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DEFINIÇÃO
O existencialismo na história recente da Filosofia, as críticas a ele e suas influências na literatura e na cultura popular. O
pensamento de Kierkegaard no século XIX e de Sartre no século XX.
PROPÓSITO
Compreender o existencialismo e a sua influência na Filosofia e na cultura para reconhecer importantes aspectos do pensamento
filosófico e do comportamento humano no mundo contemporâneo.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Analisar os principais aspectos do pensamento de Søren Kierkegaard
MÓDULO 2
Identificar as influências do pensamento existencialista de Jean-Paul Sartre
MÓDULO 3
Reconhecer as críticas ao existencialismo e sua relação com outras áreas além da Filosofia
INTRODUÇÃO
Nos séculos XIX e XX, houve uma mudança estrutural na maneira de pensar e fazer filosofia, uma transformação tão grande que
ultrapassou os muros das universidades e atingiu o modo de as pessoas pensarem sobre a própria vida e a forma de se
comportarem − nas ruas, nos bares, ao escutar música ou ao assistir a um filme. Esse movimento recebeu o nome de
existencialismo e foi essencial para aproximar o pensamento acadêmico das preocupações mais cotidianas das pessoas.
EXISTENCIALISMO
O existencialismo é uma corrente filosófica centrada na realidade da existência, ou seja, a vivência concreta e real. De
acordo com essa corrente, o ser humano deve construir seu próprio destino de forma livre e responsável, dando sentido à
sua vida, pois ele será aquilo que fizer de si mesmo. Outros aspectos e elementos definidores do existencialismo serão
abordados ao longo deste tema.
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Fonte: Salvador Dali/Wikipedia
 Figura 1. Criança Geopolítica observa o Nascimento 
do Homem Novo
Como qualquer escola de pensamento, as definições do existencialismo ainda são motivos de controvérsias e discussões, mais
de meio século após o ápice de sua fama.
Há um grande evento que pode marcar, se não o seu nascimento, ao menos o auge de toda a sua trajetória: quando o francês
Jean-Paul Sartre lê, em público, num auditório parisiense lotado, como se fosse uma estrela da música pop, o seu ensaio O
existencialismo é um humanismo. Com esse curto texto, escrito em linguagem acessível, ele estabelece – ou tenta estabelecer –
os contornos do que considerava ser o pensamento existencialista. Claro que tal explicação, apesar do sucesso – ou exatamente
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por conta dessa estrondosa recepção popular –, sofreu também críticas que fizeram Sartre reformular seu pensamento, como
você poderá conferir no terceiro módulo deste tema.
Sartre não iniciou sua trajetória na filosofia existencialista, nem terminou sua carreira respeitando unicamente as determinações
do mesmo tipo de pensamento. Inicialmente, ele sofreu influência de nomes da fenomenologia. Principalmente de Martin
Heidegger, autor de uma obra incontornável na filosofia no século XX.
JEAN-PAUL SARTRE
Jean-Paul Sartre (1905–1980): filósofo, escritor e dramaturgo francês. Seus escritos alcançaram grande repercussão e
influenciaram estudantes e pensadores contemporâneos. Um dos seus romances mais comentados, A náusea, foi
publicado em 1938, pouco antes da Segunda Guerra, para a qual foi convocado. Capturado e preso, fugiu depois de um
ano. O existencialismo de Sartre é exposto em sua principal obra, O ser e o nada, publicada em 1943. Você pode conferir
outras informações da biografia de Sartre no segundo módulo.
 
Fonte: Niels Christian Kierkegaard/Wikipedia
 Figura 2. Esboço inacabado de Kierkegaard, 
feito por seu primo, em 1840
Antes de Heidegger, porém, houve Kierkegaard, um dinamarquês de nome exótico para ouvidos brasileiros (pronunciado como
“quír-que-gar”) que, na primeira metade do século XIX, escreveu textos de difícil classificação, principalmente para os padrões da
época. Não são tratados, críticas, não se pretendem “objetivos”; eram quase ficções, muitas vezes inspiradas em sua própria
vida. Nesses textos híbridos, ele desenvolvia uma ideia em profundidade que, com frequência, ia em sentido contrário a outras
ideias já estabelecidas entre os influentes bem-pensantes da época.
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SØREN AABYE KIERKEGAARD
Søren Aabye Kierkegaard (1813-1855): filósofo, teólogo e escritor dinamarquês considerado o primeiro pensador a
apresentar explicitamente as questões do existencialismo na filosofia. Publicou mais de 30 obras sobre temas como
existência, morte, angústia, fé, cristianismo, conhecimento, ética, entre outros.
Seu trabalho abarcou a Filosofia e principalmente a Teologia porque um dos seus temas preferidos era a questão da fé, como
você identificará no módulo 1.
Perpassando todos esses pensadores, há estados de espírito que não são agradáveis, como a angústia, o desespero, o
paradoxo, presentes nas consciências das pessoas. O que todos os escritores, pensadores e filósofos existencialistas têm em
comum é a preocupação de entender os mecanismos que fazem funcionar sentimentos que nos compõem. Não para que
fiquemos presos a situações ruins ou momentos tristes e pesados, mas para que, conhecendo-nos melhor, possamos tomar
atitudes com mais coragem, com mais liberdade.
Neste vídeo, o professor Ronaldo Pelli apresenta informações introdutórias sobre o existencialismo.
MÓDULO 1
 Analisar os principais aspectos do pensamento de Søren Kierkegaard
A VIDA DE KIERKEGAARD
No início do século XIX, Copenhagen era uma pequena cidade que começava a receber migrantes das áreas rurais da
Dinamarca para dar conta do ainda incipiente processo de industrialização. O casal Ane Sørensdatter Lund Kierkegaard, uma ex-
empregada doméstica, e Michael Pedersen Kierkegaard, um agricultor que se tornou um bem-sucedido empresário do ramo têxtil,
participou desse movimento. Eles se instalaram na capital dinamarquesa e tiveram sete filhos, sendo o mais novo Søren Aabye
Kierkegaard.
 
Fonte: Martinus Rørbye/Wikimedia
 Figura 3. Cena das ruas da Dinamarca nas 
primeiras décadas do século XIX
Apesar dos modos considerados rústicos, o pai de Kierkegaard incentivava o aprendizado filosófico do filho em casa. Tal impulso
fez com que o jovem optasse pela disciplina na Universidade de Copenhagen, onde teve contato e se deixou seduzir, num
primeiro momento, pelo principal nome da Filosofia em voga na época: Hegel.
 
Fonte: William Holman Hunt/Wikimedia
 Figura 4. A Luz do Mundo
George W. F. Hegel (1770-1831) foi o principal representante do idealismo alemão. Entendia que a razão absoluta, representada
pela ideia absoluta, é quem cria a natureza e a história. Para ele, a lógica tem como objetivo ou como conteúdo a verdade, que
por sua vez encontra-se no pensamento racional. A lógica hegeliana, portanto, objetiva evidenciar a necessidade do idealismo
absoluto e se caracteriza como o estudo da verdade ou do pensamento racional em sua forma pura, sem elementos ou modelos
particulares.
No entanto, a lógica hegeliana, distante e abstrata, começou a incomodar Kierkegaard. O absoluto, um dos temas hegelianos
por excelência, não era o único ou o principal interesse de Kierkegaard. Ele estava interessado em buscar respostas que dessem
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conta de questões que envolvessem diretamente, de maneira mais pragmática possível, a sua própria existência.
O ABSOLUTO NA FILOSOFIA DE HEGEL
Na filosofia de Hegel, o absoluto exerce o papel de restabelecer a relação entre os conceitos e as coisas, isto é, os objetos
da experiência sensível. O absoluto constitui a totalidade, que integra conhecimento e realidade.
Esse enfoque mais “individualista” fez com que Kierkegaard fosse visto como um existencialista antes do tempo, um pensador
que teria ajudado a criar as bases para a corrente que no século seguinte seria mais bem desenvolvida por nomes como Jean-
Paul Sartre.
A OBRA DE KIERKEGAARD
Mais do que algo pitoresco ou simplesmente motivo de curiosidade, saber da biografia de Kierkegaard ajuda a entender a
construção de todo o seu pensamento. Isso porque, em vez de enfrentar os temas que impregnavama tradição filosófica da
época, ele estava interessado em discutir os problemas particulares de cada um, como a noção de liberdade individual, a
finitude, a possibilidade de fazer a melhor escolha, ou como lidar com o sentimento de angústia. Não era, porém, um
raciocínio egoísta, em que as únicas perguntas que merecessem ser respondidas fossem exclusivamente as suas próprias, mas
uma aposta na possibilidade de falar sobre sentimentos compartilhados por todas as pessoas.
A primeira obra que Kierkegaard publicou (que, contrariando o costume da época, escrevia apenas em sua língua materna) tem
relação com sua biografia. O livro Ou isso, ou aquilo: um fragmento de vida (Enten/Eller, no original dinamarquês; Either/Or, na
tradução para o inglês), de 1843, é fortemente inspirado na relação amorosa que manteve com Regine Olsen.
REGINE OLSEN
Regine Olsen (1822-1904): dinamarquesa que aos 18 anos ficou noiva de Kierkegaard. O noivado durou apenas 13 meses
e foi interrompido pelo jovem Kierkegaard, por meio de uma carta, devido a questões filosóficas e religiosas que o
inquietavam. Ela teve seu nome alterado para Regine Schlegel após se casar com um antigo professor, Johan Frederik
Schlegel, com quem mantinha alguns encontros antes do pedido de noivado de Kierkegaard.
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Fonte: Wikipedia
 Figura 5. Regine Olsen, retratada em 1870
No livro, um rapaz (aparentemente inspirado no próprio Kierkegaard) conversa com um homem maduro (provavelmente baseado
em seu pai) a respeito da melhor decisão a tomar sobre o seu relacionamento. Na vida real, apesar de apaixonado, Kierkegaard
não acreditava ser o par ideal para Regine, já que precisava manter uma vida mais reservada, dedicada a escrever, cultivando o
ascetismo e a inspiração religiosa.
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ASCETISMO
Filosofia ou estilo de vida caracterizados pela abstenção de prazeres e de conforto por meio da disciplina e do autocontrole,
objetivando o desenvolvimento espiritual.
Nessa obra, ele começa a apresentar os chamados estágios da existência, uma das suas grandes contribuições para a história
da Filosofia.
OS TRÊS ESTÁGIOS DA EXISTÊNCIA
Cada estágio da existência depende das vivências dos indivíduos e mostra maneiras diferentes de lidar com os problemas e
tomar decisões. Contudo são estágios, demonstrando que podemos ir em direção à última fase, o ponto mais alto aonde se pode
chegar.
O primeiro estágio seria o estético (do grego aisthésis, que quer dizer percepção, sensibilidade), chamado assim por obedecer
às sensações e aos desejos mais imediatistas, oferecendo apenas uma ilusão de satisfação, já que o prazer eterno e inalterado
jamais pode ser alcançado. O que sobra é sempre o desespero da eterna incompletude.
 
Fonte: Richard Westall/Wikimedia
 Figura 6. Fausto e Lilith
Kierkegaard menciona três figuras exemplares que ajudam a explicar o conceito do estágio estético:
O conquistador Don Juan, personagem da literatura alemã que representa a sensualidade em si.
Fausto, personagem da mitologia germânica eternizada pelo escritor alemão Goethe, simbolizando a dúvida.
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O judeu errante Ahasverus, figura mítica que teria sido condenada a andar eternamente, demonstrando nesse contexto um
ato que nunca chega ao término.
GOETHE
Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832): poeta, romancista, dramaturgo e filósofo alemão. Foi um dos líderes do
romantismo alemão.
Assim, a categoria ou o modo estético se caracteriza pela falibilidade (é algo falível ou propenso à falência), pelo seu caráter
ilusório, já que o prazer, mesmo quando alcançado, não é duradouro.
O segundo estágio seria o ético, em que há uma preocupação de se fazer o que é o certo, a partir de um código moral
estabelecido. Há uma exigência e uma necessidade a ser cumprida.
 
Fonte: Domenico di Pace Beccafumi/Webmuseo
 Figura 7. Alegoria da Justiça
O exemplo dado é o do marido fiel, que, apesar das tentações que possa sofrer, continuaria agindo em prol do que é o “correto”:
o casamento. Não há, porém, regras morais que possam funcionar para todo o sempre e a questão ética também cai num
problema de temporalidade. O orgulho pessoal por estar fazendo o que deve ser feito é novamente passageiro e, no médio-longo
prazo, gera um tipo de arrependimento por não ter agido de maneira diferente, obedecendo mais aos instintos. Apesar de mais
“evoluído” que o estético, o estágio ético é para Kierkegaard apenas um caminho para atingir o terceiro estágio, esse sim o mais
elevado que se pode alcançar.
O estágio religioso, o terceiro e último estágio, é mais bem explicado a partir do tema bíblico O sacrifício de Isaac, em que o
patriarca Abraão se vê numa situação em que teria de sacrificar seu primogênito Isaac. O tema bíblico é narrado diversas vezes e
de variados pontos de vista em um dos livros centrais de Kierkegaard, Temor e tremor, também publicado em 1843.
 SAIBA MAIS
O Sacrifício de Isaac - narrado no livro de Gênesis, capítulo 22, no qual o patriarca dos hebreus, Abraão, é colocado à prova ao
receber a ordem divina de sacrificar seu filho Isaac num dos montes da região de Moriá. Quando está prestes a imolar seu único
filho, colocado sobre o altar que havia construído, um anjo intervém e impede que Abraão use o cutelo com o qual ofereceria seu
primogênito em holocausto, pois o patriarca havia provado que era temente a Deus ao não negar o seu único filho. Pintores
consagrados, como Rembrandt e Caravaggio, deram registro artístico a esse impressionante episódio bíblico.
Além de mostrar o relacionamento entre pai e filho − tema comumente encontrado na obra do dinamarquês, refletindo outra de
suas fixações biográficas −, a história da entrega de Isaac ilustraria conceitualmente um caso em que é necessário suspender a
moral em prol de uma decisão que seja definitiva. Não há qualquer prazer (estético) nem decisão acertada (ética) na atitude de
Abraão de entregar seu muito esperado filho a seu Deus. Há apenas a fé, o único modo de decidir que pode ser considerado
eterno por Kierkegaard.
Esse modo de pensar serve a Kierkegaard por duas razões, intrinsecamente ligadas: criar uma espécie de inversão do
racionalismo hegeliano; e, concomitantemente, combater a Igreja luterana dinamarquesa, comandada à época por um ex-
professor que era muito influenciado por Hegel. O líder luterano dinamarquês combatido por Kierkegaard tentava associar a
religião a bons feitos, em vez da fé pura. Mas, tal modo de pensar serve principalmente para desenvolver o pensamento teológico
de Kierkegaard – provavelmente sua principal contribuição para a história da Filosofia.
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RACIONALISMO HEGELIANO
Kierkegaard rejeitava a centralidade da razão absoluta na filosofia de Hegel, principalmente no tocante à tentativa de usar
provas racionais para defender a existência de Deus e de sintetizar fé e razão.
Para ele, na passagem bíblica acontece um paradoxo. Há o encontro de duas forças que não podem ser resolvidas. Por um lado,
Abraão ama seu rebento, como a coisa mais importante de sua vida; por outro, ele tem que obedecer ao chamado divino.
Kierkegaard levanta algumas hipóteses para demonstrar a profundidade do problema encarado por Abraão. Entre os exemplos,
afirma: se o patriarca, em vez de sacrificar o filho, cometesse suicídio, estaria realizando uma ação louvável, protegendo sua
família diante de um pedido absurdo. De toda forma, ainda que qualquer ato para salvar o filho fosse nobre, nenhum acabaria
com o dilema. Ao não oferecer o filho amado, ele não estaria agindo de maneira a respeitar seu Deus, o que é, dentro dessa
lógica religiosa, igualmente absurdo. Abraão precisava “querer” matar o filho ao mesmo tempo que o amasse. É nessa posição
duplamente disparate, em que uma atitude automaticamente impede a outra, que habita o salto na fé.
 
Fonte: Rembrandt/Wikipedia
 Figura 8. Sacrifício de Isaac
Kierkegaard insiste que esse salto é uma posição que não pode ser explicada pela razão, já quea fé estaria além de qualquer
capacidade do entendimento. Se retirarmos o caráter da fé da ação de Abraão, ele se torna “apenas” um cruel assassino cuja
atitude, apesar de estar no extremo da violência, é ainda possível de se imitar. A fé acrescenta um componente
profundamente inédito e torna todo esse espaço, o “entre” um lado e outro, um lugar “único”.
O TEMA DA ANGÚSTIA
O comentário à passagem bíblica serve também para abordar outro dos temas mais associados a Kierkegaard: a angústia, que
influenciou importantes filósofos no século XX. No livro Temor e tremor, o filósofo dinamarquês escreve: “O que se omite na
história do patriarca? A angústia.” (KIERKEGAARD, 1979)
Nesse ínfimo espaço em que encontramos ao mesmo tempo o homem que pode matar seu filho e um homem temente a seu
Deus, é que reside o afeto que não nos deixa dormir e nos toma tão completamente, que não permite espaço para nenhum outro
tipo de pensamento. Em outras palavras, a angústia é essa disposição de ânimo que atravessa a todos quando
confrontados com o que é necessariamente irrespondível. Como, por exemplo, a noção da finitude, da morte. É o sentimento
diante do absurdo, do paradoxo, do desespero por não saber o que fazer, como agir.
Há sempre dois lados: diante de um limiar de uma questão que envolve a existência (a própria ou de outra, mas que
necessariamente incide sobre si próprio), há sempre o peso diante do tamanho da escolha, que, sabemos, acarretará
consequências para toda a vida. Por outro, há também a animação por se saber livre para escolher um dos caminhos possíveis.
Isso é o que podemos chamar de paradoxo.
 
Fonte: Viktor Mikhailovich Vasnetsov/Wikipedia
 Figura 9. Sirin e Alkonost: Uma Canção de Alegria e Tristeza
De todo modo, como você pode ver, Kierkegaard possuía uma fé incomum, que ele propunha como forma de resolver impasses
que outras ferramentas de pensamento se mostravam incapazes de ultrapassar. Sua fé, porém, não pode ser explicada – é
exatamente um salto nesse vazio, sem qualquer base razoável para isso.
A trajetória de Kierkegaard foi iluminada pelo pensamento e pela obra de Sartre no século XX. Sartre entendia que Kierkegaard
era indispensável para se entender o existencialismo, principalmente com o relato e a interpretação da angústia de Abraão. Por
isso, vamos ao segundo módulo para conhecer o existencialismo de Sartre.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. OS TRÊS ESTÁGIOS DA EXISTÊNCIA CONSTITUEM UM IMPORTANTE ASPECTO DO
PENSAMENTO DE KIERKEGAARD. CONSIDERANDO O PRIMEIRO DESSES ESTÁGIOS, ASSINALE A
ALTERNATIVA QUE DESCREVE CORRETAMENTE A FORMA COMO KIERKEGAARD DEMONSTRA A
FALIBILIDADE DO MODO OU CATEGORIA QUE ELE CHAMA DE ESTÉTICO:
A) Não obedece às sensações e aos desejos mais imediatistas.
B) É uma ilusão, já que o prazer, mesmo quando alcançado, não se sustenta por muito tempo.
C) É representado pelas figuras do Don Juan, de Fausto e do judeu errante Ahasverus, porque esses personagens revelam a
duração infindável do prazer e a sensação de completude.
D) O estágio estético recebe essa designação porque o termo grego aisthésis indica a ideia de anestesia, ou seja, a indiferença
para com o prazer.
2. CONSIDERANDO O EPISÓDIO BÍBLICO DO SACRIFÍCIO DE ISAAC, ASSINALE A ALTERNATIVA
QUE DESCREVE ADEQUADAMENTE O TEMA DA ANGÚSTIA NO PENSAMENTO DE KIERKEGAARD:
A) A angústia é o nome do vazio sentido por Abraão – e por qualquer outra pessoa – diante da impossibilidade de resolver seu
paradoxal dilema com as ferramentas do estágio estético ou ético, ou quaisquer outras ferramentas que porventura se possua.
B) A angústia é uma disposição de ânimo que atravessa toda pessoa quando confrontada com algo ao qual consegue responder
ou realizar, mas tem dificuldade por causa de motivos religiosos.
C) O sentimento diante do absurdo, do paradoxo, do desespero por não saber como agir nos leva a um relaxamento e
conformismo, já que nos convencemos de que não há nada a fazer.
D) Kierkegaard possuía uma fé vacilante, por isso a angústia era tratada a partir de ferramentas de pensamento, como o aspecto
estético e ético, que ajudam a superar os impasses da existência.
GABARITO
1. Os três estágios da existência constituem um importante aspecto do pensamento de Kierkegaard. Considerando o
primeiro desses estágios, assinale a alternativa que descreve corretamente a forma como Kierkegaard demonstra a
falibilidade do modo ou categoria que ele chama de estético:
A alternativa "B " está correta.
 
No pensamento de Kierkegaard, há sempre a busca por soluções perenes para as questões que lhe aparecem. No modo
estético, apenas nossas sensações mais imediatas são satisfeitas, mas são rapidamente esvaziadas e voltamos para um
sentimento de falta e de incompletude que, seguindo esse modo de existir, jamais será sanado.
2. Considerando o episódio bíblico do sacrifício de Isaac, assinale a alternativa que descreve adequadamente o tema da
angústia no pensamento de Kierkegaard:
A alternativa "A " está correta.
 
A angústia é descrita a partir de situações em que o ser humano se vê diante de dilemas ou de problemas que não permitem uma
aparente solução, como no caso de Abraão, que se encontrava diante da necessidade de preservar seu filho da morte porque o
amava ao mesmo tempo em que se via obrigado a imolá-lo como sinal de obediência e devoção ao seu Deus. Para Kierkegaard,
os recursos humanos são insuficientes para resolver esses impasses e o vazio que eles criam, e somente a fé poderia salvar
nesses casos.
MÓDULO 2
 Identificar as influências do pensamento existencialista de Jean-Paul Sartre
A VIDA E AS INFLUÊNCIAS DE SARTRE
Jean-Paul Sartre é provavelmente o filósofo mais conhecido do século XX, estampando o verbete dedicado ao francês da
enciclopédia online da Universidade de Stanford, nos EUA. Não necessariamente o mais influente, nem o mais importante: o mais
conhecido.
Ele talvez tenha atingido tal prestígio pelo estilo de vida libertário, representado, por exemplo, pelo seu casamento aberto com a
também filósofa e escritora Simone de Beauvoir; ou por conseguir encarnar as questões da geração que sobreviveu à Segunda
Guerra Mundial; mas, muito provavelmente, por encabeçar um movimento que também se transformou em uma referência
incontornável para tentar entender o século XX: o existencialismo.
SIMONE DE BEAUVOIR
Simone de Beauvoir (1908-1986): filósofa, escritora e ativista francesa que se dedicou a temas como a existência humana,
a condição da mulher, o conceito de gênero, a velhice, entre outros. O seu livro mais famoso, O segundo sexo, teve
repercussão avassaladora quando lançado. Nele se encontra a conhecida afirmação: “Ninguém nasce mulher, torna-se
mulher.”
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Fonte: Wikimedia
 Figura 10. Sartre e Simone de Beauvoir 
no Memorial de Balzac
 
Fonte: Historiadigital
 Figura 11. Tropas Nazistas em 
Nuremberg em 1938
A Segunda Guerra Mundial, no meio do caminho da carreira acadêmica de Sartre, afetou profundamente sua vida e mudou sua
forma de pensar para sempre. Após lutar contra os nazistas, passou de razoavelmente apolítico a cada vez mais próximo do
marxismo. Junto a Simone de Beauvoir e outros nomes da intelectualidade parisiense, fundou revistas, escreveu romances,
peças de teatro e tratados que moldaram a forma de pensar no Ocidente do pós-guerra.
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MARXISMO
Difícil de definir ou conceituar, o marxismo em sua origem corresponde à doutrina social desenvolvida pelo filósofo,
sociólogo e historiador alemão Karl Marx (1818-1883) e pelo filósofo e político alemão Friedrich Engels (1820-1895). É
possível afirmar que há vários “marxismos”, mas em linhas gerais podemos entendê-lo como teoria ou doutrina filosófica,
política e econômica − além de ideologia − que interpreta a sociedade e a história a partir da luta e do conflito de classes, da
crítica ao capitalismo, na busca da emancipação e da sociedade sem classes.
Entretanto, antes do existencialismo propriamente dito – cujo ápice foi o lançamentodo seu curto ensaio O existencialismo é um
humanismo, em 1945, em um evento lotado em Paris (que será mais bem explicado no próximo módulo) –, houve a
fenomenologia, outra escola de pensamento que marcou a Filosofia, principalmente na primeira metade do século.
 SAIBA MAIS
Fenomenologia - Corrente e metodologia filosófica que estuda e pensa os fenômenos em si mesmos, deixando de lado os
condicionamentos externos, a fim de conhecer a essência e o significado dos fenômenos ou da realidade. Segundo Krause
(2009), como método, faz a mediação entre o sujeito e o objeto ou, dizendo de outro modo, entre o eu e a coisa. Levando
em conta a perspectiva que se tem da realidade, é possível identificar abordagens transcendentais (transcendente como aquilo
que está fora da consciência ou fora “de mim”), existenciais ou hermenêuticas (interpretativas) na fenomenologia.
O caminho na Filosofia levou Sartre, ainda em 1933, a trabalhar em Berlim, onde leu dois dos principais nomes da filosofia alemã
do período, ambos ligados à fenomenologia: Edmund Husserl e Martin Heidegger. Ambos seriam influências até, pelo menos, a
Segunda Guerra. Para ter uma ideia do tamanho desse prestígio, basta lembrar que a obra mais famosa de Heidegger se chama
Ser e tempo (de 1927), enquanto o principal trabalho de Sartre foi intitulado Ser e nada (publicado em 1943), cujo subtítulo é
Ensaio de uma ontologia fenomenológica. Não é mera coincidência.
Em uma frase já conhecida, o ponto principal da fenomenologia era a “volta às coisas mesmas”. Isso quer dizer: a Filosofia
deveria ver como as coisas se mostram, importar-se com os fenômenos que afetam nossos sentidos, com o “mundo da vida”, da
experiência, em vez de separar, outra vez, o mundo e a experiência deste. É um procedimento razoavelmente parecido com o
empreendido por Kierkegaard, como você viu no módulo anterior: importar-se com as coisas mais “mundanas”, em vez de
situações distantes da realidade. Aliás, esse fenômeno não é exclusivo do filósofo dinamarquês: ainda no século XIX, outros
importantes pensadores se preocuparam com essa mudança de enfoque.
Contudo, se Kierkegaard tinha uma influência relativamente restrita dentro do universo acadêmico até aquele período, ao lançar
Ser e tempo, Heidegger muda para sempre o rumo do jogo filosófico.
Antes dele, de um modo geral, os principais nomes da história da Filosofia se preocuparam com temas e conceitos como o ideal,
a razão, o absoluto, ou colocaram o homem como sujeito de todas as coisas, tornando todos os demais entes meros objetos
para ele.
EDMUND HUSSERL
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Edmund Husserl (1859-1938): filósofo e matemático alemão considerado o pai da fenomenologia moderna.
MARTIN HEIDEGGER
Martin Heidegger (1889-1976): filósofo, escritor e professor alemão. Foi assistente de Husserl na Universidade de Freiburg,
onde também se tornou professor e, por um breve período, reitor.
Usando a metodologia fenomenológica desenvolvida principalmente por Husserl, Heidegger desloca o foco da preocupação
filosófica para a interrelação entre o homem e o mundo. Não mais o homem isoladamente, como sujeito do mundo; nem o mundo
à parte, como algo inerte que pode ser explorado: mas o que acontece entre os dois.
 
Fonte: Salvador Dalí/Wikipedia
 Figura 12. Aparição de rosto e prato de frutas 
em uma praia
Sua principal preocupação é buscar o ser, algo como desvendar o que faz com que alguma coisa seja o que é, estabelecendo o
modo de ser do homem como o seu fio condutor na investigação. Heidegger chama esse “modo de ser do homem” de Dasein.
Uma das traduções de Heidegger para o português apostou no termo presença para traduzir Dasein, o que dá uma sensação de
estar “presente” no tempo e no espaço.
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DASEIN
É uma palavra alemã complicada de se traduzir: quer dizer tanto “existência” como a junção de “ser” (sein) com “aí” (da),
sendo “aí” usado como uma espécie de metáfora para “mundo”. Ou seja, o “modo de ser do homem” tanto pode ser visto
como sua própria existência quanto como o ato de ser no mundo − algo que de simples não tem nada, como Heidegger
explica em sua imensa obra.
 
Fonte: Rene Magritte/Wikiart
 Figura 13. O doador feliz
Antes que você pense que o ser buscado por Heidegger seja algo como uma essência parada e estanque, fora do tempo –
novamente uma abstração, portanto –, o filósofo alemão insiste que a essência de um ente deve ser concebida a partir da sua
existência. Uma frase que é praticamente repetida por Sartre quando ele afirma que “a existência precede a essência”.
O PENSAMENTO EXISTENCIALISTA DE SARTRE
Na obra Ser e nada, Sartre sugere que há duas categorias, ou mesmo dois tipos, de modos de ser: quando nós somos “ser-em-
si” e quando somos “ser-para-si”. Em vez de essa separação querer mostrar uma dualidade entre dois compartimentos
separados – como acontecia com a filosofia de Descartes, por exemplo –, Sartre reforça que ambas as categorias se
interpenetram e se influenciam. E vai além: seria na combinação dessas duas que nasceria nossa ambiguidade, brotariam
nossas dúvidas.
O “ser-em-si”
É sólido, idêntico, passivo e inerte; é nosso estado “factual”, objetivo, como aparecemos para o mundo externo.

O “ser-para-si”
É fluido, desigual e dinâmico; é subjetivo, aquilo que pertence a cada uma das existências. É mais bem representado por nossa
consciência, que faz a passagem para o mundo; ou seja, é a possibilidade para a transcendência, para aquilo que vai além de
nós mesmos.
Neste vídeo, o professor Ronaldo Pelli nos ajuda a entender melhor os caminhos entre o Ser e o Nada.
Nossa linguagem, o ambiente em que vivemos, nossas escolhas prévias são exemplos daquilo que constitui nossa facticidade.
Mas, como nossa consciência é naturalmente viva e irrequieta, não temos alternativa a não ser fazer escolhas, tomar decisões,
selecionar etc. E, fazendo isso, saímos dessa facticidade e acabamos nos movimentando – estamos já em outro lugar, que é, de
alguma forma, mesmo que ínfimamente, diferente do anterior.
A cada momento, somos sempre uma combinação entre esses dois “lados” sem poder precisar a porcentagem que nos compõe
nesses instantes – pelo menos, não no exato tempo em que estamos passando por essas experiências.
É dessa forma que Sartre propõe que somos mais que o nosso estado momentâneo, “atual”. Não somos mais aquela pessoa
que aparece na foto tirada no passado – aliás, só fomos aquela pessoa no instante preciso em que tiramos aquela foto.
Antes mesmo de piscar os olhos novamente, já éramos outra. Esse movimento acarreta alguns problemas. Não é possível parar
o fluxo do tempo e saber exatamente qual seria a melhor maneira de tomar uma decisão, por exemplo. Tudo acontece
simultaneamente e sempre é agora. Essa é a irônica fundação da nossa liberdade: dentro das possibilidades apresentadas,
podemos − mais do que isso, devemos − tomar decisões a cada momento, mas não há como saber com certeza as
consequências dessas ações que vão se acumulando, segundo a segundo.
Decidimos e só depois, quando dá, olhamos para trás para saber se foi uma boa ou uma má decisão. Essa liberdade de ação é,
portanto, “obrigatória”, não uma mera escolha, como se em algumas vezes pudéssemos decidir e em outras, não. Mesmo quando
aparentemente não escolhemos, estamos optando por não escolher. Não há escapatória. Ou, para citar outra frase sartreana
famosa que resume bem esse sentido: o homem está condenado a ser livre.
 
Fonte: Francis Picabia/Wikiart
 Figura 14. Adão e Eva
Às vezes, a história é mais complicada e ficamos travados diante de uma bifurcação do caminho da nossa vida. Não sabemos o
que fazer, não temos qualquer elemento que nos garanta a melhor decisão. Pior: percebemos que, como toda e qualquer direção
é “contingente”, sem uma explicação anterior ou superior, há uma “gratuidade” em nossas ações. Estamos simplesmente no
mundo, sem qualquer justificativa.
Esse é o mote principal do mais famoso romancede Sartre, chamado sugestivamente de A náusea, por representar o estado de
espírito em que nos encontramos quando nos damos conta da nossa infinitesimal importância. Na cena mais famosa do romance
A náusea, o protagonista Antoine Roquentin está sentado num banco e repara nas raízes de uma árvore que passam por baixo
dele. Repentinamente, ele tem uma epifania (uma espécie de insight ou revelação especial) e perde o contato com a realidade
mais imediata: não reconhece a árvore, as palavras sumiram, fica aéreo, totalmente introspectivo. “Nunca, antes desses
últimos dias, tinha pressentido o que queria dizer ‘existir’”, ele admite, como que afirmando ter recebido, de uma vez só,
todo o peso da existência (SARTRE, 2015).
 
Fonte: René Magritte/Wikiart
 Figura 15. As reflexões do caminhante solitário
Aquele momento que ele vivia era único e jamais se repetiria. O livro A náusea, lançado cinco anos antes da obra Ser e nada,
antecipa temas da principal obra de Sartre e revela o até então desconhecido e contestador professor, adorado apenas por seus
alunos secundaristas, conduzindo o escritor francês para um caminho rumo à celebridade.
 
Fonte: United States Marine Corps/Wikipedia
 Figura 16. Campo de Batalha na Segunda 
Guerra Mundial
Antes da popularidade máxima, alcançada no evento de lançamento de seu manifesto existencialista, em 1945, porém, houve a
guerra, que estraçalhou os planos de todo mundo – incluindo Sartre. O filósofo participou do conflito contra os nazistas como
soldado, até ser preso pelos alemães e lá permanecer entre 1940 e 1941. Quando conseguiu se libertar, voltou a Paris e se uniu
à Resistência Francesa, fundando o movimento Socialismo e Liberdade − para combater o autoritarismo, o antissemitismo, o
racismo, a xenofobia e a extrema-direita, que assolavam a Europa (e o mundo).
É dessa época, por exemplo, sua peça As moscas, encenada pela primeira vez em 1943, para uma Paris ocupada e com uma
parcela dos franceses colaborando com os invasores nazistas. A obra de Sartre repagina o drama do mito de Orestes sobre
uma cidade corroída pelos remorsos dos seus habitantes. Se, até então, a política quase não aparecia em sua produção
intelectual, a partir da luta contra o nazifascismo ele se aproximou cada vez mais do pensamento marxista, marca de uma nova
fase de sua vida.
 
Fonte: Bernardino Mei/Wikipedia
 Figura 17. Orestes matando Egisto e Clitemnestra
 SAIBA MAIS
O mito de Orestes: narrado por diferentes poetas trágicos gregos, como se pode verificar nas versões de Eurípides (480
a.C.-406 a.C.), Ésquilo (525 a.C.-455 a.C. aproximadamente) e Sófocles (497 a.C.-406 a.C. aproximadamente).
Orestes nasceu em Argos, de onde teve de fugir ainda criança, após o assassinato de seu pai, o rei Agamemnon, por sua esposa
Clitemnestra, que passou a tiranizar o povo da cidade. Orestes retornou à cidade e matou sua mãe Clitemnestra para vingar o
assassinato de Agamemnon.
Assim que a guerra acabou, Sartre fundou junto com Simone de Beauvoir e outros intelectuais franceses a revista Les temps
modernes (Os tempos modernos), considerada a principal publicação de literatura, filosofia e política do período, uma espécie de
farol da esquerda da França e, de forma representativa, de todo o Ocidente. “A ideia era que articularíamos a ideologia da era do
pós-guerra”, chegou a afirmar anos depois Simone de Beauvoir (apud DRESSER, 2017).
Sartre cada vez mais se encaminhou para o extremo da esquerda. Por um lado, esse deslocamento aparece em uma legítima e
ferrenha crítica ao imperialismo da época, como quando se colocou frontalmente contra os ataques franceses contra a
independência da Argélia (então colônia francesa) e contra à invasão americana na chamada Guerra do Vietnã. Por outro lado,
fez com que Sartre fosse mais permissivo a práticas que usariam de violência para justificar a solidificação de uma pretensa
ditadura proletária ou dos trabalhadores. Em 1954, um ano após a morte do líder comunista Josef Stalin (1878-1953), Sartre
visitou a antiga União Soviética (URSS) e afirmou que “o cidadão soviético é completamente livre para criticar o sistema”
(SARTRE apud LLOSA, 2014), ignorando a realidade soviética por completo.
Esse embate sobre, ironicamente, os limites da liberdade, afastou Sartre de um de seus mais próximos amigos: o escritor Albert
Camus. Desde a época em que combatiam juntos o nazismo, os dois mantinham trajetórias bem próximas. "Como o amávamos
naquela época", chegou a dizer Sartre (apud DRESSER, 2017) tempos depois.
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ALBERT CAMUS
Albert Camus (1913-1960): romancista, dramaturgo, filósofo e jornalista nascido na Argélia, mas que viveu na França. Foi
ganhador do Nobel de Literatura em 1957.
 
Fonte: Wikipedia
 Figura 18. Albert Camus
Mas, quando, em 1951, Camus publicou uma das suas obras mais conhecidas, O homem revoltado, em que condenava a
violência revolucionária e se colocava a favor de um socialismo que fosse pacífico, os caminhos dos dois se bifurcariam. Para
Sartre, não se faria uma revolução sem se destruir as ordens estabelecidas – e a violência seria um ingrediente amargo,
porém necessário.
A separação dos dois foi acompanhada pelos jornais franceses da época, numa briga intelectual e pública, atualmente
impensável entre dois grandes intelectuais. Sartre se distanciaria da URSS com a chegada dos tanques soviéticos a Budapeste
para conter a insurreição húngara, em 1956, e chegaria a escrever O fantasma de Stalin, em que acertava as contas com o que
havia de antidemocrático com o comunismo real, mas nunca mais se afastaria de um pensamento de esquerda. Nessa nova fase,
ele continuou escrevendo trabalhos filosóficos, como a Crítica da razão dialética, em 1960, em que fez uma aproximação entre
sua filosofia existencialista e o marxismo.
Até o fim da vida, o francês se manteve próximo à extrema-esquerda, mas se inclinando em direção à vertente maoísta,
movimento revolucionário comunista chinês encabeçado por Mao Tsé-Tung (1893-1976), fundador da República Popular da
China.
 
Fonte: Wikimedia
 Figura 19. Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre 
encontram Ernesto Che Guevara em Cuba
Entretanto, após maio de 1968, o antigo jovem contestador se tornou ultrapassado por outras ideias ainda mais libertárias que
brotaram em Paris – e que se espalhariam por todo o Ocidente. De qualquer forma, Sartre foi o principal nome do existencialismo,
um dos mais importantes movimentos não apenas filosófico, mas que afetou artes, comportamentos e maneira de se pensar no
meio do século XX.
 SAIBA MAIS
Maio de 1968 - Movimento na França marcado por uma onda de greves e protestos iniciados pelos estudantes, em Paris, no
começo de maio de 1968. O movimento se estendeu para os trabalhadores e atingiu todo o país, com os conflitos e as batalhas
campais provocando grande comoção social e manobras no cenário político.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. NO PENSAMENTO EXISTENCIALISTA DE SARTRE, INFLUENCIADO POR HEIDEGGER,
IDENTIFICAMOS DUAS MANEIRAS OU CATEGORIAS DE SER: “SER-EM-SI” E “SER-PARA-SI.
ASSINALE A ALTERNATIVA QUE NÃO PODE SER IDENTIFICADA COM O CONCEITO DE “SER-PARA-
SI” EM SARTRE:
A) É mais bem representado por nossa consciência.
B) É sólido, idêntico, passivo e inerte.
C) Faz a passagem para o mundo.
D) É fluido, desigual e dinâmico.
2. POR QUE, SEGUNDO SARTRE, “O HOMEM ESTÁ CONDENADO A SER LIVRE”?
A) Porque não temos opção a não ser sempre fazer escolhas e arcar com as consequências das nossas decisões.
B) Porque a liberdade é um peso enorme para quem precisa dividir a atenção com a obediência a um deus.
C) Sartre estava sendo irônico: na verdade, a liberdade é, como o nome diz, livre.
D) Porque podemos até não escolher, mas ao fazê-lo, a liberdade das opções nos pressiona.
GABARITO
1. No pensamento existencialista de Sartre, influenciado por Heidegger, identificamos duas maneiras ou categorias de
ser: “ser-em-si” e “ser-para-si. Assinale a alternativa que não pode ser identificadacom o conceito de “ser-para-si” em
Sartre:
A alternativa "B " está correta.
 
De acordo com Sartre, o nosso lado “ser-em-si” é sólido, idêntico, passivo e inerte. É nosso estado “factual”, objetivo, a maneira
como o mundo externo aparece para a realidade de cada um. Nossa linguagem, o ambiente em que vivemos e nossas escolhas
prévias são exemplos daquilo que constitui nossa facticidade. Já o nosso lado “ser-para-si” é fluido, desigual e dinâmico. É
subjetivo, aquilo que pertence a cada uma das existências. É representado por nossa consciência, que faz a passagem para o
mundo; isto é, é a possibilidade para a transcendência, para aquilo que vai além de nós mesmos.
2. Por que, segundo Sartre, “o homem está condenado a ser livre”?
A alternativa "A " está correta.
 
Há uma irônica fundação da liberdade, segundo Sartre. Dentro das possibilidades apresentadas pela vida, temos que sempre
tomar decisões a cada momento, mas não há como saber com absoluta certeza as consequências dessas ações que vão se
acumulando. Essa liberdade de ação é, portanto, “obrigatória”, não uma mera escolha, em que em algumas vezes podemos optar
e em outras não. Mesmo quando aparentemente não escolhemos, estamos decidindo não escolher. Não há escapatória.
MÓDULO 3
 Reconhecer as críticas ao existencialismo e sua relação com outras áreas além da Filosofia
CRÍTICAS AO EXISTENCIALISMO SARTREANO
DESDE O INÍCIO DA RUA, A MULTIDÃO SE ACOTOVELAVA PARA ENTRAR
NA SALA ONDE JEAN-SOL DARIA SUA CONFERÊNCIA.
(VIAN, 1947)
Assim, o escritor Boris Vian, em seu livro surrealista A espuma dos dias, começa a descrição da loucura que antecedeu a palestra
de “Jean-Sol Partre”, seu personagem inspirado diretamente em Jean-Paul Sartre.
Na obra de Vian (1947), recheada de imagens oníricas (do mundo dos sonhos), as pessoas usavam “vários truques” para
conseguir entrar no salão. “Alguns chegaram de carro fúnebre”, “outros caíram de paraquedas”, “outros tentaram chegar ao local
através dos esgotos”. “Eles estavam em grande número, e a sala, já cheia, continuou a receber os recém-chegados de segundo a
minuto”. Quando a hora da fala de “Partre” se aproxima, “a multidão fica febril”. Quando ele finalmente começa a palestrar, não se
escuta bem suas palavras, tantos são os cliques dos obturadores das máquinas fotográficas.
 
Fonte: František Kupka/Wikiart
 Figura 20. O Escritor
A conferência em questão, descrita por Vian com tintas de um sonho − às vezes, pesadelo −, que mostram o frisson e a euforia
digna de um astro da música, é a que aconteceu em 29 de outubro de 1945.
Nessa conferência, Sartre (1970) anunciou: O existencialismo é um humanismo. Sartre escreve e profere essa palestra para
se defender de ataques da direita (dos católicos) e da esquerda (dos comunistas). Pelos católicos, ele era acusado de só dar
atenção para as piores qualidades humanas, esquecendo-se das alegrias, mesmo que pueris, da vida. Um amargurado, enfim.
Pelos comunistas, era acusado de mostrar que não haveria alternativa possível e, assim, criar um sentimento de imobilidade nas
pessoas. De ambos os lados, era visto como um ser egoísta, que só se importava com a própria existência, sem qualquer
solidariedade com o próximo.
Mas o que é, afinal, o existencialismo sartreano e por que ele era questionado?
A RESPOSTA DE SARTRE E A DEFESA DO
EXISTENCIALISMO
Não seria exagerado dizer que a famosa frase de que a existência precede a essência é o cerne para se entender a questão.
Aliás, essa frase é repetida dez vezes de maneira literal ou com poucas modificações no curto ensaio sartreano O existencialismo
é um humanismo.
Sartre narra numa linguagem extremamente acessível que, diferentemente de qualquer outro ser, o homem existiria, já estaria
no mundo, antes de ter qualquer noção que o determinasse. Afirma que durante a tradição filosófica europeia, o homem era
definido em relação ao Deus que o criava.
Assim como, para se criar um lápis, por exemplo, deve-se respeitar determinadas características estabelecidas ao objeto, Deus,
ao criar o homem, já teria uma “receita” do que seria o homem – e todos seriam rigorosamente frutos dessa mesma produção em
série, sem defeitos.
De acordo com Sartre, esse tipo de pensamento teria vigorado até mesmo no século XVIII, quando a ideia de Deus perdeu força,
mas os filósofos ainda mantinham o conceito de uma “natureza humana”, que seria uma forma, ou uma fôrma, que produziria
homens iguais. O homem da cidade, o do campo, o indígena, os mais velhos, os jovens, as mulheres, os gays, as lésbicas, os
transsexuais, os negros, os brancos, os asiáticos, todos saindo da mesmíssima fôrma, sem qualquer diferença. Não parece
verídico.
 
Fonte: Rene Magritte/renemagritte.org
 Figura 21. O Filho do Homem
Sartre, então, fala que, como não há qualquer deus para determinar uma essência prévia, o ser humano teria uma condição
especial: só seria definido depois de nascer e se criar. De início, ele está vazio. “O homem nada mais é do que aquilo que ele
faz de si mesmo”, escreve Sartre, lembrando da nossa capacidade subjetiva, que nos diferenciaria de um “musgo, podridão ou
couve-flor”, como exemplifica (SARTRE, 1970).
A definição do homem não estaria, portanto, ligada à sua ascendência − a ser filho de fulano ou de beltrana − ou ao fato de ser
alemão, francês, americano ou brasileiro. O homem seria fruto da construção da própria vida, logo, das suas próprias
escolhas subjetivas.
É com essa ferramenta conceitual que podemos também interpretar uma frase bem famosa de Simone de Beauvoir − uma
sentença que ela usa para iniciar o capítulo “Infância”, do segundo volume da sua obra mais famosa, O segundo sexo: “Ninguém
nasce mulher: torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1967).
 
Frida Kahlo/fridakahlo.org
 Figura 22. Raízes
Partindo da ideia de Sartre, a frase não sugere que biologicamente a mulher nasce com pedaços faltando e vai se constituindo ao
longo da vida, mas que, assim como o homem, a mulher também é uma construção. E com um agravante: enquanto o homem é,
de certa forma, o padrão já estabelecido no mundo ocidental em que vivemos, a mulher precisa criar o próprio caminho, fazendo
muito mais esforço.
A primeira barreira a ultrapassar é aquela que todas as pessoas já enfrentam para se encontrar; a segunda tem a ver com a
necessidade de “descobrir” o que é ser mulher, enfrentando o machismo que tenta apagar os caminhos já trilhados por outras
mulheres.
O mesmo tipo de raciocínio pode e deve ser aplicado a todos os grupos que fogem dos padrões já estabelecidos. Qualquer
pessoa que não seja um homem, branco, heterossexual etc. tem um trabalho a mais para conseguir se encontrar e dizer quem é.
Sartre respondeu às críticas recebidas:
À primeira crítica, dos católicos, de que os existencialistas só falavam de angústia, de náusea, do absurdo, Sartre afirma que
essa famosa “angústia” é a condição do homem perante a responsabilidade que percebe diante de cada uma das suas escolhas
profundas. O peso é por saber que decide não apenas por ele – o que já seria uma tarefa bem pesada –, mas, ao mesmo tempo,
por toda a humanidade, já que ele compõe esse coletivo, e precisa imaginar o que aconteceria caso sua ação fosse repetida por
todos. Diante disso, a outra crítica também não se sustentaria.
A segunda crítica, de que o existencialismo seria um projeto egoísta e burguês, que não gera mobilização, é respondida por
Sartre a partir da constatação de que o tamanho do desespero do ser humano é imenso, tipo uma “angústia de Abraão”,
conforme aquela passagem de Kierkegaard, explicada no módulo 1. Mas, isso não impediria o existencialista de agir – ao
contrário. Para Sartre, é essa liberdade de não ser amparado por nenhuma fantasia ou ficção que torna o homem capaz de
enfrentar verdadeiramente as suas questões. Se ele estivesse ainda sob a tutela de uma força que se coloca como “superior” –
como um deus ou até mesmo um governo autoritário –, o homem não poderia agir livremente. A liberdade pode atéser um peso,
mas é a única condição de existência verdadeiramente possível.
DIÁLOGO ENTRE O EXISTENCIALISMO DE SARTRE E A
OBRA DE CAMUS
O projeto conceitual de Sartre não é exatamente o mesmo do escritor Albert Camus, mas apresenta semelhanças com a ideia do
absurdo tratada na obra de Camus, que, entretanto, negava fazer parte da aventura existencialista de Sartre, apesar de os dois
terem compartilhado trajetórias por um bom tempo.
Além de escrever obras ficcionais como O estrangeiro e A peste e peças de teatro como Calígula ou Estado de sítio, Camus
também enveredou por ensaios mais filosóficos, como é o caso do já citado O homem revoltado e de O mito de Sísifo. O pequeno
livro O mito de Sísifo começa com uma frase bem impactante: “Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio.”
(CAMUS, 2004).
O assunto da obra é saber se a nossa vida vale a pena ser vivida ou não − essa seria a principal tarefa de uma filosofia da época
de Camus, em que não há mais um deus qualquer para dizer quais são os caminhos a serem tomados, o que é bom ou mau, o
que é certo ou errado.
No capítulo final, que carrega o título do livro, ele conta a história do personagem da mitologia grega condenado a empurrar
eternamente uma pedra morro acima apenas para vê-la descer de volta ao sopé quando chega no topo, fazendo com que o seu
trabalho recomece, num processo cíclico e interminável.
 
Fonte: Franz von Stuck/Wikimedia
 Figura 23. O Suplício de Sísifo
Seria fácil fazer de Sísifo uma espécie de metáfora ou imagem da existência humana. Visto de uma perspectiva mais fatalista, o
homem também não teria qualquer tipo de finalidade predeterminada e, portanto, seria condenado ao tédio da repetição diária.
Sua vida cotidiana seria tão banal quanto a de uma pessoa que empurra uma pedra sabendo que nunca vai alcançar o fim da
tarefa.
Entretanto, Camus quer enxergar uma outra perspectiva, que não é tão óbvia assim. Para entendê-la, é essencial conhecer
bem o personagem em questão. Camus menciona que Sísifo era considerado o mais sábio e prudente dos mortais e, segundo
algumas versões do mito grego, teria sido condenado ao castigo eterno por ter espalhado o segredo dos deuses. Em todas as
variantes do mito, contudo, nele haveria um desprezo pelos deuses, um amor à vida e um ódio à morte. Esse Sísifo retomado por
Camus mostra não um homem amargurado ininterruptamente com o trabalho repetitivo, mas alguém que acha que, mesmo
nessa trilha tão estreita, as possibilidades da vida ainda não estão esgotadas – e nunca estarão.
Sísifo expulsa os deuses da sua vida e “faz do destino um assunto do homem e que deve ser acertado entre os homens” – ele é,
portanto, o “dono do seu destino”, “senhor dos seus dias”. É nessa liberdade de não ser mandado por ninguém, de ser livre, que
Camus encerra o seu pequeno livro afirmando: “É preciso imaginar Sísifo feliz.” (CAMUS, 2004)
 
Fonte: Edvard Munch/Wikiart
 Figura 24. A Dança da Vida
Neste vídeo, assistiremos uma perfomance sobre o mito de Sísifo na perspectiva existencialista.
O EXISTENCIALISMO SARTREANO E OUTROS NOMES DA
LITERATURA
Essa associação de Camus com o existencialismo à sua revelia é um capítulo à parte na história do movimento na Europa do
século XX. Outros nomes também foram arrastados para o grupo por Sartre sem que ninguém perguntasse se queriam fazer
parte do clube.
O caso de Heidegger é um clássico: além de ser citado como o principal exemplo de existencialista ateu no ensaio sartreano O
existencialismo é um humanismo, ele é lembrado outras duas vezes, numa tentativa de tradução de seu Dasein (que Sartre
chama de “realidade humana”, para desgosto de Heidegger) e quando se fala em desamparo. O filósofo alemão, que não gostava
de ser comparado a alguém ou a algum movimento, não gostou de ser etiquetado como existencialista. Ele se imaginava fazendo
algo além da mera construção de uma escola de pensamento.
Heidegger respondeu à polêmica com outro ensaio, a Carta sobre o humanismo, em que afirma que o procedimento
existencialista sartreano ainda queria colocar o homem no centro da discussão, fazendo uma leitura filosófica extremamente
enviesada e errada.
Para Heidegger, era importante focar na relação entre o homem e o mundo – e esse “entre” era o ponto de vista que deveríamos
adotar. Tal crítica, junto a outras interpretações sobre o ensaio que desagradaram a Sartre, fizeram o francês renegar o seu texto
mais famoso (O ser e o nada) – caso inédito em toda a sua trajetória intelectual.
Há estudiosos que conseguem fazer uma linhagem ainda mais extensa do que seria o existencialismo e colocar mais nomes
dentro dessa definição. Alguns autores voltam até os gregos da idade clássica para tentar apontar quem fazia ou não parte desta
corrente de pensamento.
Se o existencialismo significa a tomada de consciência diante da ausência de um ente superior que predetermina o que é o certo
ou o errado, exigindo que se arque com o peso dessa responsabilidade, posto que devemos tomar as atitudes “sozinhos”, então
muita gente poderia ser chamada de existencialista. Em uma analogia bem-humorada, até mesmo o grupo de pagode Só Pra
Contrariar entraria na lista ao cantar “O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade?”.
 
Fonte: Edvard Munch/Wikiart
 Figura 25. Friedrich Nietzsche
Para Kaufmann (1956), que fez um apanhado de obras dos séculos XIX e XX que representariam o ethos (o tipo de atmosfera
filosófica) existencialista, esse movimento não é uma filosofia, mas uma “antifilosofia” de revolta contra a tradição filosófica
estabelecida. E se esse ethos aparece antes, foi nesse período, entre o século XIX e o XX, que ele se concretizou como um
protesto e uma preocupação mais sólida.
Há quem sugira, ainda, que o existencialismo não seja exatamente um movimento filosófico, mas cultural, que passa também
pela literatura e por todas as demais áreas da sociedade. O próprio Sartre diz que a palavra estava “na moda”: havia virado uma
espécie de adjetivo associado à época, sem muita preocupação de explicar o que queria dizer. “Qualquer um afirma sem
hesitação que tal músico ou tal pintor é existencialista”, caçoa Sartre (1970).
Verdadeiramente, a palavra existencialismo fez o incomum trajeto para fora dos limites das discussões acadêmicas. Povoou um
imaginário ligado a uma vida boêmia com sotaque francês, num café ou bar com muita fumaça de cigarro, em discussões
intelectuais sobre o sentido da vida, ao som de jazz, numa atmosfera criativa, angustiada e, principalmente, de liberdade.
Mas, não ficou restrito apenas à França, obviamente. No Brasil, por exemplo, o livro O encontro marcado, publicado em 1956,
recria literariamente as memórias de infância e juventude do escritor mineiro Fernando Sabino junto aos seus amigos, e mostra
o quanto eles gostavam de se juntar para “puxar angústia”. No livro, o protagonista Eduardo Marciano explica: “Puxar angústia
era abordar um tema habitual, como el sentimiento trágico de la vida, le recherche du temps perdu, to be or not to be”. O
que ele menciona, recorrendo a citações mais ou menos eruditas da literatura espanhola, francesa e inglesa, é uma coleção das
questões bem características dos existencialistas. Depois, Marciano exemplifica melhor os “temas habituais” das conversas com
seus amigos: o “efêmero da existência”; a “incidência no tempo e no espaço: a inexorabilidade do fortuito na vida de cada um”
(para explicar as contingências da vida, ou como nada é programado de antemão); o “tempo em face da eternidade.” (SABINO,
1981)
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EL SENTIMIENTO TRÁGICO DE LA VIDA
Tradução: “o sentimento trágico da vida.”
LE RECHERCHE DU TEMPS PERDU
Tradução: “A busca pelo tempo perdido.”
TO BE OR NOT TO BE
Tradução: “Ser ou não ser.”
FERNANDO SABINO
Fernando Sabino (1923-2004): escritor, jornalista e editor mineiro premiado nacionalmente e conhecido por seus contos
literários.
Não há, porém, melhorexemplo da popularidade do existencialismo no Brasil do que a marchinha Chiquita bacana, sucesso do
carnaval já em 1949 – apenas quatro anos depois do texto referência de Sartre –, composta por Braguinha. Diz a letra: “Chiquita
bacana lá da Martinica / Se veste com uma casca de banana nanica / Não usa vestido, não usa calção / Inverno pra ela é pleno
verão / Existencialista com toda razão / Só faz o que manda o seu coração.”
BRAGUINHA
Carlos Alberto Ferreira Braga (1907-2006): compositor, cantor e produtor musical brasileiro também conhecido como João
de Barro e Braguinha.
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Fonte: Marcel Gautherot/IMS
 Figura 26. Bloco de rua na Avenida Rio Branco. 
Rio de Janeiro, anos 1950
Há, nesse trecho, um caráter libertário, que não aparece nas discussões angustiantes do livro de Sabino. Ou seja, mesmo que as
intempéries da vida sempre existam – por exemplo, o inverno não parou de esfriar as temperaturas –, ela ressignifica as
condições adversas. O existencialismo, para Chiquita, é um modo de ser, mas feito a partir da razão, não seguindo a “moda” nem
algum deus ou manada, porque ela “só faz o que manda o seu coração”. A marchinha alcançou sucesso internacional a ponto de
ser gravada na França − era o existencialismo voltando para o berço de sua fundação.
Como pudemos perceber, portanto, o existencialismo extrapolou o campo da Filosofia e se tornou importante influência na
literatura e na música, não só na Europa mas também no cenário cultural brasileiro.
Como você pôde perceber, o pensamento existencialista tem estreita relação com a Arte. Assista ao vídeo e perceba, por meio da
dramatização, como as ideias apresentadas podem ser expressadas também pela linguagem artística.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. EM QUAL ALTERNATIVA É POSSÍVEL RECONHECER CORRETAMENTE UMA DAS CRÍTICAS QUE
O EXISTENCIALISMO SARTREANO RECEBEU?
A) Os católicos acusavam o existencialismo de Sartre de ser solidário às dores da humanidade, mas de produzir um pensamento
e uma atitude otimistas e demasiadamente alegres diante da vida.
B) O existencialismo de Sartre era acusado de só dar atenção às piores qualidades humanas, esquecendo-se das alegrias da
vida.
C) Os comunistas criticavam o existencialismo sartreano por ser marcado pela amargura e por manifestar solidariedade somente
aos ricos.
D) O existencialismo sartreano era muito engajado nas ações de solidariedade com o próximo, por isso o comunismo o
enxergava como um rival no cenário político.
2. O LIVRO O ENCONTRO MARCADO, DO ESCRITOR MINEIRO FERNANDO SABINO, E A LETRA DA
MÚSICA CHIQUITA BACANA, DE BRAGUINHA, ILUSTRAM:
A) A banalização do pensamento de Sartre na cultura popular e o reconhecimento de que as questões existenciais são temas
apenas para a Filosofia.
B) A influência do existencialismo apenas na cultura europeia.
C) Temas existencialistas como a efemeridade da vida, a angústia, a decisão e a liberdade de guiar a sua própria vida, entre
outros.
D) Assuntos existencialistas tratados com uma linguagem filosófica e um enfoque acadêmico.
GABARITO
1. Em qual alternativa é possível reconhecer corretamente uma das críticas que o existencialismo sartreano recebeu?
A alternativa "B " está correta.
 
O existencialismo de Sartre foi criticado pelos católicos por ser demasiadamente amargurado e preso às angústias e problemas
da vida, sem espaço para a alegria. Já os comunistas criticavam sua falta de engajamento e poder de movimentar as pessoas
para a ação política. E ambos acusavam Sartre de egoísta e de ser voltado apenas para a questão da existência.
2. O livro O encontro marcado, do escritor mineiro Fernando Sabino, e a letra da música Chiquita bacana, de Braguinha,
ilustram:
A alternativa "C " está correta.
 
A influência do existencialismo pode ser reconhecida na literatura e na música brasileiras, seguindo uma tendência no século XX
de se encontrar temáticas existencialistas até mesmo na cultura pop. No caso do livro do escritor mineiro Fernando Sabino,
temos questões como a brevidade da vida e a angústia, enquanto, na marchinha de carnaval do compositor Braguinha, temos a
decisão sobre a sua própria vida, seguir o próprio coração, ser livre.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O existencialismo, sem sombra de dúvida, foi mais do que uma “moda”, como ironizou Sartre. Desde Kierkegaard no século XIX
até os anos pós-guerra no século XX, foram desenvolvidos no movimento conceitos sólidos que mudaram a maneira como o
pensamento ocidental se portava. Antes, a Filosofia parecia estar muito distante das preocupações que aconteciam fora dos
muros universitários. Com o existencialismo, percebe-se que as agruras ou angústias mais comuns eram tão dignas de serem
pensadas filosoficamente como os temas clássicos da tradição, numa busca do entendimento dos problemas humanos e para dar
mais autonomia às pessoas.
A ideia de que não havia uma determinação “anterior”, “genética”, ou “metafísica” para saber o que torna uma pessoa quem ela é
foi tornada popular. As pessoas eram, ou poderiam ser, verdadeiramente livres – e deveriam arcar com as consequências das
suas atitudes. Se não sozinhas, já que estamos sempre dentro de uma comunidade, como sujeitos das próprias vidas.
O existencialismo, contudo, não se restringiu apenas ao pensamento institucionalizado acadêmico: foi, principalmente, um modo
de vida – e aí, sim, Sartre talvez esteja errado. Porque foi também uma moda, não no sentido de algo descartável, infantil, bobo,
mas no sentido de marcar uma época, com gostos, preocupações e até o jeito de se vestir. Assim, essas diferentes
manifestações e a dificuldade imensa de defini-lo com exatidão nos faz sugerir que o existencialismo precedeu sua própria
essência.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO, L. D. O absoluto em Hegel. In: Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia, UFSCar, São
Carlos, v. IX, 2013.
BEAUVOIR, S. O segundo sexo: II. A experiência vivida. São Paulo: Difusão europeia do livro, 1967.
CAMUS, A. O mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2004.
DRESSER, S. Sartre rompeu com Camus ao defender a violência revolucionária da esquerda. In: Folha de S. Paulo,
Ilustríssima, São Paulo, 5 set. 2017.
KAUFMANN, W. (Org). Existentialism from Dostoevsky to Sartre. New York: Meridian Books, Inc., 1956.
KIERKEGAARD, S. A. Temor e tremor. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os pensadores.)
KRAUSE, G. B. G. Fenomenologia. In: CEIA, C. (org.) E-dicionário de termos literários. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa,
2009.
LLOSA, M. V. O passado imperfeito. In: El país, São Paulo, 26 jul. 2014.
SABINO, F. Encontro marcado. 34. ed. Rio de Janeiro: Record, 1981.
SARTRE, J-P. A náusea. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
SARTRE, J-P. L’Existentialisme est un Humanisme. Paris: Les Éditions Nagel, 1970.
VIAN, B. L'écume des jours. Paris: Gallimard, 1947.
EXPLORE+
Leia o mais famoso ensaio de Jean-Paul Sartre, O existencialismo é um humanismo, que criou limites muito claros para a
definição do tipo de pensamento ao qual o filósofo francês queria se associar.
Aprofunde os estudos sobre a relação entre fenomenologia e existencialismo lendo o artigo Fenomenologia e
existencialismo: articulando nexos, costurando sentidos, de Ariane Ewald.
CONTEUDISTA
Ronaldo Pelli Junior
 CURRÍCULO LATTES
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