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Página | 1 Arboviroses e febre SP 2.2 - LOGO AGORA?! 1) DIFERENCIAR AS ARBOVIRSOES EXANTEMÁTICAS (FEBRE AMARELA, ZIKAVÍRUS, CHIKUGUNHA E DENGUE) - FISIOPATOLOGIA, SINTOMAS, ACHADOS CLÍNICOS E EXAMES DIAGNÓSTICOS. Febre Amarela A febre amarela é uma doença infecciosa febril aguda transmitida por vetores artrópodes e causada pelo vírus amarílico (vírus do gênero Flavivirus, família Flaviviridae) e considerada a doença prototípica das febres hemorrágicas virais, com as quais compartilha vários aspectos em comum, mas caracterizada por comprometimento hepático mais significativo. Ciclos epidemiológicos da doença Nas Américas do Sul e Central reconhecem-se apenas dois ciclos da febre amarela – febre amarela urbana e febre amarela silvestre. A introdução da vacina contra a febre amarela no País em 1937, o intenso combate ao vetor e a imunização em massa na década seguinte levaram à eliminação da doença nas áreas urbanas no Brasil. O registro dos últimos casos da febre amarela urbana no País ocorreu na cidade de Sena Madureira (AC), em 1942. A partir dessa data, a febre amarela urbana (transmitida por Aedes aegypti) não foi mais registrada e o ciclo de transmissão silvestre passou a predominar com registros de epidemias. Atualmente, a febre amarela silvestre (FA) é uma doença endêmica no Brasil (i.e., região amazônica). Na região extra-amazônica, períodos epidêmicos são registrados ocasionalmente, caracterizando a reemergência do vírus no País. O padrão temporal de ocorrência é sazonal, com a maior parte dos casos incidindo entre dezembro e maio, e com surtos que ocorrem com periodicidade irregular, quando o vírus encontra condições favoráveis para a transmissão (elevadas temperatura e pluviosidade; alta densidade de vetores e hospedeiros primários; presença de indivíduos suscetíveis; baixas coberturas vacinais; eventualmente, novas linhagens do vírus), podendo se dispersar para além dos limites da área endêmica e atingir estados das regiões Centro. Estrutura Viral O vírus amarílico é vírus RNA de fita única, sentido positivo, pertencente à família Flaviviridae, gênero Flavivirus, sendo considerado o vírus prototípico do gênero. Seu genoma contém 10.233 nucleotídeos que codificam uma poliproteína que se cliva em três proteínas estruturais – C (core), PrM/M (membrana) e Env (envelope) – e sete proteínas não estruturais – NS1, NS2A, NS2B, NS3, NS4A, NS4B e NS5. É um vírus envelopado, de simetria icosaédrica e aproximadamente 40 nm de diâmetro. Existem sete genótipos principais do vírus amarílico, cinco deles encontrados na África e dois nas Américas. Período de transmissão e incubação O período de incubação (tempo entre a infecção pela picada do mosquito e o aparecimento de quadro clínico) médio varia entre 3 e 6 dias, podendo ser de até 10 a 15 dias. O período de transmissibilidade (tempo em que um indivíduo com febre amarela possui vírus no sangue e pode infectar um mosquito vetor se for picado) vai de 24 a 48 horas antes até 3 a 5 dias após o início dos sintomas. O mosquito infectado transmite o vírus por seis a oito semanas. Quadro clínico O espectro clínico da febre amarela pode variar desde infecções assintomáticas até a quadros graves e fatais, sendo importante destacar que a expressão da doença independe do contexto de transmissão, se urbano ou silvestre. Estima-se que quadros assintomáticos ocorram em aproximadamente metade dos casos infectados. O quadro clínico clássico caracteriza-se pelo surgimento súbito de febre alta, geralmente contínua, cefaleia intensa e duradoura, inapetência, náuseas e mialgia. O sinal de Faget (bradicardia acompanhando febre alta) pode ou não estar presente. Nas formas leves e moderadas os sintomas duram cerca de dois a Página | 2 quatro dias e são aliviados com o uso de sintomáticos, antitérmicos e analgésicos, e ocorrem em cerca de 20% a 30% dos casos. As formas graves e malignas acometem entre 15% a 60% das pessoas com sintomas que são notificadas durante epidemias, com evolução para óbito entre 20% e 50% dos casos. Na forma grave, cefaleia e mialgia ocorrem em maior intensidade, acompanhadas de náuseas e vômitos frequentes, icterícia e pelo menos oligúria ou manifestações hemorrágicas, como epistaxe, hematêmese e metrorragia. Classicamente os casos de evolução maligna podem apresentar um período de remissão dos sintomas de 6 a 48 horas entre o 3º e 5º dias de doença, seguido de agravamento da icterícia, insuficiência renal e fenômenos hemorrágicos de grande monta. Fisiopatologia Os sítios prováveis de replicação do vírus amarílico são as células dendríticas da pele no local da inoculação, os linfonodos regionais e mesentéricos, baço e macrófagos do fígado e outros órgãos. À semelhança da sepse, a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), que leva a vasculite generalizada e falência de múltiplos órgãos (FMO) na febre amarela, é causada pela ativação de diversas células inflamatórias (células de Kupffer, células dendríticas, células NK, macrófagos, linfócitos T CD4+, CD8+ e CD45RO+), mediada por uma série de citocinas e fatores pró-inflamatórios, como: TNF-α, TNF-β, TGF- β, IFN-α e -γ, IL-1, IL-2, IL-6, IL8, IL-12, IL-18, NO, O2– , fator ativador plaquetário (PAF), complemento, elastases, proteases e leucotrienos, peroxinitratos e lipídios bioativos. O óbito ocorre entre o sétimo e o oitavo dia, por hemorragias incontroláveis seguidas de colapso circulatório e choque. Nos casos não letais, a convalescença é demorada, sendo frequentes as infecções bacterianas secundárias. Diagnóstico Em relação ao diagnóstico clínico, deve ser considerado caso suspeito indivíduo com exposição em área afetada recentemente (em surto) ou em ambientes rurais e/ou silvestres destes, com até sete dias de quadro febril agudo (febre aferida ou relatada) acompanhado de dois ou mais dos seguintes sinais e sintomas: cefaleia (principalmente de localização supraorbital), mialgia, lombalgia, mal-estar, calafrios, náuseas, icterícia e/ou manifestações hemorrágicas sendo residente ou procedente de área de risco para febre amarela, nos 15 dias anteriores, que não tenha comprovante de vacinação de febre amarela ou que tenha recebido a primeira dose há menos de 30 dias. Exames laboratoriais inespecíficos podem apresentar alterações e auxiliam na identificação de formas mais graves e no manejo clínico. O hemograma apresenta leucopenia com neutropenia, eosinopenia e linfocitose. Nas formas graves, no período de intoxicação observam-se leucocitose, trombocitopenia, aumento de transaminases, da ureia e creatinina plasmáticas, hiperbilirrubinemia, hipoglicemia e acidose. A trombocitopenia ocorre principalmente após alguns dias, com aumento do tempo de protrombina e diminuição do fibrinogênio sérico, que sugerem coagulação intravascular disseminada. Pode haver alteração dos fatores séricos de coagulação, sendo os mais alterados os fatores II, V, VII, VIII, IX e X. As alterações nos fatores séricos da coagulação podem explicar casos de sangramento intenso sem trombocitopenia importante. O exame de urina do tipo I mostra proteinúria importante, que pode chegar a 40 g/ℓ em amostra isolada, hematúria e cilindrúria. O diagnóstico específico de febre amarela pode ser feito de forma direta pela detecção do vírus em amostras clínicas (sangue e/ou tecidos) ou de forma indireta pela detecção de anticorpos. Os exames são realizados em laboratórios de referência em diversos estados brasileiros, e a secretaria de saúde de cada estado e município pode informar sobre como encaminhar o material biológico e como receber o resultado. Métodos diagnósticos específicos - sorologia; biologia molecular (RT-PCR); isolamento viral; histopatologia/imuno-histoquímica. Diagnósticodiferencial Nas formas leve e moderada o diagnóstico diferencial pode incluir qualquer doença que curse com quadro febril agudo indiferenciado, sobretudo àquelas de maior prevalência e incidência no País como dengue, malária, influenza e mononucleose infecciosa, com outras causas acrescidas a depender da epidemiologia local. Formas graves e malignas devem ser diferenciadas de malária, dengue grave, chikungunya, Página | 3 hepatites agudas, leptospirose, riquetsiose, sepse e febre tifoide. Manejo clínico e tratamento A abordagem inicial de pacientes com caso suspeito realizada por profissionais de saúde deve incluir: • Queixa atual e duração, para identificar caso suspeito. Para identificar sinais de gravidade questionar especificamente sobre a presença de hemorragias, características da diurese (volume e cor), presença e frequência de vômitos. • História pregressa, incluindo histórico vacinal para febre amarela e dados epidemiológicos que possam indicar a necessidade de investigar diagnósticos diferenciais. • Aferição de pressão arterial (PA), frequência cardíaca, frequência respiratória, temperatura e peso. • Avaliação de estado geral. • Exame físico completo com especial atenção para presença de icterícia, grau de hidratação, perfusão periférica, características da pulsação, sinais de hemorragias, avaliação do nível de consciência. • Realização de exames laboratoriais inespecíficos: hemograma, transaminases (TGO e TGP), bilirrubinas, ureia e creatinina, provas de coagulação, proteína urinária. • Coleta de amostras para exames específicos e envio para laboratórios de referência. Notificação do caso: compulsória e imediata. A conduta após a avaliação inicial depende dos achados clínicos e laboratoriais. O acompanhamento ambulatorial pode ser feito para pacientes nas seguintes condições: • Formas clínicas leves ou moderadas. • Paciente em regular estado geral, hidratado ou com desidratação leve, sem vômitos, sem história ou sinais de hemorragias, com nível de consciência normal. • Exames laboratoriais normais ou com alterações discretas no hemograma (leucopenia, plaquetopenia acima de 150.000, hemoconcentração <10% do valor de referência), transaminase menores que duas vezes o limite superior da normalidade e bilirrubina menor que 1,5 vezes o limite superior da normalidade, sem proteinúria, provas de coagulação normais. • Possibilidade de voltar rapidamente ao serviço de saúde se houver piora do quadro. • Presença de pessoas no domicílio que possam observar sinais de piora rapidamente. Caso a conduta seja acompanhamento ambulatorial, deve-se prescrever sintomáticos para febre e dor (dipirona 500mg e 1g) e hidratação oral (60mL/Kg/dia, mínimo de 1/3 com solução salina). O paciente e os acompanhantes devem ser orientados a retornar ao serviço de saúde imediatamente se houver piora dos sintomas existentes, persistência de febre alta (>39ºC) por mais de quatro dias e/ou qualquer dos seguintes sinais: aparecimento de icterícia, hemorragias, vômitos, diminuição de diurese. Também deve ser recomendado manter-se protegido de mosquitos. Caso não haja piora do quadro, não é necessário repetir os exames laboratoriais e uma consulta de retorno deve ser marcada em cinco a sete dias para reavaliação. A hospitalização em enfermaria é recomendada para casos moderados e graves em que o paciente apresentar as seguintes condições: • Paciente em regular ou mau estado geral, desidratação moderada ou intensa e vômitos, sem hemorragias ativas, com nível de consciência normal. • Exames laboratoriais com alterações discretas ou moderadas no hemograma (leucopenia, plaquetopenia, Hemoconcentração < 20% do valor de referência), transaminases menores dez vezes o limite superior da normalidade e bilirrubina menor que cinco vezes o limite superior da normalidade, proteinúria + ou ++, provas de coagulação normais. A avaliação dos parâmetros clínicos e de proteinúria deve ser repetida frequentemente (pelo menos a cada 4 horas) e os exames laboratoriais diariamente, ou a qualquer momento caso apareçam sinais de alerta para formas graves e malignas, caso em que o paciente deve ser transferido para unidade de terapia intensiva. De acordo com a situação, pode ser necessário realizar outros exames, como dosagem de glicose e eletrólitos (para avaliar necessidade de correção de distúrbios agudos em casos de vômitos muito intensos e hemorragias), gasometria arterial (para avaliar e corrigir acidose). A coagulopatia observada na febre amarela decorre da diminuição de produção de fatores de coagulação por comprometimento hepático, podendo estar associada a coagulação intravascular disseminada (CIVD). A avaliação deve incluir análise dos resultados das provas de coagulação, indicativas de maior gravidade se o tempo de coagulação for >20 minutos e o INR acima de 1,5 vezes o limite superior de normalidade. Nesses casos, devem ser evitados procedimentos invasivos e o uso de heparina não é recomendado. Medidas de suporte incluem aplicação de vitamina K (10 ml/kg/dia) por três dias, proteção Página | 4 gástrica (ex.: omeprazol, cimetidina, ranitidina) e transfusão de concentrado de hemácias e/ou plasma fresco congelado. A hospitalização em unidade de terapia intensiva está indicada para pacientes que apresentarem qualquer alteração clínica ou laboratorial de formas graves e malignas a qualquer momento desde a avaliação inicial. Cuidados implementados o mais brevemente possível como ventilação mecânica protetora, hemodiálise e suporte hematológico influenciam o desfecho dos casos, muito embora considerável proporção ainda vá ter desfecho fatal. Um painel de especialistas recomendou as seguintes medidas que podem ser aplicadas em terapia intensiva quando disponíveis: • manutenção da nutrição e prevenção de hipoglicemia; • sondagem nasogástrica para evitar distensão gástrica e aspiração; • uso de omeprazol e cimetidina para prevenção de hemorragia gástrica; • ressuscitação hídrica e uso de drogas vasoativas; • administração de oxigênio; • correção de acidose metabólica; • plasma fresco congelado no caso de hemorragias; • diálise precoce, se instalada insuficiência renal. Deve-se atentar para a possibilidade de infecção bacteriana concomitante, ponderando o início precoce de antibioticoterapia de largo espectro.7 Critérios de alta Não existe, até o momento, tratamento específico para febre amarela, sendo o manejo limitado ao tratamento dos sintomas e intercorrências. Os critérios de alta são: • Após dez dias de doença, para pacientes sem febre nas últimas 24 horas, com aspectos clínicos melhorados e exames laboratoriais com índices decrescentes das transaminases e estabilização das plaquetas. • Após três dias sem febre independente do tempo de doença, com índices decrescentes das transaminases e estabilização das plaquetas. Orientar, caso os sintomas voltem, retornar ao posto de atendimento. Pode-se observar um período de convalescença de até oito semanas, com recuperação gradual das atividades habituais. Não há necessidade de vacinação no futuro. Vacinação A vacinação contra febre amarela (VFA – atenuada) é a medida mais importante e eficaz para prevenção e controle da doença. A vacina usada no Brasil é produzida pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e consiste de vírus vivos atenuados da subcepa 17DD, cultivados em embrião de galinha. É um imunobiológico seguro e altamente eficaz na proteção contra a doença, com imunogenicidade de 90% a 98% de proteção. Os anticorpos protetores aparecem entre o sétimo e o décimo dia após a aplicação da vacina, razão pela qual a imunização deve ocorrer dez dias antes dese ingressar em área de risco da doença. Esquema vacinal de 1 dose aos 9 meses e 1 dose de reforço aos 4 anos ou dose única para maiores de 5 anos. Zika vírus O Zika virus (ZIKV) é um arbovírus RNA de fita única, do gênero Flavivirus, família Flaviviridae, filogeneticamente relacionado aos vírus de Spondweni, febre amarela, dengue e encefalites japonesa e do Nilo ocidental. Foi descoberto em 1947 na floresta de Zika, próxima a Entebe em Uganda. A evolução do ZIKV, à semelhança do observado na dengue e na febre amarela, foi facilitada pela disseminação mundial do Aedes aegypti, pelo aumento da população humana em cidades infestadas e pelo aumento da mobilidade humana e da expansão do comércio e turismo internacionais. Atualmente, acredita-se que existam duas linhagens principais do ZIKV: a africana e a asiática/americana. O protótipo da linhagem asiática é a cepa P6-740, isolada na Malásia em 1966, dentro desta linhagem encontram-se as cepas americanas, com isolados no Brasil, Porto Rico, Haiti, Guatemala, Suriname e Colômbia, dentre outros, com homologia superior a 99% em relação à cepa prototípica. Uma característica da variante americana é a sua rápida dispersão consistente com um padrão de intensa diversificação das mesmas. Patogenia e fisiopatologia Seu ciclo reprodutivo é semelhante ao de outros flavivírus. Resumidamente, primeiro o vírion se liga à Página | 5 célula hospedeira através da glicoproteína E, o que induz a endocitose da partícula viral. A seguir, a membrana viral se funde com a membrana do endossoma e o ssRNA do genoma viral é liberado no citoplasma da célula hospedeira. A viremia está presente entre os dias 1 a 4 e a RT-PCR pode ser positiva até o 11 o dia, porém mais frequentemente apenas entre os dias 3 a 7. Dados sobre a patogenia da doença por ZIKV ainda são infrequentes, mas fibroblastos, queratinócitos, células de Langerhans e células dendríticas imaturas da pele são permissivos ao vírus, podendo ser as células inicialmente infectadas. Após replicação nas células cutâneas e nos linfonodos regionais, o ZIKV se dissemina por via linfática e sanguínea para outros tecidos e órgãos, incluindo sistema nervoso central, miocárdio, músculos esqueléticos. Material genético (RNA) do ZIKV já foi detectado no plasma, no sêmen, na urina, na saliva, no líquido cerebroespinal, em secreções vaginais e cervicais e em outros fluidos corpóreos, sugerindo infecção sistêmica e disseminada, podendo atingir o feto através da placenta. A quebra da barreira placentária se dá por placentite crônica, com partículas virais detectadas nas células de Hofbauer e em histiócitos dos espaços entre as vilosidades coriônicas. Transmissão O principal modo de transmissão do ZIKV entre os seres humanos é através da picada de um mosquito fêmea infectada da espécie Aedes. Além dos mosquitos, outros meios de transmissão têm sido sugeridos: a) relações sexuais; b) transfusão de sangue; c) a transmissão perinatal da mãe para o feto. Quadro clínico A infecção por ZIKV tem um período de incubação de 3 a 12 dias, após o qual iniciam-se as manifestações clínicas. Acredita-se que aproximadamente 80% das infecções sejam assintomáticas. Os achados clínicos principais são febre baixa e de curta duração, erupção cutânea maculopapular e pruriginosa, conjuntivite não purulenta, artralgia e edema de pequenas articulações de pés e mãos, cefaleia, mialgia, astenia. Sintomas menos frequentes incluem anorexia, náuseas e vômitos, dores abdominais, diarreia, vertigem e sensação de queimação nas regiões palmo-plantares. Raramente podem ocorrer dor retro-orbital, surdez transitória e zumbidos, além de sangramento subcutâneo. Também raramente pode ocorrer hematospermia, que quando presente está positivamente associada à transmissão sexual do ZIKV. O sintoma principal é a erupção cutânea intensamente pruriginoso, de distribuição centrifuga, originando-se em geral na face e atingindo todo o corpo em poucos dias. Sinal característico é a presença de áreas epiteliais preservadas, sem exantema, que aparecem como zonas esbranquiçadas ao exame. Os sintomas são autolimitados e em geral não perduram por mais de 4 a 7 dias. São incomuns casos que requerem hospitalização grave e as mortes são raras Complicações Manifestações neurológicas no adulto incluem síndrome de Guillain-Barré. Uma condição aguda, caracterizada por polirradiculoneuropatia imunomediada, que ocorre tipicamente após infecções virais ou bacterianas brandas. A função motora é afetada, iniciando-se nas extremidades e progredindo proximalmente em até 4 semanas. Os pacientes apresentam fraqueza generalizada, arreflexia e alterações neurossensoriais e envolvimento de pares cranianos em graus variados. Existem dois subtipos principais, o envolvimento agudo do neurônio motor periférico (AMAN) e a polineuropatia inflamatória desmielinizante aguda (AIDP). A Síndrome de Guillain-Barré ocorre quando o sistema imunológico de uma pessoa ataca a ele próprio, afetando particularmente as células do sistema nervoso. Esse processo pode ser iniciado pela infecção de várias bactérias ou vírus. Os principais sintomas são fraqueza muscular e formigamento (parestesia) nos braços e pernas. Podem ocorrer ainda complicações graves se os músculos respiratórios forem afetados. Os pacientes em estado mais grave precisam de assistência em unidades de terapia intensiva. Manifestações fetais Em relação ao comprometimento fetal, o risco de desenvolver microcefalia é maior no primeiro trimestre gestacional, apesar de presente por toda a gestação. Os achados característicos da infecção congênita por ZIKV incluem dobras cutâneas no crânio, baixo peso ao nascer, poli-hidrâmnio, anasarca e artrogripose. Clinicamente, todos os recém-nascidos apresentam sequelas neurológicas, com retardo mental, sequelas motoras ou alterações auditivas ou visuais. A doença causada pela infecção do vírus Zika é de notificação compulsória, ou seja, todo caso suspeito e/ou confirmado deve ser obrigatoriamente notificado ao Serviço de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Página | 6 Diagnóstico laboratorial inespecífico Os parâmetros bioquímicos e hematológicos são em geral normais, porém alguns pacientes podem apresentar leucopenia com neutropenia, linfocitose com atipias e monocitose transientes. A velocidade de hemossedimentação pode estar aumentada e pode também ocorrer elevação dos níveis de gamaglutamil transferase, desidrogenase láctica, aspartato aminotransferase, ferritina, fibrinogênio e proteína C reativa durante a fase de viremia. A comprovação laboratorial específica fundamenta- se na identificação do ZIKV ou de seus componentes por técnicas diretas ou indiretas. Os principais exames para a confirmação da infecção por ZIKV são isolamento do vírus, testes moleculares (RT-PCR), testes sorológicos (ELISA ou IgM e IgG). Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial das formas sintomáticas inclui qualquer processo infeccioso agudo inespecífico, como infecções respiratórias agudas, infecções intestinais de etiologia viral, hepatites virais, além de outras viroses como dengue, enteroviroses, outras arboviroses ou outras doenças exantemáticas preveníveis por vacinação. Tratamento Não existe tratamento antiviral específico para ZIKV ou outros flavivírus, à exceção do vírus da hepatite C. Assim, o tratamento é sintomático e de suporte geral, dependendo da gravidade do quadro clínico e disfunções ou insuficiências orgânicas presentes (felizmente bastante raras no caso de infecções por ZIKV). Profilaxia, controle e vacinação As medidas profiláticas baseiam-se no combate ao vetor e na proteção da transmissão sexual para as mulheres (particularmentegestantes) pela prática de sexo protegido por pelo menos 28 dias com parceiro que teve a infecção ou esteve em área com circulação ativa do vírus, uma vez que 80% das infecções em adultos podem ser assintomáticas. As medidas de combate ao vetor nas áreas urbanas, resumidamente, consistem na eliminação de criadouros (coleções de águas paradas – latas velhas, pneus, vasos de plantas etc.) e no uso de inseticidas organofosforados, como o temefós, ou biológicos, como o Bacillus thurigiensis israelensis, aplicados aos criadouros de alto rendimento, como cisternas, caixas d’água comunitárias e outros grandes reservatórios. Excepcionalmente, em situações epidêmicas de dengue – ou na eventualidade ainda remota de uma epidemia urbana por febre amarela – técnicas de aspersão ambiental de baixo volume com inseticidas organofosforados de baixa toxicidade, como o uso do Malathion ® em aspersão por ultrabaixo volume (UBV), podem ser adotadas. Chikungunya A chikungunya é uma arbovirose causada pelo vírus chikungunya (CHIKV), da família Togaviridae e do gênero Alphavirus. A viremia persiste por até dez dias após o surgimento das manifestações clínicas. A transmissão se dá através da picada de fêmeas dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus infectadas pelo CHIKV. Casos de transmissão vertical podem ocorrer quase que exclusivamente no intraparto de gestantes virêmicas e, muitas vezes, provoca infecção neonatal grave. Pode ocorrer transmissão por via transfusional, todavia é rara se os protocolos forem observados. Os sinais e sintomas são clinicamente parecidos aos da dengue – febre de início agudo, dores articulares e musculares, cefaleia, náusea, fadiga e exantema. A principal manifestação clínica que a difere são as fortes dores nas articulações, que muitas vezes podem estar acompanhadas de edema. Após a fase inicial a doença pode evoluir em duas etapas subsequentes: fase subaguda e crônica. A chikungunya tem caráter epidêmico com elevada taxa de morbidade associada à artralgia persistente, tendo como consequência a redução da produtividade e da qualidade de vida. O nome chikungunya deriva de uma palavra em Makonde, língua falada por um grupo que vive no sudeste da Tanzânia e norte de Moçambique. Significa “aqueles que se dobram”, descrevendo a aparência encurvada de pessoas que sofrem com a artralgia característica. Quadro clínico O período de incubação intrínseco, que ocorre no ser humano, é em média de três a sete dias (podendo variar de 1 a 12 dias). O extrínseco, que ocorre no vetor, dura em média dez dias. O período de viremia no ser humano pode perdurar por até dez dias e, geralmente, inicia-se dois dias antes da apresentação dos sintomas, podendo perdurar por mais oito dias. A maioria dos indivíduos infectados pelo CHIKV desenvolve sintomas, alguns estudos mostram que até 70% apresentam infecção sintomática. Esses valores são altos e significativos quando comparados às demais arboviroses. Dessa forma, o número de pacientes que necessitarão de atendimento será elevado, gerando sobrecarga nos serviços de saúde. A doença pode evoluir em três fases: aguda, subaguda e crônica. Após o período de incubação Página | 7 inicia-se a fase aguda ou febril, que dura até o 14º dia. Alguns pacientes evoluem com persistência das dores articulares após a fase aguda, caracterizando o início da fase subaguda, com duração de até três meses. Quando a duração dos sintomas persiste além dos três meses atinge a fase crônica. Nestas fases, algumas manifestações clínicas podem variar de acordo com o sexo e a idade. Exantema, vômitos, sangramento e úlceras orais parecem estar mais associados ao sexo feminino. Dor articular, edema e maior duração da febre são mais prevalentes quanto maior a idade do paciente. Na região das Américas, até o momento, a letalidade por chikungunya é menor do que a observada por dengue; entretanto, no Brasil, o número de óbitos por chikungunya é alto, e a letalidade tem se mostrado maior que a observada nas Américas, acredita-se que isso ocorra em razão do número de casos da doença, que pode estar subestimado. Os casos graves e óbitos ocorrem com maior frequência em pacientes com comorbidades e em extremos de idade. Fase aguda ou febril A fase aguda ou febril da doença é caracterizada principalmente por febre de início súbito e surgimento de intensa poliartralgia, geralmente acompanhada de dores nas costas, rash cutâneo (presente em mais de 50% dos casos) cefaleia e fadiga, com duração média de sete dias. A febre pode ser contínua, intermitente ou bifásica, possui curta duração, porém a queda de temperatura não é associada à piora dos sintomas como na dengue. Ocasionalmente, pode ser associada a uma bradicardia relativa. A poliartralgia tem sido descrita em mais de 90% dos pacientes com chikungunya na fase aguda. Essa dor normalmente é poliarticular, bilateral e simétrica, mas pode haver assimetria. Acomete grandes e pequenas articulações e abrange com maior frequência as regiões mais distais. Pode haver edema, e este, quando presente, normalmente está associado à tenossinovite. Na fase aguda também tem sido observado dor ligamentar. A mialgia quando presente é, em geral, de intensidade leve a moderada. Lesões articulares de pacientes com chikungunya. Fotos a-b: evolução da mesma paciente no 1º e 5º dias. O exantema normalmente é macular ou maculopapular, acomete cerca de metade dos doentes e surge, normalmente, do segundo ao quinto dia após o início da febre. Atinge principalmente o tronco e as extremidades (incluindo palmas e plantas), podendo atingir a face. O prurido está presente em 25% dos pacientes e pode ser generalizado ou apenas localizado na região palmo-plantar. Outras manifestações cutâneas também têm sido relatadas nesta fase: dermatite esfoliativa, lesões vesículobolhosas, hiperpigmentação, fotossensibilidade, lesões simulando eritema nodoso e úlceras orais. Página | 8 Outros sinais e sintomas descritos na fase aguda de chikungunya são dor retro-ocular, calafrios, conjuntivite sem secreção (hiperemia da conjuntiva observado na fase aguda), faringite, náusea, vômitos, diarreia, dor abdominal e neurite. As manifestações do trato gastrointestinal são mais presentes nas crianças. Pode haver linfoadenomegalias cervical, retroauricular, inguinal associadas. Para os neonatos de mães infectadas há um risco de transmissão vertical de aproximadamente 50% no período intraparto. O recém-nascido é assintomático nos primeiros dias, com surgimento de sintomas a partir do quarto dia (três a sete dias), que incluem a presença de febre, síndrome álgica, recusa da mamada, exantemas, descamação, hiperpigmentação cutânea e edema de extremidades. As formas graves são frequentes nesta faixa etária, como o surgimento de complicações neurológicas, hemorrágicas e acometimento miocárdico (miocardiopatia hipertrófica, disfunção ventricular, pericardite). Os quadros neurológicos, também reconhecidos como sinal de gravidade nesta faixa etária, incluem meningoencefalites, edema cerebral, hemorragia intracraniana, convulsões e encefalopatias. Fase subaguda Durante esta fase a febre normalmente desaparece, podendo haver persistência ou agravamento da artralgia, incluindo poliartrite distal, exacerbação da dor articular nas regiões previamente acometidas na primeira fase e tenossinovite hipertrófica subaguda em mãos, mais frequentemente nas falanges, punhos e tornozelos. Síndrome do túnel do carpo pode ocorrer como consequência da tenossinovite hipertrófica (sendo muito frequente nas fases subaguda e crônica). O comprometimento articular costuma ser acompanhado por edema de intensidade variável. Há relatos de recorrência da febre. Podem estar presentestambém, nesta fase, astenia, recorrência do prurido generalizado e exantema maculopapular, além do surgimento de lesões purpúricas, vesiculares e bolhosas. Alguns pacientes podem desenvolver doença vascular periférica, fadiga e sintomas depressivos. Caso os sintomas persistam por mais de três meses, após o início da doença, estará instalada a fase crônica. Fase crônica Após a fase subaguda, alguns pacientes poderão ter persistência dos sintomas, principalmente dor articular e musculoesquelética e neuropática, sendo esta última muito frequente nesta fase. As manifestações têm comportamento flutuante. A prevalência da fase crônica é muito variável entre os estudos, podendo atingir mais da metade dos pacientes. Os principais fatores de risco para a cronificação são: idade acima de 45 anos, significativamente maior no sexo feminino, desordem articular preexistente e maior intensidade das lesões articulares na fase aguda. O sintoma mais comum nesta fase crônica é o acometimento articular persistente ou recidivante nas mesmas articulações atingidas durante a fase aguda, caracterizado por dor com ou sem edema, limitação de movimento, deformidade e ausência de eritema. Normalmente, o acometimento é poliarticular e simétrico, mas pode ser assimétrico e monoarticular. Também há relatos de dores nas regiões sacroilíaca, lombossacra e cervical. Ocasionalmente, articulações incomuns como temporomandibulares (dor a movimentação mandibular) e esternoclaviculares estão acometidas. Em frequência razoável são vistas manifestações decorrentes da síndrome do túnel do carpo, tais como dormência e formigamento das áreas inervadas pelo nervo mediano. Alguns pacientes poderão evoluir com artropatia destrutiva semelhante à artrite psoriática ou reumatoide. Outras manifestações descritas durante a fase crônica são: fadiga, cefaleia, prurido, alopecia, exantema, bursite, tenossinovite, disestesias, parestesias, dor neuropática, fenômeno de Raynaud, alterações cerebelares, distúrbios do sono, alterações da memória, déficit de atenção, alterações do humor, turvação visual e depressão. Alguns trabalhos descrevem que esta fase pode durar até três anos, outros fazem menção a seis anos de duração. Todo paciente que apresentar sinais clínicos e/ou laboratoriais em que há necessidade de internação em terapia intensiva ou risco de morte deve ser considerado como forma grave da doença. Página | 9 As formas graves da infecção pelo CHIKV acometem, com maior frequência, pacientes com comorbidades (história de convulsão febril, diabetes, asma, insuficiência cardíaca, alcoolismo, doenças reumatológicas, anemia falciforme, talassemia e hipertensão arterial sistêmica), crianças, pacientes com idade acima de 65 anos e aqueles que estão em uso de alguns fármacos (aspirina, anti-inflamatórios e paracetamol em altas doses). As manifestações atípicas e os cofatores listados anteriormente estão associados ao maior risco de evolução para óbito. Gestantes A infecção pelo CHIKV, no período gestacional, não está relacionada a efeitos teratogênicos, e há raros relatos de abortamento espontâneo. Mães que adquirem chikungunya no período intraparto podem transmitir o vírus a recém-nascidos por via transplacentária. A taxa de transmissão, neste período, pode chegar a aproximadamente 50%, destes, cerca de 90% podem evoluir para formas graves. Não há evidências de que a cesariana altere o risco de transmissão. O vírus não é transmitido pelo aleitamento materno. É importante o acompanhamento diário das gestantes com suspeita de chikungunya, e caso sejam verificadas situações que indiquem risco de sofrimento fetal ou viremia próxima ao período do parto, é necessário o acompanhamento em leito de internação. Exames Laboratoriais As alterações laboratoriais de chikungunya, durante a fase aguda, são inespecíficas. Leucopenia com linfopenia menor que 1.000 cels/mm3 é a observação mais frequente. A trombocitopenia inferior a 100.000 cels/mm3 é rara. A velocidade de hemossedimentação e a Proteína C-Reativa encontram-se geralmente elevadas, podendo permanecer assim por algumas semanas. Outras alterações podem ser detectadas como elevação discreta das enzimas hepáticas, da creatinina e da creatinofosfoquinase (CPK). Considerando a necessidade de prescrição de corticoides e anti-inflamatórios não esteroides (Aine) na fase subaguda, os seguintes exames devem ser solicitados: ureia, creatinina, aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), glicemia de jejum e hemograma. Na fase crônica é importante avaliar o paciente antes da introdução do metotrexato e da hidroxicoloroquina, nesta fase os seguintes exames são necessários: AgHBs, HBsAg, anti-HCV, anti-HIV, anti-CMV, toxoplasmose e Rx de tórax, entre outros. Diagnóstico laboratorial específico Em regiões onde ocorrem epidemias por outros arbovírus, com sinais e sintomas semelhantes aos apresentados durante a infecção pelo vírus chikungunya, o diagnóstico especifico é importante, especialmente em casos nos quais a conduta terapêutica deve ser diferenciada. O diagnóstico laboratorial da infecção pelo CHIKV pode ser realizado de forma direta, por meio do isolamento viral e da pesquisa do RNA viral em diferentes amostras clínicas (RT-PCR), ou de forma indireta por intermédio da pesquisa de anticorpos específicos. Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial de chikungunya é feito com outras doenças febris agudas associadas à artralgia. O clínico deve estar atento para causas potencialmente fatais e que exijam conduta medicamentosa específica imediata, como artrite séptica. Na epidemiologia atual, o principal diagnóstico diferencial, durante a fase aguda, é a dengue. Página | 10 Fisiopatologia As fortes dores articulares estão associadas às células infectadas nas juntas, especialmente, fibroblastos, enquanto células satélites musculares respondem pelas mialgias intensas. Várias citocinas estão com níveis séricos elevados, sendo as mais comumente relatadas o TNF e INF-γ. Estudos experimentais em camundongos têm mostrado que tecidos sinoviais mantém infecção persistente por vírus chikungunya de macrófagos perivasculares, o que resulta em hiperplasia de fibroblastos e ativação de células NK, linfócitos CD4+, mas curiosamente muito poucas células CD8+. Esse quadro resulta em ativação de diversas citocinas, sendo que a artralgia persistente tem sido imputada em níveis elevados do IL6 e do fator estimulante de crescimento de macrófagos. Ocasionalmente têm sido relatadas lesões erosivas das articulações. Manejo Clínico O manejo do paciente com suspeita de chikungunya é diferenciado de acordo com a fase da doença: aguda, subaguda ou crônica. Sistemas de acolhimento com classificação de risco devem ser implantados nos diferentes níveis de atenção para facilitar o fluxo adequado dos pacientes durante um surto. A triagem deve estar atenta para a identificação da presença dos sinais de gravidade, dos critérios de internação e dos grupos de risco. Também deve estar atenta ao diagnóstico diferencial de dengue, malária e de outras doenças, além da presença de sinais de gravidade dessas doenças que podem exigir uso de protocolos específicos e encaminhamento às unidades de referência. Sinais de gravidade devem ser pesquisados em todo paciente com chikungunya e podem surgir nas fases aguda e subaguda. • Acometimento neurológico: sinais ou sintomas que possam indicar acometimento neurológico, incluindo irritabilidade, sonolência, dor de cabeça intensa e persistente, crises convulsivas e déficit de força (déficit de força pode estar relacionado também a miosite). • Dor torácica, palpitações e arritmias (taquicardia, bradicardia ou outras arritmias). • Dispneia,que pode significar acometimento cardíaco ou pulmonar por pneumonite ou decorrente de embolia secundária a trombose venosa profunda em pacientes com artralgia, edema e imobilidade significativa. • Redução de diurese ou elevação abrupta de ureia e creatinina. • Sinais de choque, instabilidade hemodinâmica. • Vômitos persistentes. • Sangramento de mucosas. • Descompensação de doença de base Dengue A dengue é uma doença febril aguda, de etiologia viral e de evolução benigna na forma clássica, e grave quando se apresenta na forma hemorrágica. A dengue é, hoje, a mais importante arbovirose (doença transmitida por artrópodes) que afeta o homem e constitui-se em sério problema de saúde pública no mundo, especialmente nos países tropicais, onde as condições do meio ambiente favorecem o desenvolvimento e a proliferação do Aedes aegypti, principal mosquito vetor. Apenas a fêmea do mosquito (gênero Aedes) realiza a transmissão da doença devido hematofagia (alimenta-se de sangue). Para completar o ciclo de transmissão da doença, a fêmea do mosquito deve ingerir o vírus encontrado no sangue de um paciente durante a fase aguda, e o vírus deve ser capaz de se replicar no organismo do mosquito e migrar para as glândulas salivares, para então ser inoculado em indivíduo suscetível e nele induzir a doença. Os vetores são mosquitos do gênero Aedes. Nas Américas, a espécie Aedes aegypti é a responsável pela transmissão da dengue. Outra espécie, Aedes albopictus, embora presente no Brasil, ainda não tem comprovada sua participação na transmissão, embora na Ásia seja um importante vetor. Estrutura viral Os vírus dengue (DENV) é um arbovírus do gênero Flavivírus, pertencente à família Flaviviridae, sorologicamente classificados, com base em ensaios de neutralização, em quatro sorotipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. A. Estrutura do genoma e elementos do RNA viral. B. Processamento da poliproteína e produtos de clivagem. O genoma de RNA senso positivo codifica Página | 11 para uma poliproteína que, quando clivada, produz dez proteínas: sendo três estruturais (C, M, e E) e sete não estruturais (NS1, NS2A, NS2B, NS3, NS4A, NS4B e NS5). Dentre as proteínas estruturais, a glicoproteína E do envelope desempenha papel central na produção de anticorpos neutralizantes e indução da resposta imune do hospedeiro. A proteína E também é responsável por mediar a fase inicial da infecção, caracterizada pela ligação ao receptor ou moléculas de superfície da célula hospedeira, assim como a fusão com a membrana celular. Dentre as sete proteínas não estruturais (NS1 a NS5), alguns papéis já se encontram bem definidos. A NS1 tem sido a mais extensamente estudada, sabendo-se até o momento que participa do processo de maturação viral e pode ser encontrada: residindo no retículo endoplasmático (RE), colocalizando com o complexo de replicação viral; ancorada na superfície da célula hospedeira e no meio extracelular (sNS1), após sua secreção. As infecções por DENV induzem anticorpos anti-NS1 fixadores do complemento contra epítopos tipo-específicos e grupo-específicos, alguns dos quais têm atividade protetora. Acredita-se que a proteína NS1, assim como a proteína E, seja alvo importante durante a indução da imunidade humoral, podendo desempenhar papel significativo na patogênese da doença. Níveis elevados dessa proteína detectados no início da doença têm sido associados ao desenvolvimento das formas graves da doença com a febre hemorrágica da dengue (FHD). Pela sua secreção no meio extracelular, esta proteína tem sido pesquisada recentemente no diagnóstico da dengue durante a fase aguda da doença. O conhecimento das proteínas que constituem a estrutura viral e seus genes codificadores é importante para a compreensão da fisiopatologia das formas graves da dengue e das estratégias de diagnóstico, seja pela detecção da proteína NS1, seja pela detecção do material genético viral. Período de transmissão e incubação A transmissão se faz pela picada do Aedes aegypti, no ciclo homem - Aedes aegypti - homem. Após um repasto de sangue infectado, o mosquito fica apto a transmitir o vírus, depois de 8 a 12 dias de incubação. A transmissão mecânica também é possível, quando o repasto é interrompido e o mosquito, imediatamente, se alimenta num hospedeiro suscetível próximo. Não há transmissão por contato direto de um doente ou de suas secreções com uma pessoa sadia, nem de fontes de água ou alimento. Seu período de incubação varia de 3 a 15 dias, sendo, em média, de 5 a 6 dias. A transmissão ocorre enquanto houver presença de vírus no sangue do homem (período de viremia). Este período começa um dia antes do aparecimento da febre e vai até o 6º dia da doença. Suscetibilidade e Imunidade A suscetibilidade ao vírus da dengue é universal. A imunidade é permanente para um mesmo sorotipo (homóloga). Entretanto, a imunidade cruzada (heteróloga) existe temporariamente. A fisiopatogenia da resposta imunológica à infecção aguda por dengue pode ser primária e secundária. A resposta primária se dá em pessoas não expostas anteriormente ao flavivírus e o título de anticorpos se eleva lentamente. A resposta secundária se dá em pessoas com infecção aguda por dengue, mas que tiverem infecção prévia por flavivírus e o título de anticorpos se eleva rapidamente em níveis bastante altos. Espectro clínico A infecção pelo vírus dengue pode ser assintomática ou sintomática. Quando sintomática, causa uma doença sistêmica e dinâmica de amplo espectro clínico, variando desde formas oligossintomáticas até quadros graves, podendo evoluir para o óbito. Três fases clínicas podem ocorrer: febril, crítica e de recuperação. Fase febril A primeira manifestação é a febre que tem duração de dois a sete dias, geralmente alta (39ºC a 40ºC), de início abrupto, associada à cefaleia, à adinamia, às mialgias, às artralgias e a dor retroorbitária. O exantema está presente em 50% dos casos, é predominantemente do tipo máculo-papular, atingindo face, tronco e membros de forma aditiva, não poupando plantas de pés e palmas de mãos, podendo apresentar-se sob outras formas com ou sem prurido, frequentemente no desaparecimento da febre. Anorexia, náuseas e vômitos podem estar presentes. A diarreia está presente em percentual significativo dos casos, habitualmente não é volumosa, cursando apenas com fezes pastosas numa frequência de três a quatro evacuações por dia, o que facilita o diagnóstico diferencial com gastroenterites de outras causas. Após a fase febril, grande parte dos pacientes recupera-se gradativamente com melhora do estado geral e retorno do apetite. Página | 12 Fase crítica Esta fase pode estar presente em alguns pacientes, podendo evoluir para as formas graves e, por esta razão, medidas diferenciadas de manejo clínico e observação devem ser adotadas imediatamente. Tem início com a defervescência da febre, entre o terceiro e o sétimo dia do início da doença, acompanhada do surgimento dos sinais de alarme. Dengue com sinais de alarme Os sinais de alarme devem ser rotineiramente pesquisados e valorizados, bem como os pacientes devem ser orientados a procurar a assistência médica na ocorrência deles. A maioria dos sinais de alarme é resultante do aumento da permeabilidade vascular, a qual marca o início do deterioramento clínico do paciente e sua possível evolução para o choque por extravasamento de plasma. Notificação: por ser uma doença de notificação compulsória, todo caso suspeito deve ser comunicado, pela via mais rápida, ao Serviço de Vigilância Epidemiológica mais próximo. Diagnóstico diferencial Devido às características da dengue, pode-se destacar seu diagnóstico diferencial em síndromes clínicas: a) Síndrome febril:enteroviroses, influenza e outras viroses respiratórias, hepatites virais, malária, febre tifoide, chikungunya e outras arboviroses (oropouche, zika). b) Síndrome exantemática febril: rubéola, sarampo, escarlatina, eritema infeccioso, exantema súbito, enteroviroses, mononucleose infecciosa, parvovirose, citomegalovirose, outras arboviroses (mayaro), farmacodermias, doença de Kawasaki, doença de Henoch-Schonlein, chikungunya, zika etc. c) Síndrome hemorrágica febril: hantavirose, febre amarela, leptospirose, malária grave, riquetsioses e púrpuras. d) Síndrome dolorosa abdominal: apendicite, obstrução intestinal, abscesso hepático, abdome agudo, pneumonia, infecção urinária, colecistite aguda etc. e) Síndrome do choque: meningococcemia, septicemia, meningite por influenza tipo B, febre purpúrica brasileira, síndrome do choque tóxico e choque cardiogênico (miocardites). f) Síndrome meníngea: meningites virais, meningite bacteriana e encefalite. No atual cenário epidemiológico do Brasil, com confirmação de casos autóctones de chikungunya a partir de 2014 e de infecções pelo vírus zika em 2015, algumas particularidades a respeito do diagnóstico diferencial entre dengue e estas doenças merecem destaque. Durante os primeiros dias de enfermidade, quando é quase impossível diferenciar dengue de outras viroses, recomenda-se a adoção de medidas para manejo clínico de dengue contido neste protocolo, uma vez que esse agravo apresenta elevado potencial de complicações e morte quando comparado à zika e chikungunya. Classificação de risco A classificação de risco do paciente com dengue visa reduzir o tempo de espera no serviço de saúde. Para essa classificação, foram utilizados os critérios da Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde e o estadiamento da doença. Os dados de anamnese e exame físico serão usados para fazer esse estadiamento e para orientar as medidas terapêuticas cabíveis. Página | 13 O manejo adequado dos pacientes depende do reconhecimento precoce dos sinais de alarme, do contínuo acompanhamento, do reestadiamento dos casos (dinâmico e contínuo) e da pronta reposição volêmica. Com isso, torna-se necessária a revisão da história clínica, acompanhada de exame físico completo a cada reavaliação do paciente. Caso suspeito de dengue Pessoa que viva em área onde se registram casos de dengue, ou que tenha viajado nos últimos 14 dias para área com ocorrência de transmissão de dengue (ou presença de Ae. aegypti). Deve apresentar febre, usualmente entre dois e sete dias, e duas ou mais das seguintes manifestações: • Náusea, vômitos. • Exantema. • Mialgias, artralgia. • Cefaleia, dor retro-orbital. • Petéquias. • Prova do laço positiva. • Leucopenia. Também pode ser considerado caso suspeito toda criança proveniente de (ou residente em) área com transmissão de dengue, com quadro febril agudo, usualmente entre dois e sete dias, e sem foco de infecção aparente. Confirmação laboratorial - Métodos indicados: a) Sorologia - Método Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (ELISA). Deve ser solicitada a partir do sexto dia do início dos sintomas. b) Detecção de antígenos virais - NS1, isolamento viral, RT-PCR e imunohistoquímica. Devem ser solicitados até o quinto dia do início dos sintomas. Se positivos confirmam o caso; se negativos, uma nova amostra para sorologia IgM deve ser realizada para confirmação ou descarte. Critérios de alta hospitalar Os pacientes precisam preencher todos os seis critérios a seguir: • Estabilização hemodinâmica durante 48 horas. • Ausência de febre por 48 horas. • Melhora visível do quadro clínico. • Hematócrito normal e estável por 24 horas. • Plaquetas em elevação e acima de 50.000/mm³. Referências • Salomão – Bases da Infectologia; • Ministério da Saúde – Dengue Aspectos Epidemiológicos, Diagnóstico e Tratamento, 2022; • Ministério da Saúde – Febre Amarela Guia para Profissionais da Saúde, 2017; • Associação Médica Brasileira – Zika vírus, 2016; • Ministério da saúde – Chikungunya: manejo clínico, 2017. 2) DIFERENCIAR AS FEBRES HEMORRÁGICAS BACTERIANAS (LEPTOSPIROSE, MENINGOCOCCEMIA) E VIRAIS (ARBOVIROSES E HANTAVÍRUS). Hantaviroses Hantaviroses são antropozoonoses emergentes causadas por várias espécies de hantavírus e transmitidas principalmente por roedores silvestres, que causam doenças em humanos sob variadas formas clínicas. A hantavirose se apresenta sob duas síndromes distintas: febre hemorrágica com síndrome renal (FHRH), endêmica na Europa e Ásia; e síndrome cardiopulmonar por hantavírus (SCPH), restrita às Américas. No Brasil, os primeiros casos foram descritos em 1993 e se espalham por todo o país, prevalecendo em três dos seis grandes biomas brasileiros – Cerrado, Mata Atlântica e Floresta Amazônica – e em áreas de transição entre estes biomas. Os hantavírus são mantidos na natureza pela infecção crônica de roedores e outros pequenos mamíferos que se comportam como reservatórios. São transmitidos ao homem pelo contato com excretas de animais infectados ou por aerossóis em locais onde o vírus é eliminado por saliva, fezes e urina dos animais infectados. Ratos do gênero Apodemus excretam o vírus na saliva e nas fezes por um mês, bem como na urina por, pelo menos, 12 meses. Se o paciente com suspeita de SCPH encontra-se em uma unidade ambulatorial ou de baixa complexidade, deve ser removido o mais brevemente possível para um hospital que disponha de UTI, em unidade de suporte avançado de vida (UTI móvel) e com médico habilitado. Página | 14 Quadro clínico A SCPH em sua forma clássica pode evoluir em quatro fases distintas: prodrômica, cardiopulmonar, diurética e de convalescença. Constituem sinais de alarme preditivos de gravidade: • leucocitúria; • elevação do hematócrito; • tempo parcial de tromboplastina; • desidrogenase láctica; • hemorragias. Alguns pacientes têm regressão do quadro ao final da fase prodrômica; outros evoluem para a segunda fase, a cardiopulmonar, quando surgem tosse não produtiva, taquidispneia, taquicardia e hipoxemia. O quadro pode, então, evoluir para alterações hemodinâmicas, edema pulmonar de origem não cardíaca, derrame pleural, hipotensão arterial e rápida evolução ao choque e ao óbito nos primeiros 4 a 6 dias. A radiografia de tórax mostra infiltrado intersticial difuso bilateral e, eventualmente, edema alveolar nos hilos e nas bases pulmonares; a área cardíaca é normal. Fisiopatologia A principal característica da SCPH é o edema pulmonar não cardiogênico, cuja explicação mais provável é um aumento da permeabilidade dos capilares pulmonares. O exame imuno-histoquímico mostrou ampla distribuição do antígeno nas células endoteliais, nos pulmões, nos rins, no coração, no pâncreas, nos nódulos linfáticos, no músculo esquelético, no intestino, nas glândulas suprarrenais, no tecido adiposo, na bexiga e no cérebro. A extensão de envolvimento endotelial pulmonar é considerável. Assim, o órgão-alvo principal, na SCPH, é o pulmão. As características histopatológicas pulmonares foram semelhantes na maioria dos casos fatais de SCPH estudados e consistiram em uma pneumonite intersticial com infiltrado variável de células mononucleares, edema e membranas hialinas focais. Em quatro casos, observaram-se alterações difusas nos alvéolos. Na SCPH, os achados anatomopatológicos basicamente limitam-se aos pulmões, podendo ser encontrados, em menor escala, no baço, no fígado e nos nódulos linfáticos. Macroscopicamente, os pulmões apresentam-se densos, semelhantes à borracha e pesados, podendo atingir duas vezes o peso de um normal. Podem ser encontrados flutuando em fluidos dentro da cavidade pleural. Achados macroscópicos mostram dilataçãocapilar, edema endotelial, presença de infiltrado intersticial linfocitário, edema alveolar difuso e de membranas hialinas. No baço, no fígado e nos linfonodos pode ser vista a presença de imunoblastos nas regiões periarteriolares. No fígado pode, ainda, haver necrose centrolobular. Na FHSR, primordialmente, o endotélio vascular é afetado, resultando em permeabilidade vascular anormal, vasodilatação, transudação de fluido, edema perivascular e hemorragias. O epitélio tubular e o tecido intersticial renal apresentam alterações profundas; o rim fica edemaciado e congestionado. A patogênese de lesão vascular, especialmente a capilar, é desconhecida. Há infecção precoce do endotélio vascular, levando a supor que o aumento da permeabilidade vascular seja um resultado secundário dessa infecção. Contrastando com o descrito na FHSR, os pacientes com SCPH tiveram menor envolvimento renal e raras manifestações hemorrágicas, acompanhando os achados pulmonares predominantes. Na FHSR, os rins são os mais afetados, encontrando- se aumentados de volume e edematosos. As lesões ocorrem em vários órgãos e as mais proeminentes são a dilatação capilar, o edema intersticial, as hemorragias focais e o edema retroperitoneal. As alterações vasculares e as hemorragias são detectadas na pele, na superfície das membranas mucosas, no átrio direito e na glândula pituitária, além de outros órgãos. Os rins apresentam uma congestão medular, compressão dos túbulos renais por eritrócitos e necrose das alças de Henle e dos túbulos coletores. No fígado pode haver, em alguns casos, a presença de necrose focal nos lóbulos hepáticos e, nos pulmões, pode ocorrer edema. Página | 15 Diagnóstico Dificilmente será possível diagnosticar a SCPH ainda na fase prodrômica. Entretanto, deve-se aventar para a possibilidade desse diagnóstico em paciente, previamente saudável, que apresente febre acompanhada de sintomas e sinais de insuficiência respiratória aguda ou edema pulmonar não cardiogênico, na primeira semana da doença. De maneira geral, a hipótese de SCPH deveria ser suspeita em todo paciente febril, que resida, trabalhe ou mantenha atividades em área rural ou silvestre, com neotrofilia e desvio à esquerda, hemoconcentração, trombocitopenia e presença de linfócitos atípicos. As infecções virais que afetam o sistema respiratório apresentam manifestações catarrais desde seu início. Essas manifestações são valiosas para fazer o diagnóstico diferencial da SCPH, como dengue, febre amarela, leptospirose e todas as que se iniciam de forma semelhante à influenza. A semelhança ocorre pela hipertermia de início abrupto, com calafrios, sudorese, mialgias, cefaleia e astenia. → Fisiopatologia meningococcemia e leptospirose Febres hemorrágicas virais e bacterianas As febres hemorrágicas englobam síndromes que variam da doença hemorrágica febril, com fragilidade capilar, ao choque grave agudo. Exibem, todavia, características diferentes quanto a sua etiologia, epidemiologia e patogênese. Apesar da similaridade de certas manifestações sistêmicas e hemorrágicas, observam-se peculiaridades clínicas, que ocorrem por conta das diferenças de tropismo dos agentes etiológicos, pelos diferentes órgãos do hospedeiro. A alteração fisiológica fundamental, observada na maioria dos casos, decorre do extravasamento capilar. Em alguns casos, predominam como na febre amarela e nas hepatites virais, a lesão hepatocelular; na doença por hantavírus, as lesões renais; na leptospirose, a vasculite difusa com destruição endotelial e infiltração inflamatória. As febres hemorrágicas constituem um importante problema de saúde pública, devido à elevada taxa de letalidade associada e o significativo número de pessoas anualmente afetadas. Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial das febres hemorrágicas inclui, neste momento epidemiológico, especialmente, o dengue hemorrágico, a febre amarela, a leptospirose e outras causas. Os dados mais significativos que permitem a diferenciação entre todas estas entidades são: na leptospirose, o antecedente epidemiológico de contato com águas suspeitas, a leucocitose com neutrofilia, o desvio para esquerda e o comprometimento renal; na malária, o antecedente epidemiológico de contato com zona malarígena, a anemia, a curva térmica específica febre, a esplenomegalia e a presença do parasita no sangue. A presença de icterícia requer a diferenciação entre leptospirose, febre amarela, hepatites virais e malária. Os níveis das transaminases estão muito elevados nas hepatites virais e na febre amarela. As hepatites virais podem ser excluídas por intermédio da sorologia para os respectivos vírus. A leptospirose pode ser diferenciada da febre amarela, por apresentar leucocitose com desvio para esquerda e o aumento da velocidade de hemossedimentação. A febre hemorrágica, que apresenta a concomitância de sinais meníngeos, requer a realização de punção liquórica, para afastar meningite meningocóccica. O aparecimento de diarréia, hemorragia gastrintestinal e hepatesplenomegalia é necessária a diferenciação com a febre tifóide e a salmonelose septicêmica prolongada. A febre maculosa deve ser suspeitada, quando ocorrer febre inexplicável em paciente com história de exposição ao carrapato, em área endêmica acompanhada de lesos purpúricas disseminadas. O acometimento renal com proteinúria maciça deve considerar o diagnóstico da síndrome renal causada pela hantavirose. Página | 16 As febres hemorrágicas incluem síndromes que vão desde uma doença hemorrágica febril, com fragilidade capilar, até a ocorrência de choque agudo grave, levando rapidamente à morte. O manejo do paciente com febre hemorrágica não deve ser postergado com a espera de um diagnóstico etiológico. É importante a terapia de suporte em todos os casos, incluindo atenção para o equilíbrio hidroeletrolítico e correção das anormalidades de coagulação. Referências • Veronesi – Tratado de Infectologia; • Ministério da Saúde – Manual de vigilância, prevenção e controle das hantaviroses, 2022; • Bacon, J et al. – Revista Médica de Minas Gerais: Febres hemorrágicas, 2008. 3) IDENTIFICAR OS SINAIS DE GRAVIDADE PARA AS DOENÇAS FEBRIS AGUDAS. 4) ESTUDAR A FISIOPATOLOGIA, DIAGNOSTICO E MANEJO INICIAL DA DENGUE GRAVE (SUA CLASSIFICAÇÃO). A suscetibilidade em relação à Febre Hemorrágica da Dengue (FHD) não está totalmente esclarecida. Teorias - Febre Hemorrágica da Dengue 1. Relaciona o aparecimento de FHD à virulência da cepa infectante, de modo que as formas mais graves sejam resultantes de cepas extremamente virulentas. 2. Na Teoria de Halstead, a FHD se relaciona com infecções seqüenciais por diferentes sorotipos do vírus da dengue, num período de 3 meses a 5 anos. Nessa teoria, a resposta imunológica na segunda infecção é exacerbada, o que resulta numa forma mais grave da doença. 3. Uma hipótese integral de multicausalidade tem sido proposta por autores cubanos, segundo a qual se aliam vários fatores de risco às teorias de Halstead e da virulência da cepa. A interação desses fatores de risco promoveria condições para a ocorrência da FHD. Fisiopatologia Independentemente do mecanismo fisiopatológico responsável pelas formas mais graves da dengue, existem evidências de que há profundo desarranjo na homeostase das citocinas que governam a resposta imune induzida pela infecção pelos vírus dengue. Alguns estudos mostram que nas formas brandas da doença há resposta predominantemente do tipo Th1, e nos casos graves do padrão Th2, com níveis aumentados de interleucina (IL)-4, IL-6 e IL-10, e níveis reduzidos de IFN-γ e IL-12 nos pacientes graves. A supressão da resposta Th1 estaria relacionada à imunoamplificação (ou amplificaçãoda infecção mediada por anticorpos) a partir da infecção heterotípica e à supressão da produção de IFN-γ. As manifestações hemorrágicas na dengue são causadas por alterações vasculares, plaquetopenia e coagulopatia de consumo, devendo ser investigadas clínica e laboratorialmente, com prova do laço, TAP, TTPA, plaquetometria, produto de degradação da fibrina, fibrinogênio e D-dímero. O estado prolongado de hipovolemia está associado com frequência aos sangramentos importantes. A reposição volêmica precoce e adequada é um fator determinante para a prevenção de fenômenos hemorrágicos, principalmente ligados a coagulopatia de consumo. Dengue grave As formas graves da doença podem manifestar-se com extravasamento de plasma, levando ao choque ou acúmulo de líquidos com desconforto respiratório, sangramento grave ou sinais de disfunção orgânica como o coração, os pulmões, os rins, o fígado e o sistema nervoso central (SNC). O quadro clínico é semelhante ao observado no comprometimento desses órgãos por outras causas. Derrame pleural e ascite podem ser clinicamente detectáveis, em função da intensidade do extravasamento e da quantidade excessiva de fluidos infundidos. O extravasamento plasmático também pode ser percebido pelo aumento do hematócrito, Página | 17 quanto maior sua elevação maior será a gravidade, pela redução dos níveis de albumina e por exames de imagem. Choque O choque ocorre quando um volume crítico de plasma é perdido através do extravasamento, o que geralmente ocorre entre os dias quatro ou cinco (com intervalo entre três a sete dias) de doença, geralmente precedido por sinais de alarme. O período de extravasamento plasmático e choque leva de 24 a 48 horas, devendo a equipe assistencial estar atenta à rápida mudança das alterações hemodinâmicas. O choque na dengue é de rápida instalação e tem curta duração. Podendo levar o paciente ao óbito em um intervalo de 12 a 24 horas ou a sua recuperação rápida, após terapia antichoque apropriada. O choque prolongado e a consequente hipoperfusão de órgãos resulta no comprometimento progressivo destes, bem como em acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada. Isso, por sua vez, pode levar a hemorragias graves, causando diminuição de hematócrito agravando ainda mais o choque. Podem ocorrer alterações cardíacas graves (insuficiência cardíaca e miocardite), manifestando-se com redução de fração de ejeção e choque cardiogênico. Síndrome da angústia respiratória, pneumonites e sobrecargas de volume podem ser a causa do desconforto respiratório. Hemorragias grave Em alguns casos pode ocorrer hemorragia massiva sem choque prolongado e este sangramento massivo é critério de dengue grave. Este tipo de hemorragia, quando é do aparelho digestivo, é mais frequente em pacientes com histórico de úlcera péptica ou gastrites, assim como também pode ocorrer devido a ingestão de ácido acetil salicílico (AAS), anti-inflamatórios não esteroides (Aines) e anticoagulantes. Estes casos não estão obrigatoriamente associados à trombocitopenia e hemoconcentração. Disfunções graves de órgãos O grave comprometimento orgânico, como hepatites, encefalites ou miorcardites pode ocorrer sem o concomitante extravasamento plasmático ou choque. As miocardites por dengue são expressas principalmente por alterações do ritmo cardíaco (taquicardias e bradicardias), inversão da onda T e do segmento ST com disfunções ventriculares (diminuição da fração da ejeção do ventrículo esquerdo), podendo ter elevação das enzimas cardíacas. Elevação de enzimas hepáticas de pequena monta ocorre em até 50% dos pacientes, podendo nas formas graves evoluir para comprometimento severo das funções hepáticas expressas pelo acréscimo das aminotransferases em 10 vezes o valor máximo normal, associado à elevação do valor do tempo de protrombina. Alguns pacientes podem ainda apresentar manifestações neurológicas, como convulsões e irritabilidade. O acometimento grave do sistema nervoso pode ocorrer no período febril ou, mais tardiamente, na convalescença e tem sido relatado com diferentes formas clínicas: meningite linfomonocítica, encefalite, síndrome de Reye, polirradiculoneurite, polineuropatias (síndrome de Guillain-Barré) e encefalite. A insuficiência renal aguda é pouco frequente e geralmente cursa com pior prognóstico. Fase de recuperação Nos pacientes que passaram pela fase crítica haverá reabsorção gradual do conteúdo extravasado com progressiva melhora clínica. É importante estar atento às possíveis complicações relacionadas à hiper- hidratação. Nesta fase o débito urinário se normaliza ou aumenta, podem ocorrer ainda bradicardia e mudanças no eletrocardiograma. Alguns pacientes podem apresentar um rash cutâneo acompanhado ou não de prurido generalizado. Infecções bacterianas poderão ser percebidas nesta fase ou ainda no final do curso clínico. Tais infecções em determinados pacientes podem ter um caráter grave, contribuindo para o óbito. Estadiamento clínico e conduta → Grupo A a) Caso suspeito de dengue. b) Ausência de sinais de alarme. c) Sem comorbidades, grupo de risco ou condições clínicas especiais. Página | 18 → Grupo B a) Caso suspeito de dengue. b) Ausência de sinais de alarme. c) Com sangramento espontâneo de pele (petéquias) ou induzido (prova do laço positiva). d) Condições clínicas especiais e/ou de risco social ou comorbidades (lactentes – menores de 2 anos –, gestantes, adultos com idade acima de 65 anos, hipertensão arterial ou outras doenças cardiovasculares graves, diabetes mellitus, doença pulmonar obstrutiva crônica (Dpoc), doenças hematológicas crônicas (principalmente anemia falciforme e púrpuras), doença renal crônica, doença ácido péptica, hepatopatias e doenças autoimunes). → Grupo C a) Caso suspeito de dengue. b) Presença de algum sinal de alarme: • Dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua. • Vômitos persistentes. • Acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico). • Hipotensão postural e/ou lipotímia. • Hepatomegalia maior do que 2 cm abaixo do rebordo costal. • Sangramento de mucosa. • Letargia e/ou irritabilidade. • Aumento progressivo do hematócrito. → Grupo D a) Caso suspeito de dengue. b) Presença de sinais de choque, sangramento grave ou disfunção grave de órgãos. Indicações para internação hospitalar: a) Presença de sinais de alarme ou de choque, sangramento grave ou comprometimento grave de órgão (grupos C e D). b) Recusa na ingestão de alimentos e líquidos. c) Comprometimento respiratório: dor torácica, dificuldade respiratória, diminuição do murmúrio vesicular ou outros sinais de gravidade. d) Impossibilidade de seguimento ou retorno à unidade de saúde. e) Comorbidades descompensadas como diabetes mellitus, hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, uso de dicumarínicos, crise asmática etc. f) Outras situações a critério clínico. Página | 19 Óbito por dengue É considerado óbito por dengue, todo paciente que cumpra os critérios da definição de caso suspeito ou confirmado que morreu como consequência da dengue. Quanto a pacientes com dengue e comorbidades que evoluírem para óbito durante o curso da doença, a causa básica do óbito dever ser considerada a dengue. Choque refratário grave, coagulação intravascular disseminada (CIVD), síndrome do desconforto respiratório do adulto (SDRA), insuficiência hepática, insuficiência cardíaca, encefalite, meningite, síndrome da disfunção múltipla de órgãos (SDMO) podem levar ao óbito por dengue. Atenção especial deve serdada à síndrome hemofagocítica, uma complicação de falência multiorgânica, causada por reação hiperimune e progressiva citopenia; o tratamento recomendado inclui imunomodulação (corticoide, imunoglobulina, imunoquimioterapia) e plasmaférese, que são medidas salvadoras. No entanto, os óbitos por dengue são na sua maioria evitáveis com a adoção de medidas de baixa densidade tecnológica. Exames laboratoriais inespecíficos – FHD Hemograma: a contagem de leucócitos é variável, podendo ocorrer desde leucopenia até leucocitose leve. A linfocitose com atipia linfocitária é um achado comum. Destacam-se a concentração de hematócrito e a trombocitopenia (contagem de plaquetas abaixo de 100.000/mm3). Hemoconcentração: aumento de hematócrito em 20% do valor basal (valor do hematócrito anterior à doença) ou valores superiores a 38% em crianças, a 40% em mulheres e a 45% em homens). Trombocitopenia: contagem de plaquetas abaixo de 100.000/mm3. Coagulograma: aumento nos tempos de protrombina, tromboplastina parcial e trombina. Diminuição de fibrinogênio, protrombina, fator VIII, fator XII, antitrombina e α antiplasmina. Bioquímica: diminuição da albumina no sangue, albuminúria e discreto aumento dos testes de função hepática: aminotransferase aspartato sérica (conhecida anteriormente por transaminase glutâmico-oxalacética - TGO) e aminotransferase alanina sérica (conhecida anteriormente por transaminase glutâmico pirúvica - TGP). Manejo clínico e tratamento Os pacientes devem ser observados cuidadosamente para identificação dos primeiros sinais de choque. O período crítico será durante a transição da fase febril para a afebril, que geralmente ocorre após o terceiro dia da doença. Em casos menos graves, quando os vômitos ameaçarem causar desidratação ou acidose, ou houver sinais de hemoconcentração, a reidratação pode ser feita em nível ambulatorial. Sinais de alerta • dor abdominal intensa e contínua; • vômitos persistentes; • hepatomegalia dolorosa; • derrames cavitários; • sangramentos importantes; • hipotensão arterial (PA sistólica 90 mmHg em >5 anos); • diminuição da pressão diferencial (diferença entre PA sistólica e PA diastólica); • hipotensão postural (diferença entre PA sistólica sentado e PA sistólica em pé > 10 mm Hg); • diminuição da diurese; • agitação; • letargia; • pulso rápido e fraco; • extremidades frias; • cianose; • diminuição brusca da temperatura corpórea associada à sudorese profusa; • taquicardia; • lipotimia; e • aumento repentino do hematócrito. Aos primeiros sinais de choque, o paciente deve ser internado imediatamente para correção rápida de volume de líquidos perdidos e da acidose. Durante uma administração rápida de fluidos é particularmente importante estar atento a sinais de insuficiência cardíaca. Referências • Ministério da Saúde – Dengue: diagnóstico e manejo clínico (adulto e criança), 2022; 5) A IMPORTÂNCIA DA EPIDEMIOLOGIA PARA O DIAGNÓSTICO DOS QUADROS FEBRIS COM HEMORRAGIA, EXANTEMA E MIALGIA.
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