenha na cultura, na economia e na sociedade. Por pensar o liberalismo dessa forma, esse movimento ficou conhecido como centro-esquerda. Entretanto, essa teoria não defende que o Estado seja responsável por prover os serviços públicos, mas sim por se responsabilizar para garantir que os indivíduos tenham acesso. Dessa forma, o Estado deve estimular a colaboração de instituições privadas com políticas públicas que visem à melhoria da vida de pessoas que não têm acesso à cultura, à educação e à saúde, entre outras necessi- dades básicas. Assim, as instituições privadas devem estar a serviço da sociedade e promover oportunidades para que os indivíduos possam ter condições básicas de vida. Assim, pode-se ver várias pautas que normalmente são vinculadas ao socialismo, ou política de esquerda, na agenda do liberalismo social. Por exemplo: apesar de defenderem a economia com base no mercado, os liberais sociais defendem que o Estado pode intervir na economia, com a finalidade de regulá-la; defendem que o Estado deve pagar serviços de saúde básica; a existência de um salário mínimo. Já em relação ao liberalismo conservador, a discordância principal com o liberalismo social é sobre o papel do Estado. Para os conservadores, o Estado deve ser mínimo, ou seja, deve intervir minimamente na economia. Portanto, o indivíduo teria poder sobre o Estado, e não o contrário. De outro modo, os liberais sociais não acreditam em um Estado totalitário/tirano, mas, na medida que as instituições podem entrar em conflito, ou, ainda, estabelecer uma vantagem absurda sobre a outra, ou mesmo não cumprirem seu papel de colaboração com a sociedade, deve haver um Estado que possa intervir. Outro aspecto que é comum é a confusão entre liberalismo social e social- -democracia. O liberalismo social defende que o indivíduo deve ter sua liber- dade individual promovida pelo Estado e que este só consegue ser legítimo ao ponto que legitima a liberdade do indivíduo. Já a social-democracia, que parte das ideologias socialistas, defende que, para o indivíduo atingir a li- Política contemporânea2 C12_Politica_contemporanea.indd 2 09/01/2019 11:26:19 berdade individual, é necessário que o Estado seja reformado para uma base comunitária. Nesse sentido, é de extrema importância que o Estado regule a economia, a fim de estabelecer a igualdade entre os indivíduos. Dessa forma, pode-se sintetizar os ideais do liberalismo social em três fundamentos: 1) liberdade individual, que garante ao indivíduo autonomia e direito à propriedade privada, tendo direito garantido de divergir dos demais ou concordar, se reunir em grupos, sindicatos, organizações, desde que essas não limitem a liberdade de nenhum de seus membros; 2) a regulação do Estado, para que a liberdade de uma instituição e de um indivíduo seja respeitada e que, portanto, o respeito às divergências e a possibilidade democrática sejam garantidos; 3) a compreensão sobre a justiça, que prevê igualdade para todos os indivíduos, bem como diminuição das desigualdades sociais, para que o indivíduo possa alcançar sua liberdade individual e adentrar no mercado de trabalho, visando sempre à realização desse indivíduo. Neoliberalismo Neoliberalismo é um termo que designa o ressurgimento de teorias clássicas do liberalismo por volta dos anos 1970 e 1980. O conceito de capitalismo laissez-faire é reimplementado ao resgate dessa teoria, ou seja, a liberdade reivindicada ao mercado econômico passa a se valer da expressão francesa de “deixar fazer”. Justamente essa noção de “neo” designa a retomada, nesse caso, de alguns fundamentos presentes no Liberalismo clássico. Pode-se atribuir a origem do neoliberalismo ao pensador americano Ludwig Heinrich Edler von Mises (1881-1973) que, em seu livro Ação humana: um tratado sobre a economia (1949), defende uma concepção de praxeologia, metodologia que visa a explicar a economia como parte ação humana. Para Mises (2010), o Estado e suas estruturas de poder não são confi áveis, principalmente no que compete à garantia dos direitos e das liberdades individuais dos cidadãos. Ou seja, toda a fundamentação, ainda que de diferentes correntes do liberalismo, é sempre a garantia de liberdade e, principalmente, indivi- dual. É propriamente na Escola Austríaca, no século XX, que surgem os teóricos mais importantes do neoliberalismo. Apesar do protagonismo inicial de Mises, outros pensadores contribuíram significativamente para o desenvolvimento dessa teoria. Friedrich Hayek (1989-1992), um filósofo e economista alemão, foi um dos grandes responsáveis por adaptar as teorias liberais clássicas ao neoliberalismo do século XX, e compôs também o 3Política contemporânea C12_Politica_contemporanea.indd 3 09/01/2019 11:26:19 conselho da primeira ministra Margaret Thatcher, por indicação da Rainha Elizabeth II. Em sua obra mais famosa, intitulada O caminho da servidão (1944), Hayek (1990) defende que a intervenção do Estado leva à total falta de liberdade, e chega a comparar o intervencionismo, em seu último estágio, com a ascensão nazista. Ao longo do século XX, pode-se observar a ascensão e o declínio de alguns governos que adotaram o neoliberalismo. O de maior destaque é o de Margaret Thatcher, que conseguiu estabilizar a libra esterlina e reduzir a carga tributária, entretanto, a desigualdade aumentou, uma vez que os mais ricos aumentaram a renda, ao passo que os mais pobres, não. Thatcher renuncia, em 1990, quando não conseguerepresentar o partido dos conservadores. Outro exemplo de adesão ao neoliberalismo foi o governo de Augusto Pinochet, que, por meio de um golpe militar contra o presidente Salvador Allende, assumiu a presidência. Suas propostas neoliberais, que foram elaboradas conspiratoriamente pela oposição ao governo de Salvador e compiladas em um documento chamado El Ladrillo, propunha a reforma da economia, contando com a colaboração das instituições privadas chilenas. O governo Pinochet foi marcado por abusos e violações aos direitos humanos, torturas e assassinatos. Em 1988, Pinochet perdeu seu cargo mediante a votação do plebiscito No. Pinochet teve apoio da Escola de Chicago e de Hayeck para a sua reforma econômica. Outro polo de desenvolvimento das teorias neoliberais foi a Escola de Chicago, que era dirigida pelo professor Milton Friedman. O envolvimento da escola, bem como de Friedman, se deu pela crítica ao respaldo intervencionista do Estado na economia no governo de Roosevelt. Para Friedman, as políticas econômicas de Roosevelt, a fim de superar a Grande Depressão, acabaram por prejudicar ainda mais o país. Portanto, Friedman concluiu que qualquer regulamentação econômica sobre as empresas era algo maléfico para a eco- nomia e a produtividade de um país, como, por exemplo, o estabelecimento de um salário mínimo, que seria, segundo ele, responsável por distorcer os custos de produção. O modelo neoliberal de governo é constantemente criticado, principalmente pela separação da economia dos problemas sociais. Ou seja, o modelo econômico traz consigo todo um enredo de problemas que são alvo de críticos defensores dos direitos humanos, trabalhistas, sociais. Um dos grandes críticos é o filósofo francês Pierre Brodieu, que defende que esse modelo econômico é responsável por destruir o coletivo e distanciar a economia dos problemas sociais de uma sociedade, principalmente por investir totalmente na ideia de consumo acima de qualquer coletividade. Política contemporânea4 C12_Politica_contemporanea.indd 4 09/01/2019 11:26:19 “No” é um filme importante sobre a votação do plebiscito que tirou Augusto Pinochet da presidência do Chile, protagonizado por Gael Garcia Bernal. Veja o trailer do filme: https://goo.gl/nqWp4P Cenário democrático contemporâneo O cenário democrático contemporâneo é marcado fortemente pelo modelo neoliberalista. Entretanto, é necessário compreender as diversidades entre os países. Com forte adesão ao sistema democrático pelo mundo, pode-se ver também as falhas desse sistema, apesar de ser o melhor entre os outros. Após a queda do muro de Berlim, em 1989, vários países europeus aderiram ao sistema democrático. Atualmente, a maioria dos países democráticos têm apresentado preocupações em relação à onda crescente de conservadorismo e fascismo. Por exemplo, na Alemanha, recentemente, ocorreram várias mani- festações e confl itos por parte de grupos neonazistas que se opõem à entrada de imigrantes no país. Do mesmo modo, um tribunal na cidade de Themar, na Alemanha, deliberou a favor de um festival neonazista. Isso, como apontam alguns teóricos, como Yascha Mounk, Noam Chomsky, entre outros, é o indício de uma crise democrática que é possível observar em todo o mundo. Pode-se dizer que, atualmente, o paradoxo democrático é o de se poder eleger um líder autoritário, tal como houve com a ascensão nazista. A exemplo disso, têm-se a Venezuela, que elegeu o presidente Hugo Chavez, o qual instaurou uma ditadura que tem continuidade com o governo de Nícolas Maduro. Outro aspecto ascendente mundialmente, mas fortemente no Brasil, é a judicialização da política e a politização do judiciário. Ou seja, assim como o exemplo do tribunal que deferiu um festival nazista, lidamos com um para- doxo em relação aos três poderes. No Brasil, vê-se um forte envolvimento do judiciário na arena pública, uma espécie de ativismo político que faz manobras com a constituição de 1988. Tal ativismo teve início com a constituinte de 1988, quando se acreditava que o movimento desse poder poderia significar um favorecimento da democracia. Atualmente, vê-se uma crise entre os três poderes, de modo que o judiciário ocupa ampla influência e vantagem em relação ao legislativo e ao executivo e não há lei, ou controle, que regule 5Política contemporânea C12_Politica_contemporanea.indd 5 09/01/2019 11:26:19 a participação e a relação entre tais poderes, o que influencia totalmente o Estado democrático. Há também a relação com a mídia, que já demonstrou, desde a campa- nha nazista, sua eficácia. Com o advento da tecnologia, os indivíduos têm acesso a informações constantemente. Os partidos utilizam essa ferramenta, a fim de propagar suas propostas de campanha, mas nem tudo que chega ao eleitor pode ser tomado como verdade. Há, atualmente, uma forte rede de produção de conteúdos falsos, chamados de fake news, sobre opositores em uma eleição. Isso acaba por confundir os eleitores das reais intenções de seus candidatos. Outra pauta incontornável do cenário democrático atual são as minorias. Pode-se ver a crescente luta de grupos em busca de direitos, ao contrário das lutas do início do século, das sufragistas por direito ao voto, temos hoje vários movimentos de vários grupos em busca de direitos e reconhecimento. Atualmente, as mulheres, cada vez mais, se manifestam e ganham visibilidade, reivindicando respeito, salários iguais aos dos homens, a não cultura machista, que prega a inferioridade, e contra a cultura do estupro. Outro grupo que tem bastante visibilidade são os grupos LGBT, que reivindicam reconhecimento social, medidas contra a violência física e discursiva da homofobia, entre outros. A população negra também luta por maiores repreensões ao racismo e busca por igualdade. O que se pode concluir é que a democracia, por ser um regime que pro- porciona escolhas aos cidadãos, apesar de ser a melhor forma de governo, apresenta falhas, pois há várias demandas que precisam ser supridas, bem como estão constantemente surgindo outras. De todo modo, as maiores conquistas de direitos aconteceram em manifestação e contraposição ao governo vigente. Dessa forma, a democracia garante a liberdade de oposição, e, por isso, é a melhor entre as formas de governo. Política contemporânea6 C12_Politica_contemporanea.indd 6 09/01/2019 11:26:19 HAYEK, F. A. O caminho da servidão. 5. ed. Rio de Janeiro: Instituo Liberal, 1990. MISES, L. Ação humana: um tratado de economia. 3. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. Leituras recomendadas AFP. Neonazistas organizam protestos anti-imigração na Alemanha. Revista Exame, 30 ago. 2018. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/mundo/extrema-direita-alema- -se-mobiliza-contra-merkel-e-a-politica-de-imigracao/>. Acesso em: 02 jan. 2018. AFP. Festival neonazista em homenagem a Hitler preocupa a Alemanha. O Globo, 20 abr. 2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/festival-neonazista-em- -homenagem-hitler-preocupa-alemanha-22615137>. Acesso em: 02 jan. 2018. BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: EDUSP, 2007. FACHIN, P. O drama venezuelano, o fim do chavismo democrático e a ascensão do castrismo. Entrevista especial com Rafael Luciani. Instituto Humanista Unisinos, 18 ago. 2017. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/570770-o- -drama-venezuelano-o-fim-do-chavismo-democratico-e-a-ascensao-do-castrismo- -entrevista-especial-com-rafael-luciani>. Acesso em: 02 jan. 2018. 7Política contemporânea C12_Politica_contemporanea.indd 7 09/01/2019 11:26:19 Conteúdo:
Compartilhar