Prévia do material em texto
Direitos Humanos Direitos Humanos e saúde mental - Curso permanente Damião Ximenes Lopes Enap, 2023 Fundação Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Desenvolvimento Profissional SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF Fundação Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Desenvolvimento Profissional Conteudista/s Ana Raquel Torres Menezes (Conteudista, 2023). Curso desenvolvido no âmbito da Diretoria de Desenvolvimento Profissional – DDPRO 3Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Sumário Módulo 1 – Introdução ao Direito Internacional dos Direitos Humanos 1. Direitos humanos ................................................................................................ 6 1.1. Conceito de direitos humanos ................................................................................ 6 1.2. Histórico dos direitos humanos ............................................................................ 13 1.3 Direitos humanos e direitos fundamentais ......................................................... 21 2. Dimensões dos direitos humanos .................................................................... 26 2.1. Direitos civis e políticos ........................................................................................... 27 2.2. Direitos econômicos, sociais e culturais ............................................................... 30 3. Sistema ONU de Direitos Humanos e Sistemas Regionais de Direitos Humanos .................................................................................................. 36 3.1. Os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos .............................................. 36 3.2. Sistema ONU de Direitos Humanos ..................................................................... 41 3.3. Sistema Interamericano de Direitos Humanos ................................................... 48 3.4. Sistema Europeu de Direitos Humanos ............................................................... 58 3.5. Conclusão ................................................................................................................. 61 Módulo 2 – Saúde e Direitos Humanos 1. Os três campos de interação entre direitos humanos e saúde ...................63 1.1. Violações dos direitos humanos que resultam em problemas de saúde ........ 65 1.2. Redução da vulnerabilidade no processo saúde-doença por meio dos direitos humanos ............................................................................................................ 69 1.3. Promoção ou violação dos direitos humanos por meio da saúde .................... 72 2. Direito à saúde ................................................................................................... 77 2.1. Direito à saúde: conteúdo, elementos e monitoramento .................................. 77 2.2. Direito à saúde mental ........................................................................................... 87 3. Direitos humanos aplicados às pessoas sob cuidados em saúde ................92 3.1. Direito à privacidade .............................................................................................. 92 3.2. Direito de não ser discriminado ............................................................................ 97 4Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 3.3. Direito de não ser submetido à tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante ............................................................................................. 99 3.4. Direito à liberdade ................................................................................................. 103 3.5. Conclusão ............................................................................................................... 107 Módulo 3 – Direitos humanos aplicados às pessoas sob cuidados em saúde 1. Direitos humanos no contexto da saúde mental.........................................108 1.1. Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU ........................... 109 1.2 Tortura, tratamento desumano e degradante no contexto da saúde mental ........................................................................................................... 121 1.3. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e saúde mental .............................................................................................................. 124 1.4. Quality Rights .......................................................................................................... 131 Módulo 4 – Jurisprudência internacional sobre direitos humanos e saúde mental 1. Relatórios e decisões dos Sistemas ONU, Interamericano e Europeu de Direitos Humanos ................................................................................................ 141 1.1. Relatórios e decisões do Sistema ONU .............................................................. 141 1.2. Relatórios e decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos ..... 156 1.3. Relatórios e decisões do Sistema Europeu de Direitos Humanos ................. 159 1.4. Conclusão ............................................................................................................... 168 2. Casos julgados pelos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos .......170 2.1. Caso Ximenes Lopes ............................................................................................ 170 2.2. Fact Sheet sobre Detenção e Saúde Mental ....................................................... 179 2.3. Conclusão ............................................................................................................... 184 Referências ........................................................................................................... 185 Glossário ............................................................................................................... 196 5Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Olá! Desejamos boas-vindas ao curso Direitos Humanos e saúde mental – Curso permanente Damião Ximenes Lopes. Este curso tem o objetivo de apresentar os princípios e as normas de direitos humanos que devem reger os cuidados em saúde das pessoas com transtorno mental, bem como a sua aplicação, de modo a alcançar as melhores práticas estabelecidas com base nos padrões internacionais sobre a matéria. Desejamos um excelente estudo! 6Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Módulo Introdução ao Direito Internacional dos Direitos Humanos1 Olá, estudante! Neste primeiro módulo, abordaremos os conceitos de direitos humanos e sua perspectiva histórica e reconheceremos as dimensões dos direitos humanos, que englobam os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Por fim, vamos conhecer o Sistema ONU de Direitos Humanos e Sistemas Regionais de Direitos Humanos. 1. Direitos humanos Compreender o conceito de direitos humanos. 1.1. Conceito de direitos humanos 1.1.1. O que são direitos humanos? De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), os direitos humanos são normas que reconhecem e protegem a dignidade de todos os seres humanos. Os direitos humanos orientam o modo como os seres humanos vivem em sociedade e entre si, assim como a relação deles com o Estado. Além disso, esses direitos determinam obrigações do Estado em relação aos indivíduos. Os direitos humanos são direitos que temos simplesmente por existirmos enquanto seres humanos. Eles são inerentes a todas as pessoas, independentemente de sua origem nacional ou étnica, nacionalidade, sexo, origem, cor, religião, idioma ou qualquer outro “status”. 7Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Os direitos à vida, à alimentação adequada, à educação, ao trabalho, à saúde e à liberdade são alguns exemplos de direitos humanos. Figura 1 - Direito à vida Figura 2 - Direitoà alimentação adequada Figura 3 - Direito à educação Figura 4 - Direito ao trabalho Figura 5 - Direito à saúde Figura 6 - Direito à liberdade Fonte: https://www.flaticon.com/br Uma característica importante dos direitos humanos é a sua essência ética. Além desse aspecto, esses direitos são normas jurídicas estabelecidas em diferentes fontes de direito internacional. Assim, pode dizer que os direitos em questão são demandas sociais que buscam realizar bens éticos que permitem que os indivíduos desfrutem de uma vida digna, e que sejam reconhecidos pela sociedade. Os direitos humanos desempenham a função de concretizar a dignidade humana para que todos os seres humanos possam desenvolver suas capacidades pessoais. 1.1.2. Quais são as características dos direitos humanos? O conceito amplamente adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU) atribui aos direitos humanos as seguintes características: https://www.flaticon.com/br 8Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 7 - Características dos direitos humanos Fonte: elaborada pela autora. O conceito de direitos humanos pode ser aplicado ao âmbito da saúde da seguinte forma: Na esfera da saúde, todos os pacientes, independentemente do status pessoal e da relação travada com o profissional de saúde ou o provedor privado de saúde, ou seja, se de consumo ou de usuário de serviço público, são detentores de direitos humanos, o que, obviamente, os diferencia dos direitos do consumidor, que pressupõe a existência de uma relação de consumo (ALBUQUERQUE, 2016, p. 27). 9Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 8 - Direitos humanos e saúde Fonte: “A young patient has his vital signs checked” by World Bank Photo Collection is licensed under CC BY-NC-ND 2.0. To view a copy of this license, visit https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/?ref=openverse. 1.1.3. Conteúdo dos direitos humanos Conforme você viu anteriormente, os direitos humanos consistem em normas jurídicas com essência ética que se encontram em diferentes fontes de direito internacional. Assim, entendemos que esses direitos possuem duplo conteúdo: ético e jurídico. Se não estiverem presentes em dispositivos legais internacionais, os enunciados serão apenas exigências éticas, sem configurar direitos. Sobre isso, é importante destacar que apenas fontes de direito internacional podem originar direitos humanos: normas constitucionais ou leis nacionais não geram direitos humanos. https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/?ref=openverse 10Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 9 –Duplo conteúdo dos direitos humanos Fonte: elaborada pela autora. Conforme falamos anteriormente, os direitos humanos estão dispostos em documentos jurídicos internacionais. Porém, no que diz respeito ao texto, a forma como esses direitos estão descritos nos referidos documentos é relativamente vaga. Por esse motivo, é necessário pormenorizar o conteúdo dos direitos humanos para que possam ser aplicados. A jurisprudência internacional é quem explora e demarca esse conteúdo. 1.1.4. Titulares e sujeitos de direitos humanos Os titulares de direitos humanos são os indivíduos (ou grupos de indivíduos) que podem exigir do Estado e de seus agentes que seus direitos humanos sejam respeitados, protegidos e colocados em prática. Quando um titular do direito humano tem uma demanda, existe do outro lado o sujeito responsável por atender a essa exigência, que é o Estado. O Estado é o sujeito que tem obrigações para com os indivíduos no plano do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Por esse motivo, a relação de direitos humanos se estabelece exclusivamente entre o Estado e os indivíduos. 11Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 10 - Titulares e sujeitos de direitos humanos Fonte: elaborada pela autora. Como exemplo, temos a importante situação da primeira condenação do Brasil no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, no caso Ximenes Lopes vs. Brasil (2006): O Sr. Damião Ximenes Lopes foi internado na Casa de Repouso Guararapes em outubro de 1999. A Casa era um centro de atendimento psiquiátrico privado que operava no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), em Sobral, Ceará. O Sr. Ximenes Lopes veio a falecer na Casa de Repouso três dias após a sua internação. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) entendeu que o Sr. Damião Ximenes Lopes foi submetido a condições desumanas e degradantes durante sua hospitalização, tendo sofrido violação da sua integridade pessoal por parte dos funcionários da Casa de Repouso Guararapes. Como falamos acima, no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Estado é quem tem obrigações para com os indivíduos. Sendo assim, a Corte IDH estabeleceu, no caso Ximenes Lopes vs. Brasil, que os Estados têm o dever de garantir atendimento médico eficaz aos pacientes com transtorno mental. Ademais, ressaltou, entre outros aspectos, que o lugar e as condições físicas em que o tratamento se desenvolve devem estar de acordo com o respeito à dignidade humana. Segundo a Corte, o Estado brasileiro violou, com relação ao Sr. Damião Ximenes Lopes, o direito de não ser torturado ou submetido a pena ou tratamento desumano ou degradante, que é um direito absoluto. O Estado é o sujeito da obrigação 12Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública de atender à demanda de direitos humanos e, portanto, é ele quem tem o dever de alocar recursos suficientes para satisfazer às necessidades básicas dos pacientes e de mover a máquina administrativa no sentido de implantar políticas, programas e legislações que evitem a prática de tais condutas por parte dos profissionais da saúde. Por esse motivo, o Estado (e não os profissionais da saúde envolvidos no caso Ximenes Lopes vs. Brasil) foi punido no âmbito internacional: ele é o responsável por assegurar o cumprimento dos direitos humanos com relação aos seus indivíduos. Sobre isso, citamos o seguinte trecho do livro “Direitos Humanos dos Pacientes”, da especialista e pós-doutora em Direitos Humanos Aline Albuquerque: Na esfera dos cuidados em saúde, a responsabilização internacional pela violação dos direitos humanos recairá sobre o Estado e não sobre os profissionais da saúde, embora a prática do ato violador possa ter sido efetivada pelos últimos. Sendo assim, o Estado tem o dever de adotar medidas legislativas, administrativas ou de outra natureza que impeçam a violação dos direitos humanos dos pacientes. Contudo, se a despeito de tais medidas, houver o desrespeito a determinado direito humano, o Estado não pode permanecer passivo, pois tem o dever de prover os remédios legais efetivos ao paciente para reparar a violação ocorrida, assegurando a reparação do dano e a responsabilização dos agentes violadores com base na legislação nacional. (ALBUQUERQUE, 2016, p. 27) É importante esclarecer que as relações entre os indivíduos, entre estes e entidades privadas e as relações entre Estados não constituem relações de direitos humanos: 13Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 11 - Não são relações de direitos humanos Fonte: elaborado pela autora 1.2. Histórico dos direitos humanos 1.2.1. Introdução Estudaremos a seguir alguns fatos relevantes na história dos direitos humanos e como se deu a evolução desses direitos ao longo do tempo por meio de diferentes documentos. O estudo da história está dividido por séculos, para facilitar a compreensão do todo. 1.2.2. Antes do século XVIII Durante a idade média, a concepção sobre a igualdade dos seres humanos era fundada em concepções religiosas. A nobreza possuía maior status moral do que o chamado Terceiro Estado, o poder político era ilimitado e a relação política da época era desigual, pois um dos sujeitos da relação se encontrava “no alto”, enquanto o outro estava “em baixo”. Os seguintes documentos desse períodosão considerados importantes para os direitos humanos. + Carta Magna da Inglaterra (1215) A assinatura da Carta Magna da Inglaterra, em 1215, trouxe importantes avanços no que diz respeito à limitação do poder político. A Carta foi uma reação aos excessos cometidos pelo Rei João no exercício dos seus direitos feudais e estabeleceu limitações à sua autoridade. + Bill of Rights britânica (Carta de Direitos de 1689) Ainda no sentido de limitação do poder, a Bill of Rights, de 1689, estabeleceu importantes direitos e liberdades. Entre eles, os princípios de eleições livres e de 14Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública liberdade de expressão no parlamento, bem como a proibição de tributar sem a aprovação do parlamento, o tratamento justo perante as cortes e os direitos de petição. Porém, é preciso observar que os avanços promovidos pela Carta de Direitos, embora representassem importante evolução de direitos humanos, ainda precisariam ser aprimorados ao longo do tempo: Embora a Bill of Rights britânica de 1989 proibisse expressamente o castigo cruel, os juízes ainda sentenciavam os criminosos ao pode dos açoites, ao banco dos afogamentos, ao tronco, ao pelourinho, ao ferro de marcar, a execução por arrastamento e esquartejamento [...] ou, para as mulheres, arrastamento, esquartejamento e morte na fogueira (HUNT, 2009, p. 77). 1.2.3. Século XVIII No século XVIII, surgem as primeiras declarações que estabelecem direitos que posteriormente seriam reconhecidos como direitos humanos. Foi a primeira vez que as ideias liberais foram afirmadas na história, e isso permitiu que os direitos humanos fossem reconhecidos em instrumentos normativos dos Estados Unidos da América e da França, que podem ser considerados marcos jurídicos. Nesse ponto, é importante que você entenda que os direitos humanos surgiram com base em uma teoria de direitos naturais. A teoria dos direitos naturais é uma ideia central da filosofia política e ética que sustenta que certos direitos são inerentes à natureza humana e, portanto, são universais, inalienáveis e inerentes a todas as pessoas. Essa teoria foi fundamental para a formulação dos direitos humanos, uma vez que os direitos humanos são considerados como direitos naturais que todas as pessoas possuem simplesmente por serem humanas. A teoria dos direitos naturais sustenta que todos os seres humanos possuem direitos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à dignidade. Esses direitos são considerados universais, ou seja, são aplicáveis a todas as pessoas, independentemente de nacionalidade, raça, gênero, 15Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública orientação sexual, religião ou de qualquer outra característica individual. Os direitos humanos são uma aplicação prática dessa teoria, buscando garantir a dignidade e a liberdade de todos os seres humanos. Os direitos previstos nos documentos de direitos humanos do século XVIII previam a existência de direitos baseados em preceitos não religiosos. A ideia mais revolucionária do século XVIII para os direitos humanos é a de que todas as pessoas possuem direitos inatos, ou seja, nascem com direitos que devem ser reconhecidos pela associação política ou Estado. [...] Sendo assim, o século XVIII caracterizou- se pelo reconhecimento de uma esfera de liberdade pessoal na qual a associação política ou o Estado não poderia adentrar, logo, o indivíduo passa não apenas a ter deveres para com a autoridade, mas também a ter direitos, que devem ser por esses respeitados. (ALBUQUERQUE, 2021, p. 11) Na era moderna, verifica-se a ascensão dos ideais de liberdade, de direito à propriedade privada e de rejeição do poder total e centralizador. Esses ideais influenciaram revoluções como a inglesa, a francesa e a haitiana. É importante destacar que, embora tenha havido grande avanço em prol dos direitos humanos no século XVIII, a afirmação de direitos inatos não abrangeu todas as pessoas: mulheres, escravos, minorias religiosas, crianças, pessoas com deficiência e privadas de liberdade não foram abarcados. Esse progresso somente seria alcançado nos séculos seguintes. A seguir, você verá os principais documentos relacionados aos direitos humanos que foram implementados no século XVIII, bem como as inovações trazidas por eles. + Documentos dos Estados Unidos da América (1776) A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776) foi o primeiro documento que declarou a liberdade de todos os cidadãos. Esse documento rechaçou a monarquia, reconhecendo a proteção dos direitos à liberdade, à vida e à busca pela liberdade. Veja um trecho da declaração a seguir: 16Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública “Nós consideramos essas verdades como auto evidentes, que todos os homens foram criados iguais, que eles são dotados de Direitos inalienáveis pelo Criador, dentre eles a vida, a liberdade e a busca pela felicidade. Para assegurar esses direitos, os Governos são instituídos pelos homens, derivando seu justo poder do consentimento dos governados.” (OS TREZE ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA,1776, p. 2) Essa Declaração foi profundamente influenciada pela Declaração de Direitos da Virgínia (1776), que contemplava uma série de direitos considerados inatos, como o direito à vida, à segurança, à liberdade, à liberdade de imprensa e de religião, e o direito a instituir um novo governo no caso de o governo vigente fracassar em seu dever de garantir a segurança pessoal. Com relação às Declarações de Independência e de Direitos da Virgínia (ambas de 1776), é importante mencionar ainda a Constituição dos Estados Unidos (1787), em que foi introduzida a teoria de Montesquieu sobre a separação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa divisão de Poderes é essencial para que sejam asseguradas as liberdades políticas e alguns direitos humanos. + Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) A independência dos Estados Unidos exerceu grande influência sobre os membros do Terceiro Estado francês. Cansados dos abusos e da corrupção do regime político vigente, esse setor da sociedade passou a reivindicar seus direitos. Assim, podemos afirmar que existe inegável influência da Declaração de Independência dos Estados Unidos sobre a Declaração francesa, aprovada em 1789. É importante destacar que, nesse período, ocorreu a Revolução Francesa. Considerada a mais importante das revoluções liberais, a Revolução Francesa teve como lema os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Com acontecimentos anteriores, como as expedições marítimas e a emergência de uma classe média revolucionária, criou-se um ambiente propício para que se contestasse a divisão da sociedade. À época, esta se dividia entre indivíduos com título de nobreza e pessoas que não os possuíam, sendo a ideia dominante a de que nobres detinham um status moral superior. A Revolução Francesa culminou na criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. “A Declaração consiste em um dos documentos de direitos humanos mais relevantes do século XVIII, abarcando conceitos de lei universal, igualdade entre cidadãos e a soberania coletiva dos indivíduos. A Declaração francesa desencadeou um movimento forte em torno 17Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública das ideias liberais que sustentavam os direitos do indivíduo e impulsionou a utilização da linguagem dos direitos.” (ALBUQUERQUE, 2021, p. 11) Assim, algumas das principais inovações trazidas pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão são: - atribuição da soberania aos indivíduos, e não ao rei; - rechaço à ideia de privilégios para a ocupação de cargos públicos; e - introdução da meritocracia, na medida em que estabelecia que “todos são igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade, e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos”.1.2.4. Direitos humanos no século XIX Alguns acontecimentos importantes no século XIX foram: • a queda de Napoleão na batalha de Waterloo; • o clima repressivo do Congresso de Viena; • a Revolução Industrial; e • a escravidão. Em termos de direitos humanos, o século XIX foi marcado pela busca por direitos no trabalho, acesso universal à educação, abolição da escravidão e maior expansão do direito ao voto. Vamos agora falar sobre os movimentos sociais que aconteceram na Europa nesse século e que foram fundamentais para o reconhecimento de novos direitos humanos. Entre os movimentos sociais do século XIX, destacam-se o socialista e o antiescravagista. Esses movimentos apoiaram a luta das mulheres por direitos sociais e políticos, denunciaram a situação das crianças nas fábricas e reivindicaram o direito de todas as crianças à educação pública e o direito de trabalhar em condições seguras, além da redução das horas diárias de trabalho. Nesse sentido, cabe mencionar a Comuna de Paris, que consistiu em um levante popular ocorrido na cidade francesa durante um período de dois meses, entre 18 de março e 21 de maio de 1871. Cidadãos provenientes das classes mais baixas de Paris se uniram em uma mobilização política para manifestar-se contra a crise social e política que afetava a França naquele momento. Em 1871, a Comuna liderou uma reivindicação por melhores condições de trabalho e desafiou o poderio econômico e político dos burgueses, aristocratas e clérigos. Embora tenha sido derrotada, a Comuna de Paris inspirou a luta por direitos relacionados ao trabalho em toda a Europa e nos Estados Unidos. 18Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Ainda no século XIX, a Revolução Industrial provocou o deslocamento de pessoas do meio rural para as cidades, gerando condições desumanas de habitação e trabalho. As lutas dos trabalhadores por direitos levaram à promulgação de leis que proibiram o trabalho infantil e limitaram as horas trabalhadas. A conquista de direitos trabalhistas e de seguridade social foi criticada por defensores do livre mercado, mas a questão da pobreza tornou-se central no final do século XIX, o que levou ao reconhecimento de direitos sociais e ao entendimento de que o Estado deveria atuar em prol da proteção dos trabalhadores. Nesse ponto, podemos destacar o reconhecimento do direito à saúde, que teve origem no liberalismo social da América Latina e de lutas políticas locais. O direito à saúde tem suas raízes na perspectiva latino-americana de direitos humanos, que se baseia em ideias católicas que enfatizam a dignidade humana. A Constituição do México, de 1917, foi a primeira a incluir os direitos sociais, inclusive o direito das mulheres à atenção médica e obstétrica, assim como a obrigação do Estado de adotar medidas preventivas de saúde. Embora essa experiência latino-americana seja significativa, o reconhecimento do direito à saúde como um direito humano no plano internacional se deve à Primeira Guerra Mundial e ao papel da saúde na manutenção da paz global. Durante o século XIX, a abolição da escravatura foi uma das questões mais importantes dos direitos humanos. Portugal aboliu a escravatura, em 1761, apenas na Metrópole e em suas colônias nas Índias. A Grã-Bretanha proibiu o tráfico de escravos em suas colônias, em 1807, e aprovou a Lei da Abolição, em 1833. A lei britânica teve impacto na América Latina, onde a escravidão foi abolida em vários países, como: Venezuela, em 1810; Argentina, em 1812; Chile, em 1823; México, em 1829; Peru, em 1854; Cuba, em 1880; e Brasil, em 1888. Nos Estados Unidos, a escravidão foi mantida na Constituição, em razão dos interesses dos proprietários de fazendas do sul. Um tribunal na Carolina do Sul decidiu que as escravas não tinham direitos legais sobre seus filhos, o que permitia que as crianças fossem vendidas e separadas de suas mães a qualquer momento. Organizações internacionais, como a Sociedade Contra Escravidão, empreenderam esforços para obstruir o comércio de escravos no Atlântico e proibir a escravidão nas colônias europeias e nos Estados Unidos. A Declaração Universal da Abolição do Comércio de Escravos, de 1815, foi o primeiro documento internacional contra a escravidão. Acordos bilaterais e multilaterais entre países também passaram a proibir o comércio de escravos e a escravidão. É importante destacar que o direito ao voto, conquistado no século anterior, era restrito ao homem branco proprietário ou detentor de determinada renda. No século XIX, a França foi o primeiro país a adotar o sufrágio universal para homens, mas depois retomou os requisitos referentes à propriedade para o voto. Os socialistas defendiam a educação pública para todos como um direito social dos cidadãos e, no final do século XIX, acreditava-se que a educação pública seria importante para formar um eleitorado educado e mão de obra qualificada. O século XIX apresentou 19Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública avanços em termos de direitos humanos, como a ampliação do direito ao voto, a abolição da escravatura e o reconhecimento de direitos trabalhistas e à educação pública. Entre os avanços relacionados aos direitos humanos no século XIX, inclui-se o surgimento do direito humanitário, com o objetivo de proteger a pessoa durante conflitos armados. Em 1859, Henri Dunant fundou o Comitê da Cruz Vermelha e, em 1864, foi adotada a Convenção para Aliviar a Condição dos Feridos das Forças Armadas em Campo, estabelecendo princípios como o auxílio aos feridos sem distinção de nacionalidade, a neutralidade do pessoal médico e dos estabelecimentos médicos, e o uso do símbolo da cruz vermelha sobre fundo branco. A partir do estudo de fatos históricos e de movimentos sociais do século XIX, podemos compreender o desenvolvimento dos direitos humanos ao longo do tempo. No final do século XVIII, a visão predominante dos direitos humanos enfatizava principalmente os direitos inatos das pessoas, sem levar em consideração as condições sociais e econômicas em que viviam. No entanto, o século XIX trouxe a ampliação dessa concepção de direitos humanos para incluir demandas por uma rede de proteção social para os mais vulneráveis, como trabalhadores, crianças e mulheres. Essa nova forma de liberalismo social propunha uma restrição da liberdade dos mais fortes para proteger os mais fracos. A seguir, você estudará importantes acontecimentos que provocaram o surgimento de novas perspectivas em direitos humanos no século XX. 1.2.5. Direitos humanos no século XX Veja, na animação a seguir, fatos e documentos do século XX que são considerados importantes para a história dos direitos humanos. Animação 1: Histórico dos direitos humanos – Século XX 1.2.6. Direitos humanos no século XXI A partir do século XX, verifica-se um movimento de limitação dos direitos humanos (ou até mesmo de supressão destes). Essa tendência pode ter sido causada por três fatores: + A guerra contra o terrorismo A partir de 11 de setembro de 2001, percebe-se um movimento negativo com relação aos direitos humanos e à democracia. Nesse sentido, pode-se dizer que https://youtu.be/12C7B-L_axQ 20Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública os direitos humanos foram marginalizados por meio da aceitação de restrições de algumas liberdades individuais e do emprego de meios condenáveis por agentes estatais. Como exemplo, o Ato para Prover Instrumentos Exigidos para Interceptar e Obstruir o Ato Terrorista, assinado pelos Estados Unidos em 2001 (Ato Patriota), ampliou os poderes do Estado para que este pudesse realizar vigilâncias a pessoas suspeitas de praticar terrorismo. Esse Ato é questionado sob a perspectiva do direito à privacidade. + O avanço do neoliberalismo e a contestação do bem-estar social Nas últimas décadas do século XIX, a visão do Estado como violador dos direitos humanos ganhou ênfase. No século XXI, porém, passa-se a focar no papel do Estado como garantidore protetor dos direitos humanos. “O desmantelamento do estado do bem-estar social por meio de políticas liberais-econômicas coloca em risco os direitos à educação, saúde, trabalho e seguridade social. A realização de tais direitos pressupõe uma ambiência política especifica, de modo que o estado assegure para todos os indivíduos certos bens econômicos e sociais, serviços e oportunidades, independentemente do valor que o mercado confere ao seu trabalho.” (ALBUQUERQUE, 2021, p. 30) + A revolução digital A tecnologia digital pode gerar diversos benefícios para o avanço dos direitos humanos. Alguns desses benefícios são o empoderamento e a informação de grupos vulneráveis e a visibilidade dada a violações de direitos humanos. “Nesse sentido, a rede social pode promover o acesso à informação e facilitar debates globais, de modo a fomentar a democracia participativa. No entanto, o lado obscuro da rede social e sua potencialidade de causar graves danos aos indivíduos tem sido objeto dos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos.” (ALBUQUERQUE, 2021, p. 31) No que diz respeito ao direito à privacidade, a Assembleia Geral da ONU adotou, em 2013, a Resolução 68/167, em que expressa sua apreensão com o impacto negativo da vigilância e interceptação de comunicações. Nessa Resolução, a Assembleia encoraja os Estados a proteger e respeitar o direito à privacidade, inclusive no contexto da comunicação digital. 21Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Outros desafios ao avanço dos direitos humanos no século XXI são os persistentes conflitos armados, o aumento e envelhecimento da população global, as questões ambientais e a questão dos refugiados. Para saber mais sobre a questão dos refugiados, você pode acessar o sítio eletrônico da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR): https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugio/. Conforme discutido, a evolução dos direitos humanos consiste em um caminho de conquistas que combina o reconhecimento gradativo de direitos com os movimentos sociais que ocorreram paralelamente a estes. Embora muitos avanços tenham sido alcançados nos últimos séculos, ainda há um longo caminho a ser percorrido até que todas as pessoas tenham acesso a uma vida digna nos moldes da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1.3 Direitos humanos e direitos fundamentais Conforme estudamos anteriormente, os direitos humanos estão dispostos em fontes de direito internacional, porém com certa imprecisão textual, de forma abrangente e abstrata. Assim, o conteúdo desses direitos é explorado e definido pela jurisprudência internacional. Os direitos fundamentais, que conhecemos por estarem preceituados nas Constituições dos países, têm relação com os direitos humanos. Isso vale especialmente no que diz respeito à redação desses dois tipos de direitos, que muitas vezes é semelhante. Existem, porém, algumas diferenças entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, conforme pode ser visualizado no Quadro 1: Quadro 1 - Direitos Humanos e Direitos Fundamentais Direitos Humanos (DH) Direitos Fundamentais (DF) Órgão criador da norma Tratados e declarações de organismos internacionais Constituições dos Estados Demarcação de conceito (concretização da norma) Jurisprudência internacional – decisões de órgãos judiciais, quase judiciais e políticos Tribunais nacionais (jurisprudência nacional) https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugio/ 22Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Direitos Humanos (DH) Direitos Fundamentais (DF) Órgãos de monitoramento do cumprimento do direito Sistemas de Direitos Humanos Não há órgãos específicos para o monitoramento, e sim instrumentos jurídicos. No Brasil, esse instrumento é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Mecanismos de monitoramento do cumprimento do direito Relatórios, inquéritos, comunicações entre Estados e comunicações individuais. Não há meios de monitoramento próprios. Medidas de reparação Medidas de reparação na íntegra, garantias de não repetição, satisfação, compensatórias e reabilitação. Não há medidas específicas. Impacto social Linguagem dos ativismos sociais, dos órgãos governamentais e das políticas públicas. Linguagem restrita à esfera jurídica. Fonte: Adaptado de Albuquerque, 2021, p. 79. No sistema jurídico brasileiro, os direitos fundamentais estão definidos nos artigos 5º a 17 da Constituição Federal de 1988 (CF). Alguns exemplos de direitos fundamentais são os destacados a seguir: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988) 23Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública No Quadro 2, visualizaremos algumas diferenças entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, utilizando o direito à saúde como exemplo: Quadro 2 - Direito à saúde Direito à Saúde Enquanto direito humano Enquanto direito fundamental Nome do direito Direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental Direito fundamental à saúde Em que norma está disposto esse direito? Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Art. 12) Constituição Federal (Arts. 6º e 196) Quem concretiza o conceito e as obrigações que esse direito gera? Comentário Geral nº 14, produzido pelo Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU Supremo Tribunal Federal Quem monitora o cumprimento desse direito? Sistema ONU de Direitos Humanos ADPF Fonte: elaborado pela autora. A própria CF diferencia os direitos humanos dos direitos fundamentais quando, ao se referir aos direitos humanos, trata-os como direitos conectados com a esfera internacional: Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] II - Prevalência dos direitos humanos; (BRASIL, 1988, art. 4º) Ainda, ao abordar obrigações decorrentes de tratados (documentos internacionais), a CF faz referência aos direitos humanos, não aos direitos fundamentais: 24Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] V-A - as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; [...] § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. (BRASIL, 1988, art. 109) Sendo assim, qual é a relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais? No âmbito nacional, os tribunais têm cada vez mais utilizado normas de direitos humanos como base para suas decisões. No contexto das Américas, a Corte IDH, corte suprema em termos de direitos humanos, definiu que suas decisões podem guiar as autoridades nacionais nas decisões de casos relacionados a direitos fundamentais. Ainda, a Corte IDH tem a autoridade para emitir pareceres consultivos sobre questões relacionadas aos direitos humanos que são protegidos pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos, bem como para avaliar a conformidade das leis nacionais dos Estados com esses mesmos direitos. Por outro lado, os Estados devem colocar em prática as decisões vinculantes da Corte que interpretareme definirem as normas de proteção dos direitos humanos. 25Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 12 - Relação entre direitos humanos e direitos fundamentais Fonte: elaborada pela autora. Sendo assim, pode-se dizer que as jurisdições internas e externas dialogam para que se possa conferir significado e conteúdo concreto aos enunciados de direitos humanos. 26Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 2. Dimensões dos direitos humanos Reconhecer as dimensões dos direitos humanos (direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais). Os direitos humanos podem ser classificados em dimensões, para fins didáticos: primeira, segunda e terceira dimensão. Esta unidade irá tratar apenas dos direitos de primeira e de segunda dimensão, pois os chamados direitos de terceira dimensão não estão estabelecidos de forma sólida nas normas dos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos. Os direitos humanos passaram por um processo de amplo reconhecimento ao longo dos séculos. Para o autor Norberto Bobbio, esse processo de proliferação se deu de três maneiras: a. O aumento da quantidade de bens considerados merecedores da tutela jurídica. b. O reconhecimento de outros sujeitos de direitos humanos. Por exemplo, as mulheres, as pessoas com deficiência e as crianças só passaram a ser sujeitos de direitos humanos no século XX. Com o avanço dos direitos humanos, outros sujeitos foram reconhecidos, como pessoas com deficiência e pessoas privadas de liberdade. c. A atribuição de direitos humanos que derivam de outros existentes a sujeitos jurídicos particulares. Um exemplo dessa hipótese é o direito da criança de ser ouvida em decisões que lhe são afetas. Assim, percebemos que os direitos humanos que são atualmente reconhecidos nas normas internacionais apresentam características de grupos distintos. Eles derivam de um longo processo de lutas sociais e avanços nas sociedades e na comunidade internacional. Para saber mais sobre a história dos direitos humanos, acesse: https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/historia-dos- direitos-humanos/. https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/historia-dos-direitos-humanos/ https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/historia-dos-direitos-humanos/ 27Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 2.1. Direitos civis e políticos Os direitos civis e políticos são fruto desse contexto de desenvolvimento das burguesias europeias e da luta contra o Antigo Regime. Esses direitos se fundamentam em uma perspectiva individualista e liberal política de sociedade, que defende a limitação do poder estatal com base nos direitos do indivíduo. Alguns dos valores adotados pela perspectiva liberal política são as liberdades de: Figura 13 - Circulação Figura 14 - Crença Figura 15 - Expressão Figura 16 - Autodeterminação da própria vida Figura 17 - Autodeterminação do próprio corpo Fonte: https://www.flaticon.com Os direitos civis e políticos são também chamados de “direitos humanos clássicos” e de “direitos de liberdade”. Eles abarcam as chamadas liberdades negativas de religião, de opinião, de imprensa, de não ser torturado e de ter sua vida privada respeitada, ou seja, a liberdade de não sofrer interferência estatal nessas áreas. https://www.flaticon.com 28Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 18 - Limite às liberdades individuais Fonte: Elaborada pela autora Os direitos civis e políticos possuem aplicação imediata. Isso quer dizer que, uma vez ratificada a normativa que prevê esses direitos, os Estados são obrigados a aplicá-los. Por exemplo, uma vez que o Brasil se comprometeu, por meio do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos adotado pela ONU em 1966, a não prender um indivíduo arbitrariamente, ele se torna imediatamente obrigado a cumprir essa determinação. Nesse ponto, os direitos civis e políticos se diferenciam dos direitos econômicos, sociais e culturais, pois estes demandam gastos públicos maiores para que possam ser implementados. Falaremos mais sobre esse assunto mais adiante. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) estabelece, no Artigo 2.1, a aplicação imediata de todos os direitos nele previstos: Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição. (Assembleia Geral das Nações Unidas, 1966, Art. 2.1) 29Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A obrigação que esse artigo impõe tem, ao mesmo tempo, caráter positivo e negativo: O caráter positivo consiste na obrigação estatal de adotar medidas legislativas, judiciais, administrativas e outras para cumprir todas as obrigações decorrentes dos direitos civis e políticos previstos no Pacto. O negativo implica o dever de abster-se de violar qualquer um desses direitos, por exemplo, de impedir que alguma pessoa manifeste sua opinião sobre o governo, ou de prendê-la arbitrariamente. (ALBUQUERQUE; BARROSO, 2021, p. 110) O Quadro 3 apresenta exemplos de direitos civis e de direitos políticos: Quadro 3 - Exemplos de direitos civis e políticos Direitos Civis Direitos Políticos Direito à vida Direito de tomar parte na direção dos negócios públicos do seu país, quer diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos Direito à liberdade Direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país Direito à segurança pessoal Direito a não ser mantido em escravatura ou em servidão Proibição à escravatura e trato dos escravos, sob todas as formas Direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica Direito a ter uma nacionalidade Direito à propriedade Fonte: Elaborado pela autora. 30Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A seguir, estudaremos os direitos econômicos, sociais e culturais. 2.2. Direitos econômicos, sociais e culturais Os direitos econômicos, sociais e culturais frequentemente demandam a atuação do Estado para serem implementados. Essa ação se materializa mediante políticas públicas e o fornecimento de bens e serviços. O documento das Nações Unidas que aborda os direitos econômicos, sociais e culturais é conhecido como Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, datado de 1966. O Pacto apresenta vários trechos que ressaltam a importância de os Estados tomarem medidas para garantir a implementação desses direitos. Abaixo estão alguns exemplos desses trechos: ARTIGO 2º 1. Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas. ARTIGO 6º 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, que compreende o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão medidas apropriadas para salvaguardar esse direito. 2. As medidas que cada Estado Parte do presente Pacto tomará a fim de assegurar o pleno exercício desse direito deverão incluir a orientação e a formação técnica e profissional, a elaboração de programas, normas e técnicas apropriadas para assegurar um desenvolvimento econômico, social e cultural constante e o pleno emprego produtivo em condições que salvaguardem aos indivíduos o gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais. ARTIGO 12 1. Os EstadosPartes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental. 31Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças; b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente; c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1966, arts. 2º, 6º e 12) Diferentemente dos direitos civis e políticos, que são normas de aplicação imediata, os direitos econômicos, sociais e culturais são normas de realização progressiva. Esses direitos são garantidos pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela ONU em 1966. Esse documento estabelece que o Estado se compromete a adotar medidas para o pleno exercício dos direitos neles reconhecidos. Nesse sentido: • As medidas devem ser adotadas por esforço próprio ou pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo dos recursos disponíveis. • Tais medidas visam assegurar, progressivamente, e por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no pacto. • A adoção de medidas legislativas é particularmente importante nesse contexto. Os Princípios de Limburg são diretrizes interpretativas especificamente relacionadas ao artigo 2º do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Eles preceituam que compete aos Estados dar início imediato à adoção de medidas para a plena realização dos direitos sociais, econômicos e culturais. Ou seja, diferentemente dos direitos civis e políticos, cuja própria aplicação é imediata, no caso dos direitos econômicos, sociais e 32Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública culturais, o que deve ser imediato é a adoção das medidas para a aplicação dos direitos. Os Estados deverão, assim, fazer uso dos meios apropriados, incluindo medidas legislativas, administrativas, judiciais, econômicas, sociais e educacionais, consistentes com a natureza dos direitos, a fim de realizá-los. Ainda no que diz respeito aos recursos, os Princípios de Limburg preceituam que os Estados devem prever recursos efetivos, e que é esse mesmo Estado parte quem avalia a adequação dos meios a serem aplicados por ele. A obrigação de realização progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais existe independentemente do aumento de recursos, pois o que é imposto aos Estados é que utilizem de forma eficaz os recursos disponíveis. Assim, para verificar se o Estado cumpre suas obrigações relacionadas à realização progressiva desses direitos, deve-se observar se os recursos disponíveis estão sendo utilizados de forma eficiente. Existem, porém, algumas obrigações derivadas dos direitos econômicos, sociais e culturais que não se sujeitam à realização progressiva. Elas se chamam obrigações essenciais. Nesse sentido, o Comentário Geral nº 3 do Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU trata da natureza das obrigações dos Estados partes constantes no artigo 2º, parágrafo 1º, do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. De acordo com o Comentário nº 3, os Estados têm a obrigação fundamental de assegurar como mínimo a satisfação de níveis essenciais de cada um dos direitos enunciados no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. É por esse motivo que existem algumas obrigações derivadas dos direitos econômicos, sociais e culturais que são classificadas como obrigações essenciais e que possuem caráter imediato. Assim, veja alguns trechos do Comentário Geral nº14/2000 sobre a obrigação essencial derivada do direito à saúde, que é um direito social: 19. No que respeita ao direito à saúde, é necessário realçar a igualdade de acesso aos cuidados de saúde e serviços de saúde. Os Estados Partes têm uma obrigação especial de proporcionar a quem não tenha meios suficientes, o necessário seguro médico e acesso a centros de saúde e impedir qualquer descriminação com base em motivos internacionalmente proibidos na prestação de cuidados de saúde e 33Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública de serviços de saúde, em especial no que respeita às obrigações fundamentais do direito à saúde. 22. O artigo 12º, n.º 2 alínea a) descreve a necessidade de adotar medidas para reduzir a mortalidade infantil e promover o desenvolvimento saudável de bebés e crianças. Em subsequentes instrumentos internacionais de direitos humanos é reconhecido que crianças e adolescentes têm o direito de gozar o melhor estado de saúde possível e o acesso a centros de tratamento de doenças. Uma atribuição inapropriada de recursos de saúde pode dar lugar a uma discriminação que poderá não ser manifesta. Por exemplo, os investimentos não devem favorecer desproporcionadamente os serviços curativos caros que muitas vezes são apenas acessíveis a uma pequena fração privilegiada da população, em detrimento da atenção primária e preventiva da saúde que beneficie uma parte maior da população. (COMITÊ DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS DA ONU, 2000, p. 8) Um aspecto importante relacionado aos direitos econômicos, sociais e culturais é a vedação ao seu retrocesso. Conforme a jurisprudência internacional, a adoção de medidas que possam limitar os recursos destinados a gastos sociais podem ser ou não, por si só, violadoras dos direitos humanos. Sobre isso, o Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU entende que: O fato de que até em tempos de severas restrições de recursos disponíveis, se causadas por um processo de ajustamento, de recessão econômica ou por outros fatores, os membros vulneráveis da sociedade podem e de fato devem ser protegidos pela adoção de programas relativamente de baixo custo para o alcance das metas almejadas. (COMITÊ SOBRE OS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS DA ONU, 1990, p. 12) Isso quer dizer que, se o Estado limitar os recursos com gastos sociais, ele pode ser responsabilizado internacionalmente por violar direitos humanos. As medidas que retroagem em termos de direitos sociais são aquelas que fazem com que os Estados abandonem políticas e programas destinados a assegurar os direitos sociais. Além disso, as restrições causadas por essas medidas repercutem 34Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública negativamente sobre a fruição desses direitos. Um exemplo disso seria o corte de gastos públicos com cuidados em saúde materno-infantil e o aumento considerável da mortalidade materna e infantil. Conforme afirmado anteriormente, os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes, inter-relacionados e de igual importância. À luz dessa afirmação, verifique no Quadro 4 a diferenciação entre os direitos civis e políticos, e os direitos econômicos, sociais e culturais: Quadro 4 - Diferenças entre as dimensões de direitos Critério de distinção Direitos civis e políticos Direitos econômicos, sociais e culturais Fundamento teórico-filosófico Burguesia e liberalismo político Movimentos sindicalistas, socialistas e contestação do liberalismo político e econômico Tipo de obrigação Ênfase na obrigação de respeitar Ênfase na obrigação de realizar Aplicação do direito Aplicação imediata Realização progressiva Exigibilidade perante Cortes Exigibilidade jurisdicional ampla Exigibilidade jurisdicional restrita Estado Estado democrático Estado do bem- estar social Finalidade primordialAutonomia Proteção do Estado Fonte: Adaptado de Albuquerque, Barroso. 2021, p. 118. O direito à saúde é considerado um direito de segunda dimensão porque sua realização depende de ações positivas por parte do Estado para garantir o acesso a serviços e recursos de saúde adequados para toda a população. Ou seja, é um direito que exige uma intervenção ativa do Estado para ser efetivado, diferentemente dos direitos de primeira dimensão, como a liberdade de expressão e de associação, que são direitos negativos e que não requerem ações estatais para sua proteção. Alguns exemplos de direitos de segunda dimensão, além do direito à saúde, incluem: • Direito à educação: este direito exige que o Estado providencie educação gratuita e de qualidade para todos os cidadãos, além de garantir igualdade de acesso e oportunidades educacionais. • Direito à previdência social: este direito implica que o Estado forneça proteção social aos cidadãos em situações de desemprego, velhice, 35Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública doença, acidente, entre outras. • Direito ao trabalho: este direito implica que o Estado tome medidas para garantir o pleno emprego e para proteger os direitos trabalhistas dos cidadãos, incluindo salário justo, condições de trabalho adequadas e proteção contra discriminação no local de trabalho. Para compreender como funcionam as obrigações geradas pelos direitos de primeira e de segunda geração, bem como as violações a esses direitos no âmbito internacional, ouça o podcast a seguir: Podcast 1 - Dimensões dos Direitos Humanos Como vimos, nosso estudo não aborda os chamados direitos humanos de terceira dimensão, visto que esta classificação não apresenta significativa relevância. Isso acontece porque esses direitos não são usualmente objeto de peticionamento e monitoramento dos órgãos internacionais de direitos humanos, ou seja: não é comum que se denuncie a violação desses direitos aos sistemas de direitos humanos e nem que esses sistemas possuam mecanismos para acompanhar o cumprimento de tais direitos. Nesse contexto, é importante destacar que os direitos humanos não são meramente ideias morais ou defesas de alguns grupos. A força desses direitos se baseia em dois pilares: - São direitos de todas as pessoas, independentemente de qualquer fator ou característica pessoal. - Os direitos humanos geram obrigações jurídicas para os Estados: são práticos, concretos e jurídicos. Sobre isso, Albuquerque e Barroso (2021) acreditam que a proliferação de dimensões de direitos humanos deve ser vista com preocupação, pois, em muitos casos, dimensões de direitos são criadas sem o amparo da comunidade internacional e sem a possibilidade de que sejam tornados exigíveis aos Estados. As autoras explicam que “os direitos humanos não são uma mera ideia ou discurso, são direitos que acarretam obrigações para os Estados”. Nesse sentido, “se o mundo conseguir assegurar os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais para todas as pessoas, não se vislumbra a utilidade de se lançar novos catálogos de direitos” (ALBUQUERQUE; BARROSO, 2021, p. 119). https://podcasters.spotify.com/pod/show/enap/episodes/EV-G-Obrigaes-dos-Estados-quanto--sade-mental-e21qvpu 36Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 3. Sistema ONU de Direitos Humanos e Sistemas Regionais de Direitos Humanos Entender os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos com enfoque nos Sistemas ONU e Interamericano de Direitos Humanos. 3.1. Os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos Os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos (Sistemas Internacionais de DH) são os conjuntos de normas, órgãos e mecanismos internacionais que surgiram, a partir de 1945, com o intuito de promover a proteção dos direitos humanos no mundo. Assim, eles se caracterizam por apresentar três elementos: • Normas • Órgãos • Mecanismos Para que uma região do planeta possa contar com um Sistema Internacional de DH, esses três elementos precisam estar presentes. As normas dos Sistemas Internacionais de DH compreendem o conjunto de tratados, declarações, princípios e outras normativas que integram esses Sistemas. Alguns exemplos de normas, nesse contexto, são os tratados, acordos, pactos, convenções, declarações, princípios, diretrizes, entre outros. Os órgãos são as instâncias e os organismos criados para monitorar o cumprimento dos tratados pelos Estados e aplicar as disposições desses tratados nos casos concretos específicos ou nas situações de graves violações de direitos humanos. Os órgãos de direitos humanos podem ser classificados como políticos, quase judiciais ou judiciais: 37Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Quadro 5 - Tipos de órgãos de Direitos Humanos Políticos Quase judiciais Órgãos judiciais Não recebem comunicações e petições individuais e, portanto, não expedem recomendações destinadas a casos específicos e assim não responsabilizam o Estado por violação de direitos humanos. Processam petições e comunicações individuais, e desse processamento resulta uma decisão que serve de base para recomendações que ensejam a responsabilização internacional do Estado. Detêm o poder jurisdicional, logo, proferem sentenças internacionais. Fonte: Elaborado pela autora. Os mecanismos são os meios pelos quais os órgãos realizam o monitoramento da aplicação dos tratados pelos Estados. Quadro 6 - Tipos de mecanismos Tipo de mecanismo Definição Procedimento iniciado por comunicação interestatal (entre Estados) Comunicação feita por um Estado contra outro Estado perante órgão de direitos humanos Procedimento iniciado por petição/comunicação individual Petição ou comunicação feita pela vítima/representante ou peticionário ao órgão de direitos humanos Procedimento iniciado por comunicação coletiva Comunicação feita por uma organização não governamental a um órgão de direitos humanos Relatório Documento que contempla a situação de direitos humanos referente a um Estado, grupo ou temática Visita in loco Visita realizada em qualquer lugar da jurisdição de determinado Estado com o intuito de analisar a situação de direitos humanos Inquérito Averiguação confidencial de denúncia de sistemática violação de direitos humanos, que pode abranger visita ao Estado Medidas Cautelares Medida requerida ao Estado a fim de prevenir dano irreparável à vítima em determinado caso 38Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Fonte: Elaborado com base em Albuquerque; Barroso. 2021, p. 178. Outro ponto relevante que deve ser mencionado refere-se à jurisprudência em direitos humanos. Para o Direito Internacional dos Direitos Humanos, a jurisprudência é constituída pelas decisões reiteradas das Cortes de Direitos Humanos, mas não somente delas: também estão incluídos nesse conjunto os documentos produzidos pelos diversos mecanismos de direitos humanos aprovados pelos Estados que integram a comunidade internacional. Atualmente, há quatro Sistemas de Direitos Humanos. Um deles tem abrangência global, pois envolve todos os países membros da ONU (Sistema ONU de Direitos Humanos). Além desse sistema, que é universal, há três Sistemas Regionais de Direitos Humanos, abarcando, cada um deles, um continente: Sistema Interamericano de Direitos Humanos, Sistema Europeu de Direitos Humanos e Sistema Africano de Direitos Humanos. Nesta unidade, abordaremos os Sistemas ONU, Interamericano e Europeu de Direitos Humanos. Para saber mais sobre o Sistema Africano de Direitos Humanos, acesse: https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/jurisprudencia/ sistema_africano.asp É importante destacar que as experiências em direitos humanos de outras regiões do planeta, como a da Liga Árabe ou da Ásia, não podem ser categorizadas como Sistemas, pois não compreendem os três elementos necessários para a classificação em Sistema de Direitos Humanos. A ONU tem incentivado os Estados a criarem Sistemas Regionais de DireitosHumanos, visto que estes muitas vezes se mostram mais eficazes por três motivos principais: 1) São mais próximos das realidades dos Estados que os integram; 2) Possuem maior capacidade de lidar com questões de direitos específicas da região; 3) Esses sistemas contam com Cortes de Direitos Humanos e, portanto, têm maior poder de constrangimento e persuasão jurídica. Nesse sentido, a Corte Interamericana e a Corte Europeia são consideradas exemplos da maturidade dos sistemas judiciais de proteção dos direitos humanos em nível regional. Assim, a ONU enfatiza o papel dos sistemas regionais na promoção e proteção desses direitos. Não existe, porém, hierarquia entre os Sistemas Global e Regionais https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/jurisprudencia/sistema_africano.asp https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/jurisprudencia/sistema_africano.asp 39Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública de Direitos Humanos. É importante esclarecer que diferentes órgãos de direitos humanos proferem diferentes tipos de decisões, que são elaboradas após o trâmite de comunicação ou petição relacionada a um caso específico de violação de direitos humanos. Como dito anteriormente, os órgãos judiciais e quase judiciais são os órgãos capazes de proferir decisões. As decisões tomadas por cada um desses órgãos possuem diferentes naturezas jurídicas: Figura 19 - Natureza das decisões de órgãos de direitos humanos Fonte: Elaborada pela autora. Assim, você pode perceber que os Estados devem cumprir tanto as sentenças quanto as recomendações dos relatórios, porque ambos derivam da ratificação de tratados, não importando se a decisão é proveniente de órgão judicial ou quase judicial. Ou seja: Os Estados que aderem aos tratados e demais normas de direitos humanos têm o dever de adimplir suas obrigações e, conseguintemente, executar espontaneamente os preceitos contidos na sentença e nos relatórios dos órgãos quase judiciais. (ALBUQUERQUE; BARROSO, 2021, p. 181). 3.1.1. Princípios que regem os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos Os Sistemas Internacionais de Direitos humanos são guiados por alguns princípios. Vejamos a seguir. 40Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 3.1.1.1. Princípio da subsidiariedade ou complementaridade Os Sistemas de DH atuam de forma subsidiária com relação aos órgãos e remédios domésticos. Assim, os órgãos de direitos humanos serão acionados pelas vítimas e peticionários somente após o Estado não ter respondido adequadamente às violações (conforme as normas de direitos humanos). Assim, perceba que o primeiro responsável pela observância dos direitos humanos é o Estado, e os próprios tratados de direitos humanos atribuem importantes funções de proteção aos órgãos dos Estados. Quando os Estados ratificam esses tratados, passam a ter a obrigação geral de adequar o seu ordenamento jurídico interno às diretrizes de proteção dos direitos humanos estabelecidas no instrumento que ratificaram. Para compreender como se dá a aplicação do princípio da subsidiariedade a um caso concreto, veja o vídeo a seguir, que demonstra esse princípio aplicado ao caso Ximenes Lopes vs. Brasil (2006), o primeiro caso de condenação do Estado brasileiro no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Vídeo 1 - O princípio da subsidiariedade aplicado ao caso Ximenes Lopes vs. Brasil 3.1.1.2. Princípio da livre escolha Graças ao princípio da livre escolha, a vítima de violação de direitos humanos pode escolher para qual Sistema de Direitos Humanos deseja apresentar o seu caso, depois que os mecanismos internos do Estado não tiverem funcionado. A vítima deve, porém, escolher um Sistema ao qual o Estado que ela pretende denunciar seja subordinado. Por exemplo, uma vítima de violação de direitos humanos no Brasil não pode apresentar uma petição contra o Estado perante a Corte Europeia de Direitos Humanos, pois o Estado brasileiro não está submetido a essa jurisdição. 3.1.1.3. Princípio da boa-fé e princípio da cooperação e do diálogo Os princípios da boa-fé e da cooperação e do diálogo serão apresentados juntos devido à concordância desses temas. Nesse sentido, é importante frisar que os Órgãos de Tratados do Sistema ONU de DH adotam o chamado “diálogo construtivo” como metodologia de trabalho, especialmente quando examinam os relatórios dos Estados. https://youtu.be/i_p9y65PzfQ https://youtu.be/i_p9y65PzfQ 41Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 3.2. Sistema ONU de Direitos Humanos O Sistema ONU é o sistema global de direitos humanos e possui diversos órgãos e normas. A seguir, vamos falar um pouco sobre a ONU e sobre esse Sistema, apresentando os pontos mais relevantes no âmbito da unidade estudada. A ONU passou a existir oficialmente em 24 de outubro de 1945, após ter sido ratificada a sua Carta pelos países membros originários, entre eles: China, Estados Unidos, França, Reino Unido, União Soviética e Brasil. Os propósitos da ONU são, de acordo com a Carta das Nações Unidas: • Manter a paz e a segurança internacionais • Desenvolver relações amistosas entre as nações • Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter ° Econômico ° Social ° Cultural ° Humanitário • Promover e estimular o respeito aos direitos humanos • Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações 3.2.1. Normativas de direitos humanos O sistema ONU de Direitos Humanos é composto por diversos instrumentos normativos. Entre eles está a Carta Internacional de Direitos Humanos, que é composta por: • Declaração Universal dos Direitos Humanos • Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos • Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Além disso o Sistema ONU conta com sete Convenções Temáticas que incluem: 1. Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (1965) 2. Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979) 3. Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) 4. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) Falaremos a seguir sobre algumas normativas de direitos humanos. Para melhor compreensão, consulte a imagem a seguir sempre que precisar, durante a leitura sobre os instrumentos normativos do Sistema ONU. 42Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 20 - Normativas do Sistema ONU Fonte: Elaborada pela autora. Veja a seguir os instrumentos que compõem a Carta Internacional de Direitos Humanos, os principais direitos protegidos por eles e sua relevância universal. Quadro 7 - Instrumentos da Carta Internacional de Direitos Humanos Instrumentos da Carta Internacional de Direitos Humanos e principais direitos protegidos por eles Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Direito à vida Direito ao trabalho Liberdade de pensamento, consciência e religião Direito à educação Direito à igualdade perante a lei Direito à saúde Proibição da tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes Direito à alimentação adequada Direito à liberdade e à segurança pessoal Direito à moradia adequada Liberdade de expressão Direito à segurança social Direito à privacidade Direito à cultura Direito à participação política Direito ao meio ambiente saudável Fonte: Elaborado pela autora. 43Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Quadro 8 - Relevância Universal dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos Relevância Universal dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Protege os direitos civis e políticos dos indivíduos, como a liberdade de expressão, de reunião pacífica e de participação política Protege os direitos econômicos, sociais e culturais dos indivíduos, como o direito aotrabalho, à educação, à saúde e à segurança social. Visa à garantia da liberdade e dignidade humana, incluindo o direito à vida e a proibição da tortura. Visa à garantia da igualdade social e à eliminação das desigualdades econômicas, promovendo a distribuição justa dos recursos sociais e econômicos. A aplicação dos seus princípios é fundamental para a promoção da democracia e do Estado de direito. A aplicação dos seus princípios é fundamental para a promoção da justiça social e da dignidade humana É um instrumento essencial na proteção dos direitos humanos e na luta contra a discriminação e a violência. É um instrumento essencial na promoção da justiça social, na luta contra a pobreza e na garantia da igualdade social. Fonte: Elaborado pela autora. Além dos instrumentos que compõem a Carta Internacional de Direitos Humanos, o conjunto normativo da ONU também contém sete Convenções Temáticas. São elas: • Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965) • Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979) • Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984) • Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) • Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes (1990) • Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) • Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados (2006) 44Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Cada uma dessas convenções possui um órgão de monitoramento, que supervisiona seu cumprimento pelos Estados que ratificaram o tratado correspondente. Por exemplo, o órgão que monitora o cumprimento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, constituído por doze peritos. Veja, a seguir, mais algumas informações acerca das duas Convenções mais relevantes para o escopo desta unidade: a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: + Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Há diversas normativas no âmbito da ONU sobre o tema da tortura e de outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. A Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes foi adotada em 1984. De acordo com essa Convenção, tortura é qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa, a fim de: • Obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões; • Castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; • Intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza. A tortura se configura quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com seu consentimento e aquiescência. + Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Assim como a tortura, o assunto dos direitos das pessoas com deficiência também foi abordado em outros instrumentos normativos da ONU, como a Declaração dos Direitos das Pessoas com Retardo Mental de 1971. A definição de pessoa com deficiência, para essa Convenção, compreende as pessoas que têm impedimentos de longo prazo de natureza: • Física • Mental • Intelectual • Sensorial 45Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Em interação com diversas barreiras, esses impedimentos podem obstruir a participação plena e efetiva dessa pessoa na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. A Convenção defende o igual direito de todas as pessoas com deficiência de viver na comunidade com a mesma liberdade de escolha que as demais pessoas. Estes são os princípios da Convenção: a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a Liberdade de fazer as próprias escolhas, e a Independência das pessoas b) A não discriminação c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade e) A igualdade de oportunidades f) A Acessibilidade g) A igualdade entre o homem e a mulher h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade Ainda, a Convenção trata do reconhecimento igual perante a lei, ou seja, as pessoas com deficiência têm o direito de ser reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei. Isso quer dizer que elas têm capacidade legal e igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida. A Convenção pede que os Estados adotem as medidas apropriadas e efetivas para assegurar às pessoas com deficiência o direito de, como as demais pessoas: • possuir ou herdar bens; • controlar as próprias finanças; • ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro; • não serem arbitrariamente destituídas de seus bens. Como afirmado anteriormente, o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência monitora essa Convenção. 3.2.2. Os sistemas de direitos humanos da ONU O Sistema ONU de Direitos Humanos é estruturado em dois outros sistemas: o Sistema Baseado na Carta da ONU e o Sistema Baseado nos Tratados. Veja a seguir uma ilustração dos dois sistemas de direitos humanos da ONU posicionados lado a lado, para a melhor compreensão, e consulte-a sempre que necessário: 46Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 21 - Os dois sistemas de direitos humanos da ONU Fonte: Elaborada pela autora. 3.2.2.1. O Sistema Baseado na Carta O Sistema Baseado na Carta é relacionado aos direitos protegidos pela Carta da ONU. Esse sistema é composto pelo Conselho de Direitos Humanos, que é um órgão da Carta. O Conselho é de natureza política, por isso não recebe comunicação ou petição relacionada a caso singular de violação de direitos humanos, e é composto por representantes dos Estados. Como o Conselho de Direitos Humanos se baseia na Carta das Nações Unidas, todos os Estados membros se encontram submetidos a ele. Na figura a seguir, observe como está estruturado o Sistema Baseado na Carta da ONU: Figura 22 - Sistema Baseado na Carta da ONU Veja, a seguir, um resumo das atribuições de cada um desses mecanismos: 47Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Quadro 9 – Atribuições dos mecanismos do Sistema Baseado na Carta da ONU Mecanismos Funções Revisão Periódica Universal A proposta é realizar revisões periódicas universais baseadas em informações objetivas e confiáveis sobre o cumprimento das obrigações e compromissos de direitos humanos de cada Estado, garantindo a universalidade e igualdade de tratamento para todos os Estados membros da ONU. Os Estados avaliam mutuamente a situação de direitos humanos em seus respectivos países e têm a oportunidade de demonstrar as ações desenvolvidas para melhorar essa situação. O Grupo de Trabalho da RPU é composto pelos 47 Estados membros do Conselho de Direitos Humanos. Procedimento de Queixa Qualquer pessoa, grupo ou organização pode apresentar uma comunicação confidencial sobre violações graves e sistemáticas de direitos humanos em qualquer parte do mundo. Um grupo de trabalho verifica se a queixa preenche os requisitos necessários para prosseguir e, em seguida, um outro grupo analisa a comunicação e a resposta do Estado denunciado, apresentando um relatório com recomendações ao Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais Os procedimentos especiais consistemem especialistas independentes que elaboram relatórios e orientações sobre direitos humanos, seja a partir de uma perspectiva temática ou de um país específico. Eles monitoram e informam sobre violações de direitos humanos, recomendando soluções e realizando missões para avaliar a situação em um país e apresentando relatórios ao Conselho de Direitos Humanos. Fonte: Elaborado pela autora. A seguir, veremos como é estruturado o Sistema Baseado nos Tratados. 3.2.2.2. O Sistema Baseado nos Tratados Esse Sistema é composto por órgãos criados pelos tratados temáticos específicos para monitorar o cumprimento desses tratados pelos Estados. O primeiro tratado temático foi a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, adotado em 1965. Os Órgãos dos Tratados foram criados para monitorar as Convenções Temáticas a que se referem. Esses Órgãos monitoram apenas os países que ratificaram aquele tratado específico. 48Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Os Órgãos são compostos por especialistas independentes que não são escolhidos como representantes de Estados, mas sim pela sua expertise. Para realizar suas atividades de monitoramento, eles empregam os meios elencados a seguir, chamados de mecanismos. Além das atividades de monitoramento realizadas, os Órgãos de Tratados emitem Comentários Gerais que consistem em estudos aprofundados sobre determinados direitos humanos. Esses Comentários orientam os Estados sobre como cumprir o tratado correlato. + Relatórios Os relatórios são enviados dentro de um ou dois anos após o tratado entrar em vigor e, depois, seguem a periodicidade de quatro ou cinco anos, a depender do tratado. Nos relatórios, os Estados informam as medidas, em particular, legislativas, judiciais e administrativas adotadas para assegurar a fruição dos direitos constantes do tratado, bem como os fatores e as dificuldades que influenciam a efetivação dos direitos humanos em seu território. + Comunicações Individuais Os órgãos dos tratados podem também receber comunicações de indivíduos que aleguem ter sofrido violações de direitos humanos. Para que a comunicação seja aceita, alguns requisitos precisam ser atendidos: 3.3. Sistema Interamericano de Direitos Humanos O Sistema Interamericano de Direitos Humanos está constituído no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). A OEA é o organismo Internacional mais antigo do mundo. Sua origem remonta à Primeira Conferência Internacional Americana realizada em Washington, Estados Unidos (1889-1890). O Sistema Interamericano de Direitos Humanos é formado, fundamentalmente, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O Sistema apresenta duas sistemáticas: uma baseada na Carta da OEA e outra baseada na Convenção Americana (daqui em diante, esta será chamada de “Convenção”). A Convenção Americana de Direitos Humanos entrou em vigor em 1978 e estabelece as obrigações dos Estados de respeitar e proteger os direitos humanos. Esse documento será detalhado mais adiante. 49Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública O Sistema Interamericano de Direitos Humanos está dividido em duas partes: 1. Mecanismos aplicáveis aos Estados membros da OEA: aplicáveis aos Estados que se submetem à Carta da OEA. 2. Mecanismos concernentes aos Estados que fazem parte da Convenção: aplicáveis aos Estados que ratificaram a Convenção Americana e reconheceram a jurisdição da Corte IDH. 3.3.1. Normas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos O Sistema Interamericano de Direitos Humanos possui dois tipos de instrumentos: os gerais e os temáticos. Os instrumentos gerais são: • Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem • Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) • Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) Veja, a seguir, algumas informações relevantes sobre esses instrumentos: Quadro 10 – Instrumentos gerais do Sistema Interamericano de Direitos Humanos Instrumento Ano Escopo Pontos principais Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem 1948 Direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais Proclamou o direito à saúde. Embora não seja legalmente vinculante, suas disposições geram obrigações legais para os Estados Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) 1969 Direitos civis e políticos Estabeleceu obrigações para os Estados respeitarem e protegerem os direitos humanos, criou a Corte Interamericana de Direitos Humanos e detalhou as funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Também afirma o direito à vida, à integridade pessoal e à proteção judicial 50Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Instrumento Ano Escopo Pontos principais Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) 1988 Direitos econômicos, sociais e culturais Define os direitos à educação, saúde, trabalho, seguridade social, alimentação, cultura e ambiente saudável, entre outros. Estabelece obrigações para os Estados garantirem esses direitos a todas as pessoas, sem discriminação. Fonte: Elaborado pela autora. Os instrumentos temáticos são os listados a seguir: • Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1987). • Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à. Abolição da Pena de Morte (1990). • Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (“Convenção de Belém Do Pará”) (1994). • Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999) • Carta Democrática Interamericana. • Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância (2013). • Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas (2015). 3.3.2. Órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos Conforme vimos anteriormente, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos é formado essencialmente por dois órgãos: a CIDH e a Corte IDH. Veja, a seguir, importantes informações sobre cada um desses órgãos. 3.3.2.1. Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH A CIDH é um órgão principal e autônomo da OEA. Ela está sediada em Washington e sua principal competência é a de promover e proteger os direitos humanos no continente americano. Para isso, a CIDH conta com o mecanismo de petição individual e o monitoramento da situação de direitos humanos nos Estados membros da OEA. A Comissão é composta por sete especialistas independentes, ou seja, eles não são representantes dos Estados. Os especialistas são escolhidos pela Assembleia Geral da OEA. 51Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A CIDH possui diversos mecanismos para cumprir o seu papel de monitoramento dos direitos humanos pelos Estados membros da OEA. Esses mecanismos são: as Visitas in loco, as Relatorias Temáticas, os Relatórios de País e Relatórios Temáticos, as Comunicações Interestatais e o Mecanismo de Petição. 3.3.2.2. Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH A Corte IDH está sediada em São José, Costa Rica, e é o órgão judicial do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e autônomo da OEA. A Corte possui duas competências: • Competência contenciosa • Competência consultiva A competência contenciosa da Corte precisa ser reconhecida pelo Estado, no momento da ratificação à Convenção Americana ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior. Os Estados que reconheceram a competência contenciosa da Corte IDH são: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador,Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidade e Tobago, Uruguai e Venezuela. Note que os Estados Unidos e o Canadá não se submetem à jurisdição contenciosa da Corte IDH. É importante notar que os Estados possuem liberdade para se submeterem ou não aos pactos internacionais. O Estado brasileiro escolheu reconhecer a competência contenciosa da Corte IDH ao ratificar a Convenção Americana de Direitos Humanos. Por causa desse compromisso assumido internacionalmente, o Brasil deverá se submeter às decisões e sentenças proferidas por essa Corte. A Corte IDH é composta por sete juízes, nacionais dos Estados membros da OEA, eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal para um período de seis anos, e que só podem ser reeleitos uma vez. As audiências da Corte IDH são, geralmente, públicas e podem ocorrer em qualquer Estado membro da OEA, se assim for decidido. 52Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 23 - Corte Interamericana de Direitos Humanos Fonte: https://www.flickr.com/photos/65759046@N07/39665090455 Na competência consultiva da Corte IDH não há partes ou caso a ser solucionado: seu propósito é conferir uma interpretação à Convenção Americana ou outro tratado Interamericano de direitos humanos. Sobre a competência consultiva da Corte IDH, leia o trecho a seguir. No que diz respeito à relação entre a CIDH e a Corte IDH, perceba os pontos a seguir: • A Corte IDH é a intérprete última da Convenção Americana, pois é o único órgão judicial do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. • A Corte IDH não é limitada pelas decisões que a CIDH tenha adotado em determinado caso que lhe tenha sido submetido anteriormente. • A CIDH não é uma primeira instância da Corte IDH, logo, a Corte não pode ser considerada uma corte de apelação. • A Corte IDH pode rever o procedimento adotado pela CIDH quando a parte alega que houve grave erro da CIDH que comprometeu o direito de defesa da parte. https://www.flickr.com/photos/65759046@N07/39665090455 53Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 3.3.3. Processo Interamericano de Direitos Humanos Para que uma demanda de violação de direitos humanos seja apreciada pelos órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, é necessário que esta percorra um caminho processual. A petição ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos pode ser apresentada por: • Pessoa • Grupo de pessoas • Entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da OEA O peticionário, ou seja, quem denuncia a violação de direitos humanos ao Sistema, não precisa ser a mesma pessoa que sofreu a violação. Em outras palavras, o peticionário não precisa ser a vítima. Considerando que apenas pessoas ou grupos de pessoas podem ser titulares de direitos humanos, somente estas duas categorias podem ser consideradas vítimas no processo perante o Sistema. Entidades não governamentais, como organizações da sociedade civil, podem ser peticionárias perante o Sistema, porém não podem ser vítimas. Além disso, ressalta-se que não é necessário ser representado por um advogado para apresentar petição ao Sistema. O processo perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos será apresentado a seguir de forma geral, com vistas a atender às necessidades deste estudo. 3.3.3.1. O Processo perante a CIDH Veja, a seguir, uma tabela com as fases do processo perante a CIDH: Quadro 11 - O processo perante a CIDH Fase do Processo Descrição Apresentação da petição O peticionário apresenta a petição perante a CIDH. Análise da petição A CIDH analisa a petição e solicita informações ao Estado envolvido. 54Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Fase do Processo Descrição Avaliação dos requisitos de admissibilidade A CIDH avalia se a petição atende aos requisitos de admissibilidade e o Estado apresenta suas exceções preliminares. Relatório de Admissibilidade/ Inadmissibilidade A CIDH produz um relatório sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade da petição, que é público. Abertura do caso Se a petição for admitida, o caso é aberto e as partes apresentam observações adicionais sobre as questões de conteúdo. Solução amistosa Se possível, os Estados e os peticionários chegam a uma solução amistosa, que é transmitida às partes e publicada. Deliberação sobre o mérito A CIDH deliberará sobre o mérito do caso e elaborará um relatório com os fatos alegados, as provas apresentadas, as informações obtidas nas audiências e nas investigações in loco. Decisão sobre a violação Se a CIDH decidir que houve violação, ela elaborará um relatório preliminar com recomendações ao Estado envolvido. Implementação das recomendações O Estado deve informar as medidas adotadas para cumprir as recomendações da CIDH. Fonte: Elaborado pela autora. É importante lembrar que o processo perante a CIDH pode variar de acordo com o caso e as circunstâncias específicas envolvidas. As fases apresentadas na tabela são uma síntese geral do processo. 3.3.3.2. O Processo perante a Corte IDH A tramitação do caso na Corte IDH se divide em três fases: 1. Procedimento Escrito 2. Procedimento Oral 3. Procedimento Escrito Final A CIDH submeterá um caso à Corte IDH por meio de relatório que contenha todos os fatos supostamente violadores dos direitos humanos, inclusive a identificação das supostas vítimas. Um Estado parte também poderá submeter um caso à Corte, 55Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública conforme disposto no artigo 61 da Convenção Americana. A apresentação do caso será notificada à presidência da Corte e aos juízes, ao Estado demandado, à suposta vítima e seus representantes, e à CIDH (se não tiver sido ela quem apresentou o caso). Na fase do procedimento escrito, uma vez notificada a vítima ou seus representantes, esta deverá apresentar à Corte IDH, no prazo definido, seu escrito de petições, argumentos e provas, também chamado de EPAP. Na fase do procedimento final escrito, as vítimas (ou seus representantes) e o Estado demandado (e, se for o caso, o Estado demandante) têm a oportunidade de apresentar à Corte as alegações finais escritas, ou seja, suas observações quanto ao conteúdo do processo, antes de ser proferida a sentença. A CIDH também pode, se entender conveniente, apresentar as suas observações finais escritas. A Corte irá, então, deliberar privadamente e aprovar a sentença, que será notificada às partes. Um ponto de destaque é que, em caso de extrema gravidade e urgência, quando for necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte IDH poderá, nos assuntos de que estiver conhecendo, tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes. As medidas provisórias podem ser adotadas pela Corte por iniciativa própria ou a pedido da suposta vítima ou de seus representantes. A Corte pode, ainda, atuar a pedido da CIDH, quando se tratar de assuntos que ainda não estiverem submetidos ao seu conhecimento. A supervisão do cumprimento dessas medidas será feita com base nos relatórios do Estado e nas observações correlatas apresentadas pelos representantes dos beneficiários, bem como nas observações da CIDH. Uma vez proferida a sentença, cabe à Corte IDH assegurar que os direitos proferidos na decisão se tornem realidade. Assim, a Corte é competente para supervisionar o cumprimento da sentença. A supervisão do cumprimento da sentença é feita por meio de: • Relatórios elaborados pelo Estado indicando as medidas adotadas para cumprir a sentença • Observações apresentadas pelos representantes dos beneficiários às medidas que o Estado afirme ter adotado • Observações da CIDH aos Relatórios do Estado e aos apontamentos dos beneficiários A Corte IDH pode, quando entender conveniente, convocar as partes para uma audiência de supervisão da sentença. A Corte IDH apontará à Assembleia Geral da OEA os casos em que o Estado não tenhadado cumprimento à sua sentença com as recomendações correlatas. 56Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Quando a Corte IDH decidir na sentença que houve violação de direitos humanos, fará três determinações: 1. Que se assegure à vítima a fruição do direito ou da liberdade que foi violado; 2. Que sejam reparadas as consequências da situação que tenha configurado a violação de seus direitos, quando couber; 3. O pagamento de indenização justa à parte lesada. Sobre isso, veja a seguir trechos da sentença do caso Ximenes Lopes vs. Brasil, de 2006. Na sentença, a Corte dispõe que: 6. O Estado deve garantir, em um prazo razoável, que o processo interno destinado a investigar e sancionar os responsáveis pelos fatos deste caso surta seus devidos efeitos, nos termos dos parágrafos 245 a 248 da presente Sentença. (CORTE IDH, 2006, p. 84) No ponto nº 6, a Corte exige que o estado investigue os responsáveis pela violação e os puna de acordo com a lei interna brasileira. 7. O Estado deve publicar, no prazo de seis meses, no Diário Oficial e em outro jornal de ampla circulação nacional, uma só vez, o Capítulo VII relativo aos fatos provados desta Sentença, sem as respectivas notas de pé de página, bem como sua parte resolutiva, nos termos do parágrafo 249 da presente Sentença. (CORTE IDH, 2006, p. 84) Nesse ponto resolutivo, a Corte exige que o Estado publique no Diário Oficial da União e em outro jornal trechos da sentença, visando dar publicidade ao caso. 8. O Estado deve continuar a desenvolver um programa de formação e capacitação para o pessoal médico, de psiquiatria e psicologia, de enfermagem e auxiliares de enfermagem e para todas as pessoas vinculadas ao atendimento de saúde 57Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública mental, em especial sobre os princípios que devem reger o trato das pessoas portadoras de deficiência mental, conforme os padrões internacionais sobre a matéria e aqueles dispostos nesta Sentença, nos termos do parágrafo 250 da presente Sentença. (CORTE IDH, 2006, p. 84) O ponto nº 8 da sentença estabelece uma garantia de não repetição, ou seja, a Corte exige do Estado uma medida que contribua para que as violações ocorridas no caso não voltem a ocorrer no futuro. No caso do ponto nº 8, a medida exigida é a capacitação dos profissionais da área da saúde sobre os princípios e padrões internacionais que devem nortear os cuidados em saúde das pessoas com transtornos mentais. 9. O Estado deve pagar em dinheiro para as senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda, no prazo de um ano, a título de indenização por dano material, a quantia fixada nos parágrafos 225 e 226, nos termos dos parágrafos 224 a 226 da presente Sentença. 10. O Estado deve pagar em dinheiro para as senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda e para os senhores Francisco Leopoldino Lopes e Cosme Ximenes Lopes, no prazo de um ano, a título de indenização por dano imaterial, a quantia fixada no parágrafo 238, nos termos dos parágrafos 237 a 239 da presente Sentença. (CORTE IDH, 2006, p. 84) Os pontos nº 9 e nº 10 ordenam o pagamento das indenizações devidas aos familiares da vítima. 12. Supervisionará o cumprimento íntegro desta Sentença e dará por concluído este caso uma vez que o Estado tenha dado cabal cumprimento ao disposto nesta Sentença. No prazo de um ano, contado a partir da notificação desta Sentença, o Estado deverá apresentar à Corte relatório sobre as medidas adotadas para o seu cumprimento. (CORTE IDH, 2006, p. 84) Nesse ponto, a Corte informa que irá supervisionar o cumprimento da sentença, e que só considerará o caso como concluído quando todos os dispositivos tiverem sido cumpridos. O ponto também exige que o Estado apresente um relatório informando as atividades que realizou no sentido de cumprir a sentença. 58Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A obrigação do Estado de cumprir imediatamente as decisões judiciais da Corte é parte intrínseca da sua obrigação de cumprir de boa-fé as disposições da Convenção Americana, e vincula todos os Poderes e órgãos desse Estado, incluindo os membros do Poder Legislativo, seus juízes e os órgãos vinculados à administração de justiça. Por isso, não cabe a tais agentes públicos invocar disposições do direito interno (as leis do país) para se esquivar de cumprir as sentenças da Corte IDH, conforme falamos anteriormente. O Estado brasileiro executa a sentença da Corte IDH espontaneamente, ou seja, sem a necessidade de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou de que seja proposta qualquer medida judicial. 3.4. Sistema Europeu de Direitos Humanos O Sistema Europeu de Direitos Humanos iniciou-se por meio da adoção da Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, no ano de 1950, pelo Conselho da Europa. O Conselho da Europa é uma organização internacional com sede em Estrasburgo. 3.4.1. Órgãos do Sistema Europeu A disposição dos órgãos de direitos humanos do Conselho da Europa se baseia em três temas. A cada um desses temas estão vinculados órgãos do Sistema Europeu de Direitos Humanos: 1. Proteção dos Direitos Humanos • Corte Europeia de Direitos Humanos • Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes 2. Promoção dos Direitos Humanos • Comissário para os Direitos Humanos • Grupo de Peritos sobre a Luta contra o Tráfico de Seres Humanos • Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância • Comitê de Peritos da Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias • Comitê Consultivo da Convenção Quadro para a Proteção das Minorias Nacionais 3. Garantia dos Direitos Sociais • Comitê Europeu dos Direitos Sociais 59Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública O Sistema Europeu possui um órgão judicial: a Corte Europeia de Direitos Humanos. Os demais órgãos são políticos, porque não solucionam casos por meios alternativos ao julgamento, e a eles cabe avaliar a situação dos direitos humanos nos Estados membros do Conselho da Europa. A Corte Europeia de Direitos Humanos foi instituída em 1959. O órgão funciona de forma permanente e possui competência para decidir todas as questões relacionadas à interpretação e à aplicação da Convenção Europeia e dos seus respectivos protocolos. A Corte possui competência contenciosa e consultiva, pois pode emitir pareceres sobre questões jurídicas relacionadas à interpretação da Convenção e de seus protocolos. O número de juízes da Corte Europeia é igual ao número de Estados partes: 47 juízes. 3.4.2. Normas do Sistema Europeu O Sistema Europeu de Direitos Humanos possui instrumentos gerais e instrumentos temáticos. Instrumentos gerais: • Convenção Europeia de Direitos Humanos • Carta Social Europeia de Direitos Humanos Instrumentos Temáticos: • Convenção Europeia sobre o Status Legal dos Trabalhadores Migrantes (1977) • Convenção para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (1987) • Convenção sobre a Participação de Estrangeiros na Vida Pública (1992) • Convenção Quadro para a Proteção das Minorias Nacionais (1994) • Convenção de Oviedo (Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e Dignidade do Ser Humano em Relação à Aplicação na Biologia e Medicina) (1997) • Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças (2000) • Convenção Europeia sobre Nacionalidade (2000) • Convenção sobre o Cibercrime (2001) e seu Protocolo sobre Xenofobia e Racismo (2003) • Convenção sobre a Ação Contra o Tráfico de Pessoas (2005) • Convenção do Conselho da Europa para a Proteção da Criança Contra a Exploração Sexual e Abuso Sexual (Convenção Lanzarote) (2007) • Convenção sobre a Prevenção e Combate à Violência Contra a Mulher e Violência Doméstica (Convenção de Istambul) (2011) 60Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Veja a seguir informações sobre os instrumentos normativos gerais doSistema Europeu. + Convenção Europeia de Direitos Humanos A Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), de 1950, foi o primeiro tratado de direitos humanos adotado no mundo. A CEDH, adotada por doze Estados membros do Conselho da Europa foi o primeiro instrumento a possibilitar que os indivíduos usassem instrumentos de petição individual para responsabilizar os Estados no plano Internacional. Entre os direitos e liberdades protegidos pela CEDH, podemos citar o direito à vida (art. 2º) e a proibição de discriminação (art. 14). + Carta Social Europeia de Direitos Humanos A Carta Social Europeia de Direitos Humanos foi adotada em 1961 e revista em 1996. Por meio desse instrumento, o Conselho da Europa proclamou os direitos econômicos e sociais. 3.4.3. Processo perante a Corte Europeia de Direitos Humanos A petição perante a Corte pode ser apresentada por qualquer pessoa singular, organização não governamental ou grupo de pessoas que se considere vítima de violação dos direitos reconhecidos na Convenção ou nos seus protocolos, que tenha sido cometida por qualquer Estado parte. Os Estados também podem submeter à Corte Europeia violações das disposições da Convenção que acreditem que outro Estado tenha cometido. Em resposta, a Corte pode conceder medidas provisórias, decidir sobre a admissibilidade da petição e proferir sentenças, que geralmente ordenam uma reparação razoável ou “satisfação equitativa”. Os Estados, por sua vez, deverão respeitar as sentenças definitivas da Corte Europeia. 3.4.4. Mecanismos do Sistema Europeu de Direitos Humanos O Sistema Europeu adota, de modo similar aos Sistemas ONU e Interamericano, mecanismos para monitorar o cumprimento das normas de direitos humanos pelos Estados. Entre eles, destacam-se, além do mecanismo judicial executado pela Corte Europeia: + Mecanismos no âmbito do Comitê Europeu de Direitos Sociais O Comitê de Direitos Sociais monitora o cumprimento da Carta Social Europeia por meio dos mecanismos de petições coletivas, que são apresentadas por 61Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública parceiros sociais e organizações não governamentais (procedimento de petição coletiva), e através de relatórios nacionais elaborados pelos Estados (sistema de relatórios). + Mecanismos no âmbito do Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes O Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes “realiza visitas a lugares de detenção de pessoas para verificar como estão sendo tratadas. Após a visita, o Comitê elabora relatório detalhado ao estado envolvido com recomendações, comentários e pedidos de informação” (ALBUQUERQUE; BARROSO, 2021, p 315). 3.5. Conclusão Os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos são responsáveis por promover a proteção dos direitos humanos em todo o globo. Esses Sistemas são formados por normas, que os conduzem; órgãos, que monitoram o cumprimento das normas; e mecanismos, que são as ferramentas usadas pelos órgãos no monitoramento. Estudamos três Sistemas de Direitos Humanos, o sistema global (ONU) e os sistemas regionais (Interamericano e Europeu). Esses sistemas são independentes entre si e atuam de forma não hierárquica. Cada um desses órgãos possui seus próprios elementos e estruturas de funcionamento. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos conta com a Convenção Americana de Direitos Humanos, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos julga as petições individuais que denunciam descumprimentos aos dispositivos da Convenção. Nesse contexto, o caso Ximenes Lopes vs. Brasil consistiu em uma demanda apresentada à Corte IDH contra o Estado brasileiro pela violação aos artigos 4 (Direito à Vida), 5 (Direito à Integridade Pessoal), 8 (Garantias Judiciais) e 25 (Proteção Judicial) da Convenção Americana. O Estado brasileiro foi condenado, em 2006, pela violação desses artigos e vem desde então adotando medidas para cumprir o disposto na sentença. Uma dessas medidas é o desenvolvimento de: (...) um programa de formação e capacitação para o pessoal médico, de psiquiatria e psicologia, de enfermagem e auxiliares de enfermagem e para todas as pessoas vinculadas ao atendimento de saúde mental, em especial sobre os princípios que devem reger o trato das pessoas portadoras de deficiência mental, conforme os 62Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública padrões internacionais sobre a matéria. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006, p. 84) O estudo dos Sistemas de Direitos Humanos é relevante para que possamos compreender o caminho percorrido pelas demandas de direitos humanos até que os Estados sejam internacionalmente compelidos a tomar medidas para a promoção desses direitos. 63Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Olá, estudante! Neste módulo, trabalharemos os três campos de interação entre direitos humanos e saúde. A seguir, trataremos do direito à saúde e, particularmente, do direito à saúde mental. Por fim, entenderemos de que forma os direitos humanos se aplicam às pessoas sob cuidados em saúde. 1. Os três campos de interação entre direitos humanos e saúde Identificar a aplicação dos direitos humanos no contexto da saúde mental. Os direitos humanos são universais. Eles foram criados com a finalidade de proteger a dignidade e o inerente e igual valor de todas as pessoas. Esses direitos são inalienáveis, interdependentes e se relacionam entre si. Para fins didáticos, os direitos humanos foram divididos em direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais. Os direitos humanos se definem e são garantidos por meio do direito estabelecido pelos instrumentos internacionais. Com base no Direito Internacional, os Estados assumem a obrigação de respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos: • A obrigação de respeitar esses direitos quer dizer que os Estados precisam se abster de interferir ou limitar o seu usufruto. • A obrigação de proteger os direitos humanos exige dos Estados que protejam os indivíduos e grupos contra uma interferência indevida no gozo dos direitos humanos por parte de outras pessoas ou entidades. • A obrigação de cumprir significa que os Estados precisam adotar medidas positivas para garantir a fruição dos direitos humanos. Módulo Saúde e Direitos Humanos2 64Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Entre os direitos humanos reconhecidos em diversos instrumentos normativos está o direito à saúde. Esse direito está afirmado diretamente em documentos de direitos humanos internacionais e regionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entre outros documentos. Alguns direitos humanos estão relacionados à saúde de forma indireta, o que nos mostra que há um relacionamento complexo entre a saúde e o campo dos direitos humanos. Para ilustrar essa ligação, as conexões entre saúde e direitos humanos são muitas vezes descritas como os três campos de interação entre direitos humanos e saúde, que compreendem: • Violações dos direitos humanos que resultam em problemas de saúde; • Redução da vulnerabilidade relacionada a problemas de saúde por meio dos direitos humanos; e • Promoção ou violação dos direitos humanos por meio da saúde. Figura 24 - Os três campos de interação entre direitos humanos e saúde Fonte: Elaborada pela autora, com base em ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Direitos humanos e saúde. [S.l.]: OMS, 2022. Disponível em: https://www.who.int/news-room/ fact-sheets/detail/human-rights-and-health#:~:text=The%20right%20to%20health%2C%20 as,consensual%20medical%20treatment%20and%20experimentation). Acesso em: 17 mar. 2023. Você verá, a seguir, o detalhamento de cada um desses campos. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/human-rights-and-health# https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/human-rights-and-health#65Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.1. Violações dos direitos humanos que resultam em problemas de saúde Violações de direitos humanos como práticas tradicionais prejudiciais, tortura, escravidão ou violência contra mulheres e crianças podem resultar em sérios problemas de saúde. Figura 25 - Violações de direitos humanos e problemas de saúde Fonte: Elaborada pela autora. + Práticas tradicionais prejudiciais São procedimentos persistentes e formas de comportamento fundamentados na discriminação com base em sexo, gênero e idade, entre outros aspectos, além de múltiplas formas de discriminação que comumente envolvem violência e causam sofrimento e dano físico e/ou psicológico. Essas práticas tradicionais podem ser novas ou regressas, e são prescritas e/ou mantidas por normas sociais que perpetuam a dominação masculina e a desigualdade de mulheres e crianças com base em sexo, gênero, idade e outros fatores. Um exemplo de prática tradicional prejudicial é a mutilação genital feminina, que consiste em qualquer procedimento que implique a remoção, parcial ou total, dos órgãos genitais das mulheres, ou qualquer dano provocado aos órgãos genitais, seja por razões culturais ou por outras razões não terapêuticas. 66Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Entre os danos à saúde causados pela mutilação genital feminina, incluem-se a maior vulnerabilidade a diferentes tipos de infecções, como as sexualmente transmissíveis e ao HIV, visto que o procedimento é normalmente feito sem condições de higiene, com instrumentos rudimentares e não esterilizados. A mutilação genital feminina é praticada em mais de 40 países, o que inclui regiões na América do Sul, no continente Africano, Arábia Saudita, Paquistão e Índia. A proibição de práticas tradicionais nocivas contra as mulheres está articulada na Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres e na Recomendação Geral 24 sobre Mulheres e Saúde do Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (1999). + Tortura Há diversas normativas no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o tema da tortura e de outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. A Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes foi adotada em 1984. De acordo com essa Convenção, tortura é qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de: • Obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões; • Castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; • Intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza. A tortura se configura quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o consentimento e aquiescência desses agentes. É importante destacar que não se consideram tortura as dores ou sofrimentos que são consequência unicamente de sanções legítimas ou que são inerentes a tais sanções, ou delas decorram. Além da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a proibição contra a tortura está articulada em outros instrumentos de direitos humanos, incluindo o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos: o artigo sétimo afirma que ninguém deve ser submetido a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes. Em particular, ninguém pode ser submetido sem seu livre consentimento a experimentos médicos ou científicos. A tortura provoca severas consequências na saúde da vítima. É comum que sobreviventes de tortura apresentem estresse pós-traumático, comorbidades psicológicas e deficiências físicas. As respostas à experiência de tortura podem 67Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública ser complexas, envolvendo alterações na capacidade de regular as emoções, prejuízo no processamento das relações interpessoais, percepção reduzida de controle e perda de identidade. Ademais, sobreviventes de tortura podem enfrentar desafios no ajuste pós-trauma, como conflito interno contínuo e, no caso de pessoas deslocadas e migrantes, estresse pós-migração, incluindo as questões relacionadas à separação familiar, preocupações socioeconômicas, incerteza de visto e discriminação. Assim, as necessidades dos sobreviventes de tortura apresentam desafios substanciais às abordagens tradicionais de tratamento. O conhecimento relacionado a outros grupos afetados por traumas não pode ser generalizado para essa população. De acordo com a Convenção sobre a Escravatura ou Convenção sobre a Escravidão de 1926, a escravidão é o estado ou condição de uma pessoa sobre a qual são exercidos todos ou alguns dos poderes inerentes ao direito de propriedade. O artigo 1.2 da Convenção afirma que: O tráfico de escravos inclui todos os atos que envolvam a captura, aquisição ou alienação de uma pessoa com a intenção de reduzi-la à escravidão; todos os atos que envolvam a aquisição de um escravo com vistas a vendê-lo ou trocá-lo; todos os atos de alienação por venda ou troca de um escravo adquirido com o objetivo de ser vendido ou trocado e, em geral, todo ato de comércio ou transporte de escravos. (CONVENÇÃO SOBRE A ESCRAVATURA, 1926, Art. 2.1, tradução nossa) Sobre esse assunto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948). Em alguns países, o estigma associado ao tráfico sexual pode ser reforçado por sistemas legais que criminalizam a prostituição. O tráfico sexual pode também levar a consequências em saúde, como HIV/AIDS, e ao abuso de substâncias, que estão associados a mais estigma. É importante perceber que fatores gerais de risco de estresse pós-traumático incluem condições da vítima, como ser do sexo feminino, ter baixo nível educacional e transtornos de saúde mental preexistentes, que são fatores comumente percebidos em vítimas de tráfico. No que diz respeito às crianças, formas de trabalho infantil, como a servidão doméstica, constituem formas contemporâneas de escravidão. As crianças submetidas a essas violações normalmente não têm acesso efetivo à educação e a serviços básicos de saúde. 68Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública No caso de trabalhadores migrantes, sua vulnerabilidade à escravidão aumenta, já que ficam relegados à economia informal para contornar as vias legais de trabalho e estão sujeitos ao pagamento de taxas de contratação e a práticas fraudulentas de intermediários de mão de obra. Isso os leva à baixa participação na sociedade, à saúde precária e à falta de rede de segurança, fatores condutores da escravidão. + Violência contra as mulheres A Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres (1993) define a violência contra as mulheres como: Qualquer ato de violência baseado no gênero do qual resulte, ou possa resultar, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres, incluindo as ameaças de tais atos, a coação ou a privação arbitrária de liberdade, que ocorra, quer na vida pública, quer na vida privada”. (DECLARAÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES, 1993, Art. 1) Além dessa Declaração, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979) também se refere ao assunto, pois afirma que os Estados partes devem tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra as mulheres no campo dos cuidados em saúde e para assegurar, com base na igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços de cuidado em saúde, incluindo aqueles relacionados ao planejamentofamiliar. A violência contra as mulheres se manifesta de diversas formas, entre as quais podemos citar a violência obstétrica. De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a violência obstétrica é definida como: “Apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, através do tratamento desumanizado, abusivo, intervencionista, discriminatório e sem base em evidências científicas, e inclui a recusa de atenção obstétrica e neonatal” (CIDH, 2019, p. 1). As consequências desse tipo de violência afetam a saúde física e mental da vítima. No quesito da saúde mental, são consequências o aparecimento de quadros de tristeza, episódios psicóticos e probabilidade de surgimento de transtornos psiquiátricos durante o período pós-parto, o que interfere na formação de um vínculo afetivo saudável entre a mãe e o bebê. 69Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.2. Redução da vulnerabilidade no processo saúde- doença por meio dos direitos humanos A observância de diversos direitos tem o potencial de reduzir a vulnerabilidade a problemas de saúde. Alguns desses direitos são: o direito à informação, à educação, à comida e à nutrição, e à água. A vulnerabilidade e o impacto dos problemas de saúde podem ser reduzidos se forem tomadas medidas para proteger, respeitar e cumprir os direitos humanos. Figura 26 - Direitos humanos e vulnerabilidade em relação a problemas de saúde Fonte: Elaborada pela autora. O direito à informação é protegido pelo artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, e pode ser definido como a liberdade de buscar, receber e difundir informações de qualquer natureza. A informação é importante ferramenta no desenvolvimento de uma cultura de responsabilização e realização dos direitos humanos. No âmbito da saúde, o respeito ao direito à informação afeta diretamente a saúde das pessoas sob cuidados em saúde, na medida em que a falta de conhecimento da população sobre informações em saúde as torna mais vulneráveis em relação à sua própria condição. Sobre isso, assista ao vídeo a seguir, que explica a vulnerabilidade da pessoa sob cuidados em saúde internada: 70Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Vídeo 2 - A vulnerabilidade da pessoa sob cuidados em saúde na internação hospitalar Nesse sentido, ganha importância o conceito do consentimento informado, que pode ser definido como: Uma decisão voluntária e suficientemente informada capaz de promover autodeterminação, integridade física e bem-estar da pessoa sob cuidados em saúde (ALBUQUERQUE, 2016). Desse modo, o consentimento informado é a concretização do respeito da autonomia da pessoa sob cuidados em saúde para decidir sobre aquilo que lhes é mais íntimo: o corpo. (ELER; ALBUQUERQUE, 2020, p. 121) Por meio do direito à informação, é possível reduzir a vulnerabilidade em relação a problemas de saúde, como pode ser observado no exemplo a seguir: [...] em 2015, no Caso Montgomery versus Lanarkshire Health Board no qual uma mulher diabética sofreu complicações obstétricas ao optar pelo parto normal, que gerou redução severa da oxigenação no cérebro do feto. Esse problema, frequente em mulheres diabéticas que têm fetos maiores, ocorreu em razão da dificuldade de passagem do feto pelo canal vaginal. A pessoa sob cuidados em saúde alegou que se soubesse do risco, teria optado por fazer uma cesárea. A médica obstetra, por sua vez, defendeu-se dizendo que não havia informado tal risco por ser a probabilidade de ocorrência pequena (ELER; ALBUQUERQUE, 2020, p. 120). O direito à educação é protegido pelo artigo 13 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). Esse direito inclui o acesso à educação em apoio aos conhecimentos básicos de saúde e nutrição infantil, as https://youtu.be/s_z9JxBgErg https://youtu.be/s_z9JxBgErg 71Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública vantagens do aleitamento materno, higiene e saneamento ambiental e prevenção de acidentes. A adoção de medidas relacionadas a esses conhecimentos diminui a vulnerabilidade a problemas de saúde: diversos estudos e pesquisas demonstram a relação entre a escolaridade materna e a mortalidade infantil. De acordo com um estudo realizado por Victora et al. (2003), o aumento do nível de escolaridade das mães está associado à redução na mortalidade infantil. Os autores afirmam que a educação e a informação para as mães são fundamentais para promover a equidade social e reduzir as desigualdades na saúde infantil. O direito à alimentação adequada está previsto no artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o direito à informação em saúde é fundamental para prevenir doenças relacionadas à nutrição, tais como a desnutrição e a obesidade. Por exemplo, o acesso à informação sobre os benefícios de uma dieta equilibrada e variada pode ajudar a prevenir o diabetes, o colesterol elevado e o câncer causado por práticas alimentares inadequadas (OMS, 2021). Além disso, a falta de informação também pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos alimentares, como a anorexia nervosa e a bulimia. A Resolução das Nações Unidas A/RES/64/292 declarou que a água limpa e segura, bem como o saneamento, são direitos humanos essenciais para que se possa gozar plenamente a vida e todos os outros direitos humanos. O respeito ao direito à água reduz a vulnerabilidade a diversos problemas de saúde: São vários os problemas relacionados à desigualdade e à precariedade no acesso à água potável, dentre estes estão as doenças ligadas à falta de higiene pessoal e doméstica, em decorrência do déficit no acesso; as causadas pela ingestão de água com qualidade sanitária insatisfatória; as relacionadas ao contato com a água contaminada; e as transmitidas por meio de transmissores aquáticos. Nessa conjuntura, está a pandemia da Covid-19, que surgiu em 2020, com uma significativa desigualdade social, onde pessoas sobrevivem em condições precárias de habitação ou não a tem, e sem acesso a serviço de abastecimento de água adequado, o que intensifica os problemas e dificulta o enfrentamento da crise sanitária. (SILVA et al., 2022, p. 115) Assim, verifica-se que respeitar os direitos humanos é uma forma de diminuir a vulnerabilidade dos indivíduos a problemas de saúde. Nesse sentido, cabe aos 72Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Estados promover o cumprimento desses direitos como medida de saúde para os seus jurisdicionados. 1.3. Promoção ou violação dos direitos humanos por meio da saúde Políticas e programas em saúde podem promover os direitos humanos ou violá- los, a depender da forma como são formulados ou implementados. Alguns dos direitos humanos que podem ser afetados pelos programas e políticas em saúde são o direito à participação, o direito a não discriminação, o direito à privacidade e o direito à liberdade de movimento. Por exemplo, se uma prática ou política em saúde discriminar um grupo de pessoas, isso constitui uma violação de direitos humanos. Por outro lado, assegurar o direito a não discriminação por meio de uma política em saúde promoveria os direitos humanos. Nesse sentido, é importante ter em mente que grupos vulneráveis e marginalizados em sociedades costumam sofrer com problemas de saúde de forma desproporcional com relação à maioria. A discriminação aberta ou implícita é comumente a causadora de Estados de saúde deficitários. Na prática, a discriminação pode se manifestar por meio de programas de saúde direcionados inadequadamente e do acesso restrito aos serviços de saúde. Assim, de acordo com a OMS: A proibição da discriminação não significa que as diferenças não devam ser reconhecidas, mas apenas que o tratamento diferenciado – e a falta de tratamento igualitário de casos iguais – deve ser baseado em critérios objetivose razoáveis destinados a corrigir os desequilíbrios dentro de uma sociedade. Em relação à saúde e aos cuidados de saúde, os fundamentos para a não discriminação evoluíram e podem agora ser resumidos na proibição de “qualquer discriminação no acesso aos cuidados de saúde e aos determinantes subjacentes da saúde, bem como aos meios e direitos para a sua aquisição, motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, deficiência física ou mental, estado de saúde (incluindo HIV/ AIDS), orientação sexual, orientação civil, política, social ou outro status, que tenha a intenção ou o efeito de anular ou prejudicar o igual gozo ou exercício do direito à saúde”. (OMS, 2002, p. 11, tradução nossa) 73Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Nesse ponto, é relevante destacar o tema do racismo estrutural e institucional. Essas são formas de discriminação que estão enraizadas nas estruturas e instituições da sociedade, afetando negativamente grupos específicos, especialmente as pessoas negras. O jurista e professor Silvio Almeida, atual Ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania, é um dos principais pesquisadores e teóricos brasileiros sobre o tema. Segundo Almeida, o racismo estrutural é um tipo de racismo que está presente nas estruturas e instituições da sociedade, perpetuando a desigualdade racial. Essas desigualdades não são resultado de ações individuais, mas sim de uma estrutura social que perpetua o racismo e a exclusão. No que diz respeito à saúde mental, o racismo estrutural se manifesta, por exemplo, na falta de acesso equitativo a serviços de saúde mental para grupos raciais historicamente marginalizados: a falta de recursos para tratamentos em áreas de baixa renda, a falta de profissionais de saúde mental em comunidades negras e a estigmatização da saúde mental em algumas comunidades. O racismo institucional é uma forma de discriminação que ocorre em instituições sociais, prejudicando ou favorecendo grupos raciais de forma indireta: “O racismo institucional, por sua vez, é resultado do funcionamento das instituições, que passam a atuar em uma dinâmica que confere, ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios com base na raça” (ALMEIDA, 2019, p. 26). O racismo institucional pode ser relacionado à saúde mental quando há falta de acesso a serviços de saúde mental de qualidade para grupos raciais marginalizados. Isso pode se manifestar através de políticas e práticas de saúde que desconsideram as necessidades e experiências desses grupos, além de perpetuar estereótipos e preconceitos em relação a eles. É importante reconhecer a existência do racismo institucional na área da saúde mental para que se possa agir para combatê-lo, promovendo a diversidade e a inclusão na equipe de saúde mental e desenvolvendo políticas que garantam o acesso equitativo a serviços de saúde mental de qualidade para todos. Você pode saber mais sobre o tema racismo institucional e estrutural por meio da leitura da obra “Racismo Estrutural”, de Silvio Luiz de Almeida (ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Editora Polen, 2010). No que diz respeito ao direito à participação, a abordagem de direitos humanos aplicada à saúde envolve o exercício desse direito, na medida em que os beneficiários das políticas de saúde devem participar de forma livre, significativa e efetiva dos 74Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública processos que os afetam. O direito à participação está previsto na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, e em outros instrumentos de direitos humanos. Nesse sentido, destaca-se a disposição presente no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos: Art. 25. Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas: a) De participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos; (PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS, 1966, Art. 25) Assim, quando a formulação e implementação políticas públicas e práticas em saúde envolvem a contribuição da população afetada, pode-se dizer que acontece a promoção do direito à participação. Por outro lado, tais políticas podem violar o direito à participação quando excluem de seu processo de formulação e implementação os beneficiários dessas medidas. Por outro lado, um Estado que encarcera ou restringe os movimentos de pessoas com HIV/AIDS, se recusa a permitir que médicos tratem pessoas que se acredita serem opostas a um governo, ou deixa de fornecer imunização contra as principais doenças infecciosas da comunidade por motivos como segurança nacional ou a preservação da ordem pública, tem o ônus de justificar medidas tão graves. (OMS, 2002, p. 19, tradução nossa) Essas medidas podem violar o direito humano à liberdade de movimento. O direito à privacidade é protegido pelo artigo 17 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos: ARTIGO 17 1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação. 75Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas. (PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS, 1966, Art. 17) Em respeito a esse direito, os dados pessoais de saúde devem ser tratados com confidencialidade: A coleta de informações pessoais de indivíduos sobre seu estado de saúde (por exemplo, infecção por HIV, câncer ou distúrbios genéticos) ou comportamento (por exemplo, orientação sexual ou uso de álcool ou outras substâncias potencialmente nocivas) têm o potencial de uso indevido pelo Estado, seja diretamente ou porque esta informação é intencionalmente ou inadvertidamente disponibilizada a outros. (OMS, 2002, p. 19, tradução nossa) Ainda, a existência de normas e padrões de direitos humanos deve estimular a coleta de evidências indicando os dados que são necessários para enfrentar complexos desafios de saúde: Mais amplamente aceita é a noção de que os direitos humanos são relevantes para a maneira como os dados de saúde devem ser coletados. Isso inclui a escolha dos métodos de coleta de dados que devem incluir considerações sobre como garantir o respeito aos direitos humanos, como privacidade, participação e não discriminação. Em segundo lugar, os instrumentos internacionais podem ser úteis na definição de vários grupos populacionais. Por exemplo, a Convenção da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais fornece uma base oficial para identificar e diferenciar os povos indígenas e tribais de outros grupos populacionais. (OMS, 2002, p. 19, tradução nossa) Embora saibamos que os direitos humanos são muitas vezes violados por políticas e medidas de saúde, alguns direitos humanos não podem ser restritos em nenhuma circunstância, como o direito a não ser torturado e a não ser escravizado, e a liberdade de pensamento, de consciência e de religião. As cláusulas de limitação e de derrogação nos instrumentos de direitos humanos reconhecem a necessidade de limitar direitos humanos em algumas situações. A saúde pública é, muitas vezes, usada pelos Estados como base para limitar o exercício de direitos humanos. 76Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Um fator chave para determinar se as proteções necessárias existem quando os direitos são restringidos é que cada um dos cinco critérios dos Princípios de Siracusa deve ser atendido. Mesmo em circunstâncias em que as limitações por motivos de proteção da saúde pública são basicamente permitidas, elas devem ser de duração limitada e sujeitas a revisão. Somente como último recurso é que os direitos humanos podem sofrer interferências para atingir uma metade saúde pública. Tal interferência só pode ser justificada quando todas as circunstâncias estritamente definidas estabelecidas na lei de direitos humanos, conhecidas como Princípios de Siracusa, forem atendidas. (OMS, 2002, p. 18, tradução nossa) São os critérios dos princípios de Siracusa: • A restrição ao direito é prevista e realizada de acordo com a lei; • A restrição atende a um objetivo legítimo de interesse geral; • A restrição é estritamente necessária, em uma sociedade democrática, para atingir o objetivo; • Não existem meios menos intrusivos e restritivos disponíveis para atingir o mesmo objetivo; • A restrição não é redigida ou imposta arbitrariamente, ou seja, de forma irracional ou discriminatória. Assim, percebemos que, a depender da forma como políticas e programas em saúde são implementados, eles podem causar a promoção dos direitos humanos ou a sua violação. Sendo assim, cabe aos Estados verificar seus compromissos internacionais de direitos humanos ao formular medidas em saúde, com vistas a evitar práticas violadoras de direitos humanos. Nesse sentido, cabe destacar que a implementação de políticas de saúde para combater a propagação do vírus da Covid-19 e tratar seus efeitos tem impacto significativo nos direitos humanos. Por exemplo, medidas como quarentenas e lockdowns limitam o direito de liberdade de movimento, enquanto a falta de acesso a tratamentos e equipamentos de proteção individual pode afetar o direito à saúde e à vida. Dessa forma, é fundamental que os Estados garantam que suas medidas de saúde durante a pandemia estejam em conformidade com os padrões internacionais de direitos humanos e evitem violações desses direitos. 77Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 2. Direito à saúde Reconhecer a saúde e a saúde mental enquanto direitos. O direito à saúde é um direito humano. Sendo assim, ele está protegido em diversos documentos, como o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no artigo 12: ARTIGO 12 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental. 2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças; b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente; c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade. (Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966, art. 12). A seguir, estudaremos o direito à saúde, abordando o seu conteúdo, os seus elementos e as formas de monitoramento desse direito. Por fim, trataremos do direito à saúde mental. 2.1. Direito à saúde: conteúdo, elementos e monitoramento Para compreender o direito à saúde, é necessário estudar o seu conteúdo, os seus elementos e as formas de monitoramento pelos órgãos internacionais de direitos humanos. Vejamos a seguir esses fatores. 78Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 2.1.1. Conteúdo do direito à saúde Conforme disposto no artigo 12 do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, mencionado anteriormente, toda pessoa tem o direito de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental, ou seja, o direito à saúde. Esse direito é definido pelo Comitê da ONU sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais como o direito ao desfrute de: • Bens • Serviços Determinantes sociais da saúde Para que se possa alcançar o mais alto nível possível de saúde física e mental. Para o Comitê, o direito à saúde não consiste somente no cuidado em saúde oportuno e apropriado, mas também envolve os principais fatores determinantes da saúde, como: • O acesso à água potável • Condições sanitárias e habitação adequada • Condições sadias de trabalho e meio ambiente • Acesso à educação e à informação sobre questões relacionadas à saúde O direito à saúde inclui, ainda, serviços de proteção e prevenção no campo da saúde. Assim, é importante compreender que o direito à saúde não consiste no direito de estar saudável. Ele consiste no direito a um conjunto de bens, serviços e instalações que devem estar disponíveis, acessíveis e ser aceitáveis e de qualidade. 79Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 27 - Direito à saúde Fonte: Elaborada pela autora. O direito à saúde é guiado por cinco princípios: 1. Igualdade 2. Não discriminação 3. Accountability 4. Participação 5. Proteção dos vulneráveis Os princípios da igualdade e da não discriminação demandam dos Estados que abordem a discriminação em leis políticas e práticas, assim como na distribuição e provisão de recursos e serviços de saúde. A discriminação pode ser indireta e ocorrer, por exemplo, por meio de políticas e ações que ignorem questões de gênero, e que por isso levem a desigualdades no acesso e usufruto de direitos a bens e serviços de saúde. O funcionamento dos sistemas nacionais de informação sanitária e a disponibilidade de dados são essenciais para que se possa identificar os grupos mais vulneráveis e suas diversas necessidades. Grupos comumente marginalizados incluem: crianças e adolescentes; mulheres; pessoas com deficiências; povos indígenas, minorias 80Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública étnicas, religiosas ou linguísticas; deslocados internos e refugiados; migrantes, particularmente indocumentados; e pessoas vivendo com HIV ou AIDS. A seguir, observe alguns trechos do Comentário Geral número 14 de 2000, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, que tratam dos princípios da igualdade e da não discriminação: 12 b (i) Não discriminação: os estabelecimentos, bens e serviços de saúde têm de ser acessíveis a todos, em especial os sectores mais vulneráveis e marginalizados da população, nos termos da lei e de facto, sem discriminação alguma por quaisquer dos motivos proibidos – p 152 (iii) Os pagamentos por serviços de cuidados de saúde, bem como serviços relacionados com os factores determinantes subjacentes à saúde, têm de se basear no princípio da equidade, a fim de assegurar que esses serviços, sejam públicos ou privados, estejam ao alcance de todos, incluindo dos grupos socialmente desfavorecidos. A equidade exige que não recaia uma carga desproporcionada nos lares mais pobres, no que se refere a gastos de saúde, em comparação com os lares mais ricos. (COMITÊ DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, 2000) 19. [...] No que respeita ao direito à saúde, é necessário realçar a igualdade de acesso aos cuidados de saúde e serviços de saúde. Os Estados Partes têm uma obrigação especial de proporcionar a quem não tenha meios suficientes, o necessário seguro médico e acesso a centros de saúde e impedir qualquer discriminação com base em motivos internacional respeita às obrigações fundamentais do direito à saúde. Uma atribuição inapropriada de recursos de saúde pode dar lugar a uma discriminação que poderá não ser manifesta. Por exemplo, os investimentos não devem favorecer desproporcionadamente os serviços curativos caros que muitas vezes são apenas acessíveis a uma pequena fracção privilegiada da população, em detrimento da atenção primária e preventiva da saúde que beneficie uma parte maior da população. (COMITÊ DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, 2000). Sobre o princípio da participação, o Comitê estabelece que os Estados precisam respeitar o direito dos indivíduos e grupos de participar nos processos de tomada de decisão que possam lhes afetar. Para o Comitê, o respeito a esse direito precisa ser um fatorintegrante de toda estratégia, política ou programa desenvolvido com o objetivo de cumprir as obrigações estatais que foram estabelecidas no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. “Uma prestação 81Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública efetiva de serviços de saúde pode apenas ser garantida se a participação das pessoas for assegurada pelos Estados” (COMITÊ DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, 2000). O Comentário Geral nº 14 de 2000 possui vários trechos relacionados ao princípio da proteção dos vulneráveis: 12 b) Acessibilidade. Os estabelecimentos, bens e serviços de saúde têm de se encontrar num alcance geográfico seguro por parte de todos os setores da população, em especial os grupos vulneráveis ou marginalizados da população, como as minorias étnicas e populações indígenas, as mulheres, as crianças, os adolescentes, os idosos, pessoas com incapacidades e pessoas com VIH/ SIDA. 37. [...] A obrigação de realizar (promover) o direito à saúde requer que os Estados Partes realizem ações que criem, mantenham e restabeleçam a saúde da população. Entre essas obrigações figuram as seguintes: (...) (ii) assegurar que os serviços de saúde sejam culturalmente apropriados e que o pessoal responsável pelos cuidados de saúde receba formação de modo a reconhecer e a dar resposta às necessidades concretas dos grupos vulneráveis ou marginalizados. 65. O papel da OMS, do Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, do Comité Internacional da Cruz Vermelha/Crescente Vermelho e do UNICEF, bem como de organizações não governamentais e associações médicas nacionais, é de particular importância no que respeita à prestação de auxílio em casos de desastre e de assistência humanitária em casos de emergência, incluindo assistência a refugiados e a deslocados internos. Ao proporcionar ajuda médica internacional e ao distribuir e gerir recursos como água limpa e potável, alimentos e equipamento médico, bem como ajuda financeira, há que dar prioridade aos grupos mais vulneráveis ou marginalizados da população. 19. O Comitê recorda o nº 12 do Comentário Geral nº 3, que afirma que mesmo em alturas de limitações graves de recursos é preciso proteger os membros vulneráveis da sociedade mediante a adoção de programas especiais de relativo baixo custo. (COMITÊ DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, 2000). Pelo princípio da accountability, os Estados devem ser transparentes sobre seus processos de tomada de decisão, suas ações ou omissões, e devem implementar mecanismos de reparação de falhas. Existem muitas formas de aplicar o princípio da accountability do Estado, por exemplo: 82Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública • Quando o Estado ratifica tratados e incorpora as normas internacionais na legislação nacional; • Por meio de mecanismos judiciais e quase judiciais, como decisões judiciais, revisões constitucionais, comissões nacionais de direitos humanos; • Por meio de mecanismos administrativos e de política, como revisões de políticas e estratégias de saúde, auditorias e avaliações de impacto sobre direitos humanos; • Por mecanismos políticos, por exemplo, processos parlamentares, monitoramento e advocacia por ONGs. Você pode saber mais sobre os princípios norteadores do direito à saúde por meio da leitura do Comentário Geral nº 14 de 2000, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU. O documento, que possui linguagem simples e acessível, é a referência internacional do conteúdo do direito à saúde. Para isso, acesse o link https://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/06/ Compilation-of-HR-instruments-and-general-comments-2009- PDHJTimor-Leste-portugues.pdf e inicie sua leitura na página 150 do documento. 2.1.2. Elementos do direito à saúde Considerando que os conteúdos do direito à saúde (serviços, bens e instalações de saúde) devem ser disponíveis, acessíveis, de qualidade e aceitáveis, podemos dizer que o direito à saúde compreende quatro elementos: • Disponibilidade • Acessibilidade • Qualidade • Aceitabilidade Esses elementos são essenciais e inter-relacionados, e sua aplicação dependerá das condições predominantes no Estado. Os elementos possuem uma função diagnóstica, pois direcionam a atenção para o que ainda precisa ser feito, à medida que os governos nacionais avançam para a cobertura de saúde. Os governos podem proteger o direito à saúde por meio do aumento da capacidade e da qualidade de saúde, assegurando que esses serviços permaneçam acessíveis a todos. A seguir, veja o detalhamento de cada um dos elementos do direito à saúde, definidos pelo Comentário Geral nº 14/2000 no parágrafo nº 12. https://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/06/Compilation-of-HR-instruments-and-general-comments-2009-PDHJTimor-Leste-portugues.pdf https://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/06/Compilation-of-HR-instruments-and-general-comments-2009-PDHJTimor-Leste-portugues.pdf https://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/06/Compilation-of-HR-instruments-and-general-comments-2009-PDHJTimor-Leste-portugues.pdf 83Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública + Disponibilidade Para que seja identificado o elemento da disponibilidade, os bens, os serviços e as instalações de saúde precisam existir em número suficiente e incluir fatores determinantes de saúde: Cada Estado Parte tem de ter disponível um número suficiente de estabelecimentos, bens e serviços públicos de saúde e centros de atendimento de cuidados de saúde, assim como programas. A natureza precisa dos estabelecimentos, bens e serviços irá depender de inúmeros fatores, incluindo o nível de desenvolvimento do Estado Parte. Estes serviços irão, no entanto, incluir os fatores determinantes básicos da saúde, como água limpa e potável e condições sanitárias adequadas, hospitais, clínicas e outros estabelecimentos relacionados com a saúde, pessoal médico e profissional capacitado e com salários competitivos a nível doméstico, assim como medicamentos essenciais definidos no Programa de Acção sobre Medicamentos Essenciais da OMS [Organização Mundial da Saúde]. (COMITÊ DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, 2000) + Acessibilidade Os estabelecimentos, bens e serviços de saúde têm de ser acessíveis a todos, sem discriminação, no âmbito do Estado parte. A acessibilidade consta de quatro dimensões sobrepostas: (i) Não discriminação: Os estabelecimentos, bens e serviços de saúde têm de ser acessíveis a todos, em especial os sectores mais vulneráveis e marginalizados da população, nos termos da lei e de facto. (ii) Acessibilidade física: Os estabelecimentos, bens e serviços de saúde têm de se encontrar num alcance geográfico seguro por parte de todos os setores da população, em especial os grupos vulneráveis ou marginalizados, como as minorias étnicas e populações indígenas, as mulheres, as crianças, os adolescentes, os idosos, pessoas com incapacidades e pessoas com VIH/ SIDA. A acessibilidade também implica que os serviços médicos e os determinantes sociais da saúde, como a água limpa e potável e os serviços sanitários adequados, se encontrem a uma distância geográfica segura e razoável, inclusive no que se refere a zonas rurais. Além disso, a acessibilidade também inclui acesso adequado aos edifícios por parte de pessoas com deficiência. (iii) Acessibilidade econômica: Os estabelecimentos, bens e serviços de saúde devem estar ao alcance de todos. Os pagamentos por serviços de cuidados de saúde, bem como serviços relacionados com os fatores determinantes subjacentes à saúde, têm de se basear no princípio da equidade, a fim de assegurar que esses serviços, sejam públicos ou privados, estejam ao alcance de todos, incluindo dos 84Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública grupos socialmente desfavorecidos. A equidade exige que não recaia uma carga desproporcionada sobre a camada mais pobre da população, no que se refere a gastosde saúde, em comparação com as mais ricas. (iv) Acesso à informação: Este acesso inclui o direito de solicitar, receber e difundir informações e ideias relativas a questões de saúde. No entanto, o acesso à informação não deve comprometer o direito de que os dados pessoais relativos à saúde sejam tratados com confidencialidade. + Qualidade e Aceitabilidade A qualidade dos cuidados em saúde impacta diretamente no gozo dos outros direitos humanos, como o direito à vida e o direito ao respeito pela vida privada, pois cuidados em saúde sem qualidade, como os providos por profissionais de saúde e peritos, baseados em tecnologia insegura ou não centrados na pessoa sob cuidados em saúde podem causar danos à pessoa sob cuidados em saúde e desrespeitar seus valores e crenças privadas. (ALBUQUERQUE, 2016, p.174) A aceitabilidade, por sua vez, pode ser definida como o respeito pela ética médica e pelos padrões culturais por parte dos serviços de saúde. 2.1.3. Monitoramento do direito à saúde Os Estados, ao se comprometerem com instrumentos internacionais de direitos, passam a ter obrigações com relação a esses direitos. Nesse sentido, podemos dizer que o Estado possui três tipos de obrigações com relação aos direitos humanos: 1. Obrigação de respeitar A obrigação de respeitar corresponde à chamada obrigação negativa, que é a obrigação de deixar de fazer algo. Nesse caso, os Estados devem abster-se de negar ou limitar o acesso de todas as pessoas a bens e serviços de saúde. Além disso, devem deixar de impor práticas discriminatórias. 2. Obrigação de proteger A obrigação de proteger envolve uma atuação do Estado. Essa atuação deve acontecer no sentido de evitar que terceiros violem o direito à saúde dos seus jurisdicionados. Por exemplo, o Estado deve estabelecer requisitos para a formação de profissionais de saúde e controlar a produção, distribuição e venda de medicamentos para garantir que o atendimento em saúde e os medicamentos ofertados sejam aceitáveis e de qualidade. 3. Obrigação de realizar A obrigação de realizar está relacionada a ações de “garantir” por parte do Estado. Um status deve garantir os cuidados em saúde, bem como os serviços de promoção e a prevenção em saúde. 85Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Quanto à obrigação de realizar, indaga se qual é a amplitude dessa obrigação, ou seja, qual é a cesta de bens e serviços que os Estados devem prover, direta ou indiretamente, na medida em que o direito à saúde é um direito de realização progressiva, pois depende de recursos orçamentários. Quanto a tal aspecto, embora se reconheça as implicações financeiras concernentes à efetivação do direito à saúde, os Estados têm a obrigação de avançar constantemente o mais rápido e eficazmente até a plena realização do direito. (ALBUQUERQUE, 2016, p. 172) O Estado possui, ainda, de acordo com o Comitê sobre os Direitos Econômicos Sociais e Culturais da ONU, as chamadas obrigações básicas, que dizem respeito ao mínimo de cumprimento do direito à saúde. Algumas dessas obrigações básicas são: • A atenção à saúde primária • O acesso a bens e serviços sobre base não discriminatória • Medicamentos essenciais • Alimentação essencial mínima Assim, podemos concluir que, sob a perspectiva do direito à saúde, os Estados precisam assegurar a disponibilidade e a acessibilidade a bens e serviços de saúde de qualidade, aceitáveis sob o ponto de vista ético e cultural. + Quais bens e serviços devem ser proporcionados pelo Estado? Apesar de haver alguns parâmetros, como os serviços de emergência e a atenção primária à saúde, a jurisprudência internacional não define a cesta de bens e serviços que os Estados devem prover para todos. Como foi dito anteriormente, os Estados devem cumprir as obrigações com as quais se comprometeram por meio de normas internacionais de direitos humanos. Para avaliar se e como os Estados têm cumprido essas obrigações, os órgãos internacionais de direitos humanos possuem ferramentas de monitoramento chamadas mecanismos. Os mecanismos são os meios pelos quais os órgãos realizam o monitoramento da aplicação dos tratados pelos Estados. 86Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública No que diz respeito ao direito à saúde, o cumprimento desse direito pelos Estados é monitorado, no âmbito da ONU, por um órgão chamado Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Para realizar esse monitoramento, o Comitê usa o mecanismo de Procedimentos Especiais. O procedimento especial que monitora o direito à saúde se materializa por meio de uma pessoa, que é o Relator Especial sobre o Direito à Saúde. É importante destacar que os Estados têm a obrigação internacional de cooperar com os Procedimentos Especiais. O Relator Especial sobre o Direito à Saúde é um especialista independente que elabora relatórios e orientações sobre o direito à saúde. Além disso, ele pode realizar visitas aos Estados, contribuir para a produção de padrões internacionais relacionados ao direito à saúde, atuar em casos singulares de violação de direitos humanos e pode, ainda, enviar comunicações aos Estados em contextos de sistemática e ampla violação do direito à saúde. O Relatório do Relator Especial sobre o Direito à Saúde Dainius Pūras, publicado em junho e julho de 2020, mencionou o Brasil. Em relação ao tema “modelos alternativos de serviços de saúde mental como direitos humanos na prática: conceitos-chave e princípios de apoio baseado em direitos”, o relator afirmou que: Tais práticas alternativas com potencial transformador existem há décadas, com muitos se mostrando eficazes. Eles assumem muitos formatos, desde o louvável trabalho global da OMS com sua iniciativa Quality Rights para melhorar a qualidade dos cuidados e serviços de saúde mental, passando por reformas de saúde comunitária em nível de sistemas no Brasil e na Itália, e até inovações altamente localizadas em diferentes configurações de recursos ao redor o mundo, como Soteria House, Open Dialogue, centros de descanso entre pares desenvolvimento, enfermarias livres de medicamentos, comunidades de recuperação e modelos de desenvolvimento comunitário. Uma revolução silenciosa vem ocorrendo em bairros e comunidades em todo o mundo. Na raiz dessas alternativas está um profundo compromisso com os direitos humanos, a dignidade e as práticas não coercitivas, que continuam sendo um desafio indescritível nos sistemas tradicionais de saúde mental que dependem muito de um paradigma biomédico. (HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2020, p. 13, tradução nossa). O Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais elabora comentários gerais, ou seja, estudos aprofundados sobre seus temas, que visam guiar os 87Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Estados no cumprimento das disposições do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Os Comentários Gerais relacionados ao direito à saúde são: + E/C.12/2000/4: Comentário Geral Nº 14 sobre o mais alto padrão de saúde alcançável (2000) Nesse Comentário, o Comitê discorreu sobre questões substanciais decorrentes da implementação do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O Comentário definiu o conteúdo normativo do artigo 12 do Pacto, que trata do direito à saúde, detalhou as obrigações dos Estados e de outros atores, mencionou as violações ao direito à saúde e estabeleceu diretrizes para a implementação do direito em nível nacional. + Comentário Geral nº 22 (2016) sobre o Direito à Saúde Sexual e Reprodutiva (artigo 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) Considerando as graves violações do direito à saúde sexual e reprodutiva, o Comitê decidiu por emitir um Comentário Geral em separado sobre o tema, já que o Comentário Geral anterior, de 2000, havia abordado apenas em parte a questão da saúde sexual e reprodutiva. 2.2. Direito à saúde mental Começaremos definindo o queé direito à saúde mental. No relatório de 2017 para a Assembleia Geral da ONU (A/HRC/35/21), o então Relator Especial sobre o Direito de Todos à Fruição do Mais Alto Padrão Atingível de Saúde Física e Mental, Dainius Pūras, afirmou que há evidências de que não pode haver saúde sem saúde mental. Apesar disso, em nenhum lugar do mundo a saúde mental tem paridade com a saúde física em termos de orçamento ou educação e prática médica. O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reconhece, no artigo 12, que a saúde mental é uma parte integral da saúde, e que, portanto, a saúde mental é igualmente uma parte integral do direito à saúde. 88Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Nesse sentido, os Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde da ONU apresentam importantes diretrizes a serem adotadas em prol do direito à saúde mental. O parágrafo 1 desse documento afirma que “todas as pessoas têm direito aos melhores cuidados de saúde mental disponíveis, que devem fazer parte do sistema de saúde e assistência social” (GENERAL ASSEMBLY, 1991, tradução nossa). Assim podemos identificar quatro características do direito à saúde mental: • Esse é um direito de todas as pessoas; • Os cuidados de saúde mental a que os titulares fazem jus devem ser os de maior qualidade dentre aqueles disponíveis; • Os cuidados de saúde mental devem fazer parte do sistema de saúde e assistência social; • Todas as pessoas têm direito aos cuidados de saúde que forem oferecidos no sistema de saúde e assistência social. Perceba que os direitos à igualdade e a não discriminação, que se encontram presentes no direito à saúde, também podem ser identificados no direito à saúde mental, na medida em que esse é um direito de todas as pessoas. Sobre isso, o relatório de 2019 do Relator Especial sobre o Direito de Todos à Fruição do Mais Alto Padrão Atingível de Saúde Física e Mental afirma que a discriminação por qualquer motivo, dentro e fora do contexto da saúde mental, é tanto causa quanto consequência de uma saúde mental precária. Para que o direito à saúde mental seja atendido, deve haver cuidados e instalações de apoio e bens e serviços disponíveis, acessíveis, aceitáveis e de boa qualidade. Conforme o parágrafo 1 dos Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde da ONU, que mencionamos anteriormente, “todas as pessoas têm direito aos melhores cuidados de saúde mental disponíveis” (GENERAL ASSEMBLY, 1991 - tradução nossa). Nesse sentido, veja, no Quadro a seguir, o que o relatório A/HRC/35/21 de 2017 afirma sobre a qualidade e a disponibilidade dos serviços de saúde mental: 89Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Quadro 12 - Qualidade e disponibilidade dos serviços de saúde mental Tema Conteúdo Serviços de saúde mental adequados Devem abranger um amplo pacote de serviços integrados e coordenados de promoção, prevenção, tratamento, reabilitação, atenção e recuperação, incluindo serviços de saúde mental integrados aos cuidados de saúde primários e gerais. Os serviços devem apoiar os direitos das pessoas com deficiência intelectual, cognitiva e psicossocial e com autismo a viver de forma independente e serem incluídas na comunidade. Qualidade dos serviços Requer o uso de práticas baseadas em evidências para apoiar a prevenção, promoção, tratamento e recuperação. A colaboração eficaz entre os diferentes prestadores de serviços e as pessoas que utilizam os serviços e suas famílias e parceiros de cuidados também promove a melhoria da qualidade dos cuidados. O abuso de intervenções biomédicas e o uso de coerção e internações forçadas comprometem o direito à assistência de qualidade. Usuários como titulares ativos de direitos Os Estados devem repensar a forma como prestam assistência e apoio à saúde mental, considerando os usuários como titulares ativos de direitos. É necessário acabar com as práticas discriminatórias e priorizar a ampliação dos serviços psicossociais baseados na comunidade e a mobilização de recursos sociais que possam apoiar todos ao longo de sua vida. Fonte: Elaborado pela autora, com base em HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2017, p. 13-14. A saúde mental, assim como a saúde de forma geral, possui estreita relação com os direitos humanos: essa é uma relação integral e interdependente. A relação entre direitos humanos e saúde mental é fundamental para entendermos a importância do acesso universal aos serviços de saúde mental. A violação dos direitos humanos pode afetar negativamente a saúde mental das pessoas, causando traumas, depressão, ansiedade, entre outros problemas. Por exemplo, em situações de conflito armado, as pessoas podem ser submetidas a torturas e violências que afetam diretamente sua saúde mental. Da mesma forma, as práticas de tratamento coercitivo podem violar os direitos humanos e prejudicar a saúde mental das pessoas. Por exemplo, quando as pessoas são internadas em instituições psiquiátricas sem seu consentimento, isso pode causar traumas e aumentar a estigmatização social. Por outro lado, a convergência entre direitos humanos e determinantes da saúde é 90Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública crucial para promover a saúde mental. A pobreza, a desigualdade, a discriminação e a violência são determinantes sociais que podem afetar negativamente a saúde mental das pessoas. Por exemplo, a falta de acesso à educação e ao emprego pode levar ao isolamento social e à exclusão, afetando negativamente a saúde mental das pessoas. Assim, é essencial que os Estados invistam em políticas públicas que promovam a igualdade social, a justiça e a garantia dos direitos humanos. A saúde mental é um direito humano, e a promoção da saúde mental é essencial para garantir a dignidade e a qualidade de vida das pessoas. Além disso, investir em saúde mental pode trazer benefícios clínicos e econômicos para a sociedade, reduzindo o custo do tratamento de transtornos mentais e melhorando a produtividade e o bem-estar dos indivíduos. O direito ao mais alto padrão possível de saúde mental está protegido pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Por estar previsto nesse documento, o respeito a esse direito é obrigatório pelos Estados partes. Padrões legais complementares são estabelecidos em outros instrumentos de direitos humanos, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção sobre os Direitos da Criança. Ainda, os Estados partes têm a obrigação de respeitar, proteger e cumprir o direito à saúde mental nas leis, nos regulamentos, nas políticas, nas medidas orçamentárias, nos programas e em outras iniciativas nacionais. Os Estados têm a obrigação tripartida de respeitar, proteger e cumprir o direito à saúde mental. Veja, a seguir, como o Relator Especial sobre o Direito de Todos à Fruição do Mais Alto Padrão Atingível de Saúde Física e Mental definiu cada tipo de obrigação do Estado no Relatório de 2019. Podcast 2 - Obrigações dos Estados quanto à saúde mental No Brasil, a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, é o principal instrumento legal de proteção aos direitos das pessoas com transtorno mental. Assim, o respeito aos seus direitos pode consolidar a efetivação do direito à saúde mental. Acesse o texto da lei pelo link: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm Podemos perceber que o direito à saúde e o direito à saúde mental são direitos humanos, sendo o segundo parte importante do primeiro. Afinal, aprendemos https://podcasters.spotify.com/pod/show/enap/episodes/EV-G-Obrigaes-dos-Estados-quanto--sade-mental-e21qvpu http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm 91EnapFundação Escola Nacional de Administração Pública que não há saúde sem saúde mental. Esses direitos não consistem somente no alcance do bem-estar físico ou mental, mas também envolvem os principais fatores determinantes da saúde, como discriminação, violência, acesso à água potável e condições sadias de trabalho e meio ambiente. Para que se possa alcançar os direitos à saúde e à saúde mental, é necessário que os bens, os serviços e as instalações relacionados a eles sejam disponíveis, acessíveis, aceitáveis e de qualidade. Os Estados possuem, com relação aos direitos à saúde e à saúde mental, três tipos de obrigações: de respeitar, de proteger e de cumprir esses direitos. Para monitorar o comportamento dos Estados com relação ao direito à saúde, a ONU usa o mecanismo de Procedimentos Especiais do Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Esse mecanismo se materializa na figura de uma pessoa, a Relatora sobre o Direito de Todos à Fruição do Mais Alto Padrão de Saúde Física e Mental. 92Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 3. Direitos humanos aplicados às pessoas sob cuidados em saúde Os direitos humanos são aplicáveis de diversas formas à esfera dos cuidados em saúde. Entre esses direitos, destacam-se direito à privacidade, o direito de não ser discriminado, o direito de não ser submetido à tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante e o direito à liberdade. A seguir, vamos apresentar o conteúdo geral desses direitos de acordo com a jurisprudência internacional e com a literatura produzida por especialistas. Abordaremos também as definições, as obrigações decorrentes desses direitos e sua conexão com o tema dos cuidados em saúde. Ademais, você verá a aplicação desses direitos em uma ou mais temáticas relevantes na atualidade e, ao final de cada tópico, uma tabela contendo direitos da pessoa sob cuidados em saúde decorrentes do direito humano que foi analisado. 3.1. Direito à privacidade O direito ao respeito da vida privada envolve questões relativas à privacidade da pessoa sob cuidados em saúde e a confidencialidade de seus dados pessoais, sendo largamente aplicado na esfera dos cuidados em saúde. Como consequência do direito ao respeito da vida privada, o Estado tem o dever de proteger a pessoa sob cuidados em saúde de interferências de profissionais de saúde e provedores públicos ou privados de saúde. Assim, o Estado deve adotar medidas legislativas e outras para concretizar a proibição contra essas interferências, garantindo a proteção da vida privada da pessoa sob cuidados em saúde. O direito ao respeito da vida privada designa que a pessoa sob cuidados em saúde tem o direito de conduzir a sua própria vida sem interferência: • Em seu corpo; • Em suas escolhas pessoais; Salvo em situações excepcionais e definidas pela lei. O direito à vida privada é um direito relativo, ou seja, ele pode ser restringido (diferentemente do direito de não ser submetido à tortura ou a tratamento desumano ou degradante, que é um direito absoluto e, por isso, não pode ser restringido). Para que o direito à vida privada seja restringido, é necessário que alguns critérios estejam presentes: 93Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1. Quando houver uma lei que preveja a restrição 2. Quando essa limitação tiver fundamento legítimo sob o ponto de vista do direito Internacional dos Direitos Humanos 3. Quando a interferência no direito for proporcional De acordo com a Convenção Europeia, o direito à privacidade envolve: • A confidencialidade dos dados de saúde • O direito de recusar cuidados em saúde Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o direito à vida privada é amplo e, portanto, não pode ter a sua abrangência definida de forma rígida. Ele inclui, entre outras áreas protegidas, o direito de estabelecer e desenvolver relações com outros seres humanos e de definir a maneira com que o indivíduo percebe a si mesmo. Um exemplo de jurisprudência internacional da aplicação do direito à vida privada na esfera da saúde mental é o caso X e Y v. Países Baixos, julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos em 1985. Nesse caso, a Corte considerou que a internação involuntária em um hospital psiquiátrico sem o consentimento da pessoa viola o direito à privacidade. Os requerentes, um casal, foram internados involuntariamente em um hospital psiquiátrico pelos serviços de saúde mental dos Países Baixos. Eles alegaram que essa internação foi ilegal e violou seus direitos à liberdade e à privacidade. A Corte concordou com os requerentes e afirmou que a internação involuntária constitui uma interferência na vida privada e familiar, devendo ser justificada de acordo com os princípios do artigo 8 da Convenção Europeia de Direitos Humanos. A Corte considerou que a internação involuntária só poderia ser justificada se fosse feita de acordo com a lei, se fosse necessária para a proteção da saúde física ou mental do paciente e se fosse realizada de acordo com procedimentos adequados e com a supervisão de um juiz independente. Além disso, a Corte destacou a importância do consentimento informado e da participação ativa do paciente na tomada de decisões sobre seu tratamento. Esse caso é um exemplo importante da aplicação do direito à vida privada na esfera da saúde mental e reforça a necessidade de garantir a proteção dos direitos das pessoas com transtornos mentais. 94Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Quadro 13 - Direito de recusar cuidados em saúde Direito de recusar cuidados em saúde 1. Direito de não realizar exames, testes e outros procedimentos terapêuticos. 2. Direito de buscar outra opinião médica. 3. Direito de ter tempo suficiente para tomar decisões, salvo em situações de emergência. 4. Direito de ter suas diretivas antecipadas respeitadas pela família e pelos médicos. Fonte: ALBUQUERQUE, 2016, p. 130. 3.1.1. Participação de estudantes de Medicina em tratamentos e procedimentos médicos da pessoa sob cuidados em saúde A pessoa sob cuidados em saúde tem o direito de negar a presença de pessoas estranhas ao seu tratamento em seus exames físicos e em outros procedimentos médicos. No âmbito dos casos clínicos, é preciso seguir as seguintes condutas: • Preservar a identificação da pessoa sob cuidados em saúde, salvo nas hipóteses em que esta consentir com a sua divulgação final. • Quando a discussão do caso clínico revelar a identidade da pessoa sob cuidados em saúde em razão de sua particularidade, o consentimento daquela deve ser dado para que o profissional de saúde possa divulgar o caso. • O direito ao respeito da vida privada da pessoa sob cuidados em saúde envolve qualquer informação relativa à sua identidade pessoal e à sua imagem, como nome, fotografia, identidade física, e se estende a qualquer informação que se possa legitimamente esperar que não seja exposta ao público sem o consentimento da pessoa a quem se refere. Assim, os profissionais de saúde devem se preocupar em não identificar a pessoa sob cuidados em saúde quando tornarem público o caso clínico, para evitar a ofensa à sua privacidade. 95Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Quadro 14 - Direito da pessoa sob cuidados em saúde hospitalizada de ter sua vida privada respeitada Direito da pessoa sob cuidados em saúde hospitalizada de ter sua vida privada respeitada 1. Direito de não ter estudantes e outros profissionais de saúde presentes quando for examinado. 2. Direito de ser examinado em lugar privado, salvo em situações de emergência ou de cuidados intensivos. 3. Direito de recusar qualquer visita. 4. Direito de ser informado em momento adequado acerca da presença de estudantes de Medicina em seu tratamento ou procedimento. Fonte: ALBUQUERQUE, 2016, p. 132. 3.1.2. Confidencialidade das informações relacionadas à saúde da pessoa sob cuidados em saúde As informações sobre as condições de saúde de uma pessoa são confidenciaisem razão da própria natureza da informação. Essa confidencialidade também permeia a relação médico-pessoa sob cuidados em saúde. Confidencialidade quer dizer manter protegida toda informação a respeito da pessoa sob cuidados em saúde e não a divulgar para terceiros sem que esta consinta. Assim, o direito ao respeito da vida privada confere à pessoa sob cuidados em saúde o controle de qualquer dado sobre sua condição de saúde. Nenhuma condição sobre a pessoa sob cuidados em saúde, inclusive sua condição de pessoa sob cuidados em saúde, resultados de exames, história de vida ou histórico clínico, podem ser revelados sem o seu consentimento. A quebra da confidencialidade pode ser considerada violação de direitos humanos, afinal o acesso à informação sobre a pessoa sob cuidados em saúde precisa ser controlado pelo profissional responsável pela sua guarda. Em geral, o acesso aos dados só deve ser permitido àqueles profissionais que estiverem diretamente envolvidos nos cuidados de saúde e no pagamento de seu tratamento, exames e outros procedimentos médicos. Outras pessoas que não estejam legalmente autorizadas precisam requerer anuência específica, incluindo familiares, já que 96Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública as informações sobre o estado de saúde ou qualquer outra informação de cunho pessoal só podem ser reveladas aos familiares caso haja o consentimento da pessoa sob cuidados em saúde. Para a Corte Europeia, o respeito à confidencialidade da informação de saúde é essencial também por preservar a confiança nos profissionais e nos serviços de saúde em geral. O respeito à privacidade da pessoa sob cuidados em saúde e a confidencialidade de seus dados impactam a relação e a condução do tratamento, já que a falta de confiança no profissional de Medicina pode desmoralizar a prática médica e afetar as políticas e os programas de saúde pública. Assim, de acordo com a jurisprudência internacional, os requisitos que precisam ser atendidos para que se possa revelar as informações sobre a saúde de determinada pessoa sob cuidados em saúde são: a) Lei b) Necessidade de prevenção da ocorrência de crime, a proteção da saúde ou da moral ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros, entre outros c) Proporcionalidade da medida Quadro 15 - Direito de respeito à confidencialidade das informações relacionadas à saúde Direito de respeito à confidencialidade das informações relacionadas à saúde 1. Direito de ter seus dados e registros devidamente manuseados e arquivados de modo a preservar sua confidencialidade. 2. Direito de consentir ou não com a revelação de informações relacionadas à saúde para terceiros não autorizados, incluindo familiares, salvo as exceções consentâneas com as normas legais e consentâneas com os direitos humanos. 3. Direito de ser ouvido previamente em procedimento que vise à quebra da confidencialidade das informações relacionadas à saúde. Fonte: ALBUQUERQUE. 2016, p. 137. 97Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 3.1.3. Consentimento informado da pessoa sob cuidados em saúde no âmbito dos cuidados em saúde O consentimento informado é um aspecto fundamental do direito à saúde. Ele consiste em uma decisão voluntária e suficientemente informada, que deve promover a autonomia, a autodeterminação, a integridade física e o bem-estar da pessoa sob cuidados em saúde, e se abre para duas dimensões: 1. Dimensão geradora do direito da pessoa sob cuidados em saúde de participar da adoção de decisões 2. Dimensão ensejadora de obrigações aos provedores dos serviços de saúde A informação transmitida à pessoa sob cuidados em saúde precisa abranger os benefícios associados ao procedimento, os riscos e as alternativas existentes, e deve ser acessível e adequada às circunstâncias em que a pessoa sob cuidados em saúde se encontra. Além disso, o consentimento informado deve ser obtido sem coerção e influência indevida. As informações sobre questões de saúde precisam ser acessíveis, de acordo com as necessidades de comunicação de cada pessoa, incluindo suas particularidades culturais e físicas. A divulgação de informações deve considerar os diferentes níveis de compreensão e, dessa forma, a informação não deve ser demasiadamente técnica e complexa. O consentimento informado se conecta com outros direitos humanos: • O direito a não discriminação • A liberdade de pensamento e de expressão • O reconhecimento diante da lei Assim, os profissionais e provedores precisam estar conscientes dos níveis de desigualdade relacionados ao conhecimento técnico detido por eles e pelas pessoas sob cuidados em saúde. 3.2. Direito de não ser discriminado Entre os elementos do direito à saúde, encontramos a acessibilidade. Nesse sentido, é importante destacar que a não discriminação é uma dimensão da assessibilidade, daí a sua importância na esfera dos cuidados em saúde. Todos têm direito de acesso a bens e serviços de saúde sobre bases não discriminatórias. 98Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Cabe aos Estados adotar medidas em prol da igualdade para impedir a discriminação vedada pelas normas de direitos humanos. Essas medidas podem conferir, durante certo tempo, a determinados grupos, o trato preferencial em questões concretas para corrigir a discriminação. Nesse aspecto, é importante compreender que nem toda diferenciação de trato constitui discriminação: [...] se os critérios para tanto, são razoáveis, objetivos e se pretende-se com eles alcançar uma finalidade legítima perante as normas de direitos humanos. A Corte Europeia de direitos humanos, similarmente, assentou que a proibição da discriminação não impede qualquer diferença de tratamento baseada em características ou status pessoais, pois a diferença de tratamento pode ser justificada, ou seja, apresentar objetivo legítimo e proporcionalidade quanto aos meios empregados e o alvo que se almeja. (ALBUQUERQUE, 2016, p. 165) Assim, existe uma margem de discricionariedade para se estabelecer distinções entre pessoas. Porém, quando a distinção envolve grupos historicamente vulneráveis, essa margem se mostra mais restrita e os Estados devem fundamentar solidamente o tratamento diferenciado. A avaliação da distinção será feita caso a caso. O direito da pessoa sob cuidados em saúde de não ser discriminada quer dizer que, em situações similares, esta não deve ser tratada distintamente, a não ser que o trato diferenciado se justifique pelas exceções citadas anteriormente. Um exemplo de jurisprudência internacional da aplicação do direito de não ser discriminado na esfera da saúde mental é o caso Stanev vs. Bulgária, julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos em 2012. Nesse caso, o Sr. Stanev, que sofria de esquizofrenia e outras doenças mentais, foi mantido em instituições psiquiátricas pelo governo da Bulgária por mais de dez anos, sem nenhuma perspectiva de ser libertado. Ele argumentou que sua detenção prolongada e a falta de medidas alternativas violavam seus direitos à liberdade e a não discriminação. 99Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A Corte Europeia de Direitos Humanos considerou que a detenção prolongada de Stanev em instituições psiquiátricas sem nenhuma perspectiva de libertação violou seus direitos à liberdade e a não discriminação. A Corte também destacou que as autoridades búlgaras não haviam fornecido a Stanev uma avaliação e um tratamento adequados às suas condições de saúde mental, o que também representava uma forma de discriminação. Portanto, o caso Stanev vs. Bulgária é um exemplo de jurisprudência internacional que destaca a importância do direito a não discriminação na esfera da saúde mental e a necessidade de tratamento e avaliação adequados às as pessoas com transtornos mentais. Quadro 16 – Direito de não ser discriminado Direito de não ser discriminado 1. Direito de não ser tratado com distinção, exclusão, restrição ou preferênciabaseadas em raça, orientação sexual, religião, deficiência, identidade de gênero, origem nacional ou étnica, renda, de modo que provoque restrições em seus direitos humanos na esfera dos cuidados em saúde. 2. Direito de não ser tratado com distinção, exclusão, restrição ou preferência nos serviços de saúde em razão de sua enfermidade ou deficiência, de modo que provoque restrições em seus direitos humanos na esfera dos cuidados em saúde. 3. Direito de ser chamado pelo nome de sua preferência. 4. Direito de ter suas especificidades consideradas quando fizer parte de grupos vulneráveis, como mulheres, pessoas idosas, pessoas com deficiência, crianças e povos indígenas. Fonte: ALBUQUERQUE, 2016, p. 169. 3.3. Direito de não ser submetido à tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante O direito de não ser submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes é um direito absoluto da pessoa sob cuidados em saúde. Isso significa que esse direito não pode ser derrogado ou restringido em nenhuma situação. 100Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Esse direito impõe ao Estado o dever de proteger as pessoas sob cuidados em saúde de atos dessa natureza praticados por profissionais ou provedores de saúde, públicos ou privados, o que deve ser feito por meio de medidas legislativas, entre outras. De acordo com a Comissão de Direitos Humanos da ONU, os profissionais de saúde devem receber formação e instrução adequadas sobre a proibição da tortura e de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, segundo os padrões de direitos humanos. Ainda nesse sentido, a Corte Interamericana afirmou, na sentença do Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, que: Nos ambientes institucionais em hospitais públicos ou privados, o pessoal médico encarregado do cuidado da pessoa sob cuidados em saúde exerce forte controle ou domínio sobre as pessoas que se encontram sujeitas à sua custódia. Este desequilíbrio intrínseco de poder entre uma pessoa internada e as pessoas que detêm a autoridade se multiplica muitas vezes nas instituições psiquiátricas. A tortura e outras formas de tratamento cruel, desumano ou degradante, quando infringidas a essas pessoas, afetam sua integridade psíquica, física e moral, supõem uma afronta a sua dignidade e restringem gravemente sua autonomia, o que poderia ter como consequência o agravamento da doença. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, apud Albuquerque, 2016, p. 108) A tortura é definida com base na intenção específica de quem a pratica: • Obter da vítima ou de uma terceira pessoa informações ou confissões • Castigar, intimidar ou coagir a vítima ou outras pessoas O tratamento considerado desumano é aquele que causa intenso sofrimento físico ou psíquico, e o tratamento degradante provoca na vítima sentimentos de medo, angústia e humilhação ou retira-lhe a possibilidade de resistir moral ou fisicamente a uma situação adversa. No caso dos cuidados em saúde, a classificação de um tratamento como desumano ou degradante depende de alguns fatores: 101Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública a) Natureza, gravidade e duração do tratamento; b) Se o tratamento afeta a vítima, física e mentalmente; c) Idade, sexo e estado de saúde da pessoa com transtorno mental. Também pode-se dizer que há tratamento desumano quando ocorre uma falha em prover cuidados em saúde, por meio da negativa desses cuidados ou da demora em fazê-lo, ou na sua supressão, quando a pessoa sob cuidados em saúde vem recebendo determinado tratamento e este é interrompido. O tratamento degradante pode também ser caracterizado quando uma pessoa sob cuidados em saúde é internada em um hospital e medicada de forma ultrajante, ou seja, sem respeito às suas decisões, à sua higiene pessoal e ao seu direito de visita, situação que não é incomum em hospitais psiquiátricos. Sobre isso, vejamos o que diz a Corte Europeia de Direitos Humanos em um caso concreto. + Caso Herczegfalvy vs. Áustria (Sistema Europeu) [A Corte] entendeu que a pessoa com transtorno mental poderia ser forçada a receber cuidados em saúde, incluindo o emprego de contenção física, se presente a necessidade terapêutica, não se caracterizando a violação do direito de não ser submetido a tratamento desumano ou degradante. Importante ressaltar que a necessidade terapêutica deve estar fartamente provada, as condições do procedimento médico não devem ser degradantes ou desumanas, bem como a intervenção médica não pode se fundamentar apenas em atitude paternalista do médico, ou seja, que desconsidere os direitos do paciente sob cuidados em saúde mesmo acreditando que lhe está fazendo o bem. (ALBUQUERQUE, 2016, p. 109) Como dito anteriormente, o direito de não ser torturado ou submetido a pena ou tratamento desumano ou degradante é absoluto, o que significa que os Estados devem agir no sentido de implantar políticas, programas e legislações que evitem a prática dessas condutas por profissionais de saúde. A submissão de uma pessoa indefesa, que é a situação da pessoa sob cuidados em saúde, a esse tipo de condição, tem efeitos arrasadores na vida da pessoa sob cuidados em saúde e de seus familiares. Por isso, é importante frisar que: • A escassez de recursos humanos e financeiros não justifica qualquer tratamento desumano ou degradante; 102Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública • Os Estados têm a obrigação de destinar recursos suficientes para satisfazer as necessidades básicas das pessoas sob cuidados em saúde; • É dever do Estado proteger as pessoas sob cuidados em saúde contra o sofrimento causado pela falta de alimentos, roupas, recursos humanos, higiene e outras condições desumanas ou degradantes. Vamos ver, no vídeo a seguir, como se deu a violação do direito de não ser submetido à tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante no caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Vídeo 3 - Identificando a violação ao direito de não ser submetido à tortura ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes no Caso Ximenes Lopes vs. Brasil Além do Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, um exemplo de jurisprudência internacional da aplicação do direito de não ser submetido à tortura na esfera da saúde mental é o caso Aggerholm vs. Dinamarca, julgado perante a Corte Europeia de Direitos Humanos em 2020. Nesse caso, a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que o direito do demandante de não ser submetido a tratamento desumano ou degradante foi violado. Niels Lund Aggerholm, pessoa com transtorno psiquiátrico (esquizofrenia), foi condenado em 2005 a ser internado em um hospital psiquiátrico após ter cometido cinco episódios de violência contra funcionários públicos. Durante sua internação, Aggerholm ficou amarrado a uma cama de contenção em um hospital psiquiátrico por quase 23 horas, um dos períodos mais longos de imobilização já examinados pelo Tribunal Europeu. O tribunal considerou que a contenção física prolongada do demandante foi desnecessária e não justificada, apesar do histórico de violência contra os funcionários. Embora o tribunal reconhecesse a necessidade de restringir o paciente para evitar danos imediatos à equipe e aos pacientes, criticou a equipe médica e os tribunais domésticos por não abordarem a continuidade e a duração da medida de contenção física. Essa medida foi considerada uma violação do artigo 3 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que proíbe tortura e tratamento desumano ou degradante. A decisão destaca a importância de garantir que as restrições físicas sejam usadas apenas quando estritamente necessárias e que sua duração e continuidade sejam cuidadosamente monitoradas, para garantir que não haja violação dos direitos humanos dos pacientes. https://youtu.be/q8GYfts4KNA https://youtu.be/q8GYfts4KNA https://youtu.be/q8GYfts4KNA 103Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Quadro 17 – Direito de Pessoas com transtorno mental Direito dePessoas com transtorno mental 1. Direito a cuidados em saúde individualizados que considerem os bens particulares da pessoa sob cuidados em saúde, como crenças, valores e cultura. 2. Direito a tratamentos menos restritivos o possível e menos alteradores de sua capacidade mental. 3. Direito a ser submetido a qualquer terapia apenas após seu consentimento informado. 4. Direito a receber cuidados em saúde mental em locais salubres e de ter sua higiene pessoal assegurada. Fonte: ALBUQUERQUE, 2016, p. 115. 3.4. Direito à liberdade O direito à liberdade se refere à restrição física, não abarcando uma liberdade geral de ação. Esse direito engloba todas as formas de privação de liberdade, o que envolve a severa restrição de mobilidade dentro de um espaço restrito. Para o Comitê de Direitos Humanos da ONU, a hospitalização involuntária é uma das hipóteses de restrição da liberdade individual. O Estado tem a obrigação de garantir que nenhuma pessoa seja privada de sua liberdade, exceto nas hipóteses legais, conforme padrões substantivos e procedimentais que assegurem os direitos humanos. Assim, quando a lei nacional concede a pessoas ou a entidades privadas a autorização para a restrição da liberdade individual, o Estado permanece sendo responsável por assegurar que esse procedimento se dê em conformidade com as normas de direitos humanos. Sobre isso, é importante destacar que o direito à liberdade não é um direito absoluto, o que quer dizer que, atendidos alguns critérios, esse direito pode ser restringido, diferentemente do direito de não ser submetido à tortura ou a tratamento cruel, desumano ou degradante, que é absoluto. 104Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Os critérios para que o Estado possa restringir a liberdade de alguém são: • a medida restritiva de liberdade deve estar prevista na lei; e • nessa previsão deve constar a adequada proteção contra a interferência arbitrária ou ilegal. A detenção arbitrária é aquela desproporcional, não razoável ou desnecessária em relação ao seu objetivo. Na esfera dos cuidados em saúde da pessoa sob cuidados em saúde, o direito à liberdade se aplica principalmente com relação à restrição de liberdade de pessoa sob cuidados em saúde mental. O Comitê de Direitos Humanos da ONU pede que os Estados revejam suas legislações sobre saúde mental para evitar detenções arbitrárias. Para o Comitê, a privação de liberdade é, em si, um ato gravoso e, por esse motivo, medidas alternativas que sejam menos restritivas devem ser implementadas mediante políticas e programas estatais de forma permanente. A presença de transtorno mental ou deficiência intelectual não justifica, por si só, a adoção de medidas de privação de liberdade. A adoção dessas medidas precisa: • Ser necessária • Ser proporcional • Ter o propósito de proteger a pessoa sob cuidados em saúde de sério dano ou de impedir dano a outros Na esfera dos cuidados em saúde, o direito à liberdade normalmente é mencionado nas situações de admissão e retenção involuntárias de pessoas com transtorno mental, de quarentena e outras formas de restrição da liberdade individual. A temática da admissão e retenção involuntária também pode dizer respeito à pessoa sob cuidados em saúde com deficiência intelectual. A institucionalização dessas pessoas também as afeta tanto quanto as pessoas sob cuidados em saúde com transtornos mentais. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência demanda dos Estados que exijam de seus profissionais de saúde que obtenham o consentimento livre e esclarecido das pessoas com deficiência. Assim, a Convenção dispõe que os Estados devem realizar atividades de formação e definir regras éticas para os setores de saúde pública e privada, com o objetivo de conscientizar os profissionais de saúde sobre os direitos humanos, a dignidade, a autonomia e as necessidades das pessoas com deficiência. 105Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Sobre isso, é importante destacar que a admissão e a retenção involuntárias se caracterizam como restrições de direitos humanos da pessoa sob cuidados em saúde e, por esse motivo, devem ser adotadas com muita cautela pelos profissionais de saúde e pelas autoridades estatais. Todos os esforços devem ser empreendidos pelos profissionais e pelas autoridades estatais para evitar o emprego dessas medidas. Os princípios para a proteção das pessoas com transtorno mental e a melhoria da atenção à saúde mental estabelecem que a admissão e a retenção involuntárias devem seguir diversos requisitos legais, por exemplo a presença de um documento subscrito por médico qualificado e legalmente autorizado que afirme que: a) A pessoa sob cuidados em saúde padece de transtorno mental; b) Em razão do transtorno mental, há sério risco de dano imediato ou iminente à pessoa sob cuidados em saúde ou a terceiros; c) No caso de pessoa cujo transtorno mental seja grave e sua capacidade de julgamento esteja afetada, deixar de admiti-la ou retê-la provavelmente levará a uma séria deterioração de sua condição, ou impedirá a oferta de tratamento adequado, o qual somente será possível por meio da admissão em estabelecimento de saúde mental de acordo com o princípio da alternativa menos restritiva. Nesse caso, deve ser consultado, sempre que possível, um segundo profissional que seja independente do primeiro. Quando a consulta ocorrer, a admissão e a retenção involuntárias não poderão ser efetivadas, a menos que o segundo profissional concorde com a medida. Ainda, é importante ressaltar que a pessoa sob cuidados em saúde tem o direito de ser internada em unidade de saúde apropriada. Se isso não ocorrer, o objetivo da sua admissão ou retenção involuntária não será cumprido, o que atinge a legalidade da medida restritiva de liberdade do paciente. Vejamos, a seguir, um exemplo. + Caso H.L. vs. Reino Unido (Sistema Europeu): No caso H.L. vs. Reino Unido, da Corte Europeia sob cuidados em saúde autista sem possibilidade de se comunicar oralmente e com um certo nível de deficiência intelectual foi transferido para hospital psiquiátrico como um “informal”. A transferência se deu pelo fato de se automutilar, segundo alega o Estado. A corte entendeu que o direito à liberdade do requerente foi violado depois, em razão da ausência de previsão legislativa para o caso específico dos profissionais de saúde exerceram o completo controle sobre vulnerável e incapaz fundamentados apenas em sua 106Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública própria avaliação médica. De acordo com a corte a falta de salvaguardas legais conduziu a falha na proteção contra a privação de sua liberdade com base na necessidade médica. (ALBUQUERQUE, 2016, p. 149) Quadro 18 – Direito de não ter a liberdade restringida arbitrariamente. Direito de não ter a liberdade restringida arbitrariamente 1. Direito de ser informado acerca da natureza do tratamento e de todas as alternativas possíveis e de ser envolvido tanto quanto seja possível no desenvolvimento do plano de tratamento. 2. Direito de ser sempre submetido à alternativa menos restritiva. 3. Direito de ser internado em unidade de saúde apropriada para a sua condição de saúde, nas hipóteses aceitas pelas normas de direitos humanos. 4. Direito de ter sua admissão ou retenção involuntárias revistas por um corpo de revisão independente e imparcial e que conte com assistência de profissionais de saúde mental, qualificados e independentes. 5. Direito de ter sua admissão ou retenção involuntária determinada por um período curto, para observação e tratamento preliminar. Fonte: ALBUQUERQUE, 2016, p. 151. Assim, percebe-se que a proteção do direito à liberdade de pessoas com transtorno mental e de pessoas com deficiência intelectual permanece um desafio. Por um lado, deve-se reconhecer que, em algumas situações, a admissão e a retenção involuntárias se fazem necessárias. Por outro lado, a jurisprudênciainternacional demonstra que ainda há falhas nas legislações dos Estados em assegurar os procedimentos que formalizam as medidas de garantia dos direitos humanos. 107Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 3.5. Conclusão Conforme vimos anteriormente, a jurisprudência internacional vem aplicando dispositivos de direitos humanos para proteger a pessoa sob cuidados em saúde. Para detalhar essa aplicação, de cada direito humano apresentado foram extraídos outros direitos mais específicos, que podem ser aplicados na esfera dos cuidados em saúde. Embora o foco da obrigação recaia sobre autoridades estatais, os profissionais de saúde possuem papel fundamental na materialização dos direitos humanos aplicados aos cuidados em saúde. Afinal, são estes que convivem diariamente com a pessoa sob cuidados em saúde e, portanto, cabe a eles, em última instância, a observância concreta dos direitos humanos dessas pessoas. Por fim, é importante lembrar que os profissionais de saúde também são titulares de direitos humanos. 108Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Olá, estudante! Neste módulo, abordaremos os Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU. Em seguida, observaremos os desdobramentos da tortura, tratamento desumano e degradante no contexto da saúde mental, e os principais dispositivos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no que diz respeito à saúde mental. Por fim, conheceremos os chamados Quality Rights. Identificar a aplicação dos direitos humanos no contexto da saúde mental. 1. Direitos humanos no contexto da saúde mental A relação entre os direitos humanos e a saúde pode ser explicada de três formas: Figura 28 - Direitos Humanos e Saúde Fonte: Elaborada pela autora. Módulo Direitos humanos aplicados às pessoas sob cuidados em saúde3 109Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Conforme demonstrado na Figura 28, percebemos que os direitos humanos possuem grande influência sobre a saúde e, por consequência, sobre os cuidados em saúde. No que diz respeito à saúde mental, sabemos que esta é um campo fundamental da saúde e que, por conseguinte, o direito à saúde mental é um componente essencial do direito à saúde. Vamos, agora, identificar a aplicação dos direitos humanos no contexto da saúde mental. 1.1. Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU O documento “Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU”, adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1991, é um instrumento internacional que tem o objetivo específico de proteger as pessoas com transtornos mentais que se encontram sob cuidados em saúde. Os Princípios se aplicam a todas as pessoas com transtornos mentais sob cuidados em saúde, sem discriminação de qualquer tipo, como por motivos de deficiência, raça, cor, sexo, língua e outros fatores. No âmbito dos Princípios, os cuidados em saúde mental incluem a análise e o diagnóstico da condição mental de uma pessoa, o tratamento, o cuidado e a reabilitação para uma doença mental ou suspeita de doença mental. O documento também define os conceitos de “estabelecimento de saúde mental”, “profissional de saúde mental” e “paciente”. Para os Princípios, “estabelecimento de saúde mental” é qualquer estabelecimento, ou unidade de um estabelecimento, que tenha como função principal a prestação de cuidados de saúde mental. “Profissional de saúde mental” é o médico, psicólogo clínico, enfermeiro, assistente social ou outra pessoa adequadamente treinada e qualificada com habilidades específicas relevantes para os cuidados de saúde mental. Por fim, “paciente” é quem recebe cuidados de saúde mental, o que inclui todas as pessoas que estão internadas em estabelecimentos de saúde mental. É importante ressaltar que os direitos estabelecidos nesses Princípios somente podem ser limitados por determinações prescritas por lei e que sejam necessárias para proteger a saúde ou a segurança da pessoa em questão ou de terceiros, ou para proteger a segurança, ordem, saúde ou moral, ou os direitos e liberdades fundamentais de outras pessoas. 110Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Liberdades Fundamentais e Direitos Fundamentais Os Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU protegem uma série de liberdades e direitos fundamentais (Princípio 1). De acordo com o documento, todas as pessoas têm direito aos melhores cuidados de saúde mental disponíveis, que devem fazer parte do sistema de saúde e assistência social. Além disso, todas as pessoas com transtorno mental, ou que sejam tratadas como tal, devem ser tratadas com humanidade e respeito pela dignidade inerente à pessoa humana. Ainda, todas têm direito a ser protegidas contra: • Exploração econômica, sexual e outras formas de exploração • Abuso físico e outros tipos de abuso • Tratamento degradante No que diz respeito à discriminação com base em transtorno mental, os Princípios definem o termo discriminação como: [...] qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular ou prejudicar o gozo igualitário de direitos. Medidas especiais exclusivamente para proteger os direitos ou garantir o progresso de pessoas com doença mental não devem ser consideradas discriminatórias. A discriminação não inclui qualquer distinção, exclusão ou preferência realizada de acordo com as disposições destes Princípios e necessária para proteger os direitos humanos de uma pessoa com doença mental ou de outros indivíduos. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 1.4, tradução nossa) É garantido, ainda, a toda pessoa com transtorno mental, o direito de exercer todos os direitos civis políticos, econômicos, sociais e culturais reconhecidos nos seguintes documentos, bem como em outros instrumentos relevantes (Princípio 1.5): • Declaração Universal dos Direitos Humanos; • Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; • Declaração sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; e • Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão. Quando um tribunal competente considerar que uma pessoa com doença mental é incapaz de administrar seus próprios assuntos, medidas serão tomadas, na medida do necessário e apropriado à condição dessa pessoa, para garantir a sua proteção ou o seu interesse (Princípio 1.7). 111Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Ainda, deve ser respeitado o direito à confidencialidade da informação relativa a todas as pessoas a quem se aplicam esses Princípios (Princípio 6). Os Princípios da ONU afirmam a importância da vida em comunidade para o desenvolvimento dos cuidados em saúde mental. Sobre isso, o documento defende que toda pessoa com transtorno mental deve ter o direito de viver, trabalhar na comunidade (Princípio 3), bem como de receber tratamento e cuidado na comunidade em que vive (Princípio 7.1). Essas disposições serão aplicáveis na medida do possível. Ademais, os Princípios definem que: 2. Quando o tratamento for realizado em um estabelecimento de saúde mental, o paciente terá o direito, sempre que possível, de ser tratado perto de seus parentes ou amigos e terá o direito de retornar à comunidade o mais rápido possível. 3. Todo paciente tem direito a um tratamento adequado à sua origem cultural. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípios 7.2 e 7.3, tradução nossa) A determinação de que uma pessoa tem um transtorno mental precisa ser feita de acordo com os padrões de saúde internacionalmente aceitos (Princípio 4). Isso quer dizer que jamais se pode determinar um transtorno mental com base em status político, econômico ou social, ou em pertencimento a grupo cultural racial ou religioso,ou em qualquer outra razão que não seja diretamente relevante para o estado de saúde mental da pessoa. Nesse sentido, nunca serão determinantes no diagnóstico de transtorno mental de uma pessoa: • Conflitos familiares ou profissionais • Inconformidade com os valores morais, sociais, culturais ou políticos • Crenças religiosas vigentes na comunidade Além disso, o histórico de tratamento ou hospitalização anterior na condição de paciente não deve vir por si só a justificar qualquer determinação presente ou futura de transtorno mental. Nenhuma pessoa ou autoridade deve classificar uma pessoa como tendo transtorno mental, ou de qualquer outra forma indicar que uma pessoa tem um transtorno mental, exceto para fins relacionados diretamente ao transtorno mental ou às consequências do transtorno mental. Ainda nesse sentido, os Princípios afirmam que nenhuma pessoa será obrigada a submeter-se a exame de saúde com o objetivo de determinar se tem ou não um transtorno mental. A obrigatoriedade só pode ocorrer se houver procedimento autorizado pela legislação interna do país (Princípio 5). 112Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Os Princípios para a Proteção das Pessoas Com Transtorno Mental e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU trazem importantes disposições sobre a forma como as pessoas com transtornos mentais devem ser tratadas no âmbito dos cuidados em saúde, especialmente no que diz respeito a: • Padrões de atendimento (Princípio 8) • Tratamento (Princípio 9) • Medicamento (Princípio 10) • Consentimento para tratamento (Princípio 11) Sobre isso, veja o texto dos Princípios da ONU com relação a alguns desses fatores: + Padrões de atendimento (Princípio 8) 1. Todo paciente tem direito a receber os cuidados de saúde e sociais adequados às suas necessidades de saúde, e tem direito a cuidados e tratamento de acordo com os mesmos padrões que os demais doentes (sic). 2. Todo paciente deve ser protegido contra danos, incluindo medicação injustificada, abuso por parte de outros pacientes, funcionários ou outros ou outros atos que causem sofrimento mental ou desconforto físico. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 8, tradução nossa) + Tratamento (Princípio 9) 1. Todo paciente deve ter o direito de ser tratado no ambiente menos restritivo e com o tratamento menos restritivo ou intrusivo adequado às necessidades de saúde do paciente e à necessidade de proteger a segurança física de outras pessoas. 2. O tratamento e os cuidados de cada paciente devem ser baseados em um plano prescrito individualmente, discutido com o paciente, revisado regularmente, revisado conforme necessário e fornecido por profissionais qualificados. 3. Os cuidados de saúde mental serão sempre prestados de acordo com as normas de ética aplicáveis aos profissionais de saúde mental, incluindo as normas internacionalmente aceites, tais como os Princípios de Ética Médica adoptados pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O conhecimento e as habilidades de saúde mental nunca devem ser abusados. 4. O tratamento de cada doente deve ser orientado para a preservação e reforço da autonomia pessoal. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 9, tradução nossa) 113Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública + Medicamento (Princípio 10) 1. A medicação deve atender às melhores necessidades de saúde do paciente, deve ser dada a um paciente apenas para fins terapêuticos ou diagnósticos e nunca deve ser administrada como punição ou para conveniência de terceiros. Sujeito às disposições do parágrafo 15 do Princípio 11, os profissionais de saúde mental devem administrar apenas medicamentos de eficácia conhecida ou comprovada. 2. Todos os medicamentos devem ser prescritos por um profissional de saúde mental autorizado por lei e devem ser registrados no prontuário do paciente. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 10, tradução nossa) Ainda sobre esse assunto, deve ser dada atenção especial às disposições sobre o consentimento para tratamento (Princípio 11): 1. Nenhum tratamento deve ser dado a um paciente sem o seu consentimento informado, exceto conforme previsto nos parágrafos 6, 7, 8, 13 e 15 abaixo. 2. Consentimento informado é o consentimento obtido livremente, sem ameaças ou incentivos impróprios, após divulgação apropriada ao paciente de informações adequadas e compreensíveis em forma e linguagem compreendidas pelo paciente em: (a) A avaliação diagnóstica; (b) A finalidade, método, duração provável e benefício esperado do tratamento proposto; (c) Modos alternativos de tratamento, incluindo os menos invasivos; e (d) Possível dor ou desconforto, riscos e efeitos colaterais do tratamento proposto. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 11, tradução nossa) Assim, de acordo com os Princípios da Assembleia Geral da ONU (1991), um tratamento pode ser dado a um paciente sem o seu consentimento informado se: • O paciente estiver, no momento do tratamento, sendo mantido como paciente involuntário (Parágrafo 6.a); • Uma autoridade independente, estando de posse de todas as informações relevantes, inclusive da informação especificada no parágrafo 2 acima, 114Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública estiver convencida de que, no momento relevante, o usuário está incapacitado para dar ou recusar o consentimento informado ao plano de tratamento proposto ou, se a legislação nacional permitir, e considerando a sua própria segurança ou a de outros, o usuário tenha recusado irracionalmente tal consentimento (Parágrafo 6.b); • A autoridade independente estiver convencida de que o plano de tratamento proposto é do melhor interesse para as necessidades de saúde do paciente (Parágrafo 6.c); • O representante pessoal do paciente, tendo recebido as informações descritas no parágrafo 2 acima, consentir no lugar do paciente (Parágrafo 7); • Um profissional de saúde mental qualificado autorizado por lei determinar que é urgentemente necessário para prevenir dano imediato ou iminente ao paciente ou a outras pessoas. Esse tratamento não deve ser prolongado além do período estritamente necessário para esse fim (Parágrafo 8); • No que diz respeito a grandes procedimentos de saúde ou cirúrgicos, estes podem ser realizados após revisão independente (Parágrafo 13); • No caso de ensaios clínicos e tratamentos experimentais, um paciente incapaz de dar consentimento informado pode ser admitido em um ensaio clínico ou receber tratamento experimental com a aprovação de um órgão de revisão independente e competente especificamente constituído para este fim (Parágrafo 15). O tratamento também pode ser dado a qualquer paciente sem seu consentimento informado se um profissional de saúde mental qualificado autorizado por lei determinar que é urgentemente necessário para prevenir dano imediato ou iminente ao paciente ou a outras pessoas. Esse tratamento não deve ser prolongado além do período estritamente necessário para esse fim. Porém, essa disposição não se aplica nos seguintes casos (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991), ou seja, é necessário que haja o consentimento do paciente, além da determinação do profissional de saúde, se: • No que diz respeito a grandes procedimentos de saúde ou cirúrgicos, estes podem ser realizados após revisão independente (Parágrafo 13); • No caso de psicocirurgia e outros tratamentos intrusivos e irreversíveis para doenças mentais, que, além de necessitar da determinação do profissional de saúde e do consentimento informado do paciente, só podem ser realizados se um órgão externo independente tiver se certificado de que há consentimento informado genuíno e de que o tratamento atende melhor às necessidades de saúde do paciente (Parágrafo 14); • No caso de ensaios clínicos e tratamentos experimentais, um paciente incapaz de dar consentimento informado pode ser admitido em um ensaio clínico ou receber tratamento experimental com a aprovação de 115Enap Fundação EscolaNacional de Administração Pública um órgão de revisão independente e competente especificamente constituído para este fim (Parágrafo 15). Além disso, o procedimento não pode consistir em esterilização, pois esta não pode ser realizada como tratamento para transtornos mentais (Parágrafo 12). Sobre a autorização de tratamento sem o consentimento informado do paciente, é importante destacar que toda vez que esta ocorrer, todos os esforços devem ser feitos para informar o paciente sobre a natureza do tratamento e quaisquer alternativas possíveis a este, e para envolver o paciente tanto quanto possível no desenvolvimento do plano de tratamento (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Parágrafo 9). O paciente tem o direito de solicitar que pessoas de sua escolha estejam presentes durante o procedimento de consentimento e pode recusar ou interromper o tratamento, recebendo as informações sobre as consequências da recusa ou interrupção de seu tratamento. As exceções à possibilidade de recusa estão listadas nos parágrafos de números 6, 7, 8, 13 e 15, acima descritos. Ainda nesse sentido, um paciente nunca pode ser convidado ou induzido a renunciar ao direito de consentimento informado. Se o paciente tentar fazê-lo, deve ser explicado a ele que o tratamento não pode ser administrado sem consentimento informado. No que diz respeito à contenção física ou ao isolamento involuntário, estes não devem ser empregados (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Parágrafo 11). Porém, podem ser adotados: • De acordo com os procedimentos oficialmente aprovados do estabelecimento de saúde mental; • Somente quando forem os únicos meios disponíveis para evitar danos imediatos ou iminentes ao paciente ou a outros. Além disso, no caso de adoção desses procedimentos, as seguintes condutas devem ser adotadas (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991): • Não podem ser prorrogados para além do período estritamente necessário para o efeito pretendido. • Todos os casos de contenção física ou isolamento involuntário, as razões para eles e sua natureza e extensão devem ser registrados no prontuário do paciente. O princípio nº 10 determina que todo tratamento deve ser imediatamente registrado no prontuário do paciente, com a indicação se involuntário ou voluntário. • Um paciente contido ou isolado deve ser mantido em condições humanas e estar sob os cuidados e supervisão estreita e regular de membros qualificados da equipe. Um representante pessoal, se houver 116Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública e se for relevante, deve ser notificado imediatamente sobre qualquer restrição física ou isolamento involuntário do paciente. Com relação às condições e condutas adotadas nos estabelecimentos de saúde mental, destacam-se os seguintes aspectos determinados pelos Princípios da ONU (1991): • Direitos e condições em estabelecimentos de saúde mental • Recursos para instalações de saúde mental • Princípios de admissão • Admissão involuntária Sobre isso, veja o texto original dos Princípios da ONU (1991) com relação a alguns desses fatores: + Direitos e condições em estabelecimentos de saúde mental Princípio 13 1. Todo paciente em um estabelecimento de saúde mental deve, em particular, ter direito ao pleno respeito a: (a) O reconhecimento em todos os lugares como pessoa perante a lei; (b) Privacidade; (c) Liberdade de comunicação, que inclui a liberdade de se comunicar com outras pessoas na instalação; liberdade de enviar e receber comunicações privadas sem censura; liberdade de receber, em privado, visitas de um advogado ou representante pessoal e, em todos os momentos razoáveis, de outros visitantes; e liberdade de acesso aos serviços postais e telefónicos e aos jornais, rádio e televisão; (d) Liberdade de religião ou crença. 2. O ambiente e as condições de vida nos estabelecimentos de saúde mental devem ser tão próximos quanto possível da vida normal de pessoas da mesma idade e, em particular, devem incluir: (a) Instalações para atividades recreativas e de lazer; (b) Instalações para educação; (c) Instalações para comprar ou receber itens para a vida diária, recreação e comunicação; (d) Instalações e encorajamento para usar tais instalações, para o envolvimento de um paciente em ocupação ativa adequada ao seu contexto social e cultural, e para medidas apropriadas de reabilitação vocacional para promover a reintegração na comunidade. Essas medidas devem incluir orientação vocacional, treinamento vocacional e serviços de colocação para permitir que os pacientes assegurem ou mantenham um emprego na comunidade. 117Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 3. Em nenhuma circunstância um paciente será submetido a trabalhos forçados. Dentro dos limites compatíveis com as necessidades do paciente e com as exigências da administração institucional, o paciente poderá escolher o tipo de trabalho que deseja realizar. 4. O trabalho de um paciente em um estabelecimento de saúde mental não deve ser explorado. Cada paciente terá o direito de receber a mesma remuneração por qualquer trabalho que ele ou ela fizer, de acordo com a lei ou costume doméstico, seria pago por tal trabalho a um não paciente. Cada um desses pacientes deve, em qualquer caso, ter o direito de receber uma parte justa de qualquer remuneração paga ao estabelecimento de saúde mental por seu trabalho. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 13, tradução nossa) + Recursos para instalações de saúde mental Princípio 14 1. Um estabelecimento de saúde mental deve ter acesso ao mesmo nível de recursos que qualquer outro estabelecimento de saúde e, em particular: (a) Pessoal médico qualificado e outros profissionais apropriados em número suficiente e com espaço adequado para proporcionar privacidade a cada paciente e um programa de terapia ativa e apropriada; (b) Equipamento diagnóstico e terapêutico para o paciente; (c) Cuidado profissional apropriado; e (d) Tratamento adequado, regular e abrangente, incluindo fornecimento de medicamentos. 2. Todos os estabelecimentos de saúde mental devem ser inspecionados pelas autoridades competentes com a frequência necessária para assegurar que as condições, o tratamento e os cuidados prestados aos doentes cumprem estes Princípios. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 14, tradução nossa) + Princípios de admissão Princípio 15 1. Quando uma pessoa necessitar de tratamento em um estabelecimento de saúde mental, todos os esforços devem ser feitos para evitar a internação involuntária. 2. O acesso a um estabelecimento de saúde mental será administrado da mesma forma que o acesso a qualquer outro estabelecimento para qualquer outra doença. 3. Todo paciente não admitido involuntariamente terá o direito de deixar o estabelecimento de saúde mental a qualquer momento, a menos que se apliquem os critérios para sua retenção como paciente 118Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública involuntário, conforme estabelecido no Princípio 16, e ele ou ela deve ser informado sobre este direito. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 15, tradução nossa) + Admissão involuntária Princípio 16 1. Uma pessoa pode (a) ser internada involuntariamente em um estabelecimento de saúde mental como paciente; ou (b) já tendo sido admitido voluntariamente como paciente, ser retido como paciente involuntário no estabelecimento de saúde mental se, e somente se, um profissional de saúde mental qualificado e autorizado por lei para esse fim determinar, de acordo com o Princípio 4, que essa pessoa tem uma doença mental e considera: (a) Que, por causa dessa doença mental, existe uma probabilidade séria de dano imediato ou iminente para essa pessoa ou para outras pessoas; ou (b) Que, no caso de uma pessoa cuja doença mental é grave e cujo julgamento é prejudicado, a falha em admitir ou reter essa pessoa provavelmente levará a uma deterioração séria em sua condição ou impedirá a administração de tratamento adequado que só podeser dada por admissão em um estabelecimento de saúde mental de acordo com o princípio da alternativa menos restritiva. No caso referido no subparágrafo (b), um segundo profissional de saúde mental, independente do primeiro, deve ser consultado sempre que possível. Se tal consulta ocorrer, a admissão ou retenção involuntária não poderá ocorrer, a menos que o segundo profissional de saúde mental concorde. 2. A admissão ou retenção involuntária será inicialmente por um curto período, conforme especificado pela legislação nacional, para observação e tratamento preliminar enquanto se aguarda a revisão da admissão ou retenção pelo órgão de revisão. Os motivos da admissão devem ser comunicados ao paciente sem demora e o fato da admissão e os motivos da mesma também devem ser prontamente e detalhadamente comunicados à comissão de revisão, ao representante pessoal do paciente, se houver, e, a menos que haja objeção do paciente, à sua família. 3. Um estabelecimento de saúde mental pode receber pacientes admitidos involuntariamente somente se o estabelecimento tiver sido designado para fazê-lo por uma autoridade competente prescrita pela legislação nacional. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 16, tradução nossa) 119Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Com relação às garantias processuais do paciente, o Princípio 18 estabelece alguns padrões. Entre eles, podemos destacar: • O paciente terá o direito de escolher e nomear um advogado para representá-lo como tal, bem como um intérprete. Se o paciente não conseguir tais serviços, um profissional será disponibilizado. O paciente será dispensado do pagamento, na medida em que não tenha meios suficientes para pagar (Parágrafos 1 e 2). • O paciente e seu representante pessoal e advogado terão o direito de comparecer, participar e ser ouvidos pessoalmente em qualquer audiência (Parágrafo 5). • A decisão resultante da audiência e os seus fundamentos devem ser expressos por escrito. Cópias devem ser entregues ao paciente, a seu representante pessoal e a seu advogado (Parágrafo 8). • Ao decidir se a decisão deve ser publicada no todo ou em parte, deve-se levar em consideração a vontade do próprio paciente, a necessidade de respeitar a sua privacidade e a de outras pessoas, o interesse público na administração aberta da justiça e a necessidade de prevenir danos graves à saúde do paciente ou evitar colocar em risco a segurança de terceiros. Sobre o prontuário do paciente, o Parágrafo 4 dispõe que: 4. Cópias do prontuário do paciente e quaisquer relatórios e documentos a serem apresentados devem ser entregues ao paciente e ao advogado do paciente, exceto em casos especiais em que seja determinado que uma revelação específica ao paciente causaria sérios danos à saúde do paciente ou colocaria em risco a segurança de terceiros. Conforme estabelecido pela legislação nacional, qualquer documento não entregue ao paciente deve, quando isso puder ser feito em sigilo, ser entregue ao representante e advogado pessoal do paciente. Quando qualquer parte de um documento for retida de um paciente, o paciente ou o advogado do paciente, se houver, receberá notificação da retenção e dos motivos para isso e estará sujeito a revisão judicial. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 18, tradução nossa) Ainda nesse sentido, o Princípio nº 11 determina que “o paciente ou seu representante pessoal, ou qualquer pessoa interessada, terá o direito de apelar para uma autoridade judicial ou outra autoridade independente em relação a qualquer tratamento dado a ele ou a ela”. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 11, tradução nossa) 120Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública O direito à informação é essencial para reduzir a vulnerabilidade da pessoa com transtorno mental sob cuidados em saúde. Nesse sentido, o Princípio nº 19 garante ao paciente ou ex- paciente o direito a ter acesso às suas informações de saúde e aos seus registros pessoais que estejam sendo mantidos por estabelecimento de saúde mental. Qualquer informação não fornecida ao paciente deve ser fornecida ao representante e ao advogado pessoal do paciente, quando isso puder ser feito em sigilo e conforme estabelecido pela legislação nacional. Quando qualquer informação for obtida de um paciente, a decisão da retenção e os motivos que a fundamentaram serão informadas ao paciente ou ao seu advogado, e estarão sujeitas a revisão judicial. Monitoramento de Soluções e Implementação Quanto aos deveres dos Estados, cabe a estes implementar os princípios por meio de medidas legislativas, judiciais e administrativas e de outras medidas apropriadas. Os Estados devem revisar essas medidas periodicamente. Além disso, é dever dos Estados tornar esses princípios amplamente conhecidos pelos meios apropriados (Princípio 23). É dever dos Estados, também, assegurar a existência de mecanismos para promover o cumprimento desses princípios, bem como de mecanismos para: A inspeção de estabelecimentos de saúde mental, para a apresentação, investigação e resolução de denúncias e para a instituição de procedimentos disciplinares ou judiciais apropriados por má conduta profissional ou violação dos direitos de um paciente. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 22) Sabemos que, idealmente, todos esses princípios seriam amplamente adotados e eficientemente aplicados. Porém, a prática clínica pode apresentar desafios à adoção dessas diretrizes. Sobre isso, ouça o podcast a seguir. 121Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Podcast 3 – Desafios à aplicação dos Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU à prática clínica Assim, podemos perceber que a Assembleia Geral da ONU estabeleceu importantes princípios para proteger as pessoas com transtornos mentais que estão sob cuidados em saúde. A concretização desses princípios beneficia não somente o paciente e a instituição, mas também os profissionais de saúde envolvidos, que também são titulares de direitos humanos. 1.2 Tortura, tratamento desumano e degradante no contexto da saúde mental O tratamento desumano e degradante de pessoas com transtorno mental traduz uma violação aos seus direitos humanos que, apesar de ser uma clara forma de desrespeito ao direito, é uma situação que ocorre com frequência em diversas partes do mundo. O Relator Especial da ONU sobre o Direito à Saúde (2002-2008) relatou ter recebido muitas denúncias de institucionalização inadequada de pessoas com transtorno mental, bem como de casos em que essas pessoas foram vítimas de violações de direitos humanos, incluindo: • Pacientes amarrados a camas por longos períodos sem justificativa terapêutica • Violência e tortura • Eletroconvulsoterapia sem anestesia ou relaxantes musculares • Pacientes alojados em ambulatórios com saneamento totalmente inadequado • Privação de comida • Hipotermia As pessoas com transtorno mental que estão sob cuidados em saúde são protegidas, na esfera da ONU, pelos Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtornos Mentais e a Melhoria da Atenção à Saúde Mental, adotados pela Assembleia Geral da ONU em 1991. No que diz respeito especificamente ao tratamento desumano e degradante, os Princípios definem que as pessoas com transtorno mental, ou que estão sendo https://podcasters.spotify.com/pod/show/enap/episodes/EV-G-Desafios--aplicao-dos-Princpios-para-a-Proteo-das-Pessoas-com-Transtorno-Mental-e21r06b https://podcasters.spotify.com/pod/show/enap/episodes/EV-G-Desafios--aplicao-dos-Princpios-para-a-Proteo-das-Pessoas-com-Transtorno-Mental-e21r06b https://podcasters.spotify.com/pod/show/enap/episodes/EV-G-Desafios--aplicao-dos-Princpios-para-a-Proteo-das-Pessoas-com-Transtorno-Mental-e21r06b 122Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública atendidas por quaisquer transtornos mentais, têm direito a ser protegidas contra os maus tratos físicos e deoutra natureza, bem como contra o tratamento degradante. Ainda no âmbito da ONU, a Declaração de Caracas, que foi adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1990, trata da reestruturação da atenção psiquiátrica nos sistemas locais de saúde. A Declaração determina que o cuidado e o tratamento da pessoa com transtorno mental devem proteger a sua dignidade pessoal e os seus direitos. Para que um procedimento terapêutico seja considerado tratamento desumano ou degradante, um nível mínimo de severidade deve estar presente. A avaliação acerca do que seja esse nível mínimo dependerá: • Das circunstâncias do caso concreto • De seus efeitos físicos e mentais • Em alguns casos, do sexo, da idade e do estado de saúde do paciente Sobre as condições de tratamento das pessoas com transtorno mental em instituições psiquiátricas, estas devem envolver o alojamento em ambiente seguro e limpo, que lhes assegure higiene pessoal adequada. A garantia de um ambiente seguro e higiênico não é apenas essencial para a a saúde física, mas também é crucial para a saúde mental e o bem-estar. Alguns pacientes institucionalizados são obrigados a viver em condições insalubres, com falta de alimentos e de investimentos. Ainda, muitas vezes constata-se a ausência de medidas de segurança para evitar a propagação de doenças infecciosas nas instalações em que se encontram. Registra-se, ainda, que, devido ao número reduzido de funcionários em algumas unidades de saúde mental, os pacientes são muitas vezes obrigados a realizar tarefas de manutenção e limpeza das suas instalações sem receber qualquer remuneração. Sobre isso, tem-se como referência a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Ximenes Lopes vs. Brasil, que é a primeira condenação do Estado brasileiro: O Sr. Ximenes Lopes foi internado na Casa de Repouso Guararapes em outubro de 1999, um centro de atendimento psiquiátrico privado que operava no âmbito do sistema único de saúde, no município de Sobral, estado do Ceará. O Sr. Ximenes Lopes faleceu em 4 de outubro de 1999, na Casa de 123Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Repouso citada, após três dias de internação. De acordo com a decisão da Corte, o Sr. Ximenes Lopes foi submetido a condições desumanas e degradantes em sua hospitalização, tendo sofrido violação de sua integridade pessoal por parte dos funcionários da Casa de Repouso Guararapes. Segundo o relato de Irene Ximenes Lopes Miranda, irmã do Sr. Ximenes Lopes, o corpo apresentava marcas de tortura. (ALBUQUERQUE, 2016, p. 113-114) A Corte entendeu, nesse caso, que os cuidados de saúde para pacientes com transtorno mental devem ter como finalidade principal o bem-estar do paciente e o respeito à sua dignidade como ser humano. Essa finalidade se concretiza por meio do dever do Estado de adotar o respeito à intimidade e a autonomia das pessoas como princípios orientadores do tratamento psiquiátrico. Sendo assim, o lugar e as condições físicas em que o tratamento se desenvolve devem estar de acordo com o respeito à dignidade humana. A Corte considera que as precárias condições de funcionamento da Casa de Repouso Guararapes, tanto as condições gerais do lugar, quanto o atendimento médico, se distanciavam de forma significativa das adequadas à prestação de um tratamento de saúde digno, particularmente em razão de que afetavam pessoas de grande vulnerabilidade por sua deficiência mental, e eram per se incompatíveis com uma proteção adequada da integridade pessoal e da vida. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006, apud ALBUQUERQUE, 2016, p. 114-115) O direito de não ser torturado ou submetido a pena ou tratamento desumano ou degradante é absoluto, o que significa que os Estados devem agir no sentido de implantar políticas, programas e legislações que evitem a prática dessas condutas por profissionais de saúde. A submissão de uma pessoa indefesa, que é a situação do paciente, a esse tipo de condição, tem efeitos arrasadores na vida do paciente e de seus familiares. Por isso, é importante frisar que: • A escassez de recursos humanos e financeiros não justifica qualquer tratamento desumano ou degradante; • Os Estados têm a obrigação de destinar recursos suficientes para satisfazer às necessidades básicas dos pacientes. 124Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública • É dever do Estado proteger os pacientes contra o sofrimento causado pela falta de alimentos, roupas, recursos humanos, higiene e outras condições desumanas ou degradantes. Assim, podemos observar que as violações aos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais são recorrentes nas próprias instituições que deveriam prestar-lhes cuidados. Por esse motivo, as disposições da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes devem ser aplicadas aos serviços em saúde mental por meio de políticas, programas e legislações elaboradas pelos Estados. 1.3. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e saúde mental A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CIDPD) é um instrumento internacional de direitos humanos elaborado no âmbito da ONU. O texto da Convenção foi aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2006, e passou a fazer parte do ordenamento jurídico do Brasil em 25 de agosto de 2009, por meio do Decreto nº 6.949. A CIDPD tem como objetivo proteger os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência (PcD). Os países que se comprometeram com a Convenção são obrigados a promover, proteger e assegurar o exercício pleno dos direitos humanos das pessoas com deficiência e garantir que usufruam de plena igualdade perante a lei. • Os princípios gerais da CIDPD são: • O respeito à dignidade humana • A autonomia individual, incluindo a liberdade de tomar as próprias decisões e a independência das pessoas • A participação e a inclusão plena e efetiva na sociedade • O respeito à diferença e a aceitação das PcD como parte da diversidade e da condição humanas • A igualdade de oportunidades • A acessibilidade • A igualdade entre o homem e a mulher https://pt.wikipedia.org/wiki/Direitos_humanos https://pt.wikipedia.org/wiki/Assembleia_Geral_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas https://pt.wikipedia.org/wiki/Assembleia_Geral_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas https://pt.wikipedia.org/wiki/2006 https://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil https://pt.wikipedia.org/wiki/25_de_agosto https://pt.wikipedia.org/wiki/25_de_agosto https://pt.wikipedia.org/wiki/2009 https://pt.wikipedia.org/wiki/Defici%C3%AAncia https://pt.wikipedia.org/wiki/Igualdade_perante_a_lei https://pt.wikipedia.org/wiki/Igualdade_perante_a_lei 125Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Sobre a Convenção, pode-se dizer que: Esse documento é um marco histórico dos deveres do Estado para suplantar os obstáculos que atravancam o pleno exercício de direitos pelas PD [pessoas com deficiência], viabilizando o crescimento de suas potencialidades, e passando a serem contempladas como verdadeiros sujeitos, titulares de direitos. (CANDIDO, Mariluce et al., 2020, p. 224) O artigo 1º da CIDPD estabelece que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. Assim, há um entendimento (Candido et al., 2020) no sentido de que é possível dizer que a pessoa com transtorno mental (PTM) deve ser caracterizada como pessoa com deficiência, já que pode desenvolver e apresentar tal condição, encaixando-se, assim, na definição do artigo 1º da CIDPD. Sobre o reconhecimento da pessoa com transtorno mental como pessoa com deficiência, os autores explicam: Entretanto, não há o seu reconhecimento expresso. Também se percorre um longo caminho para fazer valer tais direitos no contextonacional, onde a PTM não recebe o mesmo tratamento jurídico dispensado à PD. Um exemplo disso é o Brasil, em seu Decreto Legislativo Nº 186, de 2008, que aprova o texto da CRPR e seu Protocolo Facultativo. (CANDIDO et al., 2020, p. 227) Embora, no contexto internacional, alguns instrumentos especiais de deficiência incorporem o TM [Transtorno Mental], o único do tipo mandatório, a CIDPD e seu Protocolo Facultativo não fazem nenhuma menção à PTM [Pessoa com Transtorno Mental]. Essa situação a torna significativamente exposta às violações de seus DHs, impedindo que tenham uma vida digna. Diante do exposto, pode- 126Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública se inferir que o avanço dos direitos da PTM requer a criação de instrumentos internacionais especiais do tipo mandatório, pois podem significar uma maior carga obrigatória, além de servir de parâmetro para o legislador, quando no exercício da sua atividade legiferante, bem como para o judiciário na aplicação de suas decisões. Do mesmo modo, ao executivo, na elaboração e implementação de políticas. É possível dizer que não basta só o reconhecimento internacional da deficiência na PTM, mas se faz emergencial a sua aplicação efetiva no âmbito regional, nacional, estadual e municipal para o fortalecimento da criação, expansão, vigilância e avaliação da eficácia dos DHs, e assim serem alcançados no exercício de direitos dessas pessoas. (CANDIDO et al., 2020, p. 227, tradução nossa) O artigo 12 da CIDPD reconhece o direito das pessoas com deficiência de serem reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei. Essa afirmação reconhece que as PcD possuem capacidade para usufruir e exercer seus direitos em todos os aspectos da vida: Artigo 12 Reconhecimento igual perante a lei 1.Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito de ser reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei. 2.Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida. 3.Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal. 127Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 4.Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa. 5. Os Estados Partes, sujeitos ao disposto neste Artigo, tomarão todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar às pessoas com deficiência o igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e assegurarão que as pessoas com deficiência não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens. (CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, art. 17) Nesse sentido, a Presidência da República elaborou um documento com comentários à CIDPD, em que se afirma, sobre o artigo 12: Com isso, [a CIDPD] provoca uma ruptura na clássica separação que reconhecia a todos os seres humanos a capacidade de direito, consistente em usufruir de todos os direitos e liberdades fundamentais, ao passo que limitava a capacidade de exercício desses direitos em razão da condição de deficiência (usualmente mental ou auditiva, como ainda ocorre no código civil brasileiro). (BRASIL, 2008, p. 4) No que diz respeito à abordagem da Convenção ao tratamento involuntário em saúde mental, há uma discussão em torno do assunto. A introdução da CIDPD e o Comentário Geral 1 do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência sobre o Artigo 12 da Convenção geraram um debate considerável sobre a afirmação de que pessoas com transtornos mentais sempre possuem capacidade de decisão. Nesse sentido, há uma série de questões importantes não resolvidas relacionadas a casos mais complexos e se o direito garantido pela CIDPD é absoluto e imediato ou sujeito a limitações. 128Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública No Dia Mundial da Saúde Mental de 2015, os Relatores Especiais das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Catalina Devandas-Aguilar, e sobre o Direito à Saúde, Dainius Pûras, exortaram os Estados a erradicar todas as formas de tratamento psiquiátrico não consensual. O Dia Mundial da Saúde Mental, apoiado pelas Nações Unidas, é celebrado anualmente em 10 de outubro para aumentar a conscientização pública sobre problemas de saúde mental em todo o mundo. O tema de 2015 foi “Dignidade na Saúde Mental” e, em 2022, foi “Fazer da saúde mental e do bem-estar para todos uma prioridade global”. Os especialistas independentes instaram os governos a acabar com a detenção arbitrária, a institucionalização forçada e o tratamento forçado, a fim de garantir que as pessoas com transtornos mentais sejam tratadas com dignidade e tenham seus direitos humanos respeitados: Trancados em instituições, amarrados com restrições, muitas vezes em confinamento solitário, injetados à força com drogas e supermedicados, são apenas algumas ilustrações das maneiras pelas quais pessoas com deficiência, ou aquelas percebidas como assim, são tratadas sem seu consentimento, com severas consequências para a sua integridade física e mental. [...] Com muita frequência, pessoas com deficiências psicossociais e de desenvolvimento são formal ou informalmente destituídas de sua capacidade legal e arbitrariamente privadas de sua liberdade em hospitais psiquiátricos, outras instituições especializadas e outros locais semelhantes. A dignidade não pode ser compatível com práticas de tratamento forçado que podem constituir tortura. Os Estados devem interromper esta situação com urgência e respeitar a autonomia de cada pessoa, incluindo seu direito de escolher ou recusar tratamento e cuidados. [...] O conceito de ‘necessidade médica’ por trás da colocação e tratamento não consensuais fica aquém das evidências científicas e dos critérios sólidos. O legado do uso da força na psiquiatria vai contra o princípio ‘ primum non nocere ‘ (primeiro não fazer mal) e não deve mais ser aceito. 129Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública [...] Apelamos aos Estados para que ponham fim a todas as instâncias de detenção arbitrária, institucionalização forçada e tratamento forçado, para garantir que as pessoas com deficiências de desenvolvimento e psicossociais sejam tratadas com dignidade e tenham o direito de ter suas decisões respeitadas em todos os momentos e de ter acesso a o apoio e acomodação necessários para comunicar efetivamente tais decisões”. (NAÇÕES UNIDAS, 2015, n.p., tradução nossa) Especificamente sobre a CIDPD, os Relatores Especiais afirmaram: A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência oferece uma ocasião promissora para uma mudança de paradigma nas políticas e práticas de saúde mental. O Dia Mundial da Saúde Mental deste ano enfatiza mais do que nunca a necessidade de elaborar novos modelos e práticas de serviços comunitários que respeitem a dignidade e a integridade da pessoa. É um bom momento para fazer um balanço da recente entrada em vigor da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência para abrir um diálogoentre todas as partes interessadas, incluindo usuários de serviços, formuladores de políticas e profissionais de saúde mental para trabalhar em soluções baseadas em direitos humanos que podem fornecer respostas às questões trazidas pelas normas da Convenção. (NAÇÕES UNIDAS, 2015, n.p., tradução nossa) Assim, prossigamos no estudo dos dispositivos da CIDPD que podem ser aplicados ao âmbito da saúde mental. O artigo 17 assim dispõe: Artigo 17 Proteção da integridade da pessoa Toda pessoa com deficiência tem o direito a que sua integridade física e mental seja respeitada, em igualdade de condições com as demais pessoas. (CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, art. 17) 130Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Nesse sentido, percebe-se a preocupação da ONU em proteger as condições físicas e mentais das PcD: A princípio, o referido artigo sendo lido num país desenvolvido ou onde o ordenamento jurídico tenha alcançado algum status de justiça, fica sem sentido, pois pode parecer que a norma trata do óbvio. No entanto, temos que ter em mente que a Convenção é internacional, busca ratificação e reconhecimento por todos os países do planeta. Dentro dessa premissa, devemos ter em conta que em muitos destes países ainda é comum a prática de abusos físicos e mentais contra pessoas com deficiência, até por acreditarem que pessoas na condição de “deficientes” são impuras e vítimas de sua própria sorte. (BRASIL, 2008, p. 69-70) Ainda com relação ao artigo 17, podemos observar que a Convenção diferencia a integridade física da integridade mental. No que diz respeito à integridade física, a norma objetiva garantir que as pessoas com deficiência tenham os mesmos direitos das demais pessoas quanto à preservação e utilização física de partes do seu corpo, independentemente de sua condição física. Quanto à integridade mental, visa proteger a pessoa com deficiência de danos morais ou intelectuais que possam atingi-la na condição de pessoa com deficiência. A CIDPD é um instrumento de direitos humanos de grande relevância por definir o conceito de “pessoa com deficiência” e por contemplar as pessoas com deficiência como titulares de direitos. Embora haja posições no sentido de considerar a pessoa com transtorno mental sob o prisma da deficiência mental, não há reconhecimento expresso nesse sentido. A CIDPD e o seu Protocolo não mencionam especificamente a pessoa com transtorno mental, mas a Convenção possui importantes artigos que se aplicam a esse grupo, como o artigo 12, que determina a capacidade legal das pessoas com deficiência, e o artigo 17, que protege sua integridade física e mental. Observando que existe uma divisão entre os direitos das pessoas com deficiência e a prática clínica, a OMS desenvolveu diretrizes de melhores práticas, por meio da iniciativa Quality Rights, incentivando os profissionais de saúde a participar da implementação da CIDPD. A iniciativa Quality Rights será estudada a seguir. 131Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.4. Quality Rights Tendo observado que existe uma disparidade entre os direitos das pessoas com deficiência e a prática clínica, a OMS desenvolveu diretrizes de melhores práticas por meio da iniciativa Quality Rights, incentivando os profissionais de saúde a participar da implementação da CIDPD, inclusive por meio da aplicação de tomadas de decisão apoiadas, e oferecendo suportes, como materiais de treinamento, para avançar nesse novo paradigma. O chamado kit de ferramentas Quality Rights fornece materiais de treinamento para capacitar profissionais de saúde sobre as disposições da CIDPD e o uso de instrumentos como diretivas antecipadas. Em português, esse kit é chamado de kit de ferramentas Direito é Qualidade da OMS. O kit de ferramentas Direito é Qualidade da OMS tem como objetivo apoiar os países na avaliação e na melhoria da qualidade e no respeito aos direitos humanos nos serviços de saúde mental e de assistência social. Ele baseia-se em uma revisão internacional extensa realizada por pessoas com transtornos mentais e organizações formadas por elas ou organizações que as protegem. O kit destina-se a ser aplicado em países de baixa, média e alta renda, tendo sido testado de maneira experimental em todos esses contextos. Aqui, é necessário delimitar o conceito do termo “serviços” para aplicação do kit de ferramentas: O termo “serviços” refere-se a qualquer lugar onde pessoas com desabilidades mentais vivem ou recebem atendimento, tratamento e/ou reabilitação. Estes incluem: hospitais psiquiátricos, enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais, serviços ambulatoriais (incluindo centros comunitários de saúde mental ou de substâncias psicoativas, clínicas de atenção primária e atendimento ambulatorial realizado por hospitais gerais), centros de cuidados diurnos para pessoas com transtornos mentais e serviços de acolhimento institucional e assistência social (incluindo serviços de acolhimento institucional para idosos, crianças com deficiências e para outros “grupos” de pessoas). (BRASIL, 2015, p. 3) Serviços psiquiátricos de internação e de estadia prolongada são comumente associados ao atendimento de baixa qualidade e a violações de direitos humanos. 132Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Por isso, a OMS recomenda aos países que desativem progressivamente esse tipo de instituição, estabelecendo, em seu lugar, serviços de base comunitária, e que a saúde mental seja integrada aos serviços de atenção primária e aos hospitais gerais. Embora essa ferramenta não endosse instituições de longa permanência como ambiente apropriado para tratamento e cuidado, enquanto esse tipo de serviço continuar a existir em países de todo o mundo é necessário impedir violações e promover os direitos daqueles que residem nessas instituições. (BRASIL, 2015, p. 3) A CIDPD consiste na base que define os padrões dos direitos humanos que precisam ser respeitados, protegidos e cumpridos nos serviços que atendem a essa população. O kit de ferramentas aborda cinco temas extraídos da CIDPD: 1. O direito a um padrão de vida e proteção social adequado (Artigo 28 da CIDPD) 2. O direito a usufruir o padrão mais elevado possível de saúde física e mental (Artigo 25) 3. O direito a exercer capacidade legal e o direito à liberdade pessoal e à segurança da pessoa (Artigos 12 e 14) 4. Prevenção contra tortura ou tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes e contra a exploração, violência e abuso (Artigos 15 e 16) 5. O direito de viver de forma independente e de ser incluído na comunidade (Artigo 19) Cada um desses “temas” ou “direitos” é decomposto em uma série de “padrões”, os quais são ainda repartidos em uma série de “critérios”: É em relação a esses critérios que os serviços serão avaliados, mediante entrevistas, observação e revisões de documentação. A avaliação de cada critério possibilita aos avaliadores determinar se um determinado padrão foi cumprido. Os padrões, por sua vez, ajudam a determinar se o tema global foi cumprido. (BRASIL, 2015, p. 3) 133Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Sobre isso, veja a figura a seguir: Figura 29 - Exemplo de divisão de cada tema em padrões e critérios a serem cumpridos em uma avaliação da qualidade e direitos humanos de serviços de saúde mental e de assistência social Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Direito é qualidade: kit de ferramentas de avaliação e melhoria da qualidade e dos direitos humanos em serviços de saúde mental e de assistência social. Brasília, 2015, página 7. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70927/9788533423282_por. pdf;jsessionid=DC0BD6A7EDB7F2204C557903A17B7D14?sequence=53. Acesso em: 25 nov. 2022. https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70927/9788533423282_por.pdf;jsessionid=DC0BD6A7EDB7F2204C557903A17B7D14?sequence=53 https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70927/9788533423282_por.pdf;jsessionid=DC0BD6A7EDB7F2204C557903A17B7D14?sequence=53134Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública É importante destacar que o kit de ferramentas Direito é Qualidade da OMS oferece instruções detalhadas sobre como uma avaliação deve ser conduzida e os seus resultados, relatados e utilizados. Ele inclui, ainda, alguns tipos de ferramentas, como: • Ferramentas de avaliação, como a ferramenta de entrevista, que fornece orientação sobre como conduzir entrevistas com usuários do serviço, membros das famílias (ou amigos ou cuidadores) e profissionais do serviço. • Formulários para relatórios, como o relatório de avaliação de serviço, que se destina a auxiliar as equipes de avaliação na consolidação e apresentação de seus resultados, conclusões e recomendações para cada serviço. O kit de ferramentas Direito é Qualidade da OMS pode ser adotado e usado por diversos grupos e organizações, tanto nacionais como internacionais. Ele pode ser usado para uma única avaliação ou como parte de um programa de nível nacional para melhorar os serviços no país. Assim, alguns dos grupos e organizações que podem usar o kit de ferramentas são: • Órgãos internacionais de direitos humanos e organizações não governamentais • Órgãos e mecanismos nacionais • Instituições nacionais de direitos humanos • Comissões nacionais de saúde ou de saúde mental • Órgãos de acreditação de serviços de saúde • Organizações nacionais não governamentais • Comitê ou órgão “dedicado” à avaliação Para implementar o projeto Direito é Qualidade da OMS, a primeira etapa é estabelecer uma equipe de gerenciamento. Essa equipe central de pessoas será responsável por: • Supervisionar o projeto • Fornecer orientação ao comitê que realizará a avaliação • Gerenciar e coordenar a avaliação • Relatar os resultados e dar seguimento às ações A equipe de gerenciamento do projeto poderia compreender representantes do Ministério da Saúde, de outros ministérios apropriados (por exemplo, do bem-estar social), representantes de organizações de pessoas com desabilidades, organizações de familiares, comissões ou órgãos nacionais de direitos 135Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública humanos ou de saúde, profissionais de saúde mental e da área jurídica. [...] A equipe de gerenciamento deve determinar os objetivos da avaliação. O objetivo principal é avaliar e melhorar todos os serviços ambulatoriais e de internação, ou o projeto se limitará a serviços de internação? Sua finalidade é subsidiar a política e a legislação ou, quando estas já estão em vigor, fortalecer a sua implementação? A determinação dos objetivos da avaliação esclarecerá a estrutura do projeto e o modo como os resultados serão relatados. (BRASIL, 2015, p. 14) Uma vez determinada a finalidade da avaliação, algumas questões serão consideradas pela equipe de gerenciamento antes de que aquela seja iniciada. É necessário: 1. Determinar o escopo da avaliação 2. Entender a organização de serviços no país 3. Selecionar serviços para avaliação 4. Selecionar temas para a avaliação 5. Determinar quais e quantas pessoas de cada serviço entrevistar Quando o escopo da avaliação e o número de serviços a serem avaliados tiverem sido definidos, a equipe de gerenciamento deverá determinar quantos comitês de avaliação serão necessários. “Em alguns contextos (por exemplo, em países pequenos ou quando somente um ou dois serviços estão sendo avaliados), somente um comitê pode ser necessário. Em outros contextos (por exemplo, avaliações em nível nacional ou distrital), serão necessários diversos comitês” (BRASIL, 2015, p. 22). Assim, a equipe de gerenciamento irá selecionar membros dos comitês de avaliação, determinar as diferentes funções dos membros do comitê, treinar esses membros, estabelecer a autoridade do(s) comitê(s) e preparar termos de consentimento (dos profissionais, dos usuários dos serviços e de membros da família que participam na avaliação) antes que as entrevistas sejam conduzidas, e buscar aprovação ética. 136Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A avaliação deve ser conduzida de forma a seguir algumas orientações. Por exemplo: Quando possível, o comitê de avaliação deve efetuar visitas não anunciadas aos serviços. Se souberem a data e a hora de uma visita, os profissionais de um serviço podem preparar-se para a visita, “limpando” o serviço de modo que os membros do comitê vejam uma versão “higienizada” do serviço, em vez das condições reais. As visitas não anunciadas asseguram que os membros do comitê vejam as condições que são realmente vivenciadas pelos usuários do serviço todos os dias. (BRASIL, 2015, p. 27). Ainda, as visitas devem, se possível, ser realizadas ao mesmo serviço em diferentes horários do dia. Antes de iniciada a visita, o comitê deve se reunir com os profissionais e os usuários do serviço e, quando possível, com membros das famílias dos usuários para explicar a finalidade da avaliação e para descrever o que farão e o que esperam alcançar. O comitê deve tentar estabelecer um sentido de parceria e cooperação com os profissionais, os usuários do serviço e seus familiares. Os profissionais podem sentir-se desconfortáveis em relação à avaliação, temendo que seu trabalho esteja sendo monitorado e julgado. Os usuários do serviço e familiares também podem ficar desconfiados da avaliação e temerem represálias se participarem em entrevistas. O comitê deve, portanto, empenhar-se em promover um espírito de colaboração, enfatizando que todos os envolvidos possuem um objetivo comum – melhorar as condições do serviço – e que esse objetivo pode ser alcançado somente com as informações recebidas e a participação ativa de todos. A equipe de avaliação não deverá, contudo, levantar expectativas irrealistas sobre o resultado que a avaliação alcançará, e deve esclarecer que as condições provavelmente não melhorarão imediatamente, mas somente com o passar do tempo. (BRASIL, 2015, p. 27) 137Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública As ferramentas do Direito é Qualidade para revisão da documentação e observação dos serviços servem de guia para os membros do comitê sobre o que devem observar durante suas visitas, com espaço para registrar seus achados. A observação é uma atividade central na avaliação das condições dos serviços. Assim, A observação não deve se restringir a um exame das condições físicas; deve incluir também o que acontece no serviço. Por exemplo, quando visita serviços ambulatoriais e de internação, o comitê de avaliação deve observar as interações entre profissionais e usuários dos serviços para determinar se os usuários estão sendo atendidos com dignidade e respeito e se os seus direitos e sua capacidade legal são respeitados. Por conseguinte, como parte da observação, os membros do comitê devem acompanhar atividades/ atendimentos envolvendo profissionais e usuários dos serviços, incluindo: • Consultas entre profissionais e usuários dos serviços: Os usuários do serviço estão participando na elaboração de seu projeto terapêutico? Os usuários podem expressar suas opiniões e escolhas referentes ao seu tratamento, e estas são respeitadas? Ou estas decisões são tomadas sem sua participação? Ações de reabilitação: Os profissionais estão simplesmente fazendo palestras para os usuários do serviço, ou os usuários estão participando ativamente no processo de reabilitação psicossocial para aquisição de habilidades? (BRASIL, 2015, p. 28) O kit Direito é Qualidade da OMS também fornece a ferramenta de observação e documentação, que serve de guia para os membros do comitê sobre os tipos de documentação a serem revisados na avaliação. De acordo com a ferramenta, a documentação pode ser dividida em quatro grandes categorias: • Projetos técnicos, diretrizes, normas e outras diretivas oficiais do serviço; • Registros administrativos (por exemplo, número e categorias de profissionais, número, idade e sexo de usuários do serviço, registros de internaçãoe alta); • Registros de eventos específicos (por exemplo, queixas, petições contra 138Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública internação e tratamento involuntários, incidentes de roubo, abuso, óbitos); e • Prontuários ou arquivos de usuários do serviço. Outra ferramenta no âmbito do kit Direito é Qualidade da OMS é a ferramenta de entrevista. Entrevistar usuários, familiares e profissionais de um serviço e ouvir suas visões e perspectivas é fundamental para a avaliação. Essa ferramenta descreve os temas, os padrões e os critérios em relação aos quais as condições dos serviços devem ser avaliadas. A ferramenta também contém perguntas associadas a cada critério para auxiliar o entrevistador. Alguns dos aspectos que devem ser considerados com relação à entrevista são: • A seleção dos entrevistados • O procedimento de entrevista • O conteúdo da entrevista: relatos de casos de abuso Com relação à forma de relatar os resultados da avaliação, o formulário de relatório do Direito é Qualidade da OMS por serviço fornece uma estrutura para que o comitê de avaliação documente sistematicamente a extensão em que cada um dos cinco temas da ferramenta Direito é Qualidade da OMS foi aplicada em um serviço específico de saúde mental ou de assistência social. Todas as sessões devem ser preenchidas. São elas: 1. Resumo executivo 2. Método utilizado para a avaliação 3. Resultados da avaliação (inclusive a pontuação quantitativa e os achados qualitativos) 4. Discussão 5. Conclusões e recomendações No caso de mais de um serviço ter sido avaliado (por exemplo, uma avaliação nacional ou distrital), “todos os comitês que conduzem avaliações deverão se reunir para discutir, integrar e compilar seus resultados de cada serviço e preparar uma avaliação global em nível nacional ou distrital” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015, p. 37). Nessa hipótese, o formulário de relatório do Direito é Qualidade da OMS para avaliações nacionais fornece uma estrutura para consolidação das avaliações locais: O formulário do relatório nacional possui as mesmas seções que aqueles voltados para cada serviço individualmente, fornece as mesmas categorias para classificação (embora as classi- ficações para cada 139Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública serviço sejam listadas e apresentadas por tema no formulário do relatório nacional ou por distrito) e inclui um modelo para integrar achados quantitativos e qualitativos em um único relatório em nível nacional ou de distrito. (BRASIL, 2015, p. 37) Quanto ao uso dos resultados obtidos na avaliação, “as avaliações da qualidade e direitos humanos em serviços de saúde mental e de assistência social podem servir para diversas finalidades, e os resultados podem ser utilizados de muitas maneiras diferentes” (BRASIL, 2015, p. 37). É essencial que todos os envolvidos em uma avaliação entendam claramente e concordem sobre a sua finalidade e o modo como os resultados serão utilizados. Os resultados de uma avaliação podem: • No nível macro, ser utilizados para orientar políticas, planos e legislação sobre saúde mental e abuso de substâncias. • Ser utilizados para entender a extensão e o tipo de violações de direitos humanos que ocorrem em serviços, e para aumentar a conscientização sobre essas questões entre as autoridades competentes e as partes envolvidas, quando apropriado. • (E devem) ser utilizados como base para formular um plano de melhoria da qualidade, o qual deve ser integrado na gestão e prestação de cuidados do serviço avaliado. • Ser utilizados para identificar lacunas no conhecimento em relação a questões sobre direitos humanos e qualidade. Para conhecer mais sobre o kit de ferramentas Quality Rights, clique no link https://apps.who.int/iris/ bitstream/10665/70927/53/9788533423282_por.pdf e acesse o documento “Kit de ferramentas de avaliação e melhoria da qualidade e dos direitos humanos em serviços de saúde mental e de assistência social”, produzido pelo Ministério da Saúde em 2015. https://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70927/53/9788533423282_por.pdf https://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70927/53/9788533423282_por.pdf 140Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 30 – Manual Direito é Qualidade Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Direito é qualidade: kit de ferramentas de avaliação e melhoria da qualidade e dos direitos humanos em serviços de saúde mental e de assistência social. Brasília, 2015, capa. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70927/9788533423282_por. pdf;jsessionid=DC0BD6A7EDB7F2204C557903A17B7D14?sequence=53. Acesso em: 25 nov. 2022. Assim, os Quality Rights ou, em português, kit de ferramentas Direito é Qualidade da OMS, são importantes instrumentos de orientação para profissionais de saúde que visam à aplicação das disposições da CIDPD à prática clínica. Nesse sentido, o kit fornece materiais de treinamento para capacitar médicos sobre as disposições da CIDPD e o uso de instrumentos, como diretivas antecipadas. O kit de ferramentas busca identificar problemas nas práticas existentes de atendimento à saúde e, a partir disso, planejar meios para que os serviços prestados sejam de boa qualidade. Para atingir esse fim, o kit oferece uma série de ferramentas para que se possa realizar uma avaliação completa, abrangente e efetiva dos serviços em saúde, e para que a utilização dos dados obtidos nessas avaliações seja feita de modo a promover a mudança necessária nos serviços de cuidados em saúde destinados a pessoas com transtornos mentais. https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70927/9788533423282_por.pdf;jsessionid=DC0BD6A7EDB7F2204C557903A17B7D14?sequence=53 https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70927/9788533423282_por.pdf;jsessionid=DC0BD6A7EDB7F2204C557903A17B7D14?sequence=53 141Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Olá, estudante! Neste módulo, trabalharemos os principais relatórios, casos e decisões dos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos que se relacionam com o tema “saúde mental”. 1. Relatórios e decisões dos Sistemas ONU, Interamericano e Europeu de Direitos Humanos Reconhecer a Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos e os casos analisados pelo sistema interamericano sobre saúde mental. Os Sistemas ONU, Interamericano e Europeu de Direitos Humanos possuem diversos relatórios e decisões interessantes relacionados ao tema “saúde mental e direitos humanos”. Esses documentos constituem a principal fonte de conhecimento sobre os padrões internacionais de tratamento das pessoas com transtorno mental sob cuidados em saúde. A seguir, vamos estudar os documentos relacionados a cada um desses sistemas. 1.1. Relatórios e decisões do Sistema ONU Para facilitar a compreensão, observe a figura a seguir, que mostra um organograma dos órgãos de monitoramento de direitos humanos da ONU. Na última fileira, encontram-se os nomes dos mecanismos de monitoramento utilizados por cada um desses órgãos. Os tipos de documentos utilizados nessa pesquisa (Relatórios de Relatores Especiais; Relatórios e Comentários Gerais das Convenções temáticas) encontram-se destacados em amarelo na figura. Módulo Jurisprudência internacional sobre direitos humanos e saúde mental4 142Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura 31 - Sistema ONU de Direitos Humanos - Mecanismos de monitoramento Fonte: Elaborada pela autora. Assim, passamos a apresentar as recomendações expedidas por órgãos de direitos humanos da ONU sobre o tratamento que deve ser dado a pessoas com transtorno mental. Os órgãos cujos documentos foram considerados para a pesquisa são os organismos responsáveis por monitorar a proibição da tortura e de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e os direitos da pessoa com deficiência. No que diz respeito à proibição da tortura e de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, a pesquisa se baseou nos relatórios temáticosdo Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, bem como nos comentários gerais e recomendações. Assim, são enfocados três documentos: • Relatório temático A/HRC/22/53 (2013) • Recomendação Geral nº 2 de 2011 • Nota do Relator Especial “Maus tratos em ambientes de saúde: quando um cuidador se torna um torturador”, de 13 de março de 2013 A pesquisa também levou em consideração os documentos emitidos pelo Comitê contra a Tortura (CAT), órgão de monitoramento da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Os documentos utilizados na pesquisa foram aqueles classificados como “comentários gerais” e “relatórios”. O documento encontrado sob esses parâmetros foi o Relatório do CAT A/64/44, de 2009. No que diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência, foram considerados para a pesquisa os relatórios e relatórios temáticos publicados pelo Relator Especial 143Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Relatórios temáticos A/ HRC/40/54 (2019), A/74/186 (2019), A/73/161 (2018) e A/HRC/37/56 (2018). • Comentários Gerais CRPD/C/5 (2022), CRPD/C/GC/6 (2018) e CRPD/C/ GC/1 (2014) • Relatório A/72/55 (2017) Nos documentos pesquisados, foram encontradas importantes recomendações feitas pelos órgãos da ONU aos Estados com relação a padrões internacionais de tratamento de pessoas com transtornos mentais sob cuidados em saúde. As recomendações foram sistematizadas por temas, conforme demonstrado nos quadros a seguir. 1.1.1. Consentimento informado Quadro 19 - Recomendações sobre consentimento informado Recomendação Comitê/Relatoria Documento fonte e ano Garantir que a prestação de serviços de saúde, incluindo serviços de saúde mental, seja baseada no consentimento livre e informado da pessoa em questão. Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Relatório A/72/55 (2017) Os Estados Partes têm a obrigação de não permitir que tomadores de decisão substitutos forneçam consentimento em nome de pessoas com deficiência. Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Relatório A/72/55 (2017) Os regimes de decisão substituída devem ser trocados por regimes de decisões assistidas, que respeitem a autonomia, a vontade e as preferências da pessoa. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Na transmissão de informações, os profissionais de saúde devem estar cientes e se adaptar às necessidades específicas de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) 144Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Recomendação Comitê/Relatoria Documento fonte e ano Os Estados devem assegurar-se de que a informação sobre saúde esteja totalmente disponível, aceitável, acessível e de boa qualidade; e que seja transmitida e compreendida por meio de medidas de apoio e proteção, como, por exemplo, uma ampla gama de serviços e apoios baseados na comunidade, como aconselhamento e envolvimento em redes comunitárias. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013); Fonte: Elaborado pela autora. 1.1.2. Grupos vulneráveis Quadro 20 - Recomendações sobre grupos vulneráveis Recomendação Órgão recomendante Documento fonte Assegurar a proteção especial de grupos e indivíduos minoritários e marginalizados como um componente crítico da obrigação de prevenir a tortura e os maus-tratos, investindo e oferecendo aos indivíduos marginalizados uma ampla gama de apoios voluntários que lhes permitam exercer sua capacidade legal e que respeitem sua autonomia, sua vontade e suas preferências individuais. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Os Estados devem revogar qualquer lei que permita tratamentos intrusivos e irreversíveis, incluindo cirurgia forçada de normalização genital, esterilização involuntária, experimentação antiética, exibição médica, “terapias reparadoras” ou “terapias de conversão”, quando aplicadas ou administradas sem o consentimento livre e informado da pessoa em questão. Devem, ainda, proibir a esterilização forçada ou coagida em todas as circunstâncias e fornecer proteção especial a indivíduos pertencentes a grupos marginalizados. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) 145Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Recomendação Órgão recomendante Documento fonte Integrar os direitos dos idosos com deficiência em todas as políticas e programas para idosos e pessoas com deficiência. Por exemplo, a situação dos idosos com deficiência é abordada nos planos de ação nacionais sobre deficiência da Alemanha e da Eslovênia. As estratégias nacionais e os planos de ação sobre envelhecimento e deficiência devem se complementar e garantir que as pessoas idosas com deficiência, independentemente de sua idade ou deficiência, não caiam no esquecimento. As pessoas idosas com deficiência psicossocial devem ser totalmente incluídas nessas políticas e não devem ser abandonadas ou abordadas apenas por meio de estratégias de saúde mental que carecem de uma abordagem baseada em direitos para a deficiência e que podem violar seus direitos humanos. Relator Especial sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência Relatório temático A/74/186 (2019) Fonte: Elaborado pela autora. 1.1.3. Medicação e cuidados paliativos Quadro 21 - Recomendações sobre medicação e cuidados paliativos Recomendação ao(s) Estado(s) Órgão recomendante Documento fonte Adotar uma abordagem baseada em direitos humanos para o controle de medicamentos como questão prioritária para prevenir as contínuas violações de direitos decorrentes das abordagens atuais de redução da oferta e da demanda. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) 146Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Assegurar que as leis nacionais de controle de medicamentos reconheçam a natureza indispensável dos narcóticos e psicotrópicos para o alívio da dor e do sofrimento, e revisar a legislação nacional e os procedimentos administrativos para garantir a disponibilidade adequada desses medicamentos para usos médicos legítimos. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Garantir medicamentos essenciais – que incluem, entre outros, analgésicos opioides – como parte de obrigações básicas mínimas decorrentes do direito à saúde e tomar medidas para proteger as pessoas sob sua jurisdição de tratamento desumano e degradante. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Garantir o acesso total aos cuidados paliativos e superar os atuais obstáculos regulatórios, educacionais e atitudinais que restringem a disponibilidade de medicamentos essenciais para cuidados paliativos, especialmente a morfina oral. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Elaborar e implementar políticas que promovam a compreensão generalizada sobre a utilidade terapêutica de substâncias controladas e seu uso racional. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Desenvolver e integraros cuidados paliativos no sistema público de saúde, incluindo-os em todos os planos e em todas as políticas nacionais de saúde, nos currículos e nos programas de treinamento, e desenvolvendo os padrões, as diretrizes e os protocolos clínicos necessários. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Fonte: Elaborado pela autora. 147Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.1.4. Institucionalização e intervenções forçadas Quadro 22 - Recomendações sobre institucionalização e intervenções forçadas Recomendação Órgão recomendante Documento fonte A proibição absoluta de todas as medidas coercitivas e não consensuais, incluindo contenção e confinamento solitário de pessoas com deficiências psicológicas ou intelectuais, deve ser aplicada em todos os locais de privação de liberdade, inclusive em instituições psiquiátricas e de assistência social. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013); Comentário Geral CRPD/C/5 (2022) Os critérios que determinam os fundamentos pelos quais o tratamento pode ser administrado na ausência de consentimento livre e informado devem ser esclarecidos na lei, e nenhuma distinção entre pessoas com ou sem deficiência deve ser feita. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Somente em emergência com risco de vida, em que não há desacordo quanto à ausência de capacidade legal, pode um prestador de cuidados de saúde proceder sem consentimento informado para realizar um procedimento de salvamento. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) A legislação que autoriza a institucionalização de pessoas com deficiência com base em sua deficiência, sem seu consentimento livre e informado, deve ser abolida. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) 148Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Recomendação Órgão recomendante Documento fonte Impor a proibição absoluta de todas as intervenções médicas forçadas e não consensuais contra pessoas com deficiência, incluindo a administração não consensual de psicocirurgia, eletrochoque e drogas que alteram a mente, como neurolépticos, o uso de contenção e confinamento solitário, tanto para períodos longos como para aplicação de curto prazo. A obrigação de acabar com as intervenções psiquiátricas forçadas baseadas apenas na deficiência é de aplicação imediata e a escassez de recursos financeiros não pode justificar o adiamento da sua implementação. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Substituir tratamento forçado por serviços na comunidade. Esses serviços devem atender às necessidades expressas por pessoas com deficiência e respeitar a autonomia, as escolhas, a dignidade e a privacidade da pessoa em questão, com ênfase em alternativas ao modelo biomédico de saúde mental, incluindo apoio de pares, conscientização e treinamento em saúde mental. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Revisar e abolir as disposições legais que permitem: A detenção por motivos de saúde mental ou em estabelecimentos de saúde mental; e Quaisquer intervenções ou tratamentos coercivos no ambiente de saúde mental sem o consentimento livre e informado da pessoa em questão. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD); CRPD ; CRPD Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013); Comentário Geral CRPD/C/ GC/1 (2014); Comentário Geral CRPD/C/ GC/6 (2018); Relatório A/72/55 (2017) 149Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Recomendação Órgão recomendante Documento fonte Fechar sem demora os centros de detenção compulsória e de “reabilitação” de drogas e implementar serviços sociais e de saúde voluntários, baseados em evidências e direitos na comunidade. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Usuários de drogas ilícitas detidos em centros de reabilitação compulsórios, geralmente administrados por militares ou paramilitares, forças policiais ou de segurança, ou por empresas privadas, sofrem uma dolorosa retirada da dependência de drogas sem assistência médica, ou sofrem abuso físico ou sexual. Os Estados devem fechar esses centros e implementar serviços sociais e de saúde na comunidade. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Nota “Maus tratos em ambientes de saúde: quando um cuidador se torna um torturador”, (2013) A reforma da legislação sobre capacidade jurídica deve ser realizada de forma imediata e em simultâneo com a desinstitucionalização. Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Comentário Geral CRPD/C/5 (2022) Iniciar reformas sociais e sistemas alternativos de apoio comunitário em paralelo com o processo em andamento de desinstitucionalização de pessoas com deficiência. Comitê contra a Tortura (CAT); Relator Especial dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU Relatório A/64/44 (2009); Relatório temático A/ HRC/40/54 Fornecer imediatamente aos indivíduos oportunidades de deixar as instituições, revogar qualquer detenção autorizada por disposições legislativas que não estejam em conformidade com o artigo 14 da Convenção, seja sob leis de saúde mental ou de outra forma, e proibir a detenção involuntária com base na deficiência. Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Comentário Geral CRPD/C/5 (2022) 150Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Recomendação Órgão recomendante Documento fonte O exercício da tomada de decisão pelas pessoas com deficiência que se encontram atualmente institucionalizadas deve ser respeitado no processo de desinstitucionalização. Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Comentário Geral CRPD/C/5 (2022) Suspender imediatamente novas colocações em instituições, adotar moratórias sobre novas admissões e sobre a construção de novas instituições e alas, e abster-se de reformar instituições existentes. Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Comentário Geral CRPD/C/5 (2022) As pessoas que deixam as instituições requerem uma ampla gama de possibilidades para a vida diária, experiências de vida e oportunidades para prosperar na comunidade. Os Estados partes devem cumprir suas obrigações gerais de defender os direitos dessas pessoas, em igualdade de condições com os demais, no que diz respeito à acessibilidade, à mobilidade pessoal, à privacidade, à integridade física e mental, à capacidade legal, à liberdade, à isenção de violência, abuso e exploração, tortura e outros maus-tratos, à educação, à participação na vida cultural e recreação e à participação na vida política. Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Comentário Geral CRPD/C/5 (2022) Fonte: Elaborado pela autora 151Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.1.5. Capacidade Quadro 23 - Recomendações sobre capacidade Recomendação ao(s) Estado(s) Órgão recomendante Documento fonte Deficiências reais ou percebidas na capacidade mental não devem ser usadas como justificativa para negar a capacidade legal. Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Comentário Geral CRPD/C/ GC/1 (2014) O apoio ao exercícioda capacidade legal deve continuar, se necessário, depois que as pessoas com deficiência se estabelecerem na comunidade. Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Comentário Geral CRPD/C/5 (2022) Fonte: Elaborado pela autora 1.1.6. Legislação Quadro 24 - Recomendações sobre legislação Recomendação ao(s) Estado(s) Órgão recomendante Documento fonte A legislação de saúde mental, desde que autorize e regule a privação involuntária da liberdade e o tratamento forçado de pessoas com base em uma deficiência real ou percebida (ou seja, diagnóstico de “condição de saúde mental” ou “distúrbio mental”), deve ser abolida. Para tanto, os Estados devem iniciar um processo de revisão legal abrangente, que abarque diferentes áreas do direito, com a participação ativa das pessoas com deficiência e de suas organizações representativas. Relator Especial dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU; Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Relatório temático A/ HRC/40/54 (2019); Relatório temático A/ HRC/37/56 (2018); Comentário Geral CRPD/C/5 (2022); Relatório A/72/55 (2017) 152Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Recomendação ao(s) Estado(s) Órgão recomendante Documento fonte Promover a responsabilização por tortura e maus-tratos em ambientes de saúde, identificando leis, políticas e práticas que levam ao abuso; e permitir que os mecanismos preventivos nacionais realizem monitoramento sistemático, recebam reclamações e iniciem ações judiciais. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Proteger o consentimento livre e informado de forma igualitária para todos os indivíduos, sem exceção, por meio de estrutura legal e de mecanismos judiciais e administrativos, inclusive por meio de políticas e práticas de proteção contra abusos. Adotar políticas e protocolos que defendam a autonomia, a autodeterminação e a dignidade humana. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013) Garantir que a legislação anti-discriminação se estenda às esferas pública e privada, abranja áreas como educação, emprego, bens e serviços e aborde a institucionalização. Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Comentário Geral CRPD/C/ GC/6 (2018) A legislação de saúde mental, tal como existe hoje, deve ser revogada, pois cria um regime jurídico separado para pessoas com deficiência psicossocial, contrário às obrigações dos Estados sob a Convenção. Relator Especial dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU Relatório temático A/ HRC/37/56 (2018) A regulamentação da prática de serviços de saúde mental deve centrar-se na aceitabilidade e qualidade, enquanto os direitos e liberdades das pessoas com deficiência psicossocial devem ser iguais aos de outras pessoas em todas as áreas do direito, incluindo capacidade legal e liberdade e segurança da pessoa. Relator Especial dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU Relatório temático A/ HRC/37/56 (2018) Os Estados partes devem examinar de forma holística todas as áreas do direito, para garantir que o direito das pessoas com deficiência à capacidade legal não seja restringido de forma desigual. Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Comentário Geral CRPD/C/ GC/1 (2014) Fonte: Elaborado pela autora 153Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.1.7. Capacitação de profissionais Quadro 25 - Recomendações sobre capacitação de profissionais Recomendação ao(s) Estado(s) Órgão recomendante Documento fonte Fornecer educação e informações adequadas sobre direitos humanos aos profissionais de saúde sobre a proibição de tortura e maus-tratos e a existência, extensão, gravidade e consequências de várias situações que equivalem a tortura e tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Crueis, Desumanos ou Degradantes; Relator Especial sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013); Relatório temático A/73/161 (2018) Promover uma cultura de respeito à integridade e à dignidade humana, o respeito à diversidade e a eliminação de atitudes de patologização e homofobia. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Relator Especial sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013); Relatório temático A/73/161 (2018) Capacitar profissionais de saúde, juízes, promotores e policiais sobre as normas relativas ao consentimento livre e informado. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Relator Especial sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência Relatório temático A/ HRC/22/53 (2013); Relatório temático A/73/161 (2018) Fortalecer a formação profissional tanto em instituições de proteção social para pessoas com deficiência mental como em hospitais psiquiátricos. Comitê contra a Tortura (CAT) Relatório A/64/44 (2009) Fonte: Elaborado pela autora. 154Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.1.8. Controle e monitoramento Quadro 26 - Recomendações sobre controle e monitoramento Recomendação ao(s) Estado(s) Órgão recomendante Documento fonte As organizações não governamentais e outros órgãos de monitoramento também devem ter acesso a instituições estatais não penais que cuidam de idosos, pessoas com transtornos mentais e órfãos, bem como centros de detenção para estrangeiros, incluindo requerentes de asilo e migrantes. Relator Especial da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes Recomendação Geral nº 2 (2011) Investigar denúncias de tortura ou tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante de pessoas com deficiência em instituições. Comitê contra a Tortura (CAT) Relatório A/64/44 (2009) Os dados coletados pelos Estados Partes devem ser desagregados de acordo com raça, origem étnica, idade, gênero, sexo, orientação sexual, situação socioeconômica, tipo de deficiência, motivo da institucionalização, data de admissão, data prevista ou real de liberação e outros atributos. Isso inclui a coleta de registros confiáveis, acessíveis e atualizados dos números e dados demográficos de pessoas em ambientes psiquiátricos ou de saúde mental, registros sobre se o dever de permitir que pessoas com deficiência deixem as instituições foi cumprido, registros do número de pessoas que já exerceram a opção de desligamento, e outras informações referentes ao planejamento para os que ainda não saíram das instituições. Comitê das Pessoas com Deficiência (CRPD) Comentário Geral CRPD/C/5 (2022) 155Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Recomendação ao(s) Estado(s) Órgão recomendante Documento fonte Garantir que todas as pessoas com deficiência que sofreram qualquer forma de exploração, violência ou abuso no contexto de regimes de tomada de decisão substituídos ou apoiados, incluindo detenção arbitrária ou violações da integridade pessoal, de acordo com a legislação de saúde mental, tenham acesso à justiça e a remédios eficazes. Esses recursos devem incluir compensação e reparações adequadas, inclusive restituição, compensação, satisfação e garantias de não repetição, conforme apropriado. Relator Especial dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU Relatório temático A/ HRC/37/56 (2018) Instituições nacionais de direitos humanos e mecanismos independentes para a promoção, a proteção e o monitoramento da implementação da Convenção devem ser mandatados para realizar inquéritos e investigações em relação ao gozo do direito à capacidade legal de pessoas com deficiência e para prestar assistência a pessoas com deficiência no acesso arecursos legais. Relator Especial dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU Relatório temático A/ HRC/37/56 (2018) Fonte: Elaborado pela autora. 1.1.9. Outras recomendações O CRPD recomenda, por meio do Comentário Geral CRPD/C/5 (2022), que haja uma coordenação internacional de esforços para apoiar a desinstitucionalização, já que essa cooperação é importante para evitar a replicação de más práticas, como a promoção do modelo biomédico de deficiência e leis coercitivas de saúde mental. Nesse sentido, o Comitê insta os Estados a estabelecerem uma plataforma internacional para boas práticas de desinstitucionalização, em estreita consulta a pessoas com deficiência, especialmente sobreviventes de institucionalização e suas organizações representativas. Sendo assim, podemos observar que os órgãos de monitoramento de direitos humanos da ONU – em particular os que monitoram os direitos a não ser torturado ou submetido a tratamento cruel, desumano ou degradante, e os direitos das pessoas com deficiência – recomendam padrões internacionais de direitos humanos que devem ser adotados pelos Estados nos cuidados em saúde a pessoas com transtornos mentais. 156Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A adoção desses padrões beneficia não somente as pessoas sob cuidados em saúde, mas também seus familiares, os profissionais da saúde e o próprio Estado, na medida em que promove uma cultura de direitos humanos. 1.2. Relatórios e decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos Nos casos julgados pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos, podemos encontrar importantes determinações relacionadas aos cuidados em saúde de pessoas com transtorno mental. As tabelas a seguir apresentam as disposições de sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) relacionadas ao tratamento de pessoas com transtornos mentais, relativas aos seguintes casos: • Ximenes Lopes vs. Brasil (2006) • Dacosta Cardogan vs. Barbados (2009) • Furlan e Familiares vs. Argentina (2012) • Guachalá Chimbo e Outros vs. Ecuador (2021) • Guevara Dias vs. Costa Rica (2022) 1.2.1. Informação Quadro 27 - Informação Disposição da sentença Caso da Corte IDH O Estado deve assegurar que todas as pessoas acusadas de um crime, punível com a pena de morte obrigatória, sejam devidamente informadas, no início do processo penal contra elas, do seu direito a obter uma avaliação psiquiátrica por um psiquiatra contratado pelo Estado (de acordo com o parágrafo 105 da Sentença). Dacosta Cardogan vs. Barbados (2009) O Estado deve adotar as medidas necessárias para que, quando uma pessoa for diagnosticada com problemas graves ou sequelas relacionadas à sua deficiência, seja entregue à pessoa ou seu grupo familiar uma declaração de direitos que resuma de forma sintética, clara e acessível os benefícios contemplados pela regulamentação argentina, (conforme o disposto nos parágrafos 294 e 295 da Sentença). Furlan e Familiares vs. Argentina (2012) 157Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Disposição da sentença Caso da Corte IDH O Estado elaborará uma publicação ou brochura que desenvolva de forma sintética, clara, acessível e de fácil leitura os direitos das pessoas com deficiência na prestação de cuidados em saúde na qual deverá ser feita menção específica à assistência prévia, gratuita e integral informados e a obrigação de prestar o apoio necessário às pessoas com deficiência (de acordo com o disposto no parágrafo 251 da Sentença). Guachalá Chimbo e Outros vs. Ecuador (2021) O Estado realizará um vídeo informativo sobre os direitos das pessoas com deficiência ao receber cuidados de saúde, bem como as obrigações dos profissionais de saúde na atenção às pessoas com deficiência, no qual deve ser feita menção específica ao consentimento prévio, gratuito, pleno e informado e à obrigação de prestar o apoio necessário às pessoas com deficiência (de acordo com o disposto no parágrafo 251 da Sentença). Guachalá Chimbo e Outros vs. Ecuador (2021) Fonte: Elaborado pela autora. 1.2.2. Cuidados em saúde Quadro 28 - Atenção e assistência médica/psicológica Disposição da sentença Caso da Corte IDH O Estado deve prestar cuidado em saúde, incluindo o cuidado psicológico ou psiquiátrico gratuito de forma imediata, adequada e eficaz, por meio de suas instituições especializadas de saúde pública, às vítimas que o solicitarem (em conformidade com o disposto nos parágrafos 282 e 284 da Sentença). Furlan e Familiares vs. Argentina (2012) O Estado deve formar um grupo interdisciplinar que, levando em consideração a opinião de Sebastián Furlan (vítima), determinará as medidas de proteção e assistência mais adequadas para sua inclusão social, educacional, profissional e laboral (de acordo com o disposto nos parágrafos 285 e 288 da Sentença). Furlan e Familiares vs. Argentina (2012) O Estado regulará a obrigação internacional de prestar apoio às pessoas com deficiência para que possam dar seu consentimento informado ao tratamento de saúde (nos termos do parágrafo 245 da Sentença). Guachalá Chimbo e Outros vs. Ecuador (2021) Fonte: Elaborado pela autora. 158Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.2.3. Capacitação de profissionais Quadro 29 - Capacitação de profissionais Disposição da sentença Caso da Corte IDH O Estado elaborará e implementará um curso de capacitação sobre consentimento informado e obrigação de apoio às pessoas com deficiência para o pessoal médico e de saúde do Hospital Júlio Endara (em conformidade com o disposto no parágrafo 250 da Sentença). Guachalá Chimbo e Outros vs. Ecuador (2021) O Estado deve continuar a desenvolver um programa de educação e formação para médicos, psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e todas as pessoas ligadas à saúde mental, em particular, sobre os princípios que devem reger o tratamento de pessoas com deficiência mental, de acordo com as normas internacionais sobre a matéria e as estabelecidas na Sentença do caso (nos termos do parágrafo 250 da mesma). Ximenes Lopes vs. Brasil (2006) Fonte: Elaborado pela autora 1.2.4 Medidas de regulamentação Quadro 30 - Medidas de regulamentação Disposição da sentença Caso da Corte IDH O Estado elaborará um protocolo de atuação em casos de desaparecimento de pessoas internadas em centros públicos de saúde (de acordo com o disposto no parágrafo 253 da Sentença). Guachalá Chimbo e Outros vs. Ecuador (2021) O Estado deve estabelecer expressamente a obrigação de prestar apoio às pessoas com deficiência, a fim de garantir o direito à saúde sem discriminação. Guevara Dias vs. Costa Rica (2022) Fonte: Elaborado pela autora. Assim, verificamos que a Corte IDH emitiu diversas disposições sobre os cuidados em saúde a pessoas acometidas de transtornos mentais, e que as disposições são compatíveis, em seu conteúdo, com as recomendações propostas pela ONU sobre a matéria. Nesse sentido, é interessante observar as disposições do Sistema Europeu de Direitos Humanos sobre o assunto. 159Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.3. Relatórios e decisões do Sistema Europeu de Direitos Humanos Assim como os Sistemas ONU e Interamericano de Direitos Humanos, o Sistema Europeu apresenta uma série de determinações que estabelecem os padrões internacionais de tratamento das pessoas com transtornos mentais sob cuidados em saúde. Devido à grande quantidade de casos envolvendo cuidados em saúde a pessoas com transtorno mental, foram selecionados aqueles em que o órgão julgador emitia determinação geral, direcionada a todos os Estados, e não só ao Estado sob julgamento. Assim, os casos selecionados foram: • Sy vs. Itália (2022) • Blokhin vs. Rússia (2016) • Murray vs. Holanda (2016) • Claes vs. Bélgica (2013) • Ţicu vs. Romênia (2013) • DD vs. Lituânia (2012) • Stanev vs. Bulgária (2012) • Shtukaturov vs. Rússia (2008) • Rivière vs. França (2006)As determinações foram divididas por temas, para facilitar a compreensão. 160Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.3.1. Direito à liberdade e à segurança (artigo 5º da Convenção) Quadro 31 - Direito à liberdade e à segurança Caso Resumo do caso Determinação aos Estados Documento fonte Shtukaturov vs. Rússia (2008) O requerente tem um histórico de doença mental e foi declarado oficialmente inválido em 2003. Após um pedido apresentado por sua mãe, os tribunais russos o declararam legalmente incapaz em dezembro de 2004. Sua mãe foi posteriormente nomeada sua tutora e, em novembro de 2005, ela o internou em um hospital psiquiátrico. O recorrente alegou, em particular, que tinha sido privado da sua capacidade jurídica sem o seu conhecimento. Nos casos de internação compulsória, o doente mental deve ser ouvido pessoalmente ou, se for o caso, através de qualquer forma de representação. Factsheet Pessoas com Deficiência e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (2022) 161Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Caso Resumo do caso Determinação aos Estados Documento fonte Stanev vs. Bulgária (2012) Colocado sob tutela parcial contra a sua vontade e internado em um lar de assistência social para pessoas com transtornos mentais, o requerente queixou-se, nomeadamente, de não poder recorrer a um tribunal para obter a libertação da tutela parcial. A Grande Secção observou que há agora uma tendência em nível europeu no sentido de conceder às pessoas legalmente incapazes acesso direto aos tribunais para buscar a restauração de sua capacidade. Instrumentos internacionais para a proteção de pessoas com transtornos mentais também atribuem importância crescente a conceder-lhes o máximo de autonomia jurídica possível. O artigo 6º, § 1º, da Convenção deve ser interpretado no sentido de garantir, em princípio, que qualquer pessoa que tenha sido declarada parcialmente incapaz, como foi o caso do requerente, tenha acesso direto a um tribunal para buscar a restauração de sua capacidade jurídica. Factsheet Pessoas com Deficiência e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (2022) 162Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Caso Resumo do caso Determinação aos Estados Documento fonte Blokhin vs. Rússia (2016) Este caso dizia respeito à detenção, por 30 dias, de um menino de 12 anos, que sofria de transtorno mental e neurocomportamental, em um centro de detenção temporária para menores infratores. O demandante sustentou, em particular, que o processo contra ele havia sido injusto, porque ele teria sido interrogado pela polícia na ausência de seu tutor, de um advogado ou de um professor. Neste julgamento, a Grande Câmara sublinhou em particular que era essencial que salvaguardas processuais adequadas estivessem em vigor para proteger o melhor interesse e bem-estar de uma criança quando sua liberdade estava em jogo. Além disso, crianças com deficiência podem exigir salvaguardas adicionais para garantir que estejam suficientemente protegidas. Factsheet Pessoas com Deficiência e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (2022) Fonte: Elaborado pela autora. 163Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.3.2. Direito a um julgamento justo (Artigo 6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos) Quadro 32 - Direito a um julgamento justo Caso Resumo do caso Determinação aos Estados Documento fonte DD vs. Lituânia (2012) Sofrendo de esquizofrenia, a requerente foi legalmente incapacitada em 2000. Seu pai adotivo foi posteriormente nomeado seu tutor legal e, a pedido deste, ela foi internada em junho de 2004. Em seguida, ela foi colocada em uma casa de repouso, onde permaneceu até 2012. A recorrente queixou- se, nomeadamente, de ter sido internada neste lar sem o seu consentimento e sem possibilidade de revisão judicial. Quando uma pessoa capaz de se manifestar, apesar de privada de capacidade jurídica, também for privada de liberdade a pedido de seu tutor, deve ser concedida a ela a oportunidade de contestar essa detenção perante um tribunal com representação legal separada. Factsheet Pessoas com Deficiência e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (2022) Fonte: Elaborado pela autora. 164Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.3.3. Saúde mental e detenção Quadro 33 - Saúde mental e detenção Caso Resumo do caso Determinação aos Estados Documento fonte Claes vs. Bélgica (2013) Este caso diz respeito ao confinamento de um agressor sexual com doença mental, que havia sido considerado não responsável criminalmente, na ala psiquiátrica de uma prisão comum, sem cuidados de saúde apropriados, por mais de quinze anos. Neste acórdão, o Tribunal sublinhou que a situação do requerente resultava, na realidade, de um problema estrutural: por um lado, o apoio prestado às pessoas detidas nas alas psiquiátricas prisionais era insuficiente e, por outro lado, a sua colocação em instalações fora da prisão revelou-se muitas vezes impossível, quer devido à escassez de vagas em hospitais psiquiátricos, ou porque a legislação pertinente não permite que as autoridades de saúde mental ordenem sua internação em unidades externas. Factsheet Saúde Mental e Detenção (2022) 165Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Caso Resumo do caso Determinação aos Estados Documento fonte Ţicu vs. Romênia (2013) O requerente estava cumprindo uma sentença de vinte anos por participação em assalto à mão armada que ocasionou a morte da vítima. Na infância, ele sofreu de uma doença que levou a atrasos consideráveis em seu desenvolvimento físico e mental. Ele queixou-se, em particular, das más condições de detenção nas várias prisões onde cumpria a sua pena e, especialmente, da superlotação e das deficiências na prestação de cuidados de saúde. O Tribunal notou que as recomendações relevantes do Comitê de Ministros do Conselho da Europa aos Estados membros, ou seja, a Recomendação No. R(98)7 sobre os aspectos éticos e organizacionais dos cuidados de saúde na prisão e a Recomendação Rec(2006)2 sobre as Regras Penitenciárias Europeias, defenderam que os prisioneiros que sofrem de graves problemas de saúde mental devem ser mantidos e tratados em instalações hospitalares adequadamente equipadas e com pessoal devidamente formado. Factsheet Saúde Mental e Detenção (2022) 166Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Caso Resumo do caso Determinação aos Estados Documento fonte Murray vs. Holanda (2016) Este caso diz respeito à denúncia de um homem condenado por assassinato em 1980, sobre sua sentença de prisão perpétua sem qualquer perspectiva realista de libertação. O recorrente cumpriu consecutivamente sua sentença de prisão perpétua nas ilhas de Curaçao e Aruba (parte do Reino dos Países Baixos), até ser perdoado em 2014, devido à deterioração de sua saúde. O recorrente, que entretanto faleceu, sustentou designadamente que não dispunha de regime prisional especial para reclusos com problemas psiquiátricos. Neste caso, o Tribunal sublinhou que os Estados tinham a obrigação de fornecer cuidados de saúde adequados aos detidos que sofriam de problemas de saúde – incluindo problemas de saúde mental. Factsheet Saúde Mental e Detenção (2022) 167Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Caso Resumo do caso Determinação aos Estados Documento fonte Sy vs. Itália (2022) Este caso refere-se ao fato de o requerente, que sofria de perturbação da personalidade e perturbação bipolar, ter permanecido detido em uma prisão comum, apesar de decisões judiciais nacionais declararem que a sua saúde mental era incompatível com tal detenção e ordenarem a sua transferência para um Centro Residencialpara a aplicação de medidas preventivas (REMS) e, posteriormente, a um serviço psiquiátrico prisional. O requerente alegou, em particular, que sua detenção contínua numa prisão comum o impediu de beneficiar-se de cuidados terapêuticos. Os governos devem organizar seus sistemas penitenciários de forma a garantir o respeito à dignidade dos detentos, independentemente de suas dificuldades financeiras ou logísticas. Factsheet Saúde Mental e Detenção (2022) Fonte: Elaborado pela autora 168Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.3.4. Detentos com tendências suicidas Quadro 34 - Detentos com tendências suicidas Caso Resumo do caso Determinação aos Estados Documento fonte Rivière vs. França (2006) O requerente queixou-se da sua prisão continuada apesar dos seus problemas psiquiátricos. Este havia sido diagnosticado com um distúrbio psiquiátrico envolvendo tendências suicidas, e os peritos estavam preocupados com certos aspectos do seu comportamento, em particular uma compulsão para o autoestrangulamento, que exigia tratamento fora da prisão. Os presos com graves transtornos mentais e tendências suicidas requerem medidas especiais adaptadas à sua condição, independentemente da gravidade do delito pelo qual foram condenados. Factsheet Saúde Mental e Detenção (2022) Fonte: Elaborado pela autora. 1.4. Conclusão Com base nos relatórios e decisões dos Sistemas ONU, Interamericano e Europeu de Direitos Humanos sobre o tema de saúde mental e direitos humanos, é evidente que as pessoas com transtornos mentais têm direitos fundamentais que devem ser respeitados. Os profissionais de saúde devem tratar essas pessoas com dignidade e respeito, garantindo que seus direitos humanos sejam protegidos em todos os momentos. Os tratamentos fundamentados em direitos humanos são baseados em evidências, voluntários e fornecidos com consentimento informado. Eles devem ser projetados para serem menos invasivos e menos restritivos, garantindo que a autonomia e a privacidade das pessoas sejam preservadas. O acesso a serviços de saúde mental de qualidade e a um sistema de justiça eficaz também deve ser garantido. Os profissionais de saúde devem garantir que as pessoas com transtornos mentais tenham acesso a serviços de saúde mental de qualidade e que os sistemas de justiça garantam a proteção e a promoção dos direitos humanos. Assim, os profissionais de saúde devem sempre lembrar que as pessoas com transtornos mentais são detentoras de direitos humanos fundamentais e que esses direitos devem ser protegidos em todos os momentos. O tratamento baseado em direitos humanos é um conceito-chave que deve ser sempre aplicado na prática 169Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública clínica e assistencial, garantindo que o cuidado com a saúde mental respeite e promova a dignidade humana. No que diz respeito à importância de tratar as pessoas sob cuidados em saúde mental com respeito, dignidade e humanidade, recomendamos a obra “Nise: O Coração da Loucura”, de 2016. O filme conta a história da luta da psiquiatra Nise da Silveira contra as práticas abusivas de tratamento psiquiátrico no Hospital Pedro II, no Rio de Janeiro, na década de 1940. Através de seu trabalho, Nise aplicou uma abordagem revolucionária para o tratamento de pacientes com transtornos mentais, baseada na arte e na criatividade. “Nise: O Coração da Loucura” é um filme emocionante e inspirador que destaca a importância do tratamento humanizado e baseado na arte para o cuidado com a saúde mental. Você pode assistir o trailer do filme através do link: https://youtu. be/UeAUNvcM_xk https://youtu.be/UeAUNvcM_xk https://youtu.be/UeAUNvcM_xk 170Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 2. Casos julgados pelos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos Reconhecer os casos judiciais sobre direitos humanos e saúde mental. Os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos apresentam diversas decisões acerca dos direitos humanos das pessoas com transtorno mental e sobre como essas pessoas devem ser tratadas quando sob cuidados em saúde. Esse conjunto de decisões revela os padrões internacionais de tratamento, que devem ser seguidos pelos Estados membros dos Sistemas de Direitos Humanos. Assim, por meio do avanço da jurisprudência em direitos humanos e saúde mental, promove-se o desenvolvimento das práticas domésticas de tratamento a pessoas com transtorno mental. Veja, a seguir, alguns dos principais julgamentos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e do Sistema Europeu de Direitos Humanos. 2.1. Caso Ximenes Lopes O Caso Ximenes Lopes vs. Brasil trata da morte do senhor Damião Ximenes Lopes, pessoa com transtornos mentais que se encontrava internada em instituição psiquiátrica ligada ao SUS, e da impossibilidade de seus familiares alcançarem a justiça no âmbito doméstico. O falecimento ocorreu devido a maus-tratos sofridos durante a internação. O Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por ter violado o direito à vida, o direito à integridade pessoal, o direito às garantias judiciais e o direito à proteção judicial, tendo sido responsabilizado internacionalmente. A sentença do caso foi cumprida parcialmente e a Corte permanece supervisionando o seu cumprimento. 2.1.1. Relevância do caso no estudo de direitos humanos das pessoas com transtornos mentais O Caso Ximenes Lopes vs. Brasil possui ampla relevância no estudo dos direitos humanos, especificamente no que diz respeito às pessoas com transtorno mental. Sobre isso, ouça o áudio a seguir. 171Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Podcast 4 - A relevância do Caso Ximenes Lopes no estudo dos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais 2.1.2. O caso A sentença do caso descreve, em detalhes, as circunstâncias da morte do senhor Damião Ximenes Lopes: 112.9. Em 4 de outubro de 1999, aproximadamente às 9h, a mãe do senhor Damião Ximenes Lopes chegou à Casa de Repouso Guararapes para visitá- lo e o encontrou sangrando, com hematomas, com a roupa rasgada, sujo e cheirando a excremento, com as mãos amarradas para trás, com dificuldade para respirar, agonizante e gritando e pedindo socorro à polícia. Continuava submetido à contenção física que lhe havia sido aplicada desde a noite anterior, já apresentava escoriações e feridas e pôde caminhar sem a adequada supervisão. Posteriormente, um auxiliar de enfermagem o deitou em uma cama, da qual caiu. Então o deitaram num colchonete no chão. [...] 112.11. O senhor Damião Ximenes Lopes faleceu em 4 de outubro de 1999, às 11h30, na Casa de Repouso Guararapes, em circunstâncias violentas, aproximadamente duas horas depois de haver sido medicado pelo Diretor Clínico do hospital, sem ser assistido por médico algum no momento de sua morte, já que a unidade pública de saúde em que se encontrava internado para receber cuidados psiquiátricos não dispunha de nenhum médico naquele momento. [...] Posteriormente à morte do senhor Damião Ximenes Lopes, o médico Francisco Ivo de Vasconcelos foi chamado e regressou à Casa de Repouso Guararapes. Examinou o corpo da suposta vítima, declarou sua morte e fez constar que o cadáver não apresentava lesões externas e que a causa da morte havia sido uma “parada cardio-respiratória”. O médico não ordenou a realização de necropsia no corpo do senhor Damião Ximenes Lopes. Albertina Viana Lopes se inteirou da morte de seu filho ao chegar a sua casa, no Município de Varjota. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006, p. 31-32) A irmã do Sr. Damião Ximenes Lopes, Irene Ximenes Lopes, apresentou a petição contra o Estado brasileiro em novembro de 1999 à Comissão Interamericana de https://podcasters.spotify.com/pod/show/enap/episodes/EV-G-A-relevncia-do-Caso-Ximenes-Lopes-no-estudo-dos-direitos-humanos-das-pessoas-com-transtornos-mentais-e21r0se https://podcasters.spotify.com/pod/show/enap/episodes/EV-G-A-relevncia-do-Caso-Ximenes-Lopes-no-estudo-dos-direitos-humanos-das-pessoas-com-transtornos-mentais-e21r0se172Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Direitos Humanos (CIDH). A Comissão, por sua vez, ofereceu a demanda à Corte em 1º de outubro de 2004, originando a denúncia contra o Estado brasileiro. O Estado foi acusado de violar os direitos a seguir, previstos nos seguintes artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos, ferindo a obrigação de respeitar os direitos, estabelecida no artigo 1.1 da Convenção. • Artigo 4 (Direito à Vida) ° Morte da vítima enquanto se encontrava submetida ao tratamento psiquiátrico. • Artigo 5 (Direito à Integridade Pessoal) ° Condições desumanas e degradantes da hospitalização ° Golpes e ataques contra a integridade pessoal de que foi vítima por parte dos funcionários da Casa de Repouso Guararapes • Artigo 8 (Garantias Judiciais) e Artigo 25 (Proteção Judicial) ° A falta de investigação e garantias judiciais que caracteriza o caso. Veja, a seguir, os quadros que apresentam alguns dos posicionamentos dos representantes das vítimas, do Estado, da CIDH e da Corte IDH sobre cada uma das violações cometidas pelo Estado: 173Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Artigo 4º (Direito à Vida) Quadro 35 – Direito à vida Representantes das vítimas Estado CIDH Corte IDH O Estado falhou em sua obrigação de preservar e proteger a vida do senhor Damião Ximenes Lopes, já que não adotou medidas de prevenção para impedir sua morte, não fiscalizou nem monitorou o funcionamento da Casa de Repouso Guararapes. Além disso, a falta de investigação séria e efetiva e de sanção dos responsáveis pela morte da suposta vítima constitui violação do Estado de sua obrigação de garantir o direito à vida. O Estado reconhece sua responsabilidade internacional pela violação dos artigos 4 e 5 da Convenção Americana, em demonstração de seu compromisso com a proteção dos direitos humanos. O Estado não cumpriu sua obrigação de proteger e preservar a vida do senhor Damião Ximenes Lopes. Esta violação pode ser percebida não somente porque seus agentes causaram sua morte, mas porque o Estado não exerceu devidamente a fiscalização da Casa de Repouso Guararapes. Além disso, a falta de investigação séria e punição dos responsáveis pela morte de Ximenes Lopes constitui uma violação por parte do Estado de sua obrigação de garantir o direito à vida. A Corte reitera que o reconhecimento de responsabilidade efetuado pelo Estado pela violação dos artigos 4 e 5 da Convenção, em detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes, constitui uma contribuição positiva para o desenvolvimento desse processo e reveste fundamental importância para a vigência dos princípios que inspiram a Convenção Americana no Estado. Fonte: Elaborado pela autora. 174Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Artigo 5º (Direito à Integridade Pessoal) Quadro 36 - Direito à Integridade Pessoal Representantes das vítimas Estado CIDH Corte IDH O senhor Damião Ximenes Lopes foi submetido a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes na Casa de Repouso Guararapes. As agressões foram realizadas pelos indivíduos que detinham a custódia do senhor Damião Ximenes Lopes e que deviam dele cuidar e resguardar sua saúde e sua integridade pessoal. As condições de internação e os cuidados oferecidos por esse hospital autorizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) eram, por si sós, atentatórios ao direito à integridade pessoal. O Estado reconhece sua responsabilidade internacional pela violação dos artigos 4 e 5 da Convenção Americana, em demonstração de seu compromisso com a proteção dos direitos humanos. As condições de hospitalização na Casa de Repouso Guararapes eram por si sós incompatíveis com o respeito à dignidade da pessoa humana. Pelo simples fato de haver sido internado nesta instituição como paciente do SUS, o senhor Damião Ximenes Lopes foi submetido a tratamento desumano ou degradante. A contenção física aplicada ao senhor Damião Ximenes Lopes não levou em conta as normas internacionais sobre a matéria. A suposta vítima não foi mantida em condições dignas, nem sob o cuidado e a supervisão imediata e regular de pessoal qualificado em saúde mental. A Corte reitera que o reconhecimento de responsabilidade efetuado pelo Estado pela violação dos artigos 4 e 5 da Convenção, em detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes, constitui uma contribuição positiva para o desenvolvimento desse processo e reveste fundamental importância para a vigência dos princípios que inspiram a Convenção Americana no Estado. Fonte: Elaborado pela autora. 175Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Artigo 8º (Garantias Judiciais) e Artigo 25 (Proteção Judicial) Quadro 37 - Garantias Judiciais e Proteção Judicial Representantes das vítimas Estado CIDH Corte IDH A investigação policial apresenta uma série de irregularidades que comprometem a elucidação da morte do senhor Damião Ximenes Lopes. Transcorridos mais de seis anos da morte do senhor Damião Ximenes Lopes, o procedimento judicial contra os responsáveis por sua morte ainda não havia sido concluído, em consequência dos atrasos indevidos, atribuídos exclusivamente ao Estado. O Estado não violou o direito à proteção e às garantias judiciais, uma vez que respeitou os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Segundo o Estado, sua seriedade em busca de justiça foi devidamente demonstrada na tramitação do caso na jurisdição interna, bem como nos argumentos apresentados à Corte na contestação da demanda, em que se fez uma descrição histórica de todas as medidas por ele adotadas com a finalidade de investigar as circunstâncias do falecimento do senhor Damião Ximenes Lopes e sancionar os responsáveis pelos maus-tratos a ele infligidos e por sua morte na Casa de Repouso Guararapes. O processo interno não foi efetivo, já que as autoridades foram omissas em recolher provas e que a investigação apresentava erros. A investigação policial só foi instaurada 35 dias depois da prestação da queixa. A inexistência de uma sentença de primeira instância depois de seis anos da morte violenta do senhor Damião Ximenes Lopes e a situação do processo penal interno em 2006, ainda na fase de instrução, mostram que os familiares da suposta vítima se encontram em situação de denegação de justiça por parte das autoridades estatais. A Corte conclui que o Estado não proporcionou às familiares de Ximenes Lopes um recurso efetivo para garantir o acesso à justiça, a determinação da verdade dos fatos, a investigação, a identificação, o processo e, se for o caso, a punição dos responsáveis e a reparação das consequências das violações. O Estado tem, por conseguinte, responsabilidade pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial consagrados nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação com o artigo 1.1 desse mesmo tratado, em detrimento das senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda. Fonte: Elaborado pela autora. 176Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Na sentença, a Corte apresenta interessantes considerações sobre os deveres do Estado com relação às pessoas com transtorno mental. Assista a seguir o vídeo sobre esses deveres. Vídeo 4 - Os deveres do Estado com relação às pessoas com transtorno mental. Se desejar ler o conteúdo completo da Sentença, acesse o link a seguir: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/ seriec_149_por.pdf. 2.1.3. A decisão da Corte Com base nos fatos provados e nas alegações das partes e da CIDH, a Corte entendeu que: • O Estado descumpriu os artigos 4.1, 5.1 e 5.2 da Convenção Americana: violou os direitos à vida e à integridade pessoal do senhor Damião Ximenes Lopes. • O Estado descumpriuo artigo 5 da Convenção Americana: em detrimento das senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda e dos senhores Francisco Leopoldino Lopes e Cosme Ximenes Lopes, em virtude do sofrimento adicional por que passaram, em consequência das circunstâncias especiais das violações praticadas contra seus seres queridos e das posteriores ações ou omissões das autoridades estatais frente aos fatos. • O Estado violou os artigos 8.1 e 25.1 da Convenção: em detrimento das senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda, já que o Estado não lhes proporcionou um recurso efetivo para garantir o acesso à justiça, a determinação da verdade dos fatos, a investigação, a identificação, o processo e a punição dos responsáveis e a reparação das consequências das violações. • Todos esses artigos foram violados com relação ao artigo 1.1 da Convenção, que estabelece o dever de respeitar os direitos e as liberdades nela reconhecidos. Sendo assim, a Corte determinou que o Estado deverá cumprir as medidas descritas no Quadro seguir, que também apresenta o estado de cumprimento dos pontos dispositivos da sentença. A situação de cumprimento de cada ponto dispositivo a https://youtu.be/_e8QNEK1_ls https://youtu.be/_e8QNEK1_ls https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf 177Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública seguir baseia-se no que a Corte afirmou em suas resoluções de cumprimento de sentença, documentos que visam esclarecer o estado de cumprimento de cada ponto. Quadro 38 – Sentença e cumprimento Ponto dispositivo Conteúdo Estado de cumprimento 6 Garantir, em um prazo razoável, que o processo interno destinado a investigar e sancionar os responsáveis pelos fatos do caso alcance seus devidos efeitos, nos termos dos parágrafos 245 a 248 da presente Sentença. Descumprido 7 O Estado deve publicar, no prazo de seis meses, no Diário Oficial e em outro jornal de ampla circulação nacional, uma só vez, o Capítulo VII relativo aos fatos provados desta Sentença, sem as respectivas notas de pé de página, bem como sua parte resolutiva, nos termos do parágrafo 249 da presente Sentença. Cumprido 8 O Estado deve continuar a desenvolver um programa de formação e capacitação para o pessoal médico, de psiquiatria e psicologia, de enfermagem e auxiliares de enfermagem e para todas as pessoas vinculadas ao atendimento de saúde mental, em especial sobre os princípios que devem reger o trato das pessoas com deficiência mental, conforme os padrões internacionais sobre a matéria e aqueles dispostos nesta Sentença, nos termos do parágrafo 250 da presente Sentença. Pendente de cumprimento 9 O Estado deve pagar em dinheiro para as senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda, no prazo de um ano, a título de indenização por dano material, a quantia fixada nos parágrafos 225 (US$10.000,00) e 226 (US$1.500,00), nos termos dos parágrafos 224 a 226 da presente Sentença. Cumprido 178Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Ponto dispositivo Conteúdo Estado de cumprimento 10 O Estado deve pagar em dinheiro para as senhoras Albertina Viana Lopes (US$ 12500 + US$30.000,00) e Irene Ximenes Lopes Miranda (US$ 12500 + US$25.000,00) e para os senhores Francisco Leopoldino Lopes (US$ 12500 + US$10.000,00) e Cosme Ximenes Lopes (US$ 12500 + US$10.000,00), no prazo de um ano, a título de indenização por dano imaterial, a quantia fixada no parágrafo 238, nos termos dos parágrafos 237 a 239 da presente Sentença. Cumprido 11 O Estado deve pagar em dinheiro, no prazo de um ano, a título de custas e gastos gerados no âmbito interno e no processo internacional perante o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, a quantia fixada no parágrafo 253 (US$10.000.00), a qual deverá ser entregue à senhora Albertina Viana Lopes, nos termos dos parágrafos 252 e 253 da presente Sentença. Cumprido 12 No prazo de um ano, contado a partir da notificação desta Sentença, o Estado deverá apresentar à Corte relatório sobre as medidas adotadas para o seu cumprimento. Cumprido Fonte: elaborado pela autora. Você pode assistir à audiência de 23 de abril de 2021, que supervisionou o cumprimento da sentença, acessando o seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=3jb6u-M2NJE Assim, verifica-se que o ponto dispositivo nº 8 é o último pendente de cumprimento na sentença do Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. A Corte decidiu encerrar a supervisão de cumprimento sobre o ponto nº 6, considerando-o descumprido. Nesse sentido, é importante destacar que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em fevereiro de 2023, a Resolução 487 de 2023, que institui a Política Antimanicomial do Poder Judiciário. O objetivo da medida é adequar a atuação do Judiciário às normas nacionais e internacionais de respeito aos direitos fundamentais das pessoas em sofrimento mental ou com deficiência psicossocial em conflito com a https://www.youtube.com/watch?v=3jb6u-M2NJE 179Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública lei. Para a elaboração da Resolução, foram observadas as determinações constantes na sentença proferida no Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. A Resolução 487/2023 reflete a evolução das normas jurídicas que buscam reconhecer e proteger os direitos das pessoas com transtornos mentais ou deficiências psicossociais. Ela contribui para a expansão do projeto de desinstitucionalização ao longo do sistema de justiça criminal, fornecendo diretrizes para que juízes lidem com o tema de acordo com as normas do Direito Internacional e da legislação vigente. A aprovação dessa Resolução mostra que o Poder Judiciário está se engajando na política de tratamento diferenciado para pessoas com transtornos mentais e convidando outros profissionais da justiça a participarem desse processo, a fim de garantir o respeito aos direitos humanos e construir uma sociedade mais justa e democrática. Você pode acessar o texto completo da Resolução por meio desse link: https://atos.cnj.jus.br/files/ original2015232023022863fe60db44835.pdf O Estado brasileiro vem empenhando esforços no sentido de aperfeiçoar os cuidados em saúde a pessoas com transtorno mental, mas ainda tem um longo caminho a percorrer. O Caso Ximenes Lopes vs. Brasil impulsionou os avanços no sistema de assistência em saúde mental no Brasil e seguirá exercendo influência sobre este, por meio do programa de capacitação a ser ministrado em cumprimento ao ponto dispositivo nº 8 da sentença. 2.2. Fact Sheet sobre Detenção e Saúde Mental Além do importante Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, alguns casos do Sistema Europeu também apresentam importantes diretivas de tratamento a pessoas com transtorno mental sob cuidados em saúde. Nesse sentido, apresentamos o Fact Sheet sobre Detenção e Saúde Mental, da Corte Europeia de Direitos Humanos, um relatório não exaustivo que apresenta diversos casos da Corte Europeia sobre o tema de seu título. Em várias ocasiões, a Corte Europeia de Direitos Humanos afirmou que a detenção de uma pessoa com transtorno mental pode gerar questões sob o artigo 3º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que afirma que “Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes” (Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, 1950, Art. 3º). https://atos.cnj.jus.br/files/original2015232023022863fe60db44835.pdf https://atos.cnj.jus.br/files/original2015232023022863fe60db44835.pdf 180Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A Corte considera que a falta de cuidados de saúde adequados pode constituir um tratamento contrário ao disposto nesse artigo. Para avaliar se as condições de detenção de pessoas com transtornos mentais são compatíveis com os padrões estabelecidos no artigo 3º, é preciso levar em consideração sua vulnerabilidade e sua possibilidade(ou impossibilidade) de informar sobre como estão sendo afetadas por determinado tratamento. Nesse sentido, é preciso considerar três elementos na avaliação da compatibilidade entre a saúde de uma pessoa e a sua permanência em detenção: Figura 32 – Elementos Fonte: Elaborada pela autora. Sendo assim, vamos falar sobre alguns casos encontrados no Factsheet. O documento apresenta 35 casos, a maioria dos quais se refere a violações ao artigo 3º da Convenção (proibição da tortura). Também há casos de alegada violação aos artigos 2º (direito à vida, 9 casos), 5º (direito à liberdade e à segurança, 6 casos) e 13 (direito a um recurso efetivo, 3 casos). Assim, podemos concluir que, no âmbito do Sistema Europeu de Direitos Humanos, a detenção de pessoas com transtorno mental está comumente relacionada à violação de alguns desses quatro direitos. A seguir, você verá como a Corte Europeia decidiu sobre violações a cada um desses direitos no que diz respeito a pessoas com transtorno mental no contexto de sua detenção. 181Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 2.2.1. Violação do direito à vida (Artigo 2º) O caso De Donder e De Clippel vs. Bélgica, de 2011, apresenta a violação do direito à vida, previsto no artigo 2º da Convenção Europeia. A demanda foi apresentada por meio dos pais da vítima, que era um jovem em tratamento psiquiátrico que cometeu suicídio enquanto estava internado na seção comum de uma prisão. Os requerentes reclamaram, em particular, sobre a detenção de seu filho e sobre sua colocação em isolamento. Eles ainda afirmaram que, em tais circunstâncias, era previsível que o filho perderia o autocontrole e tentaria tirar a própria vida. A Corte alegou estar consciente dos esforços do Estado belga para assistir o filho dos requerentes, que teve, por exemplo, acesso a clínicas especializadas, onde recebeu apoio e terapia adequados à sua condição. Além disso, o Tribunal reconheceu as graves dificuldades enfrentadas diariamente pelas autoridades penitenciárias e da equipe médica. A Corte, no entanto, concluiu que houve violação do artigo 2º (direito à vida) da Convenção em seu aspecto substantivo, ou seja, com relação ao seu conteúdo. A Corte observou, em particular, que a vítima tinha sido detida com base na Lei da Proteção Social, que previa que as pessoas a quem essa lei se aplicava não estavam sujeitas às regras da detenção ordinária, mas sim às regras da admissão compulsória. Por meio desta última, poderiam receber o apoio psicológico e médico que a sua condição exigia. Além disso, a decisão do procurador-adjunto de reconduzir o jovem à prisão especificava que ele deveria ser internado na ala psiquiátrica. Consequentemente, o filho dos requerentes nunca deveria ter sido mantido na seção comum de uma prisão. Além disso, a Corte não encontrou nenhuma prova que sugerisse que a investigação realizada no presente caso não cumpriu os requisitos de uma investigação efetiva e, portanto, considerou que não houve violação do artigo 2º da Convenção em seu aspecto processual. 2.2.2. Proibição da tortura (Artigo 3º) O caso G. vs. França, de 2012, apresenta a violação da proibição da tortura, prevista no artigo 3º da Convenção Europeia. O requerente, que sofre de um transtorno psiquiátrico crônico do tipo esquizofrênico, foi detido e posteriormente condenado a dez anos de prisão. Porém, o Tribunal de Apelação de Assize decidiu que o requerente não tinha responsabilidade criminal, ou seja, não podia ser responsabilizado criminalmente pelos seus atos. 182Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública O requerente alegou que não havia recebido tratamento adequado entre 2005 e 2009, embora seu transtorno mental exigisse tratamento próprio em hospital psiquiátrico. Ele argumentou, ainda, que seu retorno à prisão, cada vez que sua condição melhorava, equivalia a um tratamento desumano e degradante. A Corte considerou que houve violação do artigo 3º (proibição de tratamento desumano ou degradante) da Convenção, considerando que a detenção contínua do requerente por um período de quatro anos tornou mais difícil o fornecimento da assistência médica que sua condição exigia. Além disso, o Tribunal considerou que a prática o havia submetido a privações que excediam o inevitável nível de sofrimento inerente à detenção. A Corte também observou que o tratamento alternado do demandante (na prisão e em uma instituição psiquiátrica), somado ao seu período de detenção na prisão, claramente impediu a estabilização de sua condição. Isso demonstrou que o requerente era inapto para ser detido, sob o ponto de vista do artigo 3º da Convenção. Além disso, a Corte observou que as condições físicas de detenção na unidade psiquiátrica da prisão, onde o requerente foi mantido em várias ocasiões, foram descritas pelas próprias autoridades nacionais como humilhantes e só poderiam ter exacerbado seus sentimentos de angústia, ansiedade e medo. 2.2.3. Direito à liberdade e à segurança (Artigo 5º) O caso L.B. vs. Bélgica, de 2012, apresenta a violação do direito à liberdade e à segurança, previsto no artigo 5º da Convenção Europeia. Esse caso diz respeito à detenção praticamente contínua, entre 2004 e 2011, de um homem com transtorno mental. O demandante foi mantido em alas psiquiátricas de duas prisões, apesar da insistência das autoridades na necessidade de colocação em uma estrutura adaptada à sua patologia. O recorrente queixou-se principalmente de que a instituição onde estava internado não estava adaptada à situação de pessoas com transtornos mentais. A Corte considerou que houve violação do artigo 5º, § 1º, (direito à liberdade e segurança) da Convenção. A decisão afirmou que as condições da detenção foram incompatíveis com o propósito desta, visto que o demandante foi mantido por sete anos em uma instituição prisional, apesar de todos os médicos, os pareceres dos assistentes psiquiátricos e sociais, e as autoridades competentes concordarem que o local era mal adaptado à sua condição e readaptação. 183Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública O Tribunal enfatizou, em particular, que a permanência em ala psiquiátrica deveria ter sido temporária, ocorrendo somente durante o período em que as autoridades procuravam uma instituição que melhor se adaptasse à condição e readaptação do requerente. De fato, uma internação foi sugerida pelas autoridades já em 2005. Além disso, a Corte concluiu que o local de detenção era inapropriado e notou, em particular, que os cuidados terapêuticos do requerente eram muito limitados na prisão. 2.2.4. Direito a um recurso efetivo (Artigo 13) O caso W.D. vs. Bélgica, de 2016, apresenta a violação do direito a um recurso efetivo, previsto no artigo 13 da Convenção Europeia. Esse caso diz respeito a um agressor sexual que sofria de transtornos mentais e estava detido indefinidamente em uma ala psiquiátrica da prisão. O requerente queixou-se de ter estado detido em ambiente prisional durante mais de nove anos, sem qualquer tratamento adequado ao seu estado mental ou qualquer perspectiva realista de reintegração na sociedade. O demandante também reclamou que sua privação de liberdade e detenção contínua eram ilegais. Por fim, alegou que não havia recurso efetivo para reclamar das condições de sua detenção. O Tribunal considerou que houve violação do artigo 3º (proibição de tratamento desumano ou degradante) da Convenção, uma vez que o requerente foi submetido a tratamento degradante por ter estado detido em ambiente prisional por mais de nove anos, sem tratamento para seu transtorno mental e sem perspectiva de reintegração à sociedade. Essas condições lhe causaram dificuldades e sofrimento particularmente agudos, de uma intensidade que excedeu o inevitável nível de sofrimento inerente à detenção. A Corte também considerou que houve violação do artigo 5º, § 1º, (direito à liberdade e segurança) da Convenção, observando que a detenção do requerente,desde 2006, em uma instalação inadequada à sua condição havia rompido o vínculo exigido pelo artigo 5º, § 1º, alínea “e”, entre a finalidade e as condições práticas da detenção, e que o motivo da internação do requerente em ala psiquiátrica prisional foi a falta estrutural de alternativas. O Tribunal considerou, ainda, que houve uma violação do artigo 5º, § 4º, (direito a revisão rápida da legalidade da detenção) e uma violação do artigo 13 (direito a um recurso efetivo) da Convenção, em conjunto com o artigo 3º, declarando que o sistema belga, tal como estava em vigor na altura dos fatos, não tinha proporcionado ao requerente uma solução efetiva na prática relativamente às suas queixas à Convenção. Em outras palavras, o sistema não proporcionou um recurso capaz de compensar a situação de que era vítima e de impedir a continuação das supostas violações. 184Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Por fim, constatando que a situação do requerente teve origem em uma deficiência estrutural específica do sistema de internação psiquiátrica belga, a Corte, de acordo com o artigo 46 (força obrigatória e execução de sentenças) da Convenção, considerou que a Bélgica era obrigada a organizar seu sistema para a detenção psiquiátrica de infratores de forma que a dignidade dos detidos fosse respeitada. 2.3. Conclusão A partir da análise dos casos apresentados, podemos concluir que a jurisprudência internacional sobre os direitos humanos de pessoas com transtorno mental tem se desenvolvido no sentido de promover o tratamento dessas pessoas em locais adequados para tal. Quando o tratamento ocorre em instalação imprópria ou de forma inadequada, o Estado pode até mesmo ter que responder pela vida do paciente, caso este venha a falecer. Além disso, as decisões têm responsabilizado o Estado por não prover os recursos efetivos para que as pessoas com transtornos mentais possam ter acesso a meios de interromper tratamentos degradantes e de receber a devida reparação pelas violações ocorridas. Por fim, podemos notar que as decisões dos órgãos de direitos humanos exigem dos Estados que reparem as vítimas por violações à sua integridade física e pessoal. 185Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Referências A história dos direitos humanos. Entrevistada: Marília Lofrano. Entrevistadora: Bárbara Correia Florêncio Silva. São Paulo: Instituto Mattos Filho, 08 fev 2021. Podcast. Disponível em: <https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/historia- dos-direitos-humanos/>. Acesso em: 20 out. 2020. ADORNO, Roberto. Human Dignity and Human Rights. In: TEN HAVE, H./ GORDJIN, B. (Eds). Handbook of Global Bioetics. Dordrecht: Springer, 2014. p. 45-57. ALBUQUERQUE, Aline; BARROSO, Aléssia. Curso de Direitos Humanos. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021. ALBUQUERQUE, Aline. Capacidade Jurídica e Direitos Humanos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021. ALBUQUERQUE, Aline. Direito à Saúde: conteúdo, essencialidade e monitoramento. Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 92-100, jan./mar. 2010. Disponível em: https:// www.corteidh.or.cr/tablas/r24876.pdf. Acesso em: 16 nov. 2022. ALBUQUERQUE, Aline. Direitos Humanos dos Pacientes. Curitiba: Juruá, 2016. ALBUQUERQUE, Aline; Eler, Kalline. Doação Compartilhada de Oócitos no Brasil: Reflexão Bioética à Luz do Conceito de Vulnerabilidade e dos Direitos Humanos dos Pacientes. Revista Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, v. 21, n. 2, p. 109-130, maio/ago. 2020. Disponível em: https://sisbib.emnuvens.com.br/direitosegarantias/ article/view/1171/552. Acesso em: 2 nov. 2022. ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Editora Polen, 2019. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993. ASANBE, Comfort, GABA, Ayorkor, YANG, Jeea. Mental health is a human right. APA- UN representatives highlight mental health’s important place in the UN’s Universal Declaration of Human Rights. American Psychological Association, 2018. Disponível em: https://www.apa.org/international/pi/2018/12/mental-health-rights. Acesso em: 2 nov. 2022. ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS (1966). Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Nova Iorque. Disponível em: http://www.cne.pt/ sites/ default/files/dl/2_pacto_direitos_civis_politicos.pdf Acesso em: 24 out. 2022. BIGOTO, Benedito Marcos. A Participação da Burguesia Francesa nas Revoluções e Movimentos Sociais Contemporâneos. Revista Científica UNAR. Araras (SP), v.15, n.2, https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/historia-dos-direitos-humanos/ https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/historia-dos-direitos-humanos/ https://www.corteidh.or.cr/tablas/r24876.pdf https://www.corteidh.or.cr/tablas/r24876.pdf https://sisbib.emnuvens.com.br/direitosegarantias/article/view/1171/552 https://sisbib.emnuvens.com.br/direitosegarantias/article/view/1171/552 https://www.apa.org/international/pi/2018/12/mental-health-rights http://www.cne.pt/%20sites/default/files/dl/2_pacto_direitos_civis_politicos.pdf http://www.cne.pt/%20sites/default/files/dl/2_pacto_direitos_civis_politicos.pdf 186Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública p.67-85. 2017. Disponível em: <https://web.archive.org/web/20190712172016id_/ http://revistaunar.com.br:80/cientifica/documentos/vol15_n2_2017/04_A_ PARTICIPACAO_DA_BURGUESIA.pdf>. Acesso em: 24 out. 2022. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 20 out. 2022. BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm. Acesso em: 2 nov. 2022. Brasil. Ministério da Saúde. Direito é qualidade: kit de ferramentas de avaliação e melhoria da qualidade e dos direitos humanos em serviços de saúde mental e de assistência social. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70927/9788533423282_por. pdf;jsessionid=DC0BD6A7EDB7F2204C557903A17B7D14?sequence=53. Acesso em: 25 nov. 2022. BRASILEIS, Alexandre. Direito Administrativo de Trânsito. Vitória: Clube de Autores, 2021. CAMERON, Erinn C.; HEMINGWAY, Samantha L.; CUNNINGHAM, Fiona J.; JACQUIN, Kristine M. Global Crises: Gendered Vulnerabilities of Structural Inequality, Environmental Performance, and Modern Slavery. Human Arenas, Califórnia, v. 4, p. 391- 412, mar. 2021. Disponível em: https://link.springer.com/content/pdf/10.1007/ s42087-020-00154-2.pdf. Acesso em: 2 nov. 2022. Doi: doi.org/10.1007/s42087-020- 00154-2 CANDIDO, Mariluci; VENTURA, Carla; FUREGATO, Antonia; SANTOS, Jair; CANDIDO, Marco Antonio. Saúde mental e direitos humanos: instrumentos internacionais para garantia de direitos das pessoas com transtornos mentais e/ou deficiência. Revista Des., São Paulo, n. 56, p. 198-230, jan-jun 2020. Disponível em: https://revistades. jur.puc-rio.br/index.php/revistades/article/view/925/585. Acesso em: 25 nov. 2022. COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre os Direitos Humanos das Mulheres no Contexto da Assistência Obstétrica. 2019. Disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/mulheres/assistencia-obstetrica.asp. Acesso em: 17 mar. 2023. COMISSÃO NACIONAL DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS E PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E JOVENS (CNPDPCJ). Manual de Procedimentos – Colaborar Ativamente na Prevenção e Eliminação da Mutilação Genital Feminina. Lisboa: dez 2020. Disponível em: https://popdesenvolvimento.org/images/noticias/2021/Colaborar-Ativamente- https://web.archive.org/web/20190712172016id_/http https://web.archive.org/web/20190712172016id_/http http://revistaunar.com.br:80/cientifica/documentos/vol15_n2_2017/04_A_PARTICIPACAO_DA_BURGUESIA.pdf http://revistaunar.com.br:80/cientifica/documentos/vol15_n2_2017/04_A_PARTICIPACAO_DA_BURGUESIA.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70927/9788533423282_por.pdf;jsessionid=DC0BD6A7EDB7F2204C557903A17B7D14?sequence=53 https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70927/9788533423282_por.pdf;jsessionid=DC0BD6A7EDB7F2204C557903A17B7D14?sequence=53 https://link.springer.com/content/pdf/10.1007/s42087-020-00154-2.pdf https://link.springer.com/content/pdf/10.1007/s42087-020-00154-2.pdf http://doi.org/10.1007/s42087-020-00154-2 http://doi.org/10.1007/s42087-020-00154-2 https://revistades.jur.puc-rio.br/index.php/revistades/article/view/925/585 https://revistades.jur.puc-rio.br/index.php/revistades/article/view/925/585 https://www.oas.org/pt/cidh/mulheres/assistencia-obstetrica.asp https://popdesenvolvimento.org/images/noticias/2021/Colaborar-Ativamente-Prevencao-Eliminacao-Mutilacao-Genital-Feminina-Manual-Procedimentos.pdf 187Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Prevencao-Eliminacao-Mutilacao-Genital-Feminina-Manual-Procedimentos.pdf Acesso em: 2 nov. 2022. COMITÊ SOBRE OS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS DA ONU. Comentário geral nº 3: o papel dos planos nacionais de desenvolvimento na realização dos direitos econômicos, sociais e culturais. 1990. Disponível em: https:// www.refworld.org/docid/4538838d0.html. Acesso em: 17 mar. 2023. COMITÊ SOBRE OS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS DA ONU. Comentário geral nº 14: o direito ao mais alto padrão de saúde. 2000. Disponível em: https://www.refworld.org/docid/4538838d0.html. Acesso em: 17 mar. 2023. COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS (CESCR). General comment No. 22 (2016) on the right to sexual and reproductive health (article 12 of the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights). 2 mai. 2016. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G16/089/32/ PDF/G1608932.pdf?OpenElement. Acesso em: 2 nov. 2022. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN; Committee on the Rights of the Child. Joint general recommendation No. 31 of the Committee on the Elimination of Discrimination against Women/ general comment No. 18 of the Committee on the Rights of the Child on harmful practices. CEDAW/C/GC/31-CRC/C/GC/18. 2014. Disponível em: https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download. aspx?symbolno=CEDAW%2fC%2fGC%2f31%2fCRC%2fC%2fGC%2f18&Lang=en Acesso em: 3 nov. 2022. COMMITTEE ON CIVIL AND POLITICAL RIGHTS. Fact Sheet No.14, Contemporary Forms of Slavery. Disponível em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/ Documents/Publications/FactSheet14en.pdf Acesso em: 3 nov. 2022. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Política Antimanicomial do CNJ atende a pessoas em todo o ciclo penal [online]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/ politica-antimanicomial-do-cnj-atende-a-pessoas-em-todo-o-ciclo-penal/. Acesso em: 22 mar. 2023. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n. 487, de 15 de fevereiro de 2023. Dispõe sobre a regulamentação do uso de inteligência artificial no Poder Judiciário e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 fev. 2023. Seção 1, p. 1. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/atos-normativos/rn-resolucao/ resolucao-487-15022023/. Acesso em: 22 mar. 2023. CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados Americanos. 1969. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c. convencao_americana.htm. Acesso em: 29 out. 2022. https://popdesenvolvimento.org/images/noticias/2021/Colaborar-Ativamente-Prevencao-Eliminacao-Mutilacao-Genital-Feminina-Manual-Procedimentos.pdf https://www.refworld.org/docid/4538838d0.html https://www.refworld.org/docid/4538838d0.html https://www.refworld.org/docid/4538838d0.html https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G16/089/32/PDF/G1608932.pdf?OpenElement https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CEDAW%2fC%2fGC%2f31%2fCRC%2fC%2fGC%2f18&Lang=en https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CEDAW%2fC%2fGC%2f31%2fCRC%2fC%2fGC%2f18&Lang=en https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/Publications/FactSheet14en.pdf https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/Publications/FactSheet14en.pdf https://www.cnj.jus.br/politica-antimanicomial-do-cnj-atende-a-pessoas-em-todo-o-ciclo-penal/ https://www.cnj.jus.br/politica-antimanicomial-do-cnj-atende-a-pessoas-em-todo-o-ciclo-penal/ https://www.cnj.jus.br/atos-normativos/rn-resolucao/resolucao-487-15022023/ https://www.cnj.jus.br/atos-normativos/rn-resolucao/resolucao-487-15022023/ https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm 188Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública CONVENTION ON THE ELIMINATION OF ALL FORMS OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN. 1979. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/ instruments/convention-elimination-all-forms-discrimination-against-women. Acesso em: 2 nov. 2022. CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Case of Aggerholm v. Denmark. Application no. 24592/94. Judgement of 15 september 2020 (in the main proceedings and just satisfaction). Disponível em https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-204602. Acesso em: 24 mar. 2023. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Dacosta Cardogan vs. Barbados. Sentencia de 24 de septiembre de 2009 (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones Y Costas). Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/ casos/articulos/seriec_204_esp.pdf. Acesso em: 2 nov. 2022. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Furlan e Familiares vs. Argentina. Sentença de 31 de agosto de 2012. (Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas). Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/ uploads/2016/04/3aede153727d39a2169ea252db2c9349.pdf . Acesso em: 2 nov. 2022. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Guachalá Chimbo e Outros vs. Ecuador. Sentencia de 26 de marzo de 2021 (Fondo, Reparaciones Y Costas). Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_423_esp.pdf. Acesso em: 2 nov. 2022. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Guevara Díaz vs. Costa Rica. Sentencia de 22 de junio de 2022 (Fondo, Reparaciones Y Costas). Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_453_esp.pdf. Acesso em: 2 nov. 2022. CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Resolución de 21 de septiembre de 2009. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Supervisión de Cumplimiento de Sentencia. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/ ximenes_21_09_09.pdf. Acesso em: 27 nov. 2022. CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Resolución de 5 de abril de 2022. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Supervisión de Cumplimiento de Sentencia. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/ximeneslopes_05_04_22_spa. pdf. Acesso em: 27 nov. 2022. CORTE INTERAMERICANA de DIREITOS HUMANOS. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Sentença de 4 de julho de 2006 (Mérito, Reparações e Custas). Disponível em: https://www.Corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf. Acesso em: 31 out. 2022. https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/convention-elimination-all-forms-discrimination-against-women https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/convention-elimination-all-forms-discrimination-against-women https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-204602 https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_204_esp.pdf https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_204_esp.pdf https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2016/04/3aede153727d39a2169ea252db2c9349.pdf https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2016/04/3aede153727d39a2169ea252db2c9349.pdf https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_423_esp.pdf https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_453_esp.pdf https://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/ximenes_21_09_09.pdfhttps://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/ximenes_21_09_09.pdf https://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/ximeneslopes_05_04_22_spa.pdf https://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/ximeneslopes_05_04_22_spa.pdf https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf 189Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. O que é a Corte IDH? Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2022. Disponível em: <https://www.corteidh. or.cr/que_es_la_corte.cfm?lang=pt>. Acesso em: 17 out. 2022. DE SCHUTTER, Olivier. International Human Rights Law. Cambridge: Cambridge, 2010. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: http://ohchr. org/EN/IDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf. Acesso em: 27 out. 2022. DIAS, Sabrina Lobato; PACHECO, Adriana Oliveira. Marcas do Parto: as consequências psicológicas da violência obstétrica. Revista Arquivos Científicos (IMMES). Macapá, v.3, n.1, p. 04-13, 2020. Disponível em: https://arqcientificosimmes.emnuvens.com. br/abi/article/view/232/115. Acesso em: 2 nov. 2022. ISSN: 2595-4407 ‘Dignity must prevail’ – An appeal to do away with non-consensual psychiatric treatment World Mental Health Day – Saturday 10 October 2015. United Nations Human Rights. Office of the High Commissioner. Disponível em: https://www. ohchr.org/en/press-releases/2015/10/dignity-must-prevail-appeal-do-away-non- consensual-psychiatric-treatment. Acesso em: 25 nov. 2022. EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.echr.coe.int/documents/convention_por. pdf. Acesso em: 27 nov. 2022. EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Factsheet – Detention and mental health. Disponível em: https://www.echr.coe.int/Documents/FS_Detention_mental_health_ ENG.pdf. Acesso em: 6 nov. 2022. EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Factsheet – Health. Disponível em: https:// www.echr.coe.int/Documents/FS_Health_ENG.pdf. Acesso em: 6 nov. 2022. EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Factsheet – Persons with disabilities and the ECHR. Disponível em: https://www.echr.coe.int/Documents/FS_Disabled_ENG. pdf. Acesso em: 6 nov. 2022. HUNT, Lynn. A Invenção dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. KRISTIANSEN, Olga. Undocumented immigrants and the experiences of Norwegian general practitioners with this group of patients. Dissertação (Mestrado) - Institute for Health Management and Health Economics, Universidade de Oslo. Oslo, 2008. Disponível em: http://urn.nb.no/URN:NBN:no-22814. Acesso em: 3 nov. 2022. LIDDELL, Belinda; NICKERSON, Angela; BRYANT, Richard A. Clinical Science and Torture Survivors’ Rights to Rehabilitation. The Lancet: Psychiatry. v. 5, n. 2, p. https://www.corteidh.or.cr/que_es_la_corte.cfm?lang=pt https://www.corteidh.or.cr/que_es_la_corte.cfm?lang=pt http://ohchr.org/EN/IDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf http://ohchr.org/EN/IDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf https://arqcientificosimmes.emnuvens.com.br/abi/article/view/232/115 https://arqcientificosimmes.emnuvens.com.br/abi/article/view/232/115 https://www.ohchr.org/en/press-releases/2015/10/dignity-must-prevail-appeal-do-away-non-consensual-psychiatric-treatment https://www.ohchr.org/en/press-releases/2015/10/dignity-must-prevail-appeal-do-away-non-consensual-psychiatric-treatment https://www.ohchr.org/en/press-releases/2015/10/dignity-must-prevail-appeal-do-away-non-consensual-psychiatric-treatment https://www.echr.coe.int/documents/convention_por.pdf https://www.echr.coe.int/documents/convention_por.pdf https://www.echr.coe.int/Documents/FS_Detention_mental_health_ENG.pdf https://www.echr.coe.int/Documents/FS_Detention_mental_health_ENG.pdf https://www.echr.coe.int/Documents/FS_Health_ENG.pdf https://www.echr.coe.int/Documents/FS_Health_ENG.pdf https://www.echr.coe.int/Documents/FS_Disabled_ENG.pdf https://www.echr.coe.int/Documents/FS_Disabled_ENG.pdf http://urn.nb.no/URN:NBN:no-22814 190Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 101-103. Out. 2017. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lanpsy/ article/PIIS2215-0366(17)30332-2/fulltext . Acesso em: 3 nov. 2022. DOI: https://doi. org/10.1016/S2215-0366(17)30332-2. MAHOMED, Faraaz; STEIN, Michael Ashley; PATEL, Vikram. Involuntary mental health treatment in the era of the United Nations Convention on the Rights of Persons with Disabilities. PLoS Med, n. 15(10), 2018. Disponível em: https://journals.plos. org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1002679#sec002. Acesso em: 25 nov. 2022. MENEZES, Ana Raquel. Statelessness: Theory, Analysis, and Good Practices from Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021. Mental health is a human right. United Nations Human Rights. Office of the High Commissioner, 2018. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/stories/2018/05/ mental-health-human-right. Acesso em: 2 nov. 2022. MORAES, Isabela. Burguesia: quem é e qual sua origem? Politize, 2019. Disponível em: <https://www.politize.com.br/burguesia/#:~:text=Trata%2Dse%2C%20na%20 pr%C3%A1tica%2C,no%20fim%20da%20Idade%20M%C3%A9dia> Acesso em: 24 out. 2022. NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica. Volume 1. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2006. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS BRASIL. As Nações unidas e os direitos humanos. Disponível em: https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/sistemaonu/. Acesso em: 29 out. 2022. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Sistema Africano. 2022. Disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/jurisprudencia/sistema_africano.asp. Acesso em: 1º nov. 2022. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES. Migración internacional, salud y derechos humanos. 2013. Genebra: Organização Geral para as Migrações, 2013. Disponível em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/Issues/ Migration/WHO_IOM_UNOHCHRPublication_sp.pdf. Acesso em: 2 nov. 2022. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Direitos humanos e saúde. [S.l.]: OMS, 2022. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/human- rights-and-health#:~:text=The%20right%20to%20health%2C%20as,consensual%20 medical%20treatment%20and%20experimentation. Acesso em: 17 mar. 2023. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. 2021. Nutrição. Disponível em: https://www. who.int/health-topics/nutrition#tab=tab_1. Acesso em: 17 mar. 2023. https://www.thelancet.com/journals/lanpsy/article/PIIS2215-0366(17)30332-2/fulltext https://www.thelancet.com/journals/lanpsy/article/PIIS2215-0366(17)30332-2/fulltext https://doi.org/10.1016/S2215-0366(17)30332-2 https://doi.org/10.1016/S2215-0366(17)30332-2 https://www.ohchr.org/en/stories/2018/05/mental-health-human-right https://www.ohchr.org/en/stories/2018/05/mental-health-human-right https://www.politize.com.br/burguesia/#:~:text=Trata%2Dse%2C%20na%20pr%C3%A1tica%2C,no%20fim%20da%20Idade%20M%C3%A9dia https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/sistemaonu/ https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/jurisprudencia/sistema_africano.asp https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/Issues/Migration/WHO_IOM_UNOHCHRPublication_sp.pdf https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/Issues/Migration/WHO_IOM_UNOHCHRPublication_sp.pdf 191Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública OS TREZE ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Declaração de Independência dos Estados Unidos, 04 de julho de 1776. Disponível em: https://www.archives.gov/ founding-docs/declaration-transcript. Acesso em: 20 out. 2022. PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/ d0591.htm Acesso em: 4 nov. 2022. PELOS DIREITOS DOS PACIENTES SOB CUIDADOS EM SAÚDES NA SAÚDE. Proqualis, s.d. Disponível em: https://proqualis.fiocruz.br/notciaespecial/pelos-direitos- dos-pacientes-na-sa%C3%BAde#:~:text=Os%20direitos%20humanos%20dos%20 pacientes,promov%C3%AA%2Dlos%20no%20encontro%20cl%C3%ADnico. Acesso em: 2 nov. 2022. PERES, Luciana; ALBUQUERQUE, Aline. Sistema Interamericano de Direitos Humanos: Teoriae Prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. PLATAFORMA REVISÃO PERIÓDICA UNIVERSAL BR. Recomendações. 2022. Disponível em: https://plataformarpu.org.br/recomendacoes?text=&category =0&code=&cycle=1&country=0. Acesso: 29 out. 2022. PRINCÍPIOS DE MAASTRICHT sobre las Obligaciones Extraterritoriales de los Estados en el Área de los Derechos Econômicos, Sociales e Culturales. Heidelberg: FIAN, 2013. PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO. Apresentação. Sistemas de Proteção dos Direitos Humanos. s.d. Disponível em https://midia.mpf.mp.br/pfdc/ hotsites/sistema_protecao_direitos_humanos/index.html. Acesso em: 17 out. 2022. PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS HUMANOS. Direito à saúde mental. Cartilha. Brasília: Ministério Público Federal, 2012. Disponível em: http://www.cfess. org.br/arquivos/cartilha-saude-mental-2012.pdf. Acesso em: 1º jun. 2018. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça. Compilação de Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos. s.d. 1. ed. Disponível em: https://acnudh.org/wp-content/ uploads/2011/06/Compilation-of-HR-instruments-and-general-comments-2009- PDHJTimor-Leste-portugues.pdf. Acesso em: 4 nov. 2022. ROSA, Denise. Estado e Educação Pública. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v. 8, n. 2, p. 632-646, fev. 2022. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/4221. Acesso em: 24 out. 2022. SANTOS. Resenha baseada no livro Racismo Estrutural, de Silvio de Almeida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6295, 25 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85565. Acesso em: 21 mar. 2023. https://www.archives.gov/founding-docs/declaration-transcript https://www.archives.gov/founding-docs/declaration-transcript http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm https://plataformarpu.org.br/recomendacoes?text=&category=0&code=&cycle=1&country=0 https://plataformarpu.org.br/recomendacoes?text=&category=0&code=&cycle=1&country=0 https://midia.mpf.mp.br/pfdc/hotsites/sistema_protecao_direitos_humanos/index.html https://midia.mpf.mp.br/pfdc/hotsites/sistema_protecao_direitos_humanos/index.html http://www.cfess.org.br/arquivos/cartilha-saude-mental-2012.pdf http://www.cfess.org.br/arquivos/cartilha-saude-mental-2012.pdf https://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/06/Compilation-of-HR-instruments-and-general-comments-2009-PDHJTimor-Leste-portugues.pdf https://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/06/Compilation-of-HR-instruments-and-general-comments-2009-PDHJTimor-Leste-portugues.pdf https://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/06/Compilation-of-HR-instruments-and-general-comments-2009-PDHJTimor-Leste-portugues.pdf https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/4221 https://jus.com.br/artigos/85565 192Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, XXV., 2017, Ijuí. O caso Ximenes Lopes e os reflexos da primeira condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Rio Grande do Sul: Universidade Regional Unijuí, 2017. 6 p. Disponível em: https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:5xLdT6NiYScJ:https:// www.publicacoeseventos.unijui.edu.br/index.php/salaoconhecimento/article/ view/8296/7021&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 27 nov. 2022. SEN, Amartya. Human Rights and Human Development. In: Human Development Report. Nova York: United nations Development Program, 2000. p. 19-26. SILVA, Bárbara et al. A história dos direitos humanos. Equidade, 2021. Disponível em: ttps://www.politize.com.br/equidade/blogpost/historia-dos-direitos-humanos/. Acesso em: 24 out. 2022. SILVA, Maiara Macedo; da SILVA, Adriana Ilha; SODRÉ, Francis. Enciclopédia Biosfera, Centro Científico Conhecer, Jandaia, v.19, n.39, p. 108-123. Disponível em: https:// www.conhecer.org.br/enciclop/2022a/direito.pdf. Acesso em: 2 nov. 2022. SILVA, Maristela Freitas. Consentimento informado: estratégia para mitigar a vulnerabilidade na assistência hospitalar. Revista Bioética, Brasília, v. 25, n.1, n.p., Jan-Abr. 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/bioet/a/ Hh78zqHPjkv8HLKZwKZWhJx/?lang=pt. Acesso em: 2 nov. 2022. SLAVERY CONVENTION. 1926. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/ instruments-mechanisms/instruments/slavery-convention. Acesso em: 3 nov. 2022. SOPHOCLEOUS, Athina. The Right to Health Equity and How This Could Be Applied to Improve Women’s Access to Health Care Services. Bio-Juria, v. 1, n. 2, p. 24-34, 2020. Disponível em: https://ejournals.lib.auth.gr/bionomika/article/view/7575/7335. Acesso em: 2 nov. 2022. TÉLLEZ, María Fernanda. Migration and the Right to Health: HIV/AIDS prevention among undocumented Central American migrants in Nuevo León, México. Dissertação (Mestrado em Human Rights and Multi-level Governance) - Department of Political Science, Law, and International Studies, Università Degli Studi Di Padova. Pádua, 2022. Disponível em: https://thesis.unipd.it/bitstream/20.500.12608/30095/1/ MariaFernanda_ZaragozaTellez%20.pdf. Acesso em: 2 nov. 2022. THE RIGHT TO MENTAL HEALTH. United Nations Human Rights. Office of the High Commissioner, s.d. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/special-procedures/ sr-health/right-mental-health. Acesso em: 2 nov. 2022. UNICEF. O que são direitos humanos? Unicef Brasil. s.d. Disponível em: <https:// www.unicef.org/brazil/o-que-sao-direitos-humanos>. Acesso em: 20 out. 2022. UNITED NATIONS. Assembleia Geral. Resolution 46/119. Principles for the Protection of Persons with Mental Illness and the Improvement of Mental Health Care. 17 https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:5xLdT6NiYScJ:https://www.publicacoeseventos.unijui.edu.br/index.php/salaoconhecimento/article/view/8296/7021&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:5xLdT6NiYScJ:https://www.publicacoeseventos.unijui.edu.br/index.php/salaoconhecimento/article/view/8296/7021&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:5xLdT6NiYScJ:https://www.publicacoeseventos.unijui.edu.br/index.php/salaoconhecimento/article/view/8296/7021&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br ttps://www.politize.com.br/equidade/blogpost/historia-dos-direitos-humanos/ https://www.conhecer.org.br/enciclop/2022a/direito.pdf https://www.conhecer.org.br/enciclop/2022a/direito.pdf https://www.scielo.br/j/bioet/a/Hh78zqHPjkv8HLKZwKZWhJx/?lang=pt https://www.scielo.br/j/bioet/a/Hh78zqHPjkv8HLKZwKZWhJx/?lang=pt https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/slavery-convention https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/slavery-convention https://ejournals.lib.auth.gr/bionomika/article/view/7575/7335 https://thesis.unipd.it/bitstream/20.500.12608/30095/1/MariaFernanda_ZaragozaTellez%20.pdf https://thesis.unipd.it/bitstream/20.500.12608/30095/1/MariaFernanda_ZaragozaTellez%20.pdf https://www.ohchr.org/en/special-procedures/sr-health/right-mental-health https://www.ohchr.org/en/special-procedures/sr-health/right-mental-health https://www.unicef.org/brazil/o-que-sao-direitos-humanos https://www.unicef.org/brazil/o-que-sao-direitos-humanos 193Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública dez. 1991. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/ instruments/principles-protection-persons-mental-illness-and-improvement. Acesso em: 2 nov. 2022. UNITED NATIONS. Assembleia Geral. Resolution 64/292. The human right to water and sanitation. 28 jul. 2010. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/ UNDOC/GEN/N09/479/35/PDF/N0947935.pdf?OpenElement . Acesso em: 2 nov. 2022. UNITED NATIONS. Call for submissions: Draft Guidelines on Deinstitutionalization, including in emergencies Committee on the Rights of Persons with Disabilities, 2022. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/calls-for-input/2022/call-submissions- draft-guidelines-deinstitutionalization-including-emergencies.Acesso em: 27 nov. 2022. UNITED NATIONS. Current and emerging forms of slavery. Report of the Special Rapporteur on contemporary forms of slavery, including its causes and consequences. A/HRC/42/44. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/ G19/226/64/PDF/G1922664.pdf?OpenElement Acesso em: 2 nov. 2022. UNITED NATIONS. General comment No. 1 (2014). Disponível em: https://documents- dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/031/20/PDF/G1403120.pdf?OpenElement. Acesso em: 27 nov. 2022. UNITED NATIONS. General comment No. 6 (2018) on equality and nondiscrimination. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G18/119/05/ PDF/G1811905.pdf?OpenElement. Acesso em: 27 nov. 2022. UNITED NATIONS. General Recommendations of the Special Rapporteur on torture. 2011. Disponível em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/ Issues/SRTorture/recommendations.pdf. Acesso em: 27 nov. 2022. UNITED NATIONS. Mistreatment in healthcare settings: when a carer becomes a torturer, 2013. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/stories/2013/03/ mistreatment-healthcare-settings-when-carer-becomes-torturer. Acesso em: 27 nov. 2022. UNITED NATIONS. Principles for the protection of persons with mental illness and the improvement of mental health care. 1991. Disponível em: https:// www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/principles-protection- persons-mental-illness-and-improvement. Acesso em: 25 nov. 2022. UNITED NATIONS. Report of the Special Rapporteur on the right of everyone to the enjoyment of the highest attainable standard of physical and mental health. A/HRC/35/21, 2017. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/ UNDOC/GEN/G17/076/04/PDF/G1707604.pdf?OpenElement. Acesso em: 2 nov. 2022. https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/principles-protection-persons-mental-illness-and-improvement https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/principles-protection-persons-mental-illness-and-improvement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N09/479/35/PDF/N0947935.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N09/479/35/PDF/N0947935.pdf?OpenElement https://www.ohchr.org/en/calls-for-input/2022/call-submissions-draft-guidelines-deinstitutionalization-including-emergencies https://www.ohchr.org/en/calls-for-input/2022/call-submissions-draft-guidelines-deinstitutionalization-including-emergencies https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G19/226/64/PDF/G1922664.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G19/226/64/PDF/G1922664.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/031/20/PDF/G1403120.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/031/20/PDF/G1403120.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G18/119/05/PDF/G1811905.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G18/119/05/PDF/G1811905.pdf?OpenElement https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/Issues/SRTorture/recommendations.pdf https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/Issues/SRTorture/recommendations.pdf https://www.ohchr.org/en/stories/2013/03/mistreatment-healthcare-settings-when-carer-becomes-torturer https://www.ohchr.org/en/stories/2013/03/mistreatment-healthcare-settings-when-carer-becomes-torturer https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/principles-protection-persons-mental-illness-and-improvement https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/principles-protection-persons-mental-illness-and-improvement https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/principles-protection-persons-mental-illness-and-improvement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/076/04/PDF/G1707604.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/076/04/PDF/G1707604.pdf?OpenElement 194Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública UNITED NATIONS. Report of the Special Rapporteur on torture and other cruel, inhuman or degrading treatment or punishment, Juan E. Méndez. A/ HRC/22/53, 2013. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/ GEN/G13/105/77/PDF/G1310577.pdf?OpenElement. Acesso em: 27 nov. 2022. UNITED NATIONS. Report of the Committee against Torture. A/64/44, 2009. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G09/441/61/ PDF/G0944161.pdf?OpenElement. Acesso em: 27 nov. 2022. UNITED NATIONS. Report of the Committee on the Rights of Persons with Disabilities. A/62/55, 2017. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/ UNDOC/GEN/G17/114/97/PDF/G1711497.pdf?OpenElement. Acesso em: 27 nov. 2022. UNITED NATIONS. Report of the Special Rapporteur on the rights of persons with disabilities. A/HRC/40/54, 2019. Disponível em: https://documents-dds-ny. un.org/doc/UNDOC/GEN/G19/005/03/PDF/G1900503.pdf?OpenElement. Acesso em: 27 nov. 2022. UNITED NATIONS. Report of the Special Rapporteur on the rights of persons with disabilities. A/74/186, 2019. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/ doc/UNDOC/GEN/N19/221/53/PDF/N1922153.pdf?OpenElement. Acesso em: 27 nov. 2022. UNITED NATIONS. Report of the Special Rapporteur on the rights of persons with disabilities. A/73/161, 2018. Disponível em: https://daccess-ods.un.org/ tmp/5955864.78710175.html. Acesso em: 27 nov. 2022. UNITED NATIONS. Report of the Special Rapporteur on the rights of persons with disabilities. A/HRC/37/56, 2017. Disponível em: https://documents-dds-ny. un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/360/32/PDF/G1736032.pdf?OpenElement. Acesso em: 27 nov. 2022. UNITED NATIONS. Visit to Togo. Report of the Special Rapporteur on contemporary forms of slavery, including its causes and consequences. A/HRC/45/8/Add.1. 2020. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G20/202/12/ PDF/G2020212.pdf?OpenElement. Acesso em: 3 nov. 2022. UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS COUNCIL. E/C.12/2000/4: General Comment No. 14 on the highest attainable standard of health (2000), The Committee on Economic, Social and Cultural Rights. Ago. 2000. Disponível em: https://www.ohchr. org/en/documents/general-comments-and-recommendations/ec1220004-general- comment-no-14-highest-attainable. Acesso em: 2 nov. 2022. UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS COUNCIL. Special Report of the Rapporteur on the Right of Everyone to the Enjoyment of the Highest Attainable Standard of https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G13/105/77/PDF/G1310577.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G13/105/77/PDF/G1310577.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G09/441/61/PDF/G0944161.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G09/441/61/PDF/G0944161.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/114/97/PDF/G1711497.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/114/97/PDF/G1711497.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G19/005/03/PDF/G1900503.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G19/005/03/PDF/G1900503.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N19/221/53/PDF/N1922153.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N19/221/53/PDF/N1922153.pdf?OpenElement https://daccess-ods.un.org/tmp/5955864.78710175.html https://daccess-ods.un.org/tmp/5955864.78710175.html https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/360/32/PDF/G1736032.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/360/32/PDF/G1736032.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G20/202/12/PDF/G2020212.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G20/202/12/PDF/G2020212.pdf?OpenElement https://www.ohchr.org/en/documents/general-comments-and-recommendations/ec1220004-general-comment-no-14-highest-attainable https://www.ohchr.org/en/documents/general-comments-and-recommendations/ec1220004-general-comment-no-14-highest-attainable https://www.ohchr.org/en/documents/general-comments-and-recommendations/ec1220004-general-comment-no-14-highest-attainable195Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Physical and Mental Health. A/HRC/41/34. United Nations Human Rights Council. Abr. 2019. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/ G19/105/97/PDF/G1910597.pdf?OpenElement. Acesso em: 2 nov. 2022. VICENTINO, Cláudio. História Geral. 2. ed. São Paulo: Scipione, 1992 VIVAS, Marcelo Dayrell. Direito à saúde mental no Brasil: ficção ou realidade? Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2020. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/ disponiveis/2/2140/tde-06052021-011750/publico/3330501_Dissertacao_Parcial. pdf. Acesso em: 2 nov. 2022. VICTORA, C. G.; WAGSTAFF, A.; SCHELLENBERG, J. A.; GWATKIN, D.; CLAESON, M.; HABICHT, J. P. (2003). Applying an equity lens to child health and mortality: more of the same is not enough. The Lancet, 362(9379), 233-241. WORLD HEALTH ORGANIZATION. 25 Questions & Answers on Health and Human Rights. Health and Human Rights, Genebra, Publication Series v. 1, jul. 2002. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42526/9241545690.pdf;jsession id=C4338AB83FEDCF9F30F98959D47AF785?sequence=1. Acesso em: 2 nov. 2022. ISSN 1684-1700 WORLD HEALTH ORGANIZATION; United Nations Human Rights Office of the High Commissioner. A Human Rights-Based Approach to Health. s.d. Disponível em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/HRBA_HealthInformationSheet.pdf. Acesso em: 4 nov. 2022. WORLD HEALTH ORGANIZATION; United Nations Human Rights Office of the High Commissioner. Guidance on Mental Health, Human Rights, and Legislation. Jun. 2022. Disponível em: https://webcache.googleusercontent. com/search?q=cache:Yci5guQFxUsJ:https://www.ohchr.org/sites/default/files/ documents/issues/health/draftguidance/2022-06-30/WHO_OHCHR_mental_health_ human_rights_and_the_law.docx&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 2 nov. 2022. ZUIN, Aparecida. Direito e Segurança Alimentar nas Relações de Produção e Consumo Global. Revista Pensamento Jurídico, São Paulo, v. 12, n. 1, p.234-263, jan./jun. 2018. Disponível em: https://fadisp.com.br/revista/ojs/index.php/pensamentojuridico/ article/download/129/170. Acesso em: 2 nov. 2022. https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G19/105/97/PDF/G1910597.pdf?OpenElement https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G19/105/97/PDF/G1910597.pdf?OpenElement https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2140/tde-06052021-011750/publico/3330501_Dissertacao_Parcial.pdf https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2140/tde-06052021-011750/publico/3330501_Dissertacao_Parcial.pdf https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2140/tde-06052021-011750/publico/3330501_Dissertacao_Parcial.pdf https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42526/9241545690.pdf;jsessionid=C4338AB83FEDCF9F30F98959D47AF785?sequence=1 https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42526/9241545690.pdf;jsessionid=C4338AB83FEDCF9F30F98959D47AF785?sequence=1 https://www.ohchr.org/sites/default/files/HRBA_HealthInformationSheet.pdf https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Yci5guQFxUsJ:https://www.ohchr.org/sites/default/files/documents/issues/health/draftguidance/2022-06-30/WHO_OHCHR_mental_health_human_rights_and_the_law.docx&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Yci5guQFxUsJ:https://www.ohchr.org/sites/default/files/documents/issues/health/draftguidance/2022-06-30/WHO_OHCHR_mental_health_human_rights_and_the_law.docx&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Yci5guQFxUsJ:https://www.ohchr.org/sites/default/files/documents/issues/health/draftguidance/2022-06-30/WHO_OHCHR_mental_health_human_rights_and_the_law.docx&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Yci5guQFxUsJ:https://www.ohchr.org/sites/default/files/documents/issues/health/draftguidance/2022-06-30/WHO_OHCHR_mental_health_human_rights_and_the_law.docx&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br https://fadisp.com.br/revista/ojs/index.php/pensamentojuridico/article/download/129/170 https://fadisp.com.br/revista/ojs/index.php/pensamentojuridico/article/download/129/170 196Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Glossário N°: Termo: Definição / significado: 1 Fontes De Direito Internacional As normas jurídicas de direito internacional são encontradas nas diferentes fontes de direito internacional. Alguns exemplos dessas fontes são: tratados, direito costumeiro internacional, princípios gerais. 2 Dignidade Humana Para o Direito Internacional, a dignidade humana é o princípio basilar dos Direitos Humanos. Seu comando central é o igual respeito a todos os seres humanos. 3 Jurisprudência Internacional Conjunto das decisões e interpretações dadas pelas Cortes Internacionais. A jurisprudência internacional também compreende as decisões adotadas em comunicações individuais, comentários gerais e observações gerais elaborados por órgãos integrantes dos Sistemas ONU e Regionais de Direitos Humanos. 4 Corte Interamericana de Direitos Humanos É um dos três tribunais regionais de proteção dos direitos humanos. A Corte IDH tem como objetivo aplicar e interpretar a Convenção Americana e está inserida no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. 5 Terceiro Estado O Terceiro Estado era a Plebe, que constituía a maioria da população francesa (por volta de 98%), havendo assim cortesãos, burgueses e camponeses. A função do Terceiro Estado era sustentar a sociedade e o Estado. Ao contrário do Clero e da Nobreza, pagavam impostos ao Estado. 197Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública N°: Termo: Definição / significado: 6 Sistemas de Direitos Humanos São os conjuntos de normas, órgãos e mecanismos internacionais surgidos a partir de 1945 com o intuito de promover a proteção dos direitos humanos em todo o mundo. Na atualidade, existem três sistemas regionais de proteção (Interamericano, Europeu e Africano) e um sistema universal (Nações Unidas). 7 Decisões Vinculantes São decisões que precisam ser cumpridas obrigatoriamente. Nesse caso, as decisões das Cortes internacionais vinculam os Estados, pois eles escolheram se submeter à sua jurisdição por meio da assinatura de tratados. 8 Jurisdições Jurisdição é o poder atribuído a uma autoridade para fazer cumprir determinada categoria de lei e punir quem as infrinja em uma área predefinida. 9 Órgãos Internacionais Entende-se por organizações ou organismos internacionais as instituições internacionais e agregam em si ações de vários países sob um objetivo ou bem comum. (ROSA, 2022, p. 640) 10 Burguesia A burguesia consiste na classe social dominante dentro do sistema capitalista. Trata-se, na prática, daquele grupo de pessoas que detém os bens de produção ou o capital. (MORAES, 2019) 11 Meios de Produção Referem-se aos meios de trabalho que significam tudo aquilo de que se vale o homem para trabalhar (instrumentos, ferramentas, instalações etc.) bem como a terra, que é um meio universal de trabalho, e aos objetos do trabalho. (NETTO; BRAZ. 2006, p. 58). 12 Estado Absolutista Foi um regime político que surgiu na transição entre a Idade Média e a Idade Moderna. Sua principal característica era a concentração do poder nas mãos do rei, que podia tomar decisões e emitir ordens sem precisar justificar suas ações. 198Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública N°: Termo: Definição / significado: 13 Antigo Regime A expressão Antigo Regime se refere ao período absolutista. 14 Liberdades Negativas Liberdade negativa é a liberdade de impedir ou conter a intervenção externa. 15 Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU É o órgão da ONU responsável por monitorar o cumprimento do Pacto Internacional sobre os sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pelos Estados. 16 Jurisprudência Internacional Conjunto das decisões e interpretações dadas pelas CortesInternacionais. A jurisprudência internacional também compreende as decisões adotadas em comunicações individuais, comentários gerais e observações gerais elaborados por órgãos integrantes dos Sistemas ONU e Regionais de Direitos Humanos. 17 Tratado É um acordo Internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional. Ele pode ser um instrumento único, ou ser constituído por dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica. 18 Peticionário A pessoa ou grupo de pessoas que apresenta a petição, ou seja, a demanda. 19 Jurisdição Jurisdição é o poder atribuído a uma autoridade para fazer cumprir determinada categoria de lei e punir quem as infrinja em uma área predefinida. 20 Ratificação É o ato internacional pelo qual um Estado demonstra o seu comprometimento com as disposições de um tratado. A partir desse momento, ele se torna obrigado a esse tratado na esfera internacional. 199Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública N°: Termo: Definição / significado: 21 Vinculante É a decisão que precisa ser cumprida obrigatoriamente. Nesse caso, as decisões das Cortes internacionais vinculam os Estados, pois eles escolheram se submeter à sua jurisdição por meio da assinatura de tratados. 22 Medidas Cautelares Uma medida cautelar é um mecanismo de proteção, um ato de precaução. Esse mecanismo permite que seja realizada uma ação para proteger o direito que está sob ameaça de ser violado. A medida cautelar é empregada quando há situação grave e urgente que possa gerar danos irreparáveis. 23 Tipificados Tipificar significa fazer com que uma conduta seja considerada um crime. 24 Denunciar Quando um Estado denuncia um tratado, ele declara formalmente que está se desobrigando desse instrumento. 25 Contencioso Contencioso é o que envolve o conflito de interesses. 26 Primeira Instância É o primeiro nível de decisão. Quando a parte discordar da decisão, poderá recorrer à segunda instância, ou seja, a um segundo nível de decisão. 27 Corte de Apelação Nesse contexto, “Corte de apelação” é o nível judicial que irá decidir sobre o recurso que a parte apresentou contra a decisão da qual discorda. 28 Exceções em Razão da Competência São argumentos que afirmam que aquele órgão não tem competência legal para julgar o processo, ou seja: legalmente, outro órgão deveria decidir sobre essa demanda. 29 Execução de Sentenças A execução da sentença é a fase do processo que tem como objetivo transformar a decisão do juiz em fato concreto. Exemplo: o pagamento da indenização definida na sentença. 200Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública N°: Termo: Definição / significado: 30 Comitê da ONU sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais É o órgão da ONU responsável por monitorar o cumprimento do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pelos Estados. 31 Jurisdicionados Jurisdição é o poder atribuído a uma autoridade para fazer cumprir determinada categoria de lei e punir quem as infrinja em uma área predefinida. Assim, os jurisdicionados são as pessoas que se encontram submetidas à jurisdição naquela área. 32 Jurisprudência internacional Conjunto das decisões e interpretações dadas pelas Cortes Internacionais. A jurisprudência internacional também compreende as decisões adotadas em comunicações individuais, comentários gerais e observações gerais elaborados por órgãos integrantes dos Sistemas ONU e Regionais de Direitos Humanos. 1. Direitos humanos 1.1. Conceito de direitos humanos 1.2. Histórico dos direitos humanos 1.3 Direitos humanos e direitos fundamentais 2. Dimensões dos direitos humanos 2.1. Direitos civis e políticos 2.2. Direitos econômicos, sociais e culturais 3. Sistema ONU de Direitos Humanos e Sistemas Regionais de Direitos Humanos 3.1. Os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos 3.2. Sistema ONU de Direitos Humanos 3.3. Sistema Interamericano de Direitos Humanos 3.4. Sistema Europeu de Direitos Humanos 3.5. Conclusão 1. Os três campos de interação entre direitos humanos e saúde 1.1. Violações dos direitos humanos que resultam em problemas de saúde 1.2. Redução da vulnerabilidade no processo saúde-doença por meio dos direitos humanos 1.3. Promoção ou violação dos direitos humanos por meio da saúde 2. Direito à saúde 2.1. Direito à saúde: conteúdo, elementos e monitoramento 2.2. Direito à saúde mental 3. Direitos humanos aplicados às pessoas sob cuidados em saúde 3.1. Direito à privacidade 3.2. Direito de não ser discriminado 3.3. Direito de não ser submetido à tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante 3.4. Direito à liberdade 3.5. Conclusão 1. Direitos humanos no contexto da saúde mental 1.1. Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU 1.2 Tortura, tratamento desumano e degradante no contexto da saúde mental 1.3. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e saúde mental 1.4. Quality Rights 1. Relatórios e decisões dos Sistemas ONU, Interamericano e Europeu de Direitos Humanos 1.1. Relatórios e decisões do Sistema ONU 1.2. Relatórios e decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos 1.3. Relatórios e decisões do Sistema Europeu de Direitos Humanos 1.4. Conclusão 2. Casos julgados pelos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos 2.1. Caso Ximenes Lopes 2.2. Fact Sheet sobre Detenção e Saúde Mental 2.3. Conclusão Referências Glossário