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SAÚDE MENTAL PROFA. MA. FRANCIELE CABRAL LEÃO MACHADO Reitor: Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira Pró-Reitoria Acadêmica Maria Albertina Ferreira do Nascimento Diretoria EAD: Prof.a Dra. Gisele Caroline Novakowski PRODUÇÃO DE MATERIAIS Diagramação: Alan Michel Bariani Thiago Bruno Peraro Revisão Textual: Fernando Sachetti Bomfim Olga Ozaí da Silva Simone Barbosa Produção Audiovisual: Adriano Vieira Marques Márcio Alexandre Júnior Lara Osmar da Conceição Calisto Gestão de Produção: Cristiane Alves © Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114 Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo (a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá. Primeiramente, deixo uma frase de Sócrates para reflexão: “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida.” Cada um de nós tem uma grande responsabilidade sobre as escolhas que fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica e profissional, refletindo diretamente em nossa vida pessoal e em nossas relações com a sociedade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente e busca por tecnologia, informação e conhecimento advindos de profissionais que possuam novas habilidades para liderança e sobrevivência no mercado de trabalho. De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos proporcionando momentos inesquecíveis. Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Distância, a proporcionar um ensino de qualidade, capaz de formar cidadãos integrantes de uma sociedade justa, preparados para o mercado de trabalho, como planejadores e líderes atuantes. Que esta nova caminhada lhes traga muita experiência, conhecimento e sucesso. Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira REITOR 33WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 01 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................4 1. A HISTÓRIA DA LOUCURA .......................................................................................................................................5 2. REFORMA PSIQUIÁTRICA .......................................................................................................................................8 2.1 REFORMA PSIQUIÁTRICA NO CONTEXTO BRASILEIRO ................................................................................... 11 3. LEGISLAÇÃO NACIONAL DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE MENTAL .......................................................................... 15 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................... 16 A HISTÓRIA DA LOUCURA E A REFORMA PSIQUIÁTRICA PROFA. MA. FRANCIELE CABRAL LEÃO MACHADO ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: SAÚDE MENTAL 4WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Para compreendermos o que hoje chamamos de “saúde mental”, não podemos deixar de considerar que esse termo se refere a um contexto histórico, social, político e cultural específico. Na história da humanidade, a loucura sempre existiu, mas nem sempre foi chamada de “transtorno mental”. A partir do resgate de aspectos históricos da Psiquiatria, da Saúde Mental, do cuidado e da assistência à saúde, nesta unidade buscaremos interpretar a loucura a partir de sua historicidade: os rituais e crenças da Idade Média, a grande internação na sociedade industrial, a apropriação médica da loucura como doença a partir da Revolução Francesa, assim como conhecer as experiências de reformas psiquiátricas nos contextos mundial e brasileiro, que resultaram na maneira como hoje compreendemos o cuidado em saúde mental. Ainda nesta unidade e, seguindo a linha do tempo, buscaremos apreender as legislações vigentes para a criação de políticas públicas no Brasil, que contemplam os direitos de pessoas com transtornos mentais ao acesso a tratamentos nos serviços de saúde e inclusão social, conhecendo a organização e as diretrizes da assistência em saúde mental no País. 5WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. A HISTÓRIA DA LOUCURA Um dos principais autores citados quando o assunto é a história da loucura é Michel Foucault (1926-1984), que dedicou seus estudos em filosofia e história para descrever como a sociedade lida com os “loucos”. A publicação do livro “História da loucura na idade clássica”, em 1961, inicia o questionamento: afinal de contas, qual é a linha que separa o “normal” do “patológico”? O autor escancara a exclusão social ao evidenciar como o conceito de doença mental oscilou ao longo do tempo e das mudanças culturais. A loucura não pode ser encontrada no estado selvagem. A loucura só existe em uma sociedade, ela não existe fora das normas de sensibilidade que a isolam e das formas de repulsa que a excluem ou a capturam (FOUCAULT, 2006, p. 163). Foucault não buscou estruturar um conhecimento sobre a loucura, nem qualquer forma de patologização, mas a define a partir da maneira como a sociedade lida com esse fenômeno, destacando a exclusão como maneira hegemônica em diversos contextos (PROVIDELLO; YASUI, 2013). Tendo como base o argumento de Foucault (2006) de que a loucura é concebida pela sociedade em consonância com os interesses políticos, econômicos e culturais, iremos conhecer um breve histórico da loucura, partindo da Idade Média até o momento atual. A Idade Média compreende o período histórico entre os séculos V e XV e, durante esse momento, os registros históricos expressam que a sociedade considerava os loucos como aqueles que, de forma extravagante, falavam a verdade. De uma forma geral, eles pertenciam ao cenário social e havia uma aceitação da linguagem da loucura (PROVIDELLO; YASUI, 2013). No entanto, o aprisionamento sempre existiu. Havia práticas médicas, mágicas e religiosas (exorcismo, queimar como bruxos, acorrentar) para a loucura, e muitos que não eram protegidos por suas famílias vagavam pelos campos e cidades. Nesse período, os rituais e crenças eram diversos. 6WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 1 - O Navio dos Loucos. Fonte: Bosch (1450 — 1516). Com o declínio das atividades artesãs, o êxodo rural (devido à queda do Feudalismo) e o início da Revolução Industrial e do capitalismo, as cidades aumentaram e a população cresceu, assim como o número de pessoas que não se encaixavam nessa nova ordem social, aumentando também o número de pessoas sem moradia, “desocupados”, “mendigos”, “vagabundos” e os loucos (MINAS GERAIS, 2006). Nesse período, ao final do século XVIII, inicia o que Foucault (2006) chamou de “a grande internação”, que se constituiu numa forma universal e predominante de “tratar” os loucos, consistindo no isolamento social, torturas físicas e psicológicas. Há um grande aumento de asilos e instituições psiquiátricas nos quais os desmoralizados, pessoas com doenças venéreas, lascivos, blasfemadores e suicidas eram internados, e a loucura se misturou a outras experiências que tinham a “desrazão” como ponto comum (PROVIDELLO; YASUI, 2013). Dentro desses asilos e instituições, não necessariamente voltados para o cuidado em saúde, a conduta era predominantemente punitiva. A ideia era que esse problema, de ordem social, fosse corrigido moralmente através da repressão e castigo (MINAS GERAIS, 2006). Esse modelo só foi repensado após a Revolução Francesa, ao final do século XVIII. A partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, as pessoas passaram a ser consideradas como iguais perante a sociedade e não se tolerava mais aprisionar cidadãos deliberadamente (a não ser que eles fossem loucos!) 7WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Sob o discurso de periculosidade e de ameaça à sociedade, os loucos não foram incluídos nessanova ordem social; no entanto, agora já não eram vistos como pecadores, mas, sim, como doentes que careciam de tratamento. Com a finalidade de curar a loucura, as instituições de internação se especializaram e, assim, nasceram o manicômio e a especialidade médica da psiquiatria. Com os loucos agrupados, iniciou-se o trabalho clínico de observação, descrição de sintomas e categorização de doenças. No entanto, não houve evolução terapêutica. Mesmo com a denominação de diversos transtornos mentais que embasam a psiquiatria tradicional, a punição continuou sendo o único recurso destinado a essas pessoas (MINAS GERAIS, 2006). Nos manicômios ou hospitais psiquiátricos, realizava-se então o chamado ‘tratamento moral’. A doença do alienado o teria feito perder a distinção entre o bem e o mal; para ser curado, ele deveria reaprendê-la. Portanto, a cada vez que cometesse um ato indevido devia ser advertido e punido, para vir a reconhecer seus erros: quando se arrependia deles e não os cometia mais, era considerado curado. Sempre seguindo Foucault, podemos notar aqui algumas contradições curiosas. Primeiro, embora se diga que o louco não é culpado de sua doença, ele é tratado para tornar-se capaz de sentir culpa! Segundo, embora se diga que a punição foi substituída pelo tratamento, na verdade, a punição passa a fazer parte do tratamento (MINAS GERAIS, 2006, p. 24). No entanto, esse cenário começa a mudar ao final da 2ª Guerra Mundial. Os crimes contra a humanidade, cometidos pelo nazismo nos campos de concentração, chocaram o mundo todo, assim como a condição dos hospícios. Inicia-se no mundo todo um movimento em prol de estados democráticos e da luta por direitos humanos. Inicia-se a Reforma Psiquiátrica. Veja como a forma de descrever a loucura muda conforme a sociedade. Na Antiguidade, os loucos eram vistos como pessoas iluminadas pelos deuses, que traziam mensagens e revelações. Com o passar do tempo e principalmente devido aos interesses políticos e econômicos, a exclusão social contribuiu para que fossem vistos como pessoas perigosas, que necessitavam de cura. Quais avanços tivemos desde então? Será que realmente deixamos esse modelo para trás? O que você pensa sobre isso? Ao longo do curso, veremos que a loucura não precisa de cura, mas, sim, de cuidado! 8WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2. REFORMA PSIQUIÁTRICA A sociedade estava traumatizada com as guerras, que, além de todas as perdas envolvidas, também geraram danos à saúde mental dos jovens, os quais precisavam estar bem para contribuir à recuperação econômica, política e social com sua força de trabalho (MINAS GERAIS, 2006). O movimento pela reforma psiquiátrica se dá nesse contexto e reverbera até os dias atuais. Existem três esferas da Reforma Psiquiátrica que são importantes de compreender para analisar como está o contexto brasileiro e identificar o projeto ideal para o qual caminharemos em busca de realização. São eles: ➢ As reformas dos hospitais psiquiátricos, como a psicoterapia institucional e as comunidades terapêuticas: essas experiências se deram na França, que, apostando no vínculo terapêutico como reorganizador do manicômio, passou a promover festas, atividades artesanais etc. Já na Inglaterra, as comunidades terapêuticas buscaram a democratização das relações, dando espaços de voz para a expressão dos pacientes. O que elas têm em comum é democratizar as relações interpessoais e o respeito ao ser humano, porém, não questionavam as condições de vida da pessoa com transtorno mental no mundo externo e não propunham acompanhamento pós-alta (MINAS GERAIS, 2006). ➢ As reformas que buscam acoplar serviços extra-hospitalares ao hospital: nesse caso, houve as experiências da Psiquiatria de Setor na França, que construiu a ideia de cuidado no território, ou seja, dentro e fora do hospital, promover o acompanhamento por uma mesma equipe de Saúde Mental, com lares de pós-cura e centros de Saúde assistidos por equipes multidisciplinares. Já nos EUA, a psiquiatria preventiva atuou de forma a evitar internações, instituindo outros serviços de assistência à saúde mental. Ambos os movimentos visaram reduzir a importância do manicômio, criando outros serviços e valorizando aspectos psicossociais (MINAS GERAIS, 2006). ➢ As reformas que rompem com as anteriores, questionando o conjunto de saberes e de práticas da psiquiatria vigente: ambas defendem a extinção dos manicômios e tecem críticas ao saber hegemônico a respeito da saúde mental, trazendo uma nova reflexão sobre a loucura, não mais como doença, mas como uma reação aos desequilíbrios familiares e à alienação social (MINAS GERAIS, 2006). 9WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 2 – Marco Cavallo (1973). Fonte: Amazon (2018). Franco Basaglia é considerado a figura-símbolo da Reforma Psiquiátrica. Na cidade de Trieste, comandou o desmonte de um grande hospital, ao mesmo tempo em que se construíram, para os ex-internos, saídas para o seu retorno ao convívio social. Centros de Saúde Mental funcionando 24 horas por dia, em regime aberto, passaram a atender todos os casos que antes procuravam o hospital, mesmo – e principalmente! – os mais graves. Criaram-se possibilidades de trânsito, trabalho, cultura e lazer para os usuários na cidade. Para isto, foi preciso criticar a apropriação do fenômeno da loucura feita pelos saberes médicos e psicológicos. Na concepção da psiquiatria democrática, os muros do manicômio simbolizavam toda a dominação das palavras, ações e decisões dos ditos loucos feita em nome da ciência. Portanto, tratava-se de assegurar aos portadores de sofrimento mental um espaço real de cidadania – ou seja, propiciar- lhes o lugar de protagonistas de uma transformação social, retomando suas próprias vidas, como legítimos habitantes da cidade. Todo este movimento resultou também na aprovação da lei nº 180, de 1878, que proíbe a construção de novos hospitais psiquiátricos na Itália (MINAS GERAIS, 2006, p. 26). 10WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Na Figura 2, vemos Franco Basaglia, um dos principais nomes da Reforma Psiquiátrica, ajudando a levar uma escultura de papel machê feita por artistas e por residentes do hospital psiquiátrico San Giovaninni, em Trieste, na Itália, em 1973. Esse foi um marco importante da reforma psiquiátrica, que simbolizou o rompimento (literal, pois partes das cercas do hospital foram derrubadas para abrir caminho para o cavalo) com as instituições psiquiátricas que aprisionavam as pessoas acometidas por doença mental. O primeiro passeio de Marco Cavallo para fora do asilo levou todos aqueles que, do lado de dentro, o construíram e o pintaram. As reformas psiquiátricas aconteceram em momentos de inquietação política e cultural e foram um importante movimento coletivo em benefício da saúde mental, com repercussão no mundo todo. As conquistas para as pessoas com transtornos mentais foram notórias, principalmente no que diz respeito a direitos civis e dignidade humana. No entanto, Minas Gerais (2006) alerta que esse processo desafia interesses poderosos, encontrando obstáculos políticos (veja só: em 2006 já se interpretava assim!) e um momento de grande imobilismo. Isso porque, na ausência de organizações coletivas e de pressão social, os governos não cumprem com as políticas públicas outrora propostas, ao mesmo tempo em que nossa sociedade vive um crescente avanço cientifico e um empobrecimento cultural. No próximo tópico, vamos nos ater ao contexto brasileiro, em como a Reforma Psiquiátrica chegou ao Brasil e quais mudanças ocorreram a partir de então. Para mais informações sobre a história da loucura, leia: MUCHAIL, S. T.; FONSECA, M. A.; VEIGA NETO, A. O mesmo e o outro: 50 anos de História da loucura. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. O material está disponível em https://integrada.minhabiblioteca. com.br/#/books/9788582171097/cfi/4!/4/4@0.00:43.6.11WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2.1 Reforma Psiquiátrica no Contexto Brasileiro O início da assistência à saúde mental no Brasil foi marcado pela construção do Hospício Pedro II, em 1852, no Rio de Janeiro. Tal espaço, destinado aos alienados, assinalava as necessidades impostas pelo progresso do Império, após a chegada da Família Real ao Brasil, e pela ideia de civilização como caminho para o desenvolvimento. Figura 3 – Hospício Pedro II (1852), Rio de Janeiro. Fonte: MAPA (2016). Após a construção do Hospício Pedro II, outros hospitais foram construídos em São Paulo, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais. “Assim, também no Brasil, a ideologia da instituição psiquiátrica tendeu desde o início para a exclusão” (MINAS GERAIS, 2006). As condições sanitárias eram precárias e desumanas. Ao final da década de 1950, havia superlotação, maus-tratos, falta de vestuário e de alimentação, além da falta de profissionais. 12WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Durante o regime militar, de 1964 até 1970, houve um aumento da iniciativa privada nas instituições psiquiátricas, sendo altamente lucrativo. Esse período ficou conhecido como “indústria da loucura”, quando se patologizaram dificuldades de ordem social. “Os gastos públicos com internações psiquiátricas ocupavam o 2º lugar entre todos os gastos com internações pagas pelo Ministério da Saúde. Eram raras alternativas de assistência – mesmo as mais simples, como o atendimento ambulatorial” (MINAS GERAIS, 2006, p. 30). Nos anos 1970, denúncias dessa situação desumana surgiram, sob influência do processo de democratização do País e construção do SUS. Os próprios profissionais de saúde engajaram mudanças na assistência à saúde mental, organizando o Movimento de Trabalhadores em Saúde. Não deixe assistir a este filme, que está disponível em plataformas de streaming. Ele conta a história de Nise da Silveira, uma médica alagoana, que começou a trabalhar no Hospital Pedro II e não aceitou o tratamento oferecido pelo corpo clínico do hospital, que consistia em eletrochoques, camisas de força e isolamentos. Ela, então, passou a tratar essas pessoas com Terapia Ocupacional, iniciando sua própria Reforma naquele hospital. Após assistir ao filme, note que o Hospital Pedro II ainda existe e atende residentes internados há 30 anos, que perderam contato com suas famílias, internação transitória e regime ambulatorial. Fonte: Adoro Cinema (2016). Dentre as primeiras denúncias feitas pelos trabalhadores, no contexto brasileiro, destaca-se que, em abril de 1978, ocorre o episódio conhecido como crise da DINSAM. Foi um acontecimento que, segundo cronologia proposta por Amarante (1995), ficaria marcado como o estopim do movimento da Reforma Psiquiátrica, no Brasil; nessa ocasião, os profissionais vinculados às quatro unidades da Divisão (Centro Psiquiátrico Pedro II, Hospital Pinel, Colônia Juliano Moreira e Manicômio Judiciário Heitor Carrilho) deflagraram uma greve, mas um fato anterior e importante para tal decisão fora o registro feito por três médicos do Centro Psiquiátrico Pedro II, no livro de ocorrências da instituição, das irregularidades daquele hospital, expondo publicamente a situação. A greve culminaria na demissão de 260 estagiários e profissionais que já vivenciavam condições precarizadas de trabalho, além da publicização da violência dos manicômios e um relativo alcance de divulgação, na mídia nacional (BAZARGHI, 2018, p. 45). 13WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Em 1979, a discussão sobre a situação deplorável dos manicômios ganhou notoriedade no III Congresso Mineiro de Psiquiatria, ocorrido em Belo Horizonte, com a presença de Franco Basaglia e Robert Castel, e com a participação de usuários, familiares, jornalistas e sindicalistas (MINAS GERAIS, 2006, p. 30). Nessa ocasião, Franco Basaglia visitou o hospital colônia de Barbacena e o comparou aos campos de concentração nazistas, chamando-o de “o holocausto brasileiro.” Tal denúncia repercutiu e tornou a reforma psiquiátrica mais incisiva no Brasil. Figura 4 – Hospital Colônia de Barbacena. Fonte: Alfredo (2019). A luta antimanicomial no Brasil visava a eliminar a maneira desumana como os pacientes psiquiátricos eram tratados e foi fomentada também: pela Reforma Sanitária; pela VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986; pela I Conferência de Saúde Mental, em 1987, na cidade de Bauru; pelo II Encontro dos Trabalhadores em Saúde Mental; e pela Declaração de Caracas, em 1990, em que a OMS reuniu vários países “por uma sociedade sem manicômios” (MASTROROSA; PENHA, 2014). Desde o início da reforma psiquiátrica no Brasil, destaca-se a importância dos profissionais de saúde nas denúncias e engajamento no movimento. Por isso, convidamos você, futuro(a) profissional de saúde, a se engajar nesse processo que carece de constante fortalecimento. Mais adiante, iremos falar sobre os mitos relacionados aos transtornos mentais, como o de incapacitação e periculosidade, que ainda designam o tratamento oferecido por profissionais a essas pessoas. Esperamos que sua caminhada seja pautada no respeito aos direitos humanos e na humanização da assistência à saúde. Após a realização do Congresso em Bauru, o movimento de Reforma Psiquiátrica deixa de ser apenas de profissionais da saúde e passa a envolver as associações de usuários e familiares, estudantes, artistas e população em geral. Surge o lema “Por uma sociedade sem manicômios” e a definição do dia 18 de maio como o dia nacional da luta antimanicomial (BAZARGHI, 2018). 14WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A Reforma Psiquiátrica empreende a superação do modelo hospitalocêntrico, sustentada nos seguintes princípios, que foram descritos na Linha-Guia de Atenção em Saúde Mental pelo governo do Estado de Minas Gerais (2006): • O respeito à singularidade de cada história e sujeito. • A crítica ao tecnicismo: a Reforma Psiquiátrica é um movimento social contra a discriminação e a violência com que se tratam os portadores de sofrimento mental. • A superação do hospital psiquiátrico: considerando que, desde o início, o hospital psiquiátrico funcionou como mecanismo de exclusão e isolamento das pessoas ”inadequadas” perante a sociedade e nunca ofereceu um cuidado ou “tratamento” eficaz, fomentamos a proposta de um modelo assistencial que dispensa o hospital psiquiátrico. Os serviços substitutivos em saúde mental resultam na liberdade, participação social e cidadania de seus usuários. São chamados de rede, pois constituem o conjunto de ações e de equipamentos necessários a cada município para que não se necessite do recurso ao hospital: os Centros de Atenção Psicossocial – os CAPS –, os Centros de Convivência, as Moradias (protegidas ou não), os Núcleos de Produção Solidária, as unidades básicas de saúde etc. • A presença na cultura: a ocupação dos espaços públicos por pessoas com sofrimento mental é valiosa tanto para eles como para a própria sociedade, que pode ser educada para a aceitação das diferenças e solidariedade. • A interlocução constante com os movimentos sociais. • A defesa do Sistema Único de Saúde: entendendo a Saúde como direito do cidadão e dever do Estado, os serviços substitutivos devem constituir uma rede pública, destinada ao atendimento de todo e qualquer cidadão que os procure. • A perspectiva da intersetorialidade: a prática de políticas públicas de efetivo alcance social é indispensável, permitindo uma abordagem intersetorial dos diferentes aspectos envolvidos na abordagem do sofrimento mental. Esses aspectos envolvem a moradia, o trabalho, o lazer, a educação etc., construindo uma rede de suporte para as pessoas mais vulneráveis. • A luta pela transformação social: defender os direitos dos portadores de sofrimento mental. 15WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | UNI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 3. LEGISLAÇÃO NACIONAL DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE MENTAL Em 1989, o deputado estadual Paulo Delgado apresentou o projeto de lei que ficou em tramitação durante 12 anos e, apenas em abril de 2001, foi aprovado e denominado de Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira (Lei 10.216/2001). Essa lei reorienta o modelo de assistência à saúde mental e dispõe sobre a proteção e os direitos da pessoa com transtorno mental: [...] I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental (BRASIL, 2001). A finalidade almejada por essa lei é substituir o cuidado em saúde mental centrado nos hospitais e manicômios, que serviam também como prisão, por um modelo comunitário e territorial, aberto para a entrada e saída dos usuários. Esse caminho de reinserção social exigiu outras políticas públicas e a formatação de uma rede de cuidados substitutivos. A desinstitucionalização dos hospitais, isto é, a retirada das pessoas da prisão manicomial foi (e é) um processo longo. Muitas pessoas que foram internadas na década de 1970 não possuíam mais vínculo familiar, foram abandonadas nos hospitais e, mesmo que em situação estável, acumulavam 30 ou 40 anos de internação nos manicômios. Em 2003, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou a Lei 10.708, que instituiu o auxílio de reabilitação psicossocial, tendo como principal objetivo o processo de reinserção social: Fica instituído o auxílio-reabilitação psicossocial para assistência, acompanhamento e integração social, fora de unidade hospitalar, de pacientes acometidos de transtornos mentais, internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, nos termos desta Lei. O auxílio é parte integrante de um programa de ressocialização de pacientes internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, denominado ‘De Volta Para Casa’ (BRASIL, 2003). Em consonância com essas mudanças, em 2011 a Portaria GM Nº 3.088 (23 de dezembro de 2011) instituiu a Rede de Atenção Psicossocial – RAPS – para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas no Sistema Único de saúde (SUS). 16WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, conhecemos um pouco mais a respeito do percurso histórico do que chamamos de “loucura”, destacando que ela sempre existiu na história da humanidade. A maneira como culturalmente somos condicionados a olhar “os loucos” é que mudou ao longo do tempo. Nossa lente humana já a olhou como dom divino, como pecado, como perigo, como diferença, bizarrice etc. A forma de olhar a loucura na era moderna é como doença, a loucura precisa de tratamento e cura, os loucos precisam ser ajustados a um “padrão” de normalidade. Mas onde começa e onde termina a linha que divide o normal do patológico? Desde o seu início até os dias atuais, os manicômios têm a finalidade de “higienizar” as cidades e retirar de circulação os “improdutivos” e “inadequados”. Logo, o negócio se tornou lucrativo, e outros interesses fizeram perpetuar as internações psiquiátricas. Mas, se os manicômios fossem realmente efetivos, as pessoas sairiam de lá “curadas”, não é mesmo? O que encontramos nessa instituição foi tortura, violência, fome, castigos físicos, abuso psicológico, isolamento, ausência de convívio familiar e 30, 40 anos de internação. Uma sentença severa, sem direito a habeas corpus ou recorrer a um julgamento. Uma verdadeira prisão perpétua. Só depois de muitas denúncias da situação deplorável em que os manicômios se encontravam e a partir de uma mobilização social dos próprios trabalhadores que se recusavam a ser coniventes é que a situação começou a mudar. O histórico da Reforma Psiquiátrica no Brasil coincide com o processo de democratização do País, com o fim da ditadura militar e com o início do SUS. A partir de então, algumas leis foram aprovadas, garantindo o acesso ao cuidado em saúde mental em liberdade e de forma a prevalecer a reinserção social. Quais comportamentos ou emoções devemos considerar como doentes? Você já se sentiu ansioso ou deprimido com o humor alterado? Sim, todos nós já nos sentimos assim. Por isso mesmo, não consideramos que as “doenças mentais” careçam de cura, mas, sim, de cuidado. Todo ser humano merece ter acesso ao cuidado de sua saúde mental. 1717WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 02 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................... 18 1. REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL .................................................................................................................. 19 1.1 SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA ................................................................................................................20 1.2 CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ...............................................................................................................22 2. REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL .............................................................................................................................24 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................................................................26 REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL (RAPS) E REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL PROFA. MA. FRANCIELE CABRAL LEÃO MACHADO ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: SAÚDE MENTAL 18WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO A partir do conteúdo desenvolvido na unidade anterior sobre a história da loucura e os percursos da Reforma Psiquiátrica no Brasil e no mundo, nesta unidade, iremos conhecer os resultados desse movimento no Brasil através da criação de políticas públicas manifestada em legislações, mas, principalmente, a partir da iniciativa dos trabalhadores de saúde em transformar a realidade em que viviam as pessoas internadas em manicômios. A RAPS estrutura os serviços que vieram a substituir os hospitais psiquiátricos e demanda um movimento social contínuo para sua manutenção. Caracteriza-se como a principal política pública de cuidado em saúde mental no SUS, em parceria com a assistência social, e educação para a reinserção social e garantia de direitos para as pessoas com sofrimento mental. Nesta unidade, vamos aprofundar o conhecimento a respeito dos equipamentos da RAPS, que são principalmente: a atenção básica, os centros de atenção psicossocial, centros de convivência, residências terapêuticas e emergência em saúde mental etc. 19WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL Os princípios da Reforma Psiquiátrica passam a exercer mudanças na prática do cuidado em saúde mental no Brasil. Em 1986, ocorreu a VIII Conferência Nacional de Saúde (marco importante na saúde pública e construção do SUS), durante a qual houve uma problematização dos conceitos de saúde e doença, e o foco se voltou para a prevenção dos agravos na saúde e no conceito de saúde global. Foi o início de uma mudança de paradigma. A compreensãosobre o que é saúde mudou: não diz respeito apenas à dimensão física, mas também aos aspectos psicossociais, sendo resultante “[...] das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde” (BRASIL, 1986). Nesse mesmo ano, o primeiro Centro de Atenção Psicossocial (doravante, CAPS) foi inaugurado em São Paulo. Nessa data, não havia ainda políticas públicas ou subsídio para o seu funcionamento, mas, a partir de então, percebeu-se sua importância e efetividade no cuidado em saúde mental (MASTROROSA; PENHA, 2014). A rede de atenção à saúde mental (doravante, RAPS) foi instituída através da Portaria GM Nº 3.088 (23 de dezembro de 2011). As diretrizes da RAPS são: - Respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a liberdade das pessoas; - Promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde; Combate a estigmas e preconceitos; - Garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar; - Atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas; - Diversificação das estratégias de cuidado; - Desenvolvimento de atividades no território, que favoreçam a inclusão social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da cidadania (BRASIL, 2011). Os eixos estratégicos para a consolidação da RAPS acrescentam a necessidade de ampliação do acesso e a qualificação da rede de atenção integral à saúde mental, ações intersetoriais para reinserção social e reabilitação e ações de prevenção e de redução de danos (BRASIL, 2011). Para atender a esses princípios, a assistência à saúde mental deve promover ações e serviços substitutos ao hospital psiquiátrico, que possibilitem sua superação. Para tanto, propõe- se uma inversão da lógica curativista e hospitalocêntrica, usando a estratégia da atenção básica para a prevenção de agravos, cuidados ambulatoriais e acompanhamento territorial. Na Figura 1, podemos visualizar as estratégias da RAPS usando todos os níveis de atenção e incluindo a visão da pessoa como um todo, considerando necessidades de acolhimento, moradia, geração de renda, convívio social, acesso à educação e cultura. 20WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 1 – RAPS. Fonte: Adaptado de Brasil (2011). 1.1 Saúde Mental na Atenção Básica A atenção em saúde mental é de responsabilidade das unidades básicas de saúde, que se configura como um dos equipamentos de acesso. Essa estratégia reafirma o manicômio como desnecessário e aproxima o cuidado ao território da pessoa que está sendo cuidada. Há uma mudança em relação à antiga cultura de internação: a pessoa com transtorno mental não será mais encaminhada ao manicômio, mas é acompanhada por uma equipe multiprofissional no seu bairro e acessa recursos de seu espaço social para sua reabilitação. Até o ano de 2020, tínhamos uma parceria firmada com a Estratégia de Saúde da Família para a territorialização do cuidado e busca ativa, efetuada através do Núcleo de Apoio à Saúde da Família. No entanto, o governo federal, através de uma nota técnica, informou que não iria mais credenciar e subsidiar equipes de NASF. O NASF havia sido criado em 2008 para consolidar a atenção primária, promovendo a atuação integrada em equipes multiprofissionais. Essa situação atinge diretamente as políticas de saúde mental e nos remete ao alerta de que a luta antimanicomial deve ser um movimento permanente, pois, vez ou outra, os direitos conquistados até então podem ser revogados. 21WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Uma questão enfatizada pela Linha-Guia de saúde mental de Minas Gerais (2006) é que os cuidados em saúde mental não são exclusivos de profissionais da equipe especializada (psiquiatras e psicólogos), mas da equipe multiprofissional (enfermeiros, técnicos em enfermagem, ACS, médico da família etc.) uma vez que nem todas as UBS têm alocação de uma equipe de saúde mental. Inclusive os casos mais graves devem ser priorizados nas UBS e em qualquer serviço de Saúde. A recusa no atendimento a esses usuários tem a ver com as dificuldades dos próprios profissionais que, por preconceito, desconhecimento e desatualização, acabam recorrendo à medicalização como único tratamento, sem levantar outras possibilidades e questionar sua própria atuação. É papel de todos os profissionais de saúde promover escuta atenta e acolhimento às queixas trazidas pelos usuários dos serviços de saúde mental, que produzirá o estreitamento do vínculo, a criação de uma equipe ou técnico de referência e, por consequência, uma melhor adesão ao tratamento e sugestões do Projeto Terapêutico Singular. Todo cuidado é uma espécie de artesanato: não pode ser feito em série. Trata-se de um laço singular que se tece um a um, sem exceção. [...] Diferentemente dos demais, esses pacientes muitas vezes não pedem ajuda, e até mesmo parecem recusá-la; contudo, ao contrário do que se pensa, são particularmente sensíveis ao vínculo e ao cuidado (MINAS GERAIS, 2006, p. 42). Com relação ao fluxo e critérios de encaminhamento, consideramos que a maioria das pessoas com transtorno mental pode ser acompanhada na Unidade Básica de Saúde mais próxima à sua casa e se, em algum momento de crise, forem necessárias medidas intermediárias (como permanecer durante o dia ou noite sob cuidados intensivos ou qualquer outra situação que exceda as funções da UBS), o encaminhamento deverá ser feito ao CAPS mais próximo durante o período de tempo necessário até que o usuário tenha condições de retornar à unidade básica. Essa conduta serve para pessoas em crise ou para aquelas que estão estáveis. Os egressos dos hospitais psiquiátricos também devem receber cuidados da sua unidade básica de referência, com a finalidade de se evitar uma nova internação (MINAS GERAIS, 2006). Em alguns estados do Brasil, temos um recurso de encaminhamento e fluxo que se chama estratificação de risco em saúde mental, que será discutido na última unidade. As situações que necessitam de avaliação de uma equipe de saúde mental são de pessoas que estejam vivendo em situação de isolamento e apatia, violência física e/ou psicológica, conflitos familiares, danos psicológicos devido ao longo tempo de sofrimento emocional ou por uma história de internação prolongada. Ademais, é necessário ter flexibilidade em relação aos encaminhamentos em Saúde Mental: Para a equipe de Saúde Mental é de grande importância, ainda, a prática da referência e contra-referência com os outros serviços da rede. Assim como o CAPS deve receber um paciente que não vem respondendo ao acompanhamento inicial na unidade básica, a unidade, por sua vez, deve receber com presteza os egressos dos CAPS, dedicando-lhes a atenção e o cuidado mais próximos necessários a estes pacientes (MINAS GERAIS, 2006). Outra maneira de a UBS exercer cuidado em Saúde Mental é a articulação com centros de convivência e cultura, residências terapêuticas etc. A presença nesses serviços colabora com a reconstrução do convívio social. Os usuários também podem precisar de cuidados, como hipertensão e diabetes, e poderão participar de atividades voltadas a esse público. 22WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA É preciso desmontar o velho costume de enviar os psicóticos apenas ou principalmente para os psiquiatras. Todos os pacientes, neuróticos ou psicóticos, necessitam de uma escuta – e todo profissional de Saúde Mental deve ser capaz de oferecê-la, seja qual for o diagnóstico em questão (MINAS GERAIS, 2006 p. 58). 1.2 Centro de Atenção Psicossocial Como mencionado no tópico anterior, os Caps são uma estratégia de substituição dos hospitais psiquiátricos. A distinção entre os diferentes Caps varia de acordo com o horário de funcionamento, tamanho da equipe, porte domunicípio e usuários atendidos. “Os Caps oferecem, dentre outros recursos terapêuticos: atendimentos individuais e em grupo, atendimento à família; atividades de suporte social e inserção comunitária; oficinas terapêuticas; visitas domiciliares” (MINAS GERAIS, 2006). Os Caps têm como característica principal serem independentes de estruturas hospitalares; por isso, não podem ser considerados como “mini-hospitais”. Alguns se parecem com casas para que o ambiente seja acolhedor e próximo ao usuário em seu território. É considerado como um espaço terapêutico, que favorece o respeito e a dignidade, não recorre ao uso da força, mas ao consentimento e participação ativa nas propostas terapêuticas. O Consultório na Rua é um dos componentes da atenção básica na rede de atenção psicossocial. Os Consultórios na Rua são equipes multiprofissionais e itinerantes que oferecem atenção integral a saúde para a população em situação de rua. Além do cuidado direto, também atuam como articuladores da rede local, por compartilhar o cuidado de casos extremamente complexos, implicando assim os atores locais neste cuidado. No Brasil atualmente 283 municípios são elegíveis para implantação de equipes de Consultório na Rua (eCR), segundo a Portaria 122, de 26 de janeiro de 2012. Os demais municípios que tenham interesse em implantar eCR devem justificar a existência de, no mínimo, 80 pessoas em situação de rua, através de documento oficial (NOTA TÉCNICA DESF – MARINGÁ, 2019). 23WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 2 – Funcionamento dos CAPS. Fonte: Adaptado de Brasil (2001). Nas próximas unidades, vamos estudar mais a fundo a dinâmica dos transtornos mentais, mas, em linhas gerais, podemos dizer que o tratamento adequado possibilita uma vida estável às pessoas. No entanto, pode ocorrer desorganização psíquica, a que vamos chamar de “crise”. Nessas circunstâncias, agravam-se os conflitos familiares e com pessoas próximas. O Caps pode auxiliar na mediação dos conflitos e no estabelecimento ou modificação do Projeto Terapêutico Singular, que possa intensificar o acompanhamento do usuário em regime de permanência-dia e, quando necessário, permanência-noite (apenas no CAPS III) (MINAS GERAIS, 2006). Quando não há CAPS III na cidade e for necessária a conduta de permanência-noite, as opções viáveis seriam a internação em leitos psiquiátricos em hospital geral e, como ultimo recurso e em uma relação provisória, a internação em hospital psiquiátrico com data de início e fim, totalizando, no máximo, 15 dias e reavaliando constantemente a estabilização psíquica da pessoa (MINAS GERAIS, 2006). Em casos de atendimento de emergência, outros dispositivos da saúde estão disponíveis, como o Samu (192), a sala de estabilização, UPA 24 horas, os hospitais que atendem pronto- socorro e as UBS. Há também municípios que comportam a abertura de Caps AD para atender ao público que tem agravos na saúde mental em decorrência do uso de álcool e drogas, e o Caps I, que atende ao público infanto-juvenil. Outras possibilidades de atuação em saúde mental que visam a amparar as estratégias de reinserção social são os centros de convivência e Residências Terapêuticas, que fazem parte do processo de reabilitação psicossocial. 24WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2. REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL Todo o caminho percorrido pela Reforma Psiquiátrica, principalmente pela Antipsiquiatria, pretende não apenas extinguir o paradigma da exclusão social, da tortura e da violência à que foram submetidas as pessoas com transtorno mental ao longo da história, mas, principalmente, pensar em estratégias de cuidado e oferecer recursos terapêuticos para a reabilitação psicossocial em liberdade, acessíveis e próximos ao território. No entanto, esse termo deve ser contextualizado para que não seja interpretado como capacitista, isto é, devemos tomar cuidado para não corroborar com a lógica de que a pessoa com transtorno mental é incapaz, inábil, inapta ou precisa se adequar a um “padrão de normalidade”. [...] como observa o psiquiatra italiano Benedetto Saraceno, não existem as desabilidades ou habilidades ‘em si mesmas’: elas se definem no âmbito das redes sociais e das trocas que essas redes impedem ou possibilitam, permitem ou proíbem, incentivam ou esquecem. O autor propõe chamar de reabilitação ‘um conjunto de estratégias orientadas a aumentar as oportunidades de troca de recursos e de afetos’ – onde se coloca como decisiva a perspectiva da negociação (MINAS GERAIS, 2006, p. 71). Independentemente da gravidade ou condição do caso, a reabilitação psicossocial visa a restabelecer as possibilidades, convidando a pessoa a exercer (não importa em que medida) suas vidas social, emocional e econômica e cidadania. Dessa forma, a reabilitação psicossocial irá contar com o apoio da comunidade e de alguns programas, como oficinas terapêuticas, centros de convivência, cursos profissionalizantes, grupos de trabalho, iniciativa de economias solidárias e direito à moradia através dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), estabelecidos pela Portaria nº3.090/2011. No que diz respeito aos SRT, eles se configuram como uma estratégia fundamental no processo de desospitalização e reinserção social de pessoas com internação de longa permanência (dois anos ou mais, ininterruptos), egressas de hospitais psiquiátricos e hospitais de custódia. A proposta é manter o cuidado, mas também gerar autonomia. Cada residência está vinculada a uma equipe de saúde mental de referência, que dá o suporte técnico-profissional necessário ao serviço residencial, levando em conta o Projeto Terapêutico Singular e a inserção dos moradores no trabalho, lazer, educação, dentre outros. O vídeo a seguir trata-se de um filme institucional do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e das Residências Terapêuticas (RT) de Araruama–RJ, produzido em 2017, para exibição na 1ª Mostra “Dia 18 de Maio - Dia da Luta Antimanicomial”, realizada na semana de 18 de Maio, na Casa de Cultura. O vídeo está disponível no link https://www.youtube.com/watch?v=RU1lpMnHCKo. Após assistir ao vídeo, notamos, de forma mais concreta, como a proposta de rede substitutiva do Caps, em detrimento das internações psiquiátricas, é eficaz. Além de mostrar algumas atividades desenvolvidas, narradas por profissionais e usuários, o vídeo também exibe duas Residências Terapêuticas que estão sob os cuidados das equipes do Caps, revelando, inclusive, que alguns moradores eram residentes no Hospital Colônia em Barbacena, mencionado na Unidade 1. 25WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Com relação ao papel da enfermagem na RAPS, embasar-nos-emos na sistematização da assistência em enfermagem (SAE), enfatizando que os cuidados não se resumem a procedimentos técnicos, mas compõem a coleta de dados e anamnese, exame físico, levantamento de diagnósticos de enfermagem e prescrição de cuidados e avaliação, o que implica a escuta da pessoa envolvida e uma boa comunicação (TAVARES, 2019). Ainda de acordo com Tavares (2019), o relacionamento terapêutico ocorre quando enfermeiros criam vínculos que favorecem a saúde do usuário. As formas de se comunicar correspondem a um importante instrumento de cuidado, pois influenciam no relacionamento interpessoal. Muitos usuários “escolhem” técnicos de referência, com quem se sentem mais confortáveis e estarão mais confiantes em compartilhar suas queixas e aceitar sugestões de acompanhamento. Para mais informações sobre o papel da enfermagem nas equipes de saúde mental, leia: TAVARES, M. L. O. Saúde mental e cuidado de enfermagem em psiquiatria. Porto Alegre: SAGAH, 2019. A obra está disponível em https://integrada.minhabiblioteca.com. br/#/books/9788595029835/cfi/1!/4/4@0.00:60.2 26WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAISNesta unidade, conhecemos um pouco mais sobre a estrutura da Rede de Atenção Psicossocial, que tem por principal objetivo oferecer cuidado em saúde mental acessível no território, em liberdade, e fomentando a corresponsabilidade e a autonomia dos sujeitos. A RAPS é o recurso fundamental que temos hoje no Brasil para a assistência à saúde mental. Utiliza os diversos níveis de atenção no SUS e integra ações tanto na saúde quanto na educação, assistência social e cultura, atingindo pessoas que estão passando por sofrimento mental e os egressos de internações de longa permanência, que ainda sofrem com as consequências do aprisionamento e exclusão social, vividos na cultura hospitalocêntrica e curativista dos manicômios. Os danos causados por essa forma de “tratamento” ainda estão sendo reparados atualmente. Salientamos que a RAPS é fruto do movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil, impulsionado pelos trabalhadores de saúde e usuários. Em 2020, foi proposta uma revisão de várias Portarias da Política Nacional de Saúde Mental, com claros conflitos de interesses econômicos. Esse evento acendeu um alerta quanto à possibilidade de perder direitos em defesa do tratamento humanizado, da liberdade de pessoas com transtorno mental, além de ter mobilizado a sociedade e profissionais a realizarem abaixo-assinados. Sendo assim, a pauta da saúde mental obteve avanços, mas ainda carece de contínuo apoio social. Na Unidade 3, iremos estudar os aspectos dos transtornos mentais graves e descrever os critérios diagnósticos dos quadros de demências, transtornos mentais orgânicos, principais neuroses, psicoses e transtornos de humor. 2727WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 03 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ...............................................................................................................................................................28 1. TRANSTORNOS MENTAIS ORGÂNICOS ................................................................................................................29 2. PSICOSES ................................................................................................................................................................ 31 2.1 PRINCIPAIS APRESENTAÇÕES CLÍNICAS DAS PSICOSES ...............................................................................32 3. NEUROSES ...............................................................................................................................................................34 3.1 PRINCIPAIS APRESENTAÇÕES CLÍNICAS DAS NEUROSES..............................................................................35 4. USO E ABUSO DE ALCOOL E SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS ...............................................................................39 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................... 41 SOFRIMENTO GRAVE PROFA. MA. FRANCIELE CABRAL LEÃO MACHADO ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: SAÚDE MENTAL 28WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Antes de iniciarmos os estudos a respeito dos transtornos mentais (orgânicos, psicoses, neuroses e uso e abuso de substâncias psicoativas), devemos ressaltar que a descrição e o agrupamento de doenças foram realizados a partir da observação de sintomas e na evolução do quadro clínico de pessoas internadas nos manicômios, dentro de um contexto de violência, tortura e péssimas condições de vida. Na literatura médica, os sofrimentos psíquicos são chamados de “transtornos”. De acordo com o dicionário Aurélio on-line, esta palavra significa: Ato ou efeito de transtornar, de causar incômodo; contrariedade. Situação que causa desconforto, geralmente imprevista e ruim; contratempo/ Modificar a organização, a ordem de; desorganização, desarranjo. [Medicina] Qualquer perturbação que altera a saúde de alguém: transtorno físico, mental, psicológico etc. Notamos que a concepção de saúde mental vista sob esta perspectiva se refere a um modo “estável” de ser, sem perturbações ou desarranjos. Tal concepção não corresponde com a realidade da vida de todos nós. A estabilidade psíquica almejada pode se tornar um ideal inatingível, uma vez que as condições de vida estão em constante mudança. Viver exige flexibilidade, e a rigidez em uma única maneira de enfrentar situações adversas intensifica o sofrimento. Devemos considerar também que o sofrimento psíquico faz parte da condição humana, frustrações, medo, angústia, tristeza, luto. Todos esses sentimentos podem ser cuidados. Além disso, o sofrimento psíquico se identifica com uma complexidade e diversidade de fatores envolvidos: biológicos, genéticos, subjetivos, sociais, culturais e políticos, portanto, suas definições não podem se resumir à lógica de causa e efeito, a simples descrição de sintomas, tampouco podemos considerar que um dos fatores seja superior ao outro. A partir desse posicionamento, iniciaremos os estudos a respeito dos transtornos mentais graves, sempre considerando que os “sintomas” podem ser compartilhados por um grupo de pessoas, mas cada sujeito irá vivenciar sua condição de modo singular. 29WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. TRANSTORNOS MENTAIS ORGÂNICOS Como mencionamos na introdução, o estudo e classificação das doenças psiquiátricas se deu principalmente pela observação clínica. Muitos experimentos foram realizados no período em que os manicômios reuniam os “alienados” em um só lugar. Assim como a classificação de doenças, a investigação das causas das doenças psíquicas acompanhou o desenvolvimento tecnológico e cientifico e só foi impulsionada no século XIX com as possibilidades de uso de exames de imagem como tomografias e ressonância magnética, que possibilitam investigar melhor possíveis alterações estruturais do cérebro (MINAS GERAIS, 2006). Por exemplo, a investigação das funções dos neurotransmissores nos transtornos psíquicos se deu após a administração de alguns psicofármacos que evidenciaram melhora do quadro clínico e a diminuição de sintomas (MINAS GERAIS, 2006). A partir desses estudos, temos uma primeira distinção essencial dos transtornos mentais: aqueles que derivam de fatores orgânicos observáveis e os que não possuem causa orgânica determinada. Os quadros orgânicos constam na CID-10 entre a classificação F00 – F09 e F.10 – F.19. e caracterizam-se como as demências e os delirium, sendo seu principal sinal o prejuízo cognitivo (de inteligência e memória e/ou nível de consciência). O declínio das funções psíquicas denota algum nível de dano nas estruturas cerebrais neuroanatômicas e neurofisiológicas, corroborando em quadros neuropsiquiátricos, em que há alteração no comportamento que pode afetar também o eixo social (MINAS GERAIS, 2006). Nesta classificação, está inclusa a doença de Alzheimer, doenças cérebro-vasculares, traumatismos crânio-encefálicos, tumores cerebrais, quadros derivados de condições médicas gerais (doenças endócrinas, cardiopatias, insuficiência renal ou hepática etc.), e quadros relacionados à abstinência ou à intoxicação por substâncias psicoativas (delirium tremens e vários outros). O fator orgânico sempre estará presente na distinção desses transtornos em relação aos demais que serão descritos na sequência. Na imagem a seguir, vemos claramente a perda ou lesões nas estruturas cerebrais no caso da doença de Alzheimer. Figura 1 - Cérebro normal vs. A doença de Alzheimer. Fonte: Anatomical Travelogue (2018). 30WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Em geral, os transtornos mentais orgânicos atingem mais a população idosa. Reis et al. (2013) revisam alguns estudos brasileiros que apontam que 7% dos idosos acima de 65 anos apresentam algum tipo de demência. Em decorrência das lesões cerebrais, identifica-se perturbação no humor, na personalidadee comportamento violento. Os autores supracitados também enfatizam a importância da Reforma Psiquiátrica no que tange à mudança na assistência à saúde mental que corrobora com a prevenção de agravos, promoção de saúde mental na atenção básica e a prática de desinstitucionalização e reinserção social. No que diz respeito às práticas de saúde, Reis et al. (2013) ressaltam que o atendimento a essa população tende a se intensificar devido ao aumento da expectativa de vida e envelhecimento. Nesses casos, a equipe de saúde é responsável por auxiliar a família de pessoas acometidas por transtornos orgânicos, informando quanto aos sintomas, evolução da doença e efeito das medicações prescritas, como também por fazer o planejamento de ações de acordo com os dados epidemiológicos do seu território e articular com a rede de saúde a sistematização dos atendimentos. 31WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2. PSICOSES As psicoses são quadros psiquiátricos severos e persistentes e encontram-se descritos no CID-10 nas seguintes classificações: F.20 a F.29, F.30, F.31, F.32.2 e 32.3. As principais características clínicas são os delírios, alucinações, alterações da consciência do eu, perda de contato com a realidade, desorganização do pensamento e/ou do comportamento ou comportamento catatônico. Pode ou não haver a experiência de estar sendo perseguido ou ameaçado (por pessoas ou forças estranhas), que acarretam prejuízos em algum nível da vida pessoal, familiar e social (DALGALARRONDO, 2019). Os principais grupos de sintomas psicóticos são: negativos, positivos, de desorganização, psicomotores/catatonia, prejuízos cognitivos e sintomas de humor. A seguir, podemos visualizar seus respectivos significados: Figura 2 - Sintomas psicóticos presentes na esquizofrenia e em outros tipos de psicoses. Fonte: Adaptado de Dalgalarrondo (2019). Atualmente, o diagnóstico diferencial das psicoses envolve a identificação de sintomas positivos (delírios, alucinações e percepção alterada da realidade) como também dos sintomas negativos que podem ser decorrentes da própria esquizofrenia ou de efeitos colaterais dos remédios antipsicóticos, uma vez que devido à sua ação inibitória de sintomas positivos pode resultar em depressão e/ou isolamento social. (DALGALARRONDO, 2019) 32WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Em decorrência dos sintomas negativos, observa-se, em uma parte das pessoas com esquizofrenia, uma considerável negligência quanto a si mesmo, que se revela pelo descuido e desinteresse para consigo mesmo, com higiene pobre, roupas malcuidadas, descuido da aparência e/ou dos cuidados com a saúde, cabelos sujos, dentes apodrecidos, entre outros aspectos (DALGALARRONDO, 2019 p. 379). Além disso, Dalgalarrondo (2019) também aponta que há sintomas neurológicos inespecíficos como: prejuízo na função olfativa, hipoalgesia (sensibilidade diminuída à dor), alterações da motilidade dos olhos, prejuízo nas habilidades de coordenação motora fina e de sequenciamento de tarefas motoras complexas, presença aumentada de reflexos primitivos, assim como anomalia da dominância hemisférica cerebral. 2.1 Principais Apresentações Clínicas das Psicoses Quando ocorre o primeiro episódio psicótico (sintomas positivos ─ perda de contato com a realidade, alucinação ou delírio) é preciso identificar se ele ocorreu uma única vez e não ressurgiu até o momento da observação. Dentro dessas condições, podemos caracterizar como um transtorno psicótico agudo e transitório (F.23). Caso esse episódio se repita, se agrave ou some outros sintomas descritos anteriormente, consideraremos as hipóteses diagnósticas de transtornos mentais graves e persistentes presentes no CID10 com as seguintes definições: I. Esquizofrenia (F.20): É uma das principais apresentações clínicas da psicose e a mais grave. Sua prevalência é calculada ente 1,0 e 3,0% da população em geral. Raramente, é observada antes dos 10 anos e depois dos 50, com grande frequência, inicia-se na adolescência ou na idade adulta jovem (MINAS GERAIS, 2006). Envolve um conjunto de sintomas e comportamentos e é uma vivência não linear, isto é, a pessoa passa por fases diversas com manifestações variadas, havendo períodos de regressão e progressão desses traços (DALGALARRONDO, 2019). Como na maioria dos casos, a esquizofrenia se manifesta no início da vida adulta, exige da pessoa um autoconhecimento sobre sua condição. Em contato com as dificuldades de relacionamento interpessoais, a própria pessoa vai desenvolvendo uma percepção de que precisa de cuidados específicos. Mas esse autoconhecimento é um processo contínuo, faz parte dele, em alguns momentos, a recusa do acompanhamento médico, psicológico e ingestão de medicamentos. II. Transtorno delirante persistente (F.22): Caracteriza-se pelo predomínio de sintomas positivos, em especial a elaboração delirante. Neste caso, o delírio se torna bem organizado, em que é possível explicar de forma racional a origem do delírio. Sintomas como alucinações verbais e alterações da consciência do eu não fazem parte da definição deste transtorno. A personalidade é preservada e há um bom funcionamento psíquico, social e profissional, o que torna a reabilitação entre as crises facilitada. A desconfiança será o maior obstáculo na socialização (MINAS GERAIS, 2006). III. Esquizofrenia hebefrênica (F.20.1): Transtorno grave e de início mais precoce, apresenta uma proporção bem maior de sintomas negativos do que positivos, uma vez que os delírios e alucinações são menores. A pessoa experimenta um “esvaziamento” da vida psíquica, pode ser difícil comunicar-se devido ao embotamento e mutismo. 33WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA IV. Esquizofrenia catatônica (F.20.2): A pessoa apresenta sintomas ligados à esfera psicomotora, que podem se expressar como paralisia ou imobilismo ou como agitação excessiva. V. Esquizofrenia residual (F 20.5): Neste tipo grave de esquizofrenia há um predomínio de sintomas negativos que evoluem para um quadro grave de desagregação do pensamento, embotamento afetivo, fala e comportamento estereotipados. VI. Transtornos severos de humor (Episódio depressivo grave: F 32.2 e F 32.3): Nesses casos, a prevalência é do sentimento de melancolia, anestesia afetiva, tristeza vital e profunda. Trata-se de um quadro grave depressivo e psicótico que não pode ser confundido com a Depressão Maior (que está no campo das neuroses). Pode ou não ser acompanhado por delírios, alucinações e alterações da consciência do eu. Se houver a presença de delírio, seu conteúdo é de autoacusação e desprezo por si mesmo (MINAS GERAIS, 2006). VII. Transtornos severos de humor (Mania F.30): Essa manifestação psicótica se caracteriza como o oposto da melancolia descrita anteriormente. Toda a vida psíquica da pessoa encontra-se acelerada, sendo fácil de observar a agitação na comunicação verbal e comportamental. Há uma exacerbação da sexualidade e do apetite, sentimentos de grandeza e onipotência. Pode ou não ser acompanhada de delírios e alucinações. Quando presentes, os delírios se manifestam com a elevação do humor, temas de grandeza e poder (MINAS GERAIS, 2006). Transtornos severos de humor (Psicose Maníaco-depressiva Transtorno bipolar F.31): Esse transtorno é mais conhecido pelo senso comum, mas seu diagnóstico requer cuidado e atenção. Oscilações de humor (triste e feliz) faz parte da existência humana. Já este transtorno se manifesta de forma grave em crises que limitam as relações interpessoais e atividades comuns. A alternância entre crises de mania (extrema agitação e vigor) e de melancolia (tristeza vital e profunda) são intensas, como estão descritas nos transtornos de mania e depressão acima. No entanto, os intervalos entre as crises possibilitam a recuperação da integridade psíquica, e a adesão ao tratamento contribui parauma boa reabilitação psicossocial. Tendo um conhecimento mais amplo e, ao mesmo tempo, resumido sobre as diferentes formas de apresentação clínica das psicoses, se formos comparar o conhecimento sobre a loucura com o conhecimento que temos das cores, podemos dizer que ela não é só “preto ou branco”, “louco ou não louco”, mas que existem diversas tonalidades na sua expressão. Essas distinções são mais pormenorizadas ainda quando consideramos que a vivência dela é singular e irrepetível. Destacamos que o papel da equipe de saúde no atendimento às pessoas com esquizofrenia ou com os demais tipos de psicoses será imprescindível para a adesão e manutenção do tratamento, por meio da criação do vínculo e da construção de uma relação de ajuda, sendo a referência mais próxima em momentos difíceis. Cabe lembrar que o acompanhamento contínuo e medicamentoso colabora com o controle dos sintomas positivos e negativos e evita ou adia crises que necessitem de internação. 34WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 3. NEUROSES As neuroses se configuram como outro tipo de sofrimento mental, que também podem ser graves e limitantes, mas se diferem das psicoses principalmente por serem psicologicamente compreensíveis. A linguagem, os significados sociais e compartilhados e a comunicação ficam preservados, facilitando o diagnóstico e tratamento. Nas neuroses, os sentimentos considerados “normais” são vividos de forma mais intensa, por exemplo, a ansiedade, tristeza, medo etc. Cabe destacar que não há prejuízo primário de inteligência, de memória, nível de consciência e contato com a realidade, assim como afirma Minas Gerais (2006): “As vivências neuróticas, embora possam assumir feições muito graves, e até mesmo incapacitantes, são fundamentalmente semelhantes a que experimentamos uma vez ou outra em nossas vidas. Isto quer dizer que somos todos neuróticos? Num certo sentido, sim”. Os transtornos neuróticos podem ser localizados na CID-10, nos itens F.40 a F.48, no qual devemos nos atentar aos seguintes critérios: Excluir o diagnóstico dos quadros de origem orgânica, excluir o diagnóstico de psicose, caracterizar os sintomas como patológicos (excessivos, frequentes, insistentes e prejudiciais à vida), considerar os sintomas sempre em relação com a história e circunstâncias atuais de vida da pessoa e buscar compreender o contexto que fez surgir ou que faz agravar os sintomas (MINAS GERAIS, 2006). Esses cuidados servem para que não caiamos na armadilha de tornar patológico o que faz parte da vida humana, por exemplo, em momentos de morte de um familiar ou amigo, ficamos enlutados, tristes, choramos, sentimos raiva, às vezes necessitamos de um tempo maior que outra pessoa para retomar o trabalho e a vida social. A maioria das pessoas passa pelo luto com pesar, mas sem necessitar de intervenções em saúde mental. No entanto, há um risco aumentado em algumas situações ou circunstâncias de essa experiência tornar-se um luto complicado, ou patológico, no qual podem ser necessários os acompanhamentos com profissionais especializados. A principal diferença entre alucinações e delírios diz respeito à conexão com a realidade. O delírio contém partes da realidade, por exemplo, em uma estruturação delirante, uma pessoa pode ter plena convicção de que o FBI implantou câmeras em sua casa enquanto trabalhava, e estão ouvindo tudo que diz, em conspiração contra sua vida. Não parece uma cena distante de um filme hollywoodiano, certo? Possui traços de realidade mesmo que racionalmente saibamos que essa situação não está ocorrendo, não é totalmente impossível de acontecer. Diferentemente da alucinação que claramente rompe com a realidade, por exemplo, uma pessoa em crise pode ver um dragão na porta de sua casa, ouvir vozes que não são audíveis pelos outros ou acreditar piamente que é uma personalidade famosa “o Batman”. Além da indicação de filme abaixo, sugiro também um episódio sobre esquizofrenia que o programa jornalístico “A liga” fez e está disponível no youtube. 35WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 3.1 Principais Apresentações Clínicas das Neuroses I. Neuroses de ansiedade (F.40 e F.41) Todas as neuroses de uma forma geral englobam a ansiedade, neste caso, é o principal sintoma. A ansiedade é uma forma de medo que provém de um sistema de defesa do corpo humano. Mediante uma situação de perigo, o corpo se prepara fisiologicamente para lutar ou fugir. Há uma descarga de adrenalina, cortisol e outros hormônios, toda a circulação é direcionada para os órgãos vitais, as extremidades recebem pouca oxigenação e podemos sentir os pés e as mãos gelados. Os batimentos cardíacos aceleram para que o corpo possa entrar nesse “embate”. No entanto, essa preparação toda, muitas vezes, não corresponde a um objeto específico (um leão, por exemplo), isto é, não estamos de fato em risco, mesmo que haja uma forte percepção. Assim, essa condição se prolonga e mantém o corpo em um estado constante de alerta, antecipando situações negativas que ainda não ocorreram e trazendo muitos prejuízos a curto, médio e longo prazo. Essa inquietação, que é muito funcional à sobrevivência humana, mas que por vezes se torna desagradável, é acompanhada de manifestações somáticas e fisiológicas (dispneia, taquicardia, tensão muscular, tremores, sudorese, tontura etc.). No caso do transtorno generalizado de ansiedade (F-41.1), a ansiedade é excessiva e se estende a diversas áreas da vida, afetando funções vitais como sono, apetite, sexualidade, relacionamentos interpessoais e trabalho. Já no transtorno do pânico (F.41.0) ocorrem episódios intensos de ansiedade, que duram alguns minutos ou horas, e que envolvem palpitações, sudorese, dor torácica, vertigens ligados a um medo acentuado de morrer (MINAS GERAIS, 2006). Apesar de nem todo sofrimento ser um transtorno mental, todo sofrimento pode e merece ser cuidado. A saúde mental não é apenas um estado de equilíbrio emocional, envolve diversos aspectos como os emocionais, culturais, sociais e políticos. Nossa vida não é uma curva ascendente, sempre teremos algumas batalhas a enfrentar, umas mais desafiadoras do que outras. Pode ser que em algum momento qualquer um de nós necessite de cuidado especializado, isso não nos torna mais fracos ou doentes, mas humanos, que podem contar uns com os outros e com os recursos disponíveis, seja psicoterapêutico, psiquiátrico, ou mesmo os mais simples como aumentar o tempo de descanso, lazer, iniciar novos projetos, encerrar relacionamentos difíceis etc. Cuide sempre de sua saúde mental, tanto quanto de sua saúde física. 36WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Na figura a seguir, podemos observar como a ansiedade se torna um círculo de retroalimentação: Figura 3 - Ciclo da ansiedade. Fonte: Adaptado de estudos a respeito da teoria polivagal de Stephen Porges (2021). II. Transtornos fóbico-ansiosos: Esta demonstração da ansiedade se relaciona a circunstâncias ou objetos que não são ameaçadores para a maioria das pessoas, são eles a agorafobia (F.40.0), que pode ocorrer a partir do transtorno de pânico, pois a pessoa passa a ter medo de sentir pânico ou estar em lugares ou situações que desencadearam esse medo intenso. Fobias sociais (F40.1) ─ o medo de interações sociais ─, em especial quando há situação de avaliação ou julgamento. Fobias específicas isoladas (F.40.2), em que há medo excessivo ou irracional ligado a circunstâncias ou a objetos bem determinados: alturas, certos animais etc. Outros transtornos fóbico-ansiosos (F.40.8) e, por fim, Transtorno fóbico-ansioso não especificado (F.40.9). Minas Gerais (2006) aponta que devemos seguir algumas recomendações para o diagnóstico das neuroses de ansiedade, como caracterizar a ansiedade como predominante no quadro para que haja maior distinção dos sintomas depressivos (mesmo que ambos possam estar presentes)e compreender se a queixa de ansiedade é limitante, excessiva, desproporcional, fora do controle, ou incapacitante. 37WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA III. Neurose histérica (transtornos somatomorfos e dissociativos): A neurose histérica tem apresentações diversas, como somatomorfos (F.45), cujas queixas condizem com sintomas somáticos, no qual não há causa ou origem orgânica como dores difusas, disfunções gastrintestinais, neurológicas, cardíacas, locomotoras etc. Pode acometer funções motoras (perda inexplicável da audição, por exemplo) ou sensoriais voluntárias. Já a neurose histérica dissociativa (F.44) apresenta-se como amnésia parcial, em que a memória é preservada para a maioria dos eventos da vida exceto alguns que são esquecidos em função de seu significado emocional. Tais transtornos podem envolver níveis variados de ansiedade ou de depressão (MINAS GERAIS, 2006). IV. Neurose obsessiva (transtornos obsessivo-compulsivos F.42): As obsessões são ideias que se impõem e invadem o pensamento, mesmo quando a pessoa não quer. Geralmente, são pensamentos socialmente rejeitados e mal vistos, de cunho imoral, político, religioso etc. Com frequência, a pessoa não realiza os impulsos, mas tem medo de fazê- los. Os comportamentos compulsivos funcionam como um meio de afastar ideias obsessivas, como uma proteção para evitar que se realizem. A invasão desses pensamentos causa muito desconforto e ansiedade, e a resposta a esses sentimentos são as manias e rituais característicos desse transtorno, que possuem um efeito retórico, trazem alívio e incômodo, ao mesmo tempo, sendo que a ansiedade se apresenta de forma muito intensa nesses casos. Figura 4 – Esquema da ansiedade no transtorno obsessivo-compulsivo. Fonte: A autora (2021). V. Episódios depressivos em neuróticos (episódios depressivos leves e moderados). Os episódios depressivos em neuróticos, muitas vezes, têm um caráter reativo, isso significa dizer que o desgaste emocional da ansiedade pode conduzir à depressão, por isso, podemos associar a depressão à ansiedade. Do ponto de vista da teoria polivagal de Stephan Porges, depois de um período de muito estresse ou estresse crônico, como forma de proteção e sobrevivência, o organismo entra em um modo de paralisação e economia de energia, que se assemelha muito ao desânimo característico da depressão. Sendo assim, o humor triste, ausência de vontade, desânimo e tristeza são, desproporcionalmente, mais evidentes e permanentes do que nas respostas normais de tristeza que ocorrem ao longo da vida (DALGALARRONDO, 2019). 38WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Além dos sintomas mencionados anteriormente, a depressão afeta aspectos neurovegetativos, neuronais, neuroendócrinos, ideativos e cognitivos, relativos à autovaloração, à vontade e à psicomotricidade: A depressão causa considerável impacto na saúde física e mental e na qualidade de vida das pessoas acometidas; ela é, entre todas as doenças (físicas e mentais), uma das principais causas daquilo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) chama de ‘anos vividos com incapacidades’ (YLDs, years lived with disability) e ‘perda de anos em termos de morte prematura e perda de anos de vida produtiva’ (DALY Disability Adjusted Life Years). A DALY relacionada à depressão foi associada, em 2010, a cerca de 16 milhões de suicídios (DALGALARRONDO, 2019 p. 346). Dalgalarrondo (2019) aponta que a prevalência de depressão na vida adulta é de 17% no Brasil, sendo esta uma estimativa maior que o cenário internacional, além disso, a depressão aumenta em 20 vezes o risco de suicídio. Minas Gerais (2006) ressalta que há bom prognóstico em relação à depressão, pois mesmo quando muito deprimidos, os neuróticos sentem desejo e alívio em falar a respeito, costumam pedir ajuda, seja aos familiares ou aos amigos, seja procurando auxílio de profissionais de Saúde. A seguir, vamos listar os tipos de depressão, nos quais não iremos nos aprofundar, mas apenas evidenciar que este também é um fenômeno complexo, que não pode ter sua importância diminuída devido ao alto índice de diagnóstico: Figura 5 – Tipos de transtornos depressivos. Fonte: Adaptado de Dalgalarrondo (2019). Para aprofundar o conhecimento a respeito das diferentes formas de sofrimento psíquico, recomendo a leitura desse livro que também é nossa referência nesta unidade e está disponível na biblioteca virtual: DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais [recurso eletrônico]. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019. 39WWW.UNINGA.BR SA ÚD E M EN TA L | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 4. USO E ABUSO DE ALCOOL E SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS Ao contrário do que se pensa sobre o uso e abuso de substâncias psicoativas, o uso de drogas ilícitas não se compara estatisticamente ao abuso de álcool. Estima-se que o alcoolismo atinge 12% da população adulta, sendo que 6% são dependentes. O uso abusivo de qualquer substância psicoativa, seja lícita ou ilícita, se configura como “uso compulsivo e frequente, que o usuário tem dificuldade em manter sob controle, acarretando abandono de outros interesses e danos para a sua vida afetiva, social e profissional” (MINAS GERAIS, 2006 p. 194). Este se constitui como um grave problema de Saúde Pública, pois o uso do álcool é socialmente aceito e incentivado, o que exige atenção aos diversos fatores que contribuem com esse índice, como os problemas da violência urbana, injustiças sociais, desigualdades de acesso à educação, ao trabalho, ao lazer e à cultura (MINAS GERAIS, 2006). Há um forte preconceito de que todo usuário de droga necessita de internação ou prisão por ser doente ou delinquente. Há também a ideia de que a abstinência imediata seria a proposta mais aceitável para o tratamento, quando, na verdade, o modelo de redução de danos vem se mostrando a estratégia mais assertiva para esses casos, uma vez que auxilia o processo de retomada da autorregulação pelo próprio usuário (MINAS GERAIS, 2006). A abstinência brusca, por sua vez, alimenta a compulsão, nesse sentido, a redução de danos auxilia a limitar a quantidade de ingestão, selecionar e limitar dias e horários de uso e outras estratégias que possam beneficiar o usuário. Em todo caso, haverá a exigência de tempo, paciência, apoio familiar e social e a construção do vínculo do usuário a uma equipe ou serviço de referência. A classificação das drogas se dá a partir de sua ação no Sistema Nervoso Central, podendo ser depressora (álcool, derivados do ópio, morfina, heroína, codeína, inalantes, solventes, ansiolíticos etc.); estimulantes (anorexígenos, cafeína, nicotina, cocaína e crack) e perturbadoras (mescalina, maconha, chá de lírio, LSD, êxtase) (MINAS GERAIS, 2006). Considerando que tanto neuróticos como psicóticos podem fazer uso abusivo de substâncias psicoativas, a relação entre comorbidades psiquiátricas e o uso e abuso de álcool e drogas configuram-se como uma piora da evolução e do prognóstico de um transtorno mental primário, intensificando crises que necessitem de internação e tentativas de suicídio. Do mesmo modo que a presença de transtornos psiquiátricos combinado ao uso de álcool e drogas também incide em mais recaídas e piora do prognóstico (MALBERGIER, 2018). O diagnóstico clínico se dá a partir da anamnese com o usuário e família e busca compreender a intensidade do uso das substâncias psicoativas, dividindo em níveis de acordo com: I. Intoxicação aguda: Quando há perturbações da consciência, das faculdades cognitivas, da percepção, do afeto ou do comportamento, ou de outras funções e respostas fisiológicas. II. Tolerância: Ocorre quando as modulações biológicas não se adaptam às quantidades de drogas usadas e não produzem os mesmos efeitos, motivando quantidades cada vez maiores de drogas para alcançar os mesmos efeitos. III. Síndrome de abstinência: Incide em sintomas físicos e psíquicos
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