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BREVE REFLEXÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES E SOLIDARIAS Antonieta do Lago Vieira1 - Eu estava com fome e você pesquisou os efeitos da Revolução Verde e dos alimentos geneticamente modificados. - Eu estava sem teto e você estudou as favelas e os cortiços. - Eu estava desempregado e você discutiu sobre o mercado informal de trabalho. - Eu estava doente e você falou sobre as conquistas da medicina e a melhoria na expectativa de vida. Você estudou todos os aspectos de minha vida – e eu, continuo com fome, doente, desabrigado e sem emprego... (de autor anônimo) 1. Histórico Em 21 de dezembro de 1844 no bairro de Rochdale, em Manchester (Inglaterra), 27 tecelões e uma tecelã fundaram a "Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale"2 com investimento mensal de uma libra de cada participante durante um ano. Esses tecelões e tecelã buscavam alternativa econômica para adentrarem no mercado fortemente dominado pelas sociedades de capitais3. Essas sociedades (empresas) submetiam os recém criados proletários a uma jornada diária de trabalho tão desumana que ultrapassa 15 horas, os descansos e férias não eram cumpridos e mulheres e crianças não possuíam tratamento 1 Engenheira de processos industriais, pesquisadora da área de inovação e desenvolvimento tecnológico para aplicação em interesses sociais. Coordenadora Local da Unitrabalho – Universidade Federal do Amazonas. 2 Vários autores consideram Robert Owen o criador do cooperativismo, porém não podemos esquecer que as “Aldeias Cooperativas”, dependiam em grande parte das doações do setor capitalista, foram se deteriorando com o tempo pela falta de doação quando Owen passou a fazer criticas acirradas ao sistema que o sustentava.. 3 As empresas de capitais surgiram na Revolução Industrial do século XVIII, produzidas pela chamada Revolução Comercial e a Acumulação Primitiva de Capital. Denomina-se de Revolução Comercial ao processo que se iniciou com as Grandes Navegações no século XV indo até o início da industrialização no século XVIII. Nesse período a Europa se constituiu no continente mais rico do planeta. Isso só foi possível graças a vários acontecimentos como: a descoberta pelos portugueses de um novo caminho para os ricos entrepostos de comércio localizados nas Índias e o contato com novos continentes como a América. Isso possibilitou aos europeus se apossarem de produtos tropicais, metais preciosos, escravos que eram comercializados com altas taxas de lucratividade. Formou-se então um grande mercado mundial espalhado por todo o planeta, que serviu para concentrar riquezas nos países europeus, processo que tem o nome de Acumulação Primitiva de Capital que proporcionou recursos para o financiamento da Revolução Industrial. ��I;�y�����ޝM+_��S�f� diferenciado. Afora o desemprego advindo da inovação dos meios de produções e dos avanços tecnológicos da revolução industrial que proporcionava produção concentrada, principalmente depois que James Watt aperfeiçoou a máquina a vapor de Newcomen, e provocava o desmantelamento dos pequenos negócios familiares e provocou o maior êxodo rural de toda a história da humanidade. A população das cidades aumentou demais: um número cada vez maior de pessoas deixava o campo para trabalhar nas fábricas. O povo sofreu bastante com os vários problemas ligados a salários e condições de vida, tendo a Grã-Bretanha que importar cada vez mais gêneros alimentícios para suprir sua população sempre crescente. A revolução industrial nos trouxe duas grandes mazelas urbanas insolúveis até os dias atuais: o desemprego e a criação das grandes cidades industriais com imensos depósitos humanos em suas periferias. A grande inovação que a "Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale" trouxe para a história da economia foi a criação da sociedade de pessoas focando o homem como principal finalidade. A partir da valorização do homem e não do capital, socializando os recursos e tendo como base a cooperação e a liberdade, os Pioneiros proporiam uma nova ordem econômica e social. Ao criarem uma nova forma de organização coletiva deslumbraram uma alternativa para grupos de pessoas se unirem e através da ajuda mútua, promover o desenvolvimento de seus sócios. O que parecia apenas um armazém, criado para oferecer aos seus associados produtos de boa qualidade e primeira necessidade, entre outros serviços de ordem sócio-econômica, transformou-se na semente do movimento cooperativista. Em 21 de dezembro de 1844 pela constituição de uma pequena cooperativa de consumo no então chamado "Beco do Sapo" (Toad Lane) um grupo de 27 tecelões e uma tecelã estaria mudando os padrões econômicos da época e dando origem ao movimento cooperativista. A cooperativa de Rochdale estruturou-se de forma que esta fosse auto-suficiente, não dependendo de doações de simpatizantes, como ocorria com as cooperativas de Owen. A intenção dos pioneiros era manter os ideais socialistas e as cooperativas de produção e consumo se tornavam instrumentos para tal objetivo. Ao contrário a posição de Owen, que acreditava que as aldeias cooperativas deveriam sobreviver isoladamente do mundo capitalista, os Pioneiros demonstraram grande habilidade no mercado de riscos sem por isso perder de vista os princípios do cooperativismo. Inovar é pensar o absurdo e transformá-lo em algo útil e lógico. Essa inovação foi motivo de descrédito por parte dos comerciantes, mas logo no primeiro ano de funcionamento o capital da sociedade aumentou para 180 libras e cerca de dez anos mais tarde o "Armazém de Rochdale" já contava com 1.400 cooperados. O sucesso dessa iniciativa passou a ser um exemplo para outros grupos. O cooperativismo evoluiu e conquistou um espaço próprio, definido por uma nova forma de pensar o homem, o trabalho e o desenvolvimento social. Por sua forma igualitária e social o cooperativismo é aceito por todos os governos e reconhecido como fórmula democrática para a solução de problemas sócio-econômicos. �@����ɉ�2-�b��+�_ׁ 2. Cooperativismo no Brasil Com a fundação das primeiras reduções dos jesuítas no Brasil, no ano de 1610, teve o início da construção de um estado cooperativo em bases integrais. Por mais de 150 anos, esse modelo deu exemplo de sociedade solidária fundamentada no trabalho coletivo, onde o bem-estar do indivíduo e da família se sobrepunha ao interesse econômico da produção. Entretanto, o registro histórico data o início do movimento cooperativista no Brasil somente em 1847, quando o médico francês Jean Maurice Faivre, adepto das idéias reformadoras de Charles Fourier, fundou com um grupo de europeus, nos sertões do Paraná, a colônia Tereza Cristina organizada em bases cooperativas. Contudo, o cooperativismo brasileiro a reproduziu as mesmas estruturas do capitalismo, voltado somente para o desenvolvimento e a expansão dos empreendimentos, prevalecendo o fim econômico sobre o social. Devemos considerar o cooperativismo como um modelo econômico alternativo entre o capitalismo e o socialismo, e o sucesso dos empreendimentos cooperativistas depende especialmente do desempenho dos elementos constitutivos que as caracterizam como empresas e como sociedades de pessoas. No regaste do objetivo social das sociedades de pessoas e estratégia de combate ao desemprego, surgem cooperativas solidárias, propondo organização da produção autogestionárias e estimulando a prática da solidariedade. A solidariedade é uma arte, a arte da conquista de uma relação social autêntica, que permite o desenvolvimento do potencial humano e dele depende. É uma abertura de horizontes no caminho, não é o caminho todo, não é um produto, mas um processo. O mistério deste processo, entretanto, apresenta-se inteligível para os envolvidos, embora não seja racionalizável. Exige uma inteligência diferente, interpessoal, emocional, aberta à intuição, ao sentimento e à percepção. A solidariedade, assim concebida, é pré-condição ao labor interdisciplinar. Sérgio Luis Boeira. 3. Conceito e valores e Princípios cooperativistas A função econômica das cooperativas é diferente das EmpresasMercantis e das Sociedades Anônimas, pois estas têm como objetivo a obtenção do lucro, enquanto que as cooperativas são sociedades de pessoas que visam à prestação de serviços aos seus associados, dividindo entre si os ganhos. Segundo a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), “As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não ]�wE����q~��D��- ��F�� sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características”: I. Adesão voluntária com número ilimitado de associados salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços; II. Variabilidade do capital social representado por cotas-partes; III. Limitação do número de cotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais; IV. Incessibilidade das cotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade; V. Singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério de proporcionalidade; VI. "Quorum" para o funcionamento e deliberação de assembléia geral baseado no número de associados e não no capital; VII. Retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da assembléia geral; VIII. Indivisibilidade dos fundos de reserva e de assistência técnica, educacional e social; IX. Neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social; X. Prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; XI. Área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços. Os princípios cooperativistas são orientações pelas quais as cooperativas levam os seus valores à prática, são eles: Adesão voluntária e livre - As cooperativas são organizações abertas à participação de todos, independentemente de sexo, raça, classe social, opção política ou religiosa. Para participar, a pessoa deve conhecer e decidir se têm condições de cumprir os acordos estabelecidos pela maioria. Gestão democrática e livre - Os cooperantes, reunidos em assembléia, discutem e votam os objetivos e metas do trabalho conjunto, bem como elegem os representantes que irão administrar a sociedade.Cada associado representa um voto, não importando se alguns detenham mais cotas do que outros. �:O(����u��n�S���f�Ų� Participação Econômica dos Membros - Todos contribuem igualmente para a formação do capital da cooperativa, o qual é controlado democraticamente. Se a cooperativa é bem administrada e obtém uma receita maior do que as despesas, esses rendimentos serão divididos entre os sócios até o limite do valor da contribuição de cada um. O restante poderá ser destinado para investimentos na própria cooperativa ou para outras aplicações, sempre de acordo com a decisão tomada na assembléia. Autonomia e independência - As cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros. Se firmarem acordos com outras organizações, incluindo instituições públicas, ou recorrerem o capital externo, devem fazê-lo em condições que assegurem o controle democrático pelos seus membros e mantenham a autonomia da cooperativa. Educação, formação e informação - É objetivo permanente da cooperativa destinar ações e recursos para formar seus associados, capacitando-os para a prática cooperativista e para o uso de equipamentos e técnicas no processo produtivo e comercial. Intercooperação Para o fortalecimento do cooperativismo é importante que haja intercâmbio de informações, produtos e serviços, viabilizando o setor como atividade sócio-econômica. Por outro lado, organizadas em entidades representativas, formadas para contribuir no seu desenvolvimento, determinam avanços e conquistas para o movimento cooperativista nos níveis local e internacional. Interesse pela comunidade - As cooperativas trabalham para o bem-estar de suas comunidades, através da execução de programas sócio-culturais, realizados em parceria com o governo e outras entidades civis. 3. Auto Gestão e conceitos A gestão lida com ação e aplicação e testa os seus resultados, o que a torna uma tecnologia. No entanto, também lida com pessoas, os seus valores, crescimento e desenvolvimento, o que a torna uma função humana. É aquilo a que a tradição costumava chamar de «arte liberal» — arte, porque está ligada à prática e aplicação, liberal, porque trabalha com os fundamentos do conhecimento, auto-conhecimento, sabedoria e liderança. A autogestão é um modelo de organização em forma de empreendimento coletivo onde os colaboradores interagem nas atividades produtivas, serviços e administração com o poder de decisão sobre questões relativas ao negócio e ao relacionamento social das pessoas diretamente envolvidas. A autogestão de um empreendimento por todos os colaboradores, pelo sistema de cada pessoa um voto, surgiu na Europa no início da industrialização, como forma de superar a oligocracia empresarial dominante, e esse conceito costuma variar de acordo com o regime social e jurídico do empreendimento, mas nesse artigo trataremos apenas os conceitos que regem as cooperativas solidárias, nesse caso: autogestão é quando um empreendimento é administrado pelos seus participantes em regime de democracia direta. Em autogestão, não há a figura do patrão e todos os cooperados e cooperadas participam das decisões administrativas em igualdade de condições. No cooperativismo solidário, os cooperados e cooperadas são os proprietários do empreendimento e independente da quota parte, cada �/�q�Fz�,�3e����J4�R�t cooperado e cooperada tem direito, somente, a um voto e repartem entre si os lucros obtidos. 4. Como construir um empreendimento solidário? Os empreendedores solidários devem ter a capacidade e o poder de decisão sobre tudo o que acontece em seu empreendimento: metas de produção, políticas de investimentos e modernização. Isso quer dizer que as atividades educativas e o incentivo à inteligência coletiva constituem a vida das empresas autogestionárias. Valorizar e incentivar a criatividade do conjunto dos empreendedores implica em: democratizar as tarefas que envolvem conhecimento, dando oportunidade para que o ‘saber fazer’ chegue a todos; superar os entraves ao acesso às informações e conhecimento. Entretanto, os excluídos do mundo do trabalho, pelo perverso processo da economia globalizada, para tornarem-se empreendedores precisam de muita competência, até porque na pressão do mercado consumidor, tocar os negócios não é uma tarefa fácil, por isso empreender ficou mais profissional, exigente e qualificado. Sem dúvida os consumidores agradecem essa nova postura. O futuro empreendedor precisa conduzir a sua organização através de um Plano de Negócios, onde exigirá envolvimento, busca de informações e pesquisa para viabilizar seu empreendimento. Para dar suporte a esses empreendimentos solidários o Núcleo Local da Unitrabalho da Universidade Federal do Amazonas vem construindo técnicas de sistematização e organização do processo de incubação de cooperativas. 5. Marco metodológico. Alice no País das Maravilhas, de Lewis Caroll Alice está perdida e encontra um gato numa árvore. - Para onde vai essa estrada? - Para onde você quer ir? - Não sei, estou perdida? - Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve. A metodologia utilizada na formação de grupos para formação de cooperativas obedece aos seguintes processos: primeiro a equipe da Unitrabalho trabalha através de reuniões e oficinas com um grupo de pessoas e através de seus depoimentos analisa qual é a vocação natural do grupo, isso é muito importante porque nunca se vai conseguir que uma pessoa que não gosta de se relacionar com o público trabalhe com turismo, por exemplo. Desta forma,trabalha-se com esses grupos vulneráveis para descobrir a suas potencialidades e posteriormente propor caminhos. A decisão de qual(ais) caminho(s) escolher para geração de rende dependem: i) da vocação natural do grupo; ii) da sustentabilidade do empreendimento. �W���@�,T&U������3F��� Mesmo que a vocação natural seja acentuada nunca se pode deixar de realizar uma análise econômica para garantir posteriormente a sua sustentabilidade. Procuramos utilizar uma pedagogia que possa auxiliar na formação de um sentimento de autonomia, desenvolvendo nas pessoas a capacidade de interdependência, de cooperação, de compartilhamento, de participação ao ingressarem no sistema cooperativista. Buscamos também, seguir os preceitos do Construtivismo onde a inteligência humana se desenvolve partindo do princípio de que o desenvolvimento da inteligência é determinado pelas ações mútuas entre o indivíduo e o meio. A idéia é que o humano não nasce inteligente, mas também não é passivo sob a influência do meio, isto é, ele responde aos estímulos externos agindo sobre eles para construir e organizar o seu próprio conhecimento, de forma cada vez mais elaborada. Partindo da compreensão de que o conhecimento4 não se transfere, o que se transfere são informações. Então o conhecimento é construído ou incessantemente reconstruído pelos cooperados e cooperadas, e quando processado mediante a atividade humana sob a forma de cursos, oficinas ou seminários, faz com que a regularidade própria do comportamento humano transporte esse conhecimento para a dimensão dos costumes, ou melhor, para a prática do trabalho dos cooperados e cooperadas. Sendo, portanto papel da incubadora estimular, subsidiar, fomentar, enfim, criar condições para que os cooperados e cooperadas construam sua capacidade crítica para entender a realidade em constante transformação no mundo do trabalho, criando uma inteligência coletiva capaz de atuar com competitividade no mercado sem abandonar os princípios da economia solidária. Desta forma, cada cooperado e cooperada deve se sentir como agente ativo do processo produtivo; ser parte da cooperativa na constituição do todo - participando do processo decisório e dos negócios da cooperativa - contribui para formação do capital humano e social do empreendimento. O sucesso de um empreendimento está diretamente ligado a capacidade da incubadora em conscientizar os cooperados e cooperadas das suas três funções, o de executor(a), o de gestor(a) e o de empresário(a). Essas três funções podem ser traduzidas como participação efetiva dos cooperados e cooperadas nos rumos da cooperativa. Tudo flui (panta rei), nada persiste, nem permanece o mesmo". Heráclito É por essa razão que a tarefa fundamental da incubadora na auto-gestão é: tornar as pessoas capazes de um desempenho conjunto, através da partilha de objetivos comuns e metas comuns. Desta forma, a Incubadora deve criar uma estrutura adequada ao desenvolvimento dos cooperados e cooperadas e capacitá-los para se adaptarem à mudança advindas de novas tecnologias sociais ou tecnológicas. Existem três desafios básicos na transferência de tecnologia social no processo de incubação de empreendimentos solidários, são eles: 4 Conhecimentos são informações processadas pelo cérebro humano. E�4�� �������������.{' 1) Como melhorar o conhecimento existente entre cooperados e cooperadas; 2) Como criar o novo conhecimento para a cooperativa (também conhecido como inovação) e; 3) Como disseminar o conhecimento entre todos cooperados e cooperadas. Todo esse processo incubação tem quatro estágios: 1) Conscientização do cooperados e cooperadas, 2) Compreensão da realidade existente, 3) Ação e, 4) Análise das ações. Depois vem a reflexão. 6. Mudanças Observe como todas as coisas estão continuamente nascendo da mudança (...). Tudo o que existe é, de certa forma, a semente daquilo que dele nascerá (...). Crie o hábito de observar com regularidade o processo universal de mudança; seja assíduo nisso e instrua-se plenamente nessa área de estudo; não há nada que eleve mais a mente. Marco Aurélio (Imperador Romano) Mudança social é toda a transformação, observável no tempo, que afeta, de maneira que não seja provisória ou efêmera, a estrutura ou o funcionamento da organização social de seres humanos dentro de um território e modifica o curso da história. É a mudança de estrutura resultante da ação histórica de certos fatores ou de certos grupos no seio de dada coletividade na formação de uma nova territorialidade. Essa mudança provem do desenvolvimento humano5 que além do quantitativo, envolve também aspectos qualitativos, os quais podem ser avaliados através de indicadores sócio-econômicos. Desta forma, podemos afirmar que o desenvolvimento é provocado pelas mudanças do capital humano e do capital social de uma dada coletividade perante a que chamamos de sociedade. Por conseguinte, se em uma dada cooperativa as pessoas são passivas e inclusas em processo de incubagem com características assistencialistas, cujos benefícios chegam até elas numa relação de clientelismo, não se cria nesse território condições ao desenvolvimento do capital humano, porque essa verticalização, Incubadora/cooperados(as), é o modo mais eficaz de destruir o capital social tão necessário a sustentabilidade do empreendimento. Ao 5 Só existe desenvolvimento humano em territórios com riscos sociais quando existe um processo contínuo de crescimento econômico desse território, aliado a uma melhora sistemática das condições de vida da coletividade de tal modo que todos alcancem níveis aceitáveis quanto à alimentação, saúde, transporte, moradia, lazer e cultura. ����+��M�s�y��QB�I��M� desestimular a busca de soluções pelos próprios cooperados e cooperadas, se desmobiliza a criatividade e a inovação (capital humano) para enfrentamento dos problemas por todos os envolvidos. É justamente nesse movimento perpétuo de estruturação e reestruturação que os cooperados e cooperadas enfrentam o desafio de assumir e gerir novas identidades num espaço onde se articulam e interagem as lógicas herdadas do território de origem e a lógica de cooperação apreendida pelo “novo saber”, trazido pelo empreendedorismo solidário. Ou seja, a ligação entre o seu lugar situado no espaço da tradição e sua nova territorialidade. Não se trata, porém, da substituição de uma pela outra, isto porque a tradição é entendida como herança que permite ver, ler e dar sentido às novas situações e problemas introduzidos pelas mudanças que se vão operando dentro do novo território conquistado. É no entrelaçar desses dois territórios que: se traça a trajetória do desenvolvimento humano dos cooperados e cooperadas e, emerge como o todo com o qual devemos trabalhar. A complexidade dinâmica da situação de mudança social torna muito difícil fazer um bom trabalho com as partes separadas, com coisas isoladas. Trabalhar com as partes separadas significa que a Incubadora adota uma atitude “controladora” – tentando isolar e regular os pedaços e as seções porque o todo é complexo demais; uma parte pode ser segurada, voltando-se essencialmente para a qualificação profissional e cooperativismo, pode-se, também, delimitar os seus limites. Mas não devemos lidar com ela primeiro, antes devemos passar pela análise de toda a realidade pré-existente das pessoas que formam determinada cooperativa. Desta forma, desde que necessária, realiza-se a elevação de escolaridade dessas pessoas, através das metodologias de educação popular para capacitá-los a atuarem no empreendimento a qual pertence. Em nosso acompanhamento de mudança de territorialidade desses cooperados e cooperadas, nós adotamos uma metodologia que consiste em construir muitas questões, para o aprendizado de todos os envolvidos, Incubadora e Cooperativa, sobre o assunto em baila. Algumas dessas questões necessitam de resposta verbal, outras de ações dentro do processo de ocupação, ou seja, na jornada diária de trabalho. Assume-se aqui, que os cooperados e cooperadas acessam os conhecimentos relevantesno convívio com a Incubadora, e os usa para construir uma nova territorialidade. A cooperação, então, baseia- se primordialmente na confiança recíproca, quando Incubadora e Cooperativa assumem um compromisso com toda a sua rede de relações (capital social). Segundo Dasgupta, "a confiança necessária para fomentar a cooperação não é uma confiança cega, mas baseada na disposição, alternativas de que qualquer pessoa ou entidade dispõe e suas conseqüências, capacidade e tudo o mais, que levará a crer que ela preferirá agir de uma forma em vez de outra" (Dasgupta apud PUTNAM, 1993, p. 180). Por outro lado, a relação entre Incubadora/Cooperativa se edifica sobre regras de reciprocidade, em contínua relação de troca, onde os interesses de solidariedade sustentam- se por laços de confiança. Assim sendo, o Acompanhamento e Avaliação das Cooperativas têm por objetivos: �@�Ӟ0B9o�`�������K"~� − Acompanhar, registrar e avaliar a implementação, os resultados e os impactos do processo de incubação; − Contribuir para adequá-la a melhor implementação das metas proposta no plano de negocio; − Permitir que os cooperados e cooperadas envolvidas compartilhem conhecimentos, informações e experiências que fortaleçam o processo de desenvolvimento não só da própria como de outras cooperativas. O acompanhamento técnico-pedagógico vem desenvolvendo instrumentos com a finalidade de registrar, sistematizar em banco de dados, analisar e comparar as informações sobre o processo de incubação. Tais instrumentos são constantemente reavaliados e aprimorados, consistindo em: Ficha da Cooperativa: para coleta de dados sobre o público-alvo, objetivando traçar o seu perfil socioeconômico e demográfico e Fichas de Acompanhamento para coleta mensal de dados quantitativos e qualitativos e registro das observações sobre cada cooperativa contendo: A coleta dos dados que é feita no momento das visitas de acompanhamento da cooperativa pelo técnico responsável. Essas informações são armazenadas no banco de dados e através do cruzamento e tratamento dos dados armazenados, permite a geração de tabelas e gráficos sistemáticos e relatórios quantitativos para que possamos: 1) Determinar se fizemos o que nos propusemos a fazer; 2) Descobrir quais foram as intervenções que funcionaram e quais foram as que não funcionaram; 3) Intensificar os processos de intervenção eficazes ou replicá-los em outras cooperativas; 4) Criar novas ações; 5) Garantir a sustentabilidade do empreendimento 7. Plano de Negócio O plano de negócios para um novo empreendimento é um trabalho feito a várias mãos. Os cooperados e cooperadas, que conhecem o cotidiano do empreendimento, devem participar totalmente e intensamente. Em todos os pontos da confecção tem que haver participação dos cooperados juntos com a incubadora, isso é vital. O Plano de Negócios é, antes de tudo, o processo de validação de uma idéia. Por meio dele os cooperados e cooperadas terão elementos para decidir se deve - ou não – investir no empreendimento ou criar um novo produto. ���+�� 3y�p��3���PX5Jc Um bom plano de negócios estuda a viabilidade de seu projeto sob todos os aspectos, visualizando possibilidades de fracasso e sucesso. O Plano de Negócios, ou Business Plan, é um documento especial, único e vivo que deve refletir a realidade, as perspectivas e a estratégia da empresa, respondendo ao leitor as perguntas: Quem sou? O que faço? Como faço? Por que faço? O que quero? Para onde vou? Ser um instrumento vivo é a condição necessária para a sua efetividade: mudanças no ambiente econômico, de mercado, competências ou interno à cooperativa devem estar permanentemente refletidas no Plano de Negócios. Conseqüentemente, um Plano de Negócios é o principal instrumento no planejamento de um novo empreendimento, no qual as principais variáveis envolvidas são apresentadas de forma organizada. Possibilitando uma análise do empreendimento e definição clara de seus objetivos, visão, destacando pontos fortes e áreas com oportunidades de melhoria, destacando os recursos existentes e quais são necessários para implementar as ações. Afora permitir uma análise do negócio, sua viabilidade, estratégias e necessidades e potencial de impacto. A existência de um Plano de Negócios possibilita a diminuição da probabilidade de morte precoce das cooperativas, uma vez que uma parte dos riscos e as situações operacionais adversas serão previstas no seu processo de elaboração, assim como a elaboração de planos de contingência. Os planejamentos de marketing, operacional, de crescimento, etc. estarão refletidos no plano financeiro da empresa, permitindo a visualização dos recursos financeiros necessários à sua execução e possibilitando o planejamento da sua captação. 7.1 Estrutura de Plano de Negócios Uma estrutura de Plano de Negócios que pode ser desenvolvida é: 1. Resumo Executivo 2. Caracterização geral/conceito da incubadora 3. Análise estratégica 4. Plano de marketing e vendas 5. Plano financeiro 1. Resumo Executivo O Resumo Executivo é comumente apontada como a principal seção do plano de negócios, pois é a parte que a incubadora apresenta um breve resumo da cooperativa, sua história, área de atuação, foco principal e sua missão Por ser o resumo, será a última parte a ser escrita e deverá mostrar o que é mais importante para o empreendimento. Nele você deverá �� �c/m|�n!�6���Z 5��� colocar um estrato dos demais capítulos do Plano de Negócios e dizer claramente o que você deseja do leitor. 2. Caracterização geral/conceito da incubadora. Nesta etapa, apresenta-se um breve resumo da organização da incubadora, sua história e seu status atual. É preciso enfatizar as características únicas da incubadora, mostrando os benefícios e vantagens que oferece aos empreendimentos. 3. Análise estratégica Plano de mercado - O plano de mercado é uma das partes mais importantes do plano de negócios, pois é nesta etapa que será definida a abordagem do mercado-alvo Plano operacional - O plano operacional define os procedimentos necessários para a consecução dos objetivos. 4. Plano de Marketing e Vendas É através dele que será especificado como a empresa pretende atrair os seus clientes, como será melhor que o concorrente, quais as suas estratégias para a entrada do produto no mercado e continuidade. 5. Plano financeiro No plano financeiro, apresentam-se, em números, todas as ações planejadas para o empreendimento. Algumas perguntas chave que os cooperados e cooperadas junto com a incubadora deverão responder neste item são: − Quanto de recursos serão necessário para iniciar o negócio? − Existe disponibilidade de recursos? − De onde virão os recursos? − Qual o mínimo de vendas necessário para que o empreendimento seja viável? O plano financeiro deve demonstrar a viabilidade do negócio. A projeção financeira deve refletir índices aceitáveis, apresentando um bom desempenho ao longo dos anos. 8. O porque da necessidade de geração de tecnologias6? Se analisarmos o pressuposto de que a inclusão social de uma dada coletividade não resulta do crescimento econômico de um determinado território, ou de políticas compensatórias e 6 Tecnologia é o conjunto de conhecimentos científicos e empíricos, de habilidades, experiências e organização requeridos para produzir, distribuir, comercializar – nos casos em que se aplique – e utilizar bens e serviços. Inclui tanto conhecimentos teóricos como práticos, meios físicos, know how, métodos e procedimentos produtivos, gerenciais e organizacionais. A observação “nos casos em que se aplique”, deve-se ao fato de que muitas tecnologias não são desenvolvidas com um fim comercial, mas social, como muitas das tecnologias para a saúde pública, a educação e para outros fins sociais. J���q���j�4�r���o�䶄� sim, prioritariamente, de programas inovadores de geração de renda com investimento em capital humano e em capital social. Então a pobreza não é causada pela insuficiência de renda gerada dentro de um território7, mas pela insuficiência de desenvolvimento8. Como desenvolvimento não é sinônimode crescimento econômico, a pobreza da Cidade de Manaus não pode ser enfrentada apenas com políticas de distribuição de renda ou com as chamadas políticas sociais. Por outro lado, há crença corrente na sociedade brasileira que a nossa pobreza foi gerada porque fizemos crescer o PIB, mas não distribuímos a renda, o que é verdade. Porém, principal motivo do nosso baixo desenvolvimento humano é que não sabemos como simultaneamente gerar, multiplicar e irradiar conhecimentos, pois é somente através do capital humano que poderemos usar a renda para gerar mais renda. A tão propagada “divida social” só será resgatada quando a população brasileira se empoderar dos conhecimentos gerados pelas universidades e estas gerarem conhecimentos que sejam úteis a sociedade, pois a sociedade que não possui tecnologia própria, deve se sujeitar a outras que a exportam. Essa situação cria uma nova forma de dependência, chamada muito propriamente de neocolonialismo. Aliás, essa dependência não se registra apenas no plano econômico, mas também no cultural. Deste modo, é primordial que as Incubadoras de Empreendimentos Cooperativos além de gerarem tecnologias, as transfira para as Cooperativas, pois sabemos que a tecnologia é o mais importante instrumento de desenvolvimento na economia contemporânea. O avanço tecnológico proporciona novos métodos de produção, aumento da produtividade, geração de renda e melhoria da qualidade de vida da população. A compreensão da necessidade de integrar ações desenvolvidas no âmbito das incubadoras das universidades ligadas a rede Unitrabalho e das Cooperativas, como meio de fortalecimento das capacidades para busca de soluções conjuntas, favoreceu o surgimento de ações interativas que privilegiam o desenvolvimento tecnológico na busca de soluções novas e abrangentes e de interesse nacional, mediante captação de recursos diretamente com os setores envolvidos como pode ser observado nas incubadoras que trabalham com os arranjos produtivos locais e da cadeia produtiva de materiais reciclados. A transferência de tecnologia pode ser vista, também, como uma transferência de informação, passível de gerar conhecimento em determinado espaço de determinada realidade. Na Amazônia essa transferência se realiza em dupla mão, ao se apoderarem dos conhecimentos das populações tradicionais, os pesquisadores da universidade podem viabilizar soluções para o desenvolvimento sustentável da floresta por meio de geração, adaptação desses conhecimentos e tecnologias em benefício da sociedade que o mantém, e 7 O melhor exemplo é a cidade de Manaus, onde o crescimento econômico, gerado a partir de incentivos fiscais e mão de obra barata, não diminuiu a pobreza de suas periferias 8 Adbus Salam, Prêmio Nobel de Física: “O desenvolvimento se define quase exclusivamente em termos de capacidade de geração autônoma do conhecimento, da capacidade de disseminá-lo e da capacidade de utilizá- lo. Esta é a verdadeira diferença entre os países cujos cidadãos são capazes de realizar plenamente o seu potencial como seres humanos e aqueles que não têm esta capacidade” Ū�K�Z��0�~���2G[�Q�t posteriormente retornando para essas populações as inovações geradas por essas tecnologias. Convém, também, salientar que quaisquer movimentações tecnológicas, que não realize um processo de produção de conhecimento, não completa a transferência. Donde conclui-se que a adição de tecnologia existe em todo o processo que resulta em uma mudança e esse processo se efetiva, na medida em que se efetive uma produção de conhecimento no indivíduo, no grupo ou na sociedade. 9. Conclusão “Nós estamos presos em uma inescapável malha de reciprocidade, atados em uma face singular do destino. O que quer que afete alguém diretamente, afeta a todos indiretamente” ... Martin Luther King A solidariedade está baseando-nos nas práticas existentes e por vir e em certas lógicas de ação complementares, presente nas diferentes sociedades. Construir uma economia que seja solidária terá que ser uma opção coletiva onde as possibilidades de escolhas individuais sejam acessíveis a todos e as relações interpessoais e sociais articulem as atividades econômicas em todo sentido. Pois é inútil a pretensão de se querer retirar a economia da vida cotidiana e das condições ambientais sem correr o risco, como é o caso atualmente, de provocar graves conseqüências humanas e ambientais como as já observáveis na construção da riqueza das nações. A economia solidária é aqui compreendida como ação coletiva que, em um contexto de incerteza (múltiplas possibilidades) busca, de acordo com a análise de situações específicas, caminhos para modelar o comportamento humano e as relações sociais em estruturas que assegurem a dignidade humana e a sustentabilidade dos recursos naturais escassos, de modo a não comprometer as condições de vida nossas e das gerações futuras. Desta forma, torná-se necessário que os Núcleos Locais da Unitrabalho se tornem geradores e irradiadores de tecnologias sociais, de produtos e processos ecologicamente sustentáveis, para as Cooperativas agregadas as suas Incubadoras, pois somente desta forma conseguiremos sucesso em nossa missão que se concretiza por meio da parceria em projetos de estudos, pesquisas e capacitação para contribuir com o resgate da dívida social que as universidades brasileiras têm com os trabalhadores. Essa transferência deve se realiza no desenvolvimento experimental de um trabalho sistemático junto as cooperativas, delineado a partir do conhecimento preexistente obtido através de pesquisa ou experiência prática, e aplicado na produção de novos materiais e produtos, no desenvolvimento e implantação de novos processos, sistemas e serviços, e ainda no aprimoramento dos já produzidos a chamada inovação tecnológica. Cada dia que passa mais evidente fica, que o nosso desenvolvimento só se dará se conjugarmos esforços de toda natureza (capital humano, especialmente) para a busca e para a transferência de soluções, desejáveis por todos nós, no permanente desafio que é o de criar condições de habitabilidade, ou seja, que todos tenham direito a alimentação, saúde, �~�C�!�D=��P����9��aJ' transporte, moradia, lazer e cultura, em quantidade que satisfaça as nossas necessidades, adotando, diuturnamente, os cuidados que a natureza requer para a sobrevivência harmônica das atuais e futuras gerações. BIBLIOGRAFIA ALVES, Marco Antonio Perez. Cooperativismo – Arte e Ciência, Ed. LEUD, 2003. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as Metamorfoses e a Centralidade do mundo do trabalho. Campinas, SP : Cortez, 1995 ARRUDA, Marcos. Globalização e sociedade civil: repensando o cooperativismo no contexto da cidadania ativa. Ed. PACS, Rio de Janeiro, 1996. 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