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1Curso Ênfase © 2021 TEMAS ESPECIAIS PARA JUIZ FEDERAL DIREITO AMBIENTAL Súmulas E Teses Jurisprudenciais Do STJ Em Matéria Ambiental Relevantes À Atuação Prática Na Justiça Federal 1. Introdução Os enunciados sumulares e as teses jurisprudenciais refletem o pensamento dominante junto a determinado órgão julgador. Assim, é de extrema importância ao juiz federal estar sempre atento a esses enunciados, especialmente em se tratando do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que passou a exercer as funções outrora desempenhadas pelo extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR), decidindo a respeito de controvérsias envolvendo a legislação federal. Em matéria ambiental, inúmeros são os julgados de extrema importância, notadamente em se tratando de responsabilidade ambiental, seja na esfera cível, administrativa ou criminal. Prova disso é que o STJ possui dois conjuntos de entendimentos a respeito do direito ambiental, o Jurisprudência em Teses nº 30 e, mais recentemente, o nº 119, este especificamente voltado à responsabilidade decorrente do dano ambiental. 2. Responsabilidade por danos ambientais De acordo com Paulo de Bessa Antunes (2010, p. 286-287), temos o seguinte conceito de dano ambiental: 2Curso Ênfase © 2021 O dano é prejuízo causado a alguém por um terceiro que se vê obrigado ao ressarcimento. É juridicamente irrelevante o prejuízo que tenha por origem um ato ou uma omissão imputável ao próprio prejudicado. A ação ou omissão de um terceiro é essencial. Decorre daí que dano implica alteração de uma situação jurídica, material ou moral, cuja titularidade não possa ser atribuída àquele que, voluntária ou involuntariamente, tenha dado origem à mencionada alteração. 2.1. Degradação x dano ambiental A degradação ambiental consiste em qualquer alteração adversa das características do meio ambiente. A seu turno, a poluição consiste em uma degradação de qualidade ambiental que resulta de atividades que possam, direta ou indiretamente, prejudicar a saúde, a segurança e o bem-estar da população, assim como, que criem condições adversas às atividades sociais e econômicas que possam afetar desfavoravelmente a biota, além de lançarem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Tais distinções encontram guarida legal no art. 3º da Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, vejamos: Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; 3Curso Ênfase © 2021 IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. (Grifos nossos.) Portanto, por danos ambientais entende-se qualquer ação ou omissão humana, que resulta em prejuízo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tal como aos indivíduos que nele residam e as relações que nele desenvolvam. Porém, nem toda atividade humana será considerada dano ambiental, mas somente aquela que ultrapasse a capacidade natural de absorção ambiental, mesmo que esteja amparada por licença ambiental. Assim, os danos ambientais refletem nos indivíduos que compõem o meio ambiente ecologicamente equilibrado. 2.2. Dano ambiental – espécies O dano poderá ser: a) Material – quando diz respeito à redução da esfera patrimonial de um sujeito. b) Moral – quando promove a lesão imaterial e psicológica, restritiva dos processos psicológicos de respeito, dignidade e autonomia. Sendo assim, o dano ambiental é aquele que supera os limites de tolerabilidade normativamente previstos. E neste ponto, é interessante diferenciar o dano ambiental da degradação. b.1) Moral coletivo – o dano moral coletivo ambiental atinge direitos da personalidade do grupo massificado, sendo desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado. c) Social – implica o rebaixamento da qualidade de vida, da harmonia e da saúde coletiva, isto é, é um dano que prejudica nossa existência, sob um ponto de vista indeterminado de pessoas. Nesse sentido, temos o julgado do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, Processo nº 2007-2288, o qual abordou a greve abusiva dos metroviários de São Paulo. Admite-se, na condenação por dano social, uma indenização punitiva (punitive damages). 4Curso Ênfase © 2021 No mais, somente em ação coletiva, tanto o dano social quanto o dano moral coletivo, poderão ser pleiteados. V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ. Enunciado nº 456: “A expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas.” No que concerne à fixação da indenização por danos morais, o STJ, no julgamento do REsp. nº 1.374.284/MG, entendeu que é recomendável o arbitramento com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, bem como quanto ao porte da empresa, devendo o juiz ser orientado pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, com o fim de que não ocorra o enriquecimento sem causa daquele que irá receber o valor indenizatório. Nesse contexto, há uma interessante ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) que culminou em condenação expressiva por dano moral coletivo fazendeiro pelo desmatamento de 2.686,27 hectares de floresta nativa na Estação Ecológica Terra do Meio. Em sede de recurso o desembargador relator fixou o seguinte entendimento (Apelação Cível nº 0025906-15.2010.4.01.3900/PA): (...) as graves e abrangentes consequências da ação agressora do fazendeiro, tais como prejuízo à capacidade de resiliência da floresta, redução da disponibilidade hídrica da área e da biodiversidade de flora e fauna, e comprometimento da manutenção das condições normais do clima e do ciclo hidrológico (...) restou demonstrada a ocorrência do dano moral coletivo, na medida em que o flagrante dano ambiental decorrente da conduta ilícita afeta tanto os indivíduos que habitam e/ou retiram seu sustento da Região Amazônica, como também todos aqueles que fazem jus a um meio ambiente sadio e equilibrado, ou seja, a sociedade brasileira, de modo geral (...). Para que o dano ambiental seja configurado, deve-se considerar que o meio ambiente é um bem jurídico autônomo e unitário, que não se confunde com os diversos bens jurídicos que o integram, ou seja, é res communes omnium – uma coisa comum a todos, que pode abarcar bens pertencentes ao domínio público ou ao domínio privado. 3. Responsabilidade civil ambiental Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso 5Curso Ênfase © 2021 comum do povo e essencial à sadia qualidade devida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (Grifos nossos.) O art. 225 da Constituição Federal (CF/1988) prevê em seus §§ 2º e 3º o instituto da responsabilidade daquele que polui o meio ambiente. O § 2º prevê a responsabilidade do minerador de reparar o local; e o § 3º estabelece que, seja pessoa física ou jurídica, o poluidor deverá reparar o meio ambiente lesado pelos danos causados em decorrência de sua atividade poluidora. Logo, não há falar em bis in idem, isto é, o mesmo ato pode gerar uma responsabilidade civil, administrativa e criminal ambientais de forma simultânea, corroborando para o princípio da independência das instâncias. Deve-se priorizar a inibição do dano ambiental, por meio de tutelas preventivas, uma vez que, em regra, o dano ambiental é de caráter irreversível, não sendo possível restaurar in natura o estado anterior do bem degradado, nos termos do entendimento do STJ por ocasião do julgamento do REsp. nº 1.115.555/MG. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DANO AMBIENTAL. CONDENAÇÃO. ART. 3º DA LEI 7.347/85. CUMULATIVIDADE. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO DE FAZER OU NÃO FAZER COM INDENIZAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não há falar em vícios no acórdão nem em negativa de prestação jurisdicional quando todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia foram analisadas e decididas. 2. O Atenção! 6Curso Ênfase © 2021 magistrado não está obrigado a responder a todos os argumentos das partes, quando já tenha encontrado fundamentos suficientes para proferir o decisum. Nesse sentido: HC 27.347/RJ, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Sexta Turma, DJ 1º/8/05. 2. O meio ambiente equilibrado - elemento essencial à dignidade da pessoa humana -, como "bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida" (art. 225 da CF), integra o rol dos direitos fundamentais. 3. Tem o meio ambiente tutela jurídica respaldada por princípios específicos que lhe asseguram especial proteção. 4. O direito ambiental atua de forma a considerar, em primeiro plano, a prevenção, seguida da recuperação e, por fim, o ressarcimento. 5. Os instrumentos de tutela ambiental - extrajudicial e judicial - são orientados por seus princípios basilares, quais sejam, Princípio da Solidariedade Intergeracional, da Prevenção, da Precaução, do Poluidor-Pagador, da Informação, da Participação Comunitária, dentre outros, tendo aplicação em todas as ordens de trabalho (prevenção, reparação e ressarcimento). 6. “É firme o entendimento de que é cabível a cumulação de pedido de condenação em dinheiro e obrigação de fazer em sede de ação civil pública” (AgRg no REsp 1.170.532/MG). 7. Recurso especial parcialmente provido para, firmando o entendimento acerca da cumulatividade da condenação prevista no art. 3º da Lei 7.347/85, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que fixe o quantum necessário e suficiente à espécie (REsp. nº 1.115.555/MG). No mesmo sentido, explicitando de forma firme o entendimento referido, o Enunciado Sumular nº 629 do STJ: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar”. Não apenas tais parágrafos anteriormente citados preveem a responsabilidade civil ambiental, mas também o art. 21, XXIII, “d”, da CF/1988, o qual dispõe sobre a responsabilidade civil por danos nucleares que independem da existência de culpa, e os arts. 4º, VII, e 14, § 1º, ambos da Lei nº 6.938/1981 (Lei da PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente). CF/1988, art. 21. Compete à União: (...) XXIII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: (...) 7Curso Ênfase © 2021 d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; (...) Lei da PNMA, art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará: (...) VII ‒ à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. (...) Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: (...) § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (Grifos nossos.) Portanto, a jurisprudência brasileira compreende que a responsabilidade civil possui natureza reparadora, isto é, não pode adotar uma característica de sanção, tal qual o direito estadunidense. É inadequado pretender conferir à reparação civil dos danos ambientais caráter punitivo imediato, pois a punição é função que incumbe ao direito penal e administrativo. (...) Assim, não há falar em (...) danos punitivos (punitive damages) –, haja vista que a responsabilidade civil por dano ambiental prescinde da culpa e que revestir a compensação de caráter punitivo propiciaria o bis in idem (pois, como firmado, a punição imediata é tarefa específica do direito administrativo e penal) (STJ, REsp. nº 1.354.536/ SE, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26.03.2014). 8Curso Ênfase © 2021 Por fim, a responsabilidade civil ambiental é fundamentada no princípio do poluidor-pagador. Lembrando que o dano ao meio ambiente nem sempre possui, apenas, um cunho patrimonial, mas, também, extrapatrimonial. José dos Santos Carvalho Filho compreende que: O dano nem sempre tem cunho patrimonial, como era concebido no passado. A evolução da responsabilidade culminou com o reconhecimento jurídico de duas formas de dano – o material (ou patrimonial) ou o dano moral. O dano material é aquele em que o fato causa efetiva lesão ao patrimônio do indivíduo atingido. Já a noção do dano moral, o que o responsável faz é atingir a esfera interna, moral e subjetiva do lesado (2013, p. 549). Em relação ao poluidor, este poderá ser tanto uma pessoa física como uma pessoa jurídica, de direito privado ou público, agindo de forma direta ou indireta. O STJ, por ocasião do julgamento do REsp. nº 1.381.211/TO, compreendeu que o poluidor será aquele que faz, o que não faz quando deveria fazer, o que deixa fazer, o que não se importa que façam, o que financia para que façam, e o que se beneficia quando os outros fazem. A responsabilidade civil é, em regra, solidária, isto é, todos os responsáveis diretos ou indiretos pelo dano causado responderão solidariamente (STJ, AgRg no AREsp. nº 432.409/RJ). Ainda, é possível a existência do litisconsórcio facultativo; portanto, mesmo existindomúltiplos agentes poluidores, o autor da ação de reparação poderá demandar em face de qualquer um deles, de forma conjunta ou isoladamente (STJ, AgRg no AREsp. nº 432.409/RJ). PROCESSUAL CIVIL. REPARAÇÃO E PREVENÇÃO DE DANOS AMBIENTAIS E URBANÍSTICOS. DESLIZAMENTOS EM ENCOSTAS HABITADAS. FORMAÇÃO DO POLO PASSIVO. INTEGRAÇÃO DE TODOS OS RESPONSÁVEIS PELA DEGRADAÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DESNECESSIDADE. 1. Hipótese em que a pretensão recursal apresentada pelo Município de Niterói se refere à inclusão do Estado do Rio de Janeiro no polo passivo da Ação Civil Pública que visa a reparação e 9Curso Ênfase © 2021 prevenção de danos ambientais causados por deslizamentos de terras em encostas habitadas. 2. No dano ambiental e urbanístico, a regra geral é a do litisconsórcio facultativo. Segundo a jurisprudência do STJ, nesse campo a “responsabilidade (objetiva) é solidária” (REsp 604.725/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 22.8.2005, p. 202); logo, mesmo havendo “múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio”, abrindo-se ao autor a possibilidade de “demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo” (REsp 880.160/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.5.2010). No mesmo sentido: EDcl no REsp 843.978/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 26.6.2013. REsp 843.978/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 9.3.2012; REsp 1.358.112/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.6.2013. 3. Agravo Regimental não provido. (19/03/2014) (STJ ‒ AgRg no AREsp. nº 432.409/RJ). 3.1. Responsabilidade civil objetiva A responsabilidade civil ambiental é objetiva, informada pela Teoria do Risco Integral, não admitindo, portanto, excludentes como força maior, caso fortuito ou culpa exclusiva de terceiros. Mas lembrem-se, comprovando a ausência de nexo causal entre a conduta ou omissão do agente e o dano ambiental, não haverá responsabilidade civil, ainda que esta seja objetiva e informada pelo risco integral, como ocorreu no caso da explosão do navio Vicuña. RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. ACIDENTE AMBIENTAL. EXPLOSÃO DO NAVIO VICUÑA. PORTO DE PARANAGUÁ. PESCADORES PROFISSIONAIS. PROIBIÇÃO TEMPORÁRIA DE PESCA. EMPRESAS ADQUIRENTES DA CARGA TRANSPORTADA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO CONFIGURADO. 1. Ação indenizatória ajuizada por pescadora em desfavor apenas das empresas adquirentes (destinatárias) da carga que era transportada pelo navio tanque Vicuña no momento de sua explosão, em 15/11/2004, no Porto de Paranaguá. Pretensão da autora de se ver compensada por danos morais decorrentes da proibição temporária da pesca (2 meses) determinada em virtude da contaminação ambiental provocada pelo acidente. 2. Acórdão recorrido que concluiu pela procedência do pedido ao fundamento de se tratar de hipótese de responsabilidade objetiva, com 10Curso Ênfase © 2021 aplicação da teoria do risco integral, na qual o simples risco da atividade desenvolvida pelas demandadas configuraria o nexo de causalidade ensejador do dever de indenizar. Indenização fixada no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 3. Consoante a jurisprudência pacífica desta Corte, sedimentada inclusive no julgamento de recursos submetidos à sistemática dos processos representativos de controvérsia (arts. 543-C do CPC/1973 e 1.036 e 1.037 do CPC/2015), “a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato” (REsp nº 1.374.284/MG). 4. Em que pese a responsabilidade por dano ambiental seja objetiva (e lastreada pela teoria do risco integral), faz-se imprescindível, para a configuração do dever de indenizar, a demonstração da existência de nexo de causalidade apto a vincular o resultado lesivo efetivamente verificado ao comportamento (comissivo ou omissivo) daquele a quem se repute a condição de agente causador. 5. No caso, inexiste nexo de causalidade entre os danos ambientais (e morais a eles correlatos) resultantes da explosão do navio Vicuña e a conduta das empresas adquirentes da carga transportada pela referida embarcação. 6. Não sendo as adquirentes da carga responsáveis diretas pelo acidente ocorrido, só haveria falar em sua responsabilização ‒ na condição de poluidora indireta ‒ acaso fosse demonstrado: (i) o comportamento omissivo de sua parte; (ii) que o risco de explosão na realização do transporte marítimo de produtos químicos adquiridos fosse ínsito às atividades por elas desempenhadas ou (iii) que estava ao encargo delas, e não da empresa vendedora, a contratação do transporte da carga que lhes seria destinada. 7. Para os fins do art. 1.040 do CPC/2015, fixa-se a seguinte TESE: As empresas adquirentes da carga transportada pelo navio Vicuña no momento de sua explosão, no Porto de Paranaguá/PR, em 15/11/2004, não respondem pela reparação dos danos alegadamente suportados por pescadores da região atingida, haja vista a ausência de nexo causal a ligar tais prejuízos (decorrentes da proibição temporária da pesca) à conduta por elas perpetrada (mera aquisição pretérita do metanol transportado). 8. Recursos especiais providos (REsp. nº 1.602.106/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 25.10.2017, DJe 22.11.2017 ‒ Informativo nº 615). Portanto, em direito ambiental a responsabilidade civil será objetiva, isto é, independe da comprovação da culpa ou do dolo, mesmo que o dano ambiental seja causado por uma atividade amparada por licença ambiental, e será solidária, em regra, entre os poluidores, conforme prevê o § 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/1981: Art. 14. (...) 11Curso Ênfase © 2021 § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. Neste sentido é o entendimento do STJ no julgamento do AgRg no AREsp. nº 533.786/RJ. (...) 2. Tratando-se de ação indenizatória por dano ambiental, a responsabilidade pelos danos causados é objetiva, pois fundada na teoria do risco integral. Assim, cabível a inversão do ônus da prova. Precedente. 3. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7 do STJ.4. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no AREsp. nº 533.786/RJ, 4ª Turma, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 22.09.2015, DJe 29.09.2015). Vale destacar que a responsabilidade civil objetiva por dano ambiental “(...) não exclui a comprovação da efetiva ocorrência do dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente (...)”, dado que estes são elementos essenciais ao reconhecimento do direito de reparação, nos termos do REsp. nº 1.378.705/SC, DJe 14.10.2013. Portanto, basta, em regra, que seja demonstrado o nexo de causalidade – a “ponte” – entre a conduta e o dano ambiental para que esteja configurada a responsabilidade civil pelo dano ambiental. Entretanto, há situações em que é inviável a demonstração desta “ponte” (nexo de causalidade). Importante não se confundir essasituação com a natureza propter rem da obrigação relacionada ao dano ambiental, vale dizer, persegue a coisa, a propriedade, podendo ser acionado o possuidor atual, ou mesmo os anteriores, proprietários ou não. O art. 2º, § 2º, do Código Florestal de 2012 (Lei nº 12.651/2012) dispõe que as obrigações naquela novel legislação são propter rem, ou seja, acompanham o bem, de natureza real. 12Curso Ênfase © 2021 (...) 1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. 2. Excetuam-se à regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a de adquirente de imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ (STJ, REsp. nº 1.056.540/GO, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 25.08.2009). Lei nº 12.651/2012, art. 2º (...) § 2º As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural. A mesma lei, em seu art. 7º, § 1º, dispõe que o proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título da área onde tenha ocorrido a supressão da vegetação situada em área de preservação permanente, será obrigado a promover a recomposição da vegetação suprimida. Inclusive, é neste sentido a redação da nova súmula do STJ: “Súmula nº 623 – As obrigações ambientais possuem natureza propter rem sendo admissível cobrá-las do proprietário ou do possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.” Por fim, vale lembrar que a responsabilidade pelo dano ambiental é subjetiva quando verificada na esfera administrativa e criminal. A criminal segue a lógica do chamado direito penal do fato, que exige dolo do agente, ou no mínimo culpa, nos casos expressamente previstos pelo legislador. Já na esfera administrativa, houve certa oscilação jurisprudencial a respeito, culminando na responsabilidade subjetiva, conforme Recurso Especial nº 1.318.051, julgado em 2019: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA SUBMETIDOS AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO 13Curso Ênfase © 2021 LAVRADO EM RAZÃO DE DANO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. 1. Na origem, foram opostos embargos à execução objetivando a anulação de auto de infração lavrado pelo Município de Guapimirim - ora embargado -, por danos ambientais decorrentes do derramamento de óleo diesel pertencente à ora embargante, após descarrilamento de composição férrea da Ferrovia Centro Atlântica (FCA). 2. A sentença de procedência dos embargos à execução foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pelo fundamento de que “o risco da atividade desempenhada pela apelada ao causar danos ao meio ambiente consubstancia o nexo causal de sua responsabilidade, não havendo, por conseguinte, que se falar em ilegitimidade da embargante para figurar no polo passivo do auto de infração que lhe fora imposto”, entendimento esse mantido no acórdão ora embargado sob o fundamento de que “[a] responsabilidade administrativa ambiental é objetiva”. 3. Ocorre que, conforme assentado pela Segunda Turma no julgamento do REsp 1.251.697/PR, de minha relatoria, DJe de 17/4/2012), “a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano”. 4. No mesmo sentido decidiu a Primeira Turma em caso análogo envolvendo as mesmas partes: “A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador” (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel.p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe de 7/10/2015). 5. Embargos de divergência providos (EREsp. nº 1.318.051/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 08.05.2019, DJe 12.06.2019 ‒ Informativo nº 650). 4. Novas súmulas do STJ: nºs 613, 618, 623 e 629 Súmula nº 613 – Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental. É possível que seja concedida uma liminar suspendendo a construção de uma usina e, posteriormente, o presidente do tribunal suspenda tal liminar, se a área estiver alagada. Como retirar a usina não reverte o dano, pois a área já foi afetada, tem-se que a própria realidade fenomênica gerou um fato 14Curso Ênfase © 2021 consumado. O que o STJ não admite é aplicar a teoria do fato consumado. Por exemplo: um indivíduo não pode alegar que construiu sua casa há muitos anos e, por isso, requer a aplicação da teoria do fato consumado. Se houver a possibilidade fenomênica e proporcional – do ponto de vista de uma abordagem de ecoproporcionalidade – de remoção, não se admite a aplicação da teoria do fato consumado. O STJ também não admite a teoria do fato consumado para fins de posse em cargo público por força de liminar – posse precária. Observa-se que o fato consumado é admitido muito excepcionalmente na jurisprudência do STJ. Um exemplo de sua aplicação é o caso de transferência liminar de universidade. Depois, se acaso a decisão for desfavorável, mas o indivíduo já estiver formado, admite-se o fato consumado. Súmula nº 618 do STJ – A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental. Cabe a inversão do ônus da prova nas ações de degradação ambiental, sendo esse o viés processual do princípio da precaução. O viés natural é a paralisação do empreendimento potencialmente causador de danos graves, diante de fundada dúvida a seu respeito. Súmula nº 623 do STJ – As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor. A disposição dessa súmula se refere às obrigações ambientais de natureza civil, posto que, para a responsabilidade administrativa, vale a intranscendência das penas, que é subjetiva. As obrigações ambientais propter rem podem ser cobradas do proprietário, possuidor atual ou dos anteriores, havendo litisconsórcio facultativo. Além disso, o poder público também responde quando sua omissão for determinante para a concretização ou agravamento do dano, havendo 15Curso Ênfase © 2021 responsabilidade solidária para o poder público com execução subsidiária: em outras palavras, o poder público responde quando o outro não responder. Súmula nº 629 do STJ – Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar. Essa Súmula tem como fundamento o princípio da reparação integral. Diz o STJ: “(...) equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem. (...)” (Recurso Especial nº 1.090.968 ‒ SP ‒ 2008/0207311-0). Ou seja, um nexo causal muito forte com a questão do financiamento funciona assim: se alguém financia empreendimento que não tem licenciamento, que não obedece a padrões ambientais mínimos, a pessoa também paga por isso.É a Teoria do Bolso Profundo, obrigação solidária com litisconsórcio meramente facultativo. Por exemplo, o art. 12 da PNMA – Lei nº 6.938/1981 permite a responsabilidade daquele que financia o empreendimento ambiental sem licenciamento. Temos também, na Lei de Biossegurança, um dispositivo que permite a responsabilidade do financiador. 5. Precedentes em destaque do STJ 5.1. REsp. nº 1.797.175/SP – guarda de animal silvestre ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. NÃO CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. MULTA JUDICIAL POR EMBARGOS PROTELATÓRIOS. INAPLICÁVEL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 98 DO STJ. MULTA ADMINISTRATIVA. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. INVASÃO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. GUARDA PROVISÓRIA DE ANIMAL SILVESTRE. VIOLAÇÃO DA DIMENSÃO ECOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. 1. Na origem, trata-se de ação ordinária ajuizada pela recorrente no intuito de anular os autos de infração emitidos pelo IBAMA e restabelecer a guarda do animal silvestre apreendido. 2. Não há falar em omissão no julgado apta a revelar a infringência ao art. 1.022 do CPC. O Tribunal a quo fundamentou o seu posicionamento no tocante à suposta prova 16Curso Ênfase © 2021 de bons tratos e o suposto risco de vida do animal silvestre. O fato de a solução da lide ser contrária à defendida pela parte insurgente não configura omissão ou qualquer outra causa passível de exame mediante a oposição de embargos de declaração. 3. Nos termos da Súmula 98/STJ: “Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório”. O texto sumular alberga a pretensão recursal, posto que não são protelatórios os embargos opostos com intuito de prequestionamento, logo, incabível a multa imposta. 4. Para modificar as conclusões da Corte de origem quanto aos laudos veterinários e demais elementos de convicção que levaram o Tribunal a quo a reconhecer a situação de maus-tratos, seria imprescindível o reexame da matéria fático-probatória da causa, o que é defeso em recurso especial ante o que preceitua a Súmula 7/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Precedentes. 5. No que atine ao mérito de fato, em relação à guarda do animal silvestre, em que pese à atuação do IBAMA na adoção de providências tendentes a proteger a fauna brasileira, o princípio da razoabilidade deve estar sempre presente nas decisões judiciais, já que cada caso examinado demanda uma solução própria. Nessas condições, a reintegração da ave ao seu habitat natural, conquanto possível, pode ocasionar-lhe mais prejuízos do que benefícios, tendo em vista que o papagaio em comento, que já possui hábitos de ave de estimação, convive há cerca de 23 anos com a autora. Ademais, a constante indefinição da destinação final do animal viola nitidamente a dignidade da pessoa humana da recorrente, pois, apesar de permitir um convívio provisório, impõe o fim do vínculo afetivo e a certeza de uma separação que não se sabe quando poderá ocorrer. 6. Recurso especial parcialmente provido (REsp. nº 1.797.175/SP, julgado em 21.03.2019, publicado em 28.03.2019, rel. Ministro Og Fernandes). Esse julgado é fundamental do ponto de vista teórico; já do ponto de vista do resultado do julgamento, não tem grandes novidades, pois já foi trabalhado na parte de direitos dos animais. Nesse caso, tratava-se da guarda de ave silvestre; o STJ já tem vários precedentes nessa temática. Se o indivíduo tem uma ave que já esteja relativamente domesticada, restou consignado que viola a dimensão ecológica da dignidade humana a reintegração, ao seu habitat natural, de ave silvestre que já possui hábitos de animal de estimação e convivência habitual duradoura com seu dono. No entanto, teoricamente, reconheceu-se a dimensão ecológica 17Curso Ênfase © 2021 do princípio da dignidade humana; antes, isso não era considerado. Assim, a dignidade humana vale para todos os seres sencientes, pessoas e animais. Há um redimensionamento da própria relação entre ser humano e natureza, a partir daquele marco biocêntrico abordado na reflexão de Michel Serres: não temos uma relação de propriedade, mas de simbiose com o ambiente a fauna. À vista disso, reconheceu-se também o valor intrínseco do animal não humano e da natureza: o animal é um sujeito de direito não humano. Nota-se até uma evolução para uma perspectiva como a da Constituição equatoriana, em que a própria Pacha Mama (ou natureza) tem direitos, ou a decisão da Corte Constitucional colombiana, que reconheceu o Rio Atrato como sujeito de direitos, ou a decisão da Corte Constitucional indiana, que reconheceu o Rio Ganges como sujeito de direitos. Tem-se, dessa forma, que o animal não pode mais ser coisificado. Observa-se que a decisão sequer fala em “posse de animal”, mas, sim, em “guarda de animal” não humano, no sentido de, inclusive, atribuir direitos fundamentais aos animais não-humanos; noutros termos, rejeita-se a ideia de dominação do ser humano sobre os demais seres da coletividade planetária. Tudo isso foi trabalhado nesse julgado, logo, é muito relevante esse ponto de vista. Embora o dispositivo seja semelhante, o que foi trabalhado nesse julgado é muito forte sob a perspectiva da doutrina avançada de direitos dos animais. Confira as informações do inteiro teor do Informativo nº 645 do STJ: Inicialmente, cumpre destacar que se deve refletir sobre o conceito kantiano, antropocêntrico e individualista de dignidade humana para incidir também em face dos animais não humanos, bem como de todas as formas de vida em geral, à luz da matriz jusfilosófica biocêntrica (ou ecocêntrica), capaz de reconhecer a teia da vida que permeia as relações entre ser humano e natureza. Inserido nesse pensamento é que se faz premente a discussão, principalmente em relação aos animais não humanos, devendo-se reformular o conceito de dignidade, objetivando o reconhecimento de um fim em si mesmo, ou seja, de um valor intrínseco conferido aos seres sensitivos não humanos, que passariam a ter reconhecido o status moral e dividir com o ser humano a 18Curso Ênfase © 2021 mesma comunidade moral, conforme proposto pela doutrina. Percebe-se a dimensão ecológica do princípio da dignidade humana, com a concretização do Estado Constitucional Ecológico, ou Estado de Direito Ambiental. Desse modo, trabalha-se com uma concepção biocêntrica ou ecocêntrica, sendo premente a discussão da dignidade dos animais não humanos, isto é, a dimensão ecológica do princípio da dignidade humana. Vale lembrar que os animais têm um fim em si mesmos e um valor intrínseco por serem seres sensitivos. Ainda, é possível limitar os direitos fundamentais dos seres humanos com base no reconhecimento do interesse não humano de animais. Assim, a proteção dos direitos dos animais não ocorre por compaixão humana ou dignidade humana, mas pela própria dignidade inerente à existência dos animais não humanos. Por conseguinte, há a dignidade dos animais humanos, e há a dignidade dos animais não humanos: trata-se da dimensão ecológica do princípio da dignidade. Esse é um dever moral, tendo-se os animais não humanos como seres de valor próprio. No caso analisado, o foco foi no melhor interesse do animal (assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – inclui o princípio do melhor interesse da criança), bem como o que viola a dimensão ecológica da dignidade humana. Assim, reconheceu-seque as múltiplas mudanças de ambiente gerariam estresse ao animal. Por essa razão, o STJ deu a guarda definitiva do papagaio a seu “dono”, como já vinha fazendo em outros precedentes. 5.2. Informativo nº 643 (03/2019) – Tema nº 923 Quando acontece acidente como os de Mariana e Brumadinho, há dano ambiental público e privado; com isso, têm-se diversas ações individuais e uma ação não individual. O STJ disse, para a exploração de chumbo no município de 19Curso Ênfase © 2021 Adrianópolis, que gerou contaminação ambiental, que até a resolução da macrolide (grande lide) do dano ambiental público – que gerou todos os processos multitudinários em razão da suposta contaminação –, ficam suspensas as ações individuais. Esse é um caso de dano ambiental; dessa forma, trabalha-se o processo ambiental coletivo. Veja a tese firmada no Tema nº 923: Até o trânsito em julgado das Ações Civis Públicas n. 5004891-93.2011.4004.7000 e n. 2001.70.00.019188-2, em tramitação na Vara Federal Ambiental, Agrária e Residual de Curitiba, atinentes à macrolide geradora de processos multitudinários em razão de suposta exposição à contaminação ambiental decorrente da exploração de jazida de chumbo no Município de Adrianópolis-PR, deverão ficar suspensas as ações individuais. Dano ambiental. Ações civis públicas. Tutela dos direitos individuais homogêneos. Inexistência de prejuízo à reparação dos danos individuais e ao ajuizamento de ações individuais. Conveniência da suspensão dos feitos individuais. (...) Ajuizada ação coletiva atinente à macrolide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva. (...) A coletivização da demanda, é um dos meios mais eficazes para a realização do acesso à justiça, porquanto, além de reduzir os custos, consubstancia-se em instrumento para a concentração de litigantes em um polo, evitando-se, assim, os problemas decorrentes dos inúmeros procedimentos semelhantes. (...) Assim, o mais prudente é o sobrestamento dos feitos individuais até a solução definitiva do litígio coletivo. Em suma, o mais prudente é suspender os feitos individuais. 5.3. Informativo nº 643 – Tráfego de veículos de carga com excesso de peso Trata-se do REsp. nº 1.574.350/SC, julgado em 03.10.2017, publicado em 06.03.2019, relator Ministro Herman Benjamin. Destacamos que: O tráfego de veículos com excesso de peso gera responsabilidade civil em razão dos danos materiais às vias públicas e do dano moral coletivo consistente no agravamento dos riscos à saúde e à segurança de todos, sendo viável, como medida coercitiva, a aplicação de multa civil (astreinte), ainda que já imputada multa administrativa. 20Curso Ênfase © 2021 Tráfego de veículos de carga com excesso de peso. Danos materiais e morais coletivos in re ipsa. Aplicação de multa civil (astreinte) cumulável com multa administrativa. Nesse caso, o STJ falou que esse fato causa vários danos ambientais, como o aumento da poluição do ar e a facilitação de desgaste prematuro do pavimento. Ainda nesse cenário, além dos outros danos (como o risco de acidentes), há o dano material e moral coletivo in re ipsa (pelo simples fato). Caso a prova peça um exemplo de dano moral in re ipsa, além da resposta comumente dada referente à negativação em cadastro restritivo de proteção ao crédito, pode-se responder que, segundo o STJ, o tráfego de veículo com excesso de peso gera dano moral coletivo in re ipsa. Nesse precedente, o STJ falou que astreintes (multa civil) são totalmente cumuláveis com a multa administrativa. Por exemplo, considere um indivíduo que seja autuado por um dano ambiental pelo IBAMA (multa) e, depois, não cumpra uma obrigação de fazer no processo (multa civil). Essas multas serão cumuláveis. As finalidades são totalmente distintas: astreintes são para constranger/estimular o cumprimento da obrigação, e a autuação é pela responsabilidade administrativa. (...) O transporte com excesso de carga nos caminhões causa dano material e extrapatrimonial in re ipsa ao patrimônio público (consubstanciado em deterioração de rodovia federal), ao meio ambiente (traduzido em maior poluição do ar e gastos prematuros com novos materiais e serviços para a reconstrução do pavimento), à saúde e segurança das pessoas (aumento do risco de acidentes, com feridos e mortos) e à ordem econômica. (...) Portanto, há dano extrapatrimonial in re ipsa. Confira a informação do inteiro teor: A ação civil pública na origem possui o objetivo de impedir que veículos de carga de determinada empresa trafeguem com excesso de peso nas rodovias, em desacato à legislação, sob pena de multa civil (astreinte) e, ainda, a condenação ao pagamento de dano material e moral coletivo, nos termos da Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil 21Curso Ênfase © 2021 Pública). No caso analisado verificou-se que a lucratividade com o peso excessivo compensa e supera eventual pagamento de multa administrativa, o que comprova a incapacidade da sanção para reprimir e desencorajar a conduta legalmente vedada. Saliente-se que a existência de penalidade ou outra medida administrativa in abstracto (para o futuro) ou in concreto (já infligida), como resposta a determinada conduta ilegal, não exclui a possibilidade e a necessidade de providência judicial, nela contida a de índole cautelar ou inibitória, com o intuito de proteger os mesmos direitos e deveres garantidos, em tese, pelo poder de polícia da Administração, seja com cumprimento forçado de obrigação de fazer ou de não fazer, seja com determinação de restaurar e indenizar eventuais danos materiais e morais causados ao indivíduo, à coletividade, às gerações futuras e a bens estatais. Registre-se que a multa civil (astreinte), frequentemente utilizada como reforço de autoridade da e na prestação jurisdicional, não se confunde com multa administrativa. Tampouco caracteriza sanção judicial “adicional” ou “sobreposta” à aplicável pelo Estado-Administrador com base no seu poder de polícia. Além disso, a multa administrativa, como pena, destina-se a castigar fatos ilícitos pretéritos, enquanto a multa civil imposta pelo magistrado projeta-se, em um de seus matizes, para o futuro, de modo a assegurar a coercitividade e o cumprimento de obrigações de fazer e de não fazer (mas também de dar), legal ou judicialmente estabelecidas. A sanção administrativa não esgota, nem poderia esgotar, o rol de respostas persuasivas, dissuasórias e punitivas do ordenamento no seu esforço de prevenir, reparar e reprimir infrações. Por seu turno, indisputáveis os danos materiais, assim como o nexo de causalidade. O transporte com excesso de carga nos caminhões causa dano material e extrapatrimonial in re ipsa ao patrimônio público (consubstanciado em deterioração de rodovia federal), ao meio ambiente (traduzido em maior poluição do ar e gastos prematuros com novos materiais e serviços para a reconstrução do pavimento), à saúde e segurança das pessoas (aumento do risco de acidentes, com feridos e mortos) e à ordem econômica. O comando de limite do peso vem prescrito não por extravagância ou experimento de futilidade do legislador e do administrador, mas justamente porque o sobrepeso causa danos ao patrimônio público e pode acarretar ou agravar acidentes com vítimas. Portanto, inafastável a relação entre a conduta do agente e o dano patrimonial imputado. Por fim, confirma-se a existência do dano moral coletivo em razão de ofensa a direitos coletivos ou difusos de caráter extrapatrimonial – consumidor, ambiental, ordem urbanística,entre outros –, podendo-se afirmar que o caso em comento é de dano moral in re ipsa, ou seja, deriva do fato por si só. Considerando que o acórdão em si, em que pese extremamente extenso, está muito bem estruturado do ponto de vista didático, colacionamos o inteiro teor para aqueles que queiram acessá-lo 22Curso Ênfase © 2021 de forma mais cômoda. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO AO TRÂNSITO SEGURO. ARTS. 1º, 99 E 231, V, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO – CTB (LEI 9.503/1997). TRÁFEGO DE VEÍCULOS DE CARGA COM EXCESSO DE PESO. PROTEÇÃO DA SAÚDE E SEGURANÇA DAS PESSOAS E CONSUMIDORES, ASSIM COMO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E PRIVADO. OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – ODS. PEDIDO DE PROVIDÊNCIA JUDICIAL PREVENTIVA. INDEPENDÊNCIA ENTRE INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. ASTREINTE. DANOS MATERIAIS E MORAIS COLETIVOS. OCORRÊNCIA. ARTS. 1º, IV, E 3º DA LEI 7.347/85. RESPONSABILIDADE CIVIL. FATOS NOTÓRIOS. ART. 374, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VALOR DA INDENIZAÇÃO A SER FIXADO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA.HISTÓRICO DA DEMANDA. 1. Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal objetivando: a) impedir (obrigação de não fazer), sob pena de multa civil (= astreinte), que veículos da transportadora recorrida, em total rebeldia contra o Código de Trânsito Brasileiro, trafeguem com excesso de peso nas rodovias, e b) condenar a empresa ao pagamento de dano material e moral coletivo, nos termos da Lei 7.347/1985. 2. Segundo os autos, a Polícia Rodoviária Federal registrou 85 (oitenta e cinco) infrações de trânsito por excesso de peso cometidas por veículos da empresa entre os anos de 2003 e 2013, ou seja, praticamente uma autuação a cada dois meses. O MPF notificou a ré visando celebrar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), proposta por ela recusada sob a alegação de que, caso transportasse volume menor de carga, ficaria em desvantagem econômica perante seus concorrentes. Daí ser possível concluir que a lucratividade com o peso excessivo compensa e supera eventual pagamento de multa administrativa, o que só comprova a absoluta incapacidade da sanção para reprimir e desencorajar a conduta legalmente vedada. 3. Insurge-se o MPF contra sentença e acórdão que, primeiro, negaram condenar a empresa a não trafegar com excesso de peso pelas estradas, fazendo-o sob o argumento de que já existe, no Código Brasileiro de Trânsito, penalidade administrativa para tal conduta, e, segundo, afastaram a responsabilidade civil por danos materiais e morais coletivos. DIREITO AO TRÂNSITO SEGURO E POSIÇÃO DO BRASIL COMO UM DOS RECORDISTAS DE ACIDENTES. 4. Nos termos da legislação federal, “o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos” e “somente poderá transitar pelas vias terrestres o veículo cujo peso e dimensões atenderem aos limites estabelecidos pelo CONTRAN” (respectivamente arts. 1º, § 2º, e 99 do Código de Trânsito Brasileiro, grifo acrescentado). Além disso, o mesmo CTB dispõe ser infração administrativa “transitar com o veículo com excesso de peso”, prevendo, como penalidade, aplicação de multa e, 23Curso Ênfase © 2021 como medida administrativa, “retenção do veículo e transbordo da carga excedente” (art. 231, V). 5. Não obstante a literal prescrição normativa – fruto da ação do legislador e não de invencionice judicial fora de propósito – de um “direito de todos” (art. 1º, § 2º) e de um “dever de todos” (art. 99), o Brasil continua a apresentar altíssimo índice de mortes nas rodovias. Dados da Organização Mundial de Saúde colocam-nos como quarto País, nas Américas, em que mais se mata em acidentes de trânsito; e como campeão de mortes, em proporção ao número de habitantes, na América do Sul. Em 2015, foram registrados 37.306 óbitos e 204 mil feridos, consoante estatísticas do Ministério da Saúde. Estima-se que aproximadamente 43% dos acidentes nas estradas federais terminem com mortos ou feridos, totalizando um óbito para cada dez quilômetros de rodovia, e 234 para cada milhão de habitantes. 6. Ao lado das implicações patrimoniais stricto sensu (danosidade a bens públicos e privados), o direito ao trânsito seguro manifesta primordial e urgente questão de vida, saúde e bem-estar coletivos, três dos pilares estruturais do Direito Brasileiro. Donde ser inadmissível ao Poder Judiciário, defrontado com infrações cotidianas, repetitivas e por vezes confessadas de direito de todos, permanecer indiferente ou se omitir quando provocado a agir. Sobre o tema específico dos autos, legislação adequada temos de sobra, sem falar de políticas governamentais e princípios jurídicos apoiados na razão, na experiência e em expectativas comuns dos povos, formulados com amparo em consenso universal científico, ético e político, mormente por instituições internacionais permanentes, ao ponto de a Assembleia Geral das Nações Unidas haver consolidado a segurança no trânsito como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS (“até 2020, reduzir pela metade as mortes e os ferimentos globais por acidentes em estradas”, Objetivo 3.6). REMÉDIOS JURÍDICOS PREVENTIVOS, REPARATÓRIOS E SANCIONATÓRIOS: CLARA DISTINÇÃO ENTRE ESFERAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL 7. A existência de penalidade ou outra medida administrativa in abstracto (para o futuro) ou in concreto (já infligida), como resposta a determinada conduta ilegal, não exclui a possibilidade e a necessidade de providência judicial, nela contida a de índole cautelar ou inibitória, com o intuito de proteger os mesmos direitos e deveres garantidos, em tese, pelo poder de polícia da Administração, seja com cumprimento forçado de obrigação de fazer ou de não fazer, seja com determinação de restaurar e indenizar eventuais danos materiais e morais causados ao indivíduo, à coletividade, às gerações futuras e a bens estatais. No Brasil, a regra geral é que o comportamento anterior – real ou hipotético – do administrador não condiciona, nem escraviza, o desempenho da jurisdição. Isso porque a intervenção do juiz legitima-se tanto para impugnar, censurar e invalidar decisão administrativa proferida, como para impor ex novo aquela que deveria ter ocorrido, no caso de omissão, e, noutra perspectiva, para substituir a incompleta ou a deficiente, de maneira a inteirá-la ou aperfeiçoá-la. 8. Independentes entre si, multa civil (= astreinte), frequentemente utilizada 24Curso Ênfase © 2021 como reforço de autoridade da e na prestação jurisdicional, não se confunde com multa administrativa. Tampouco caracteriza sanção judicial “adicional” ou “sobreposta” à aplicável pelo Estado-Administrador com base no seu poder de polícia. Além disso, a multa administrativa, como pena, destina-se a castigar fatos ilícitos pretéritos, enquanto a multa civil imposta pelo magistrado projeta-se, em um de seus matizes, para o futuro, de modo a assegurar a coercitividade e o cumprimento de obrigações de fazer e de não fazer (mas também de dar), legal ou judicialmente estabelecidas. 9. A sanção administrativa não esgota, nem poderia esgotar, o rol de respostas persuasivas, dissuasórias e punitivas do ordenamento no seu esforço – típico desafio de sobrevivência – de prevenir, reparar e reprimir infrações. Assim, a admissibilidade de cumulação de multa administrativa e de multa civil integra o próprio tecido jurídico do Estado Social de Direito brasileiro, inseparável de um dos seus atributos básicos, o imperativo categórico e absoluto de eficácia de direitos e deveres. 10. Como explicitado pelos eminentes integrantes da Segunda Turmado STJ, por ocasião dos debates orais em sessão, a presente demanda cuida de problema “paradigmático”, diante “da desproporcionalidade entre a sanção imposta e o benefício usufruído”, pois “a empresa tolera a multa” administrativa, na medida em que “a infração vale a pena”, estado de coisa que desrespeita o princípio que veda a “proteção deficiente”, também no âmbito da “consequência do dano moral” (Ministro Og Fernandes). Observa-se nessa espécie de comportamento “à margem do CTB”, e reiterado, “um investimento empresarial na antijuridicidade do ato, que, nesse caso, só pode ser reprimido por ação civil pública” (Ministro Mauro Campbell). A matéria posta perante o STJ, portanto, é da maior “importância” (Ministra Assusete Magalhães), tanto mais quando o quadro fático passa a nefasta ideia de que “compensa descumprir a lei e pagar um pouquinho mais”, percepção a ser rejeitada “para que se saiba que o Brasil está mudando, inclusive nessa área” (Ministro Francisco Falcão). 11. Embora não seja esse o ponto central do presente litígio, nem ao leigo passará despercebido que se esvai de qualquer sentido ou valor prático, mas também moral, jurídico e político, a pena incapaz de desestimular a infração e dela retirar toda a possibilidade de lucratividade ou benefício. De igual jeito ocorre com a sanção que, de tão irrisória, passa a fazer parte do custo normal do negócio, transformando a ilegalidade em prática rotineira e hábito empresarial em vez de desvio extravagante a disparar opróbio individual e reprovação social. Nessa linha de raciocínio, o nanismo e a leniência da pena, incluindo-se a judicial, que inviabilizem ou dilapidem a sua natureza e ratio de garantia da ordem jurídica, debocham do Estado de Direito, pervertem e desacreditam seu alicerce central, o festejado império da lei. A ganância das transportadoras, in casu, espelha e semeia uma cultura de licenciosidade infracional, dela se alimentando em círculo vicioso, algo que, por certo, precisa ensejar imediata e robusta repulsa judicial. 12. Mas, aqui, repita-se, a questão trazida no recurso é de ordem diversa: a quem devem recorrer os 25Curso Ênfase © 2021 prejudicados e seus representantes, titulares do direito ao trânsito seguro? Encontrarão por acaso as portas do Judiciário fechadas sob o argumento de que existe para tais violações a correspondente sanção administrativa ou penal? A resposta correta, ao contrário, por mais consentânea com a ordem jurídica e a jurisprudência do STJ, só pode ser a de propiciar ao cidadão amplo acesso à justiça, em especial quando pleiteia “novos direitos” da classe em discussão, ainda pouco conhecidos e valorizados, lamentavelmente incompreendidos, como o direito ao trânsito seguro. 13. Em situações de ilegalidade, saber se compete ao Judiciário – na posição peculiar de árbitro par excellence e instância final da ordem jurídica – implementar direitos e obrigações solene e inequivocamente proclamados pelo legislador não haverá de incitar nenhuma surpresa ou hesitação, pouco importando o caráter implacável ou brando, ou mesmo a inexistência, de sanção administrativa ou penal. Por acaso caberia ao juiz missão de estatura superior à de, quando provocado, realizar direitos e obrigações legalmente previstos? Em verdade, o ápice do esplendor da potestade judicante irrompe no exercício do ofício intransferível e irrenunciável de, na jurisdição cível, (re)afirmar direitos e obrigações estatuídos pelo legislador – por óbvio, sem preterir os abonados criminal e administrativamente –, de modo a coibir, sem deixar frestas, infrações e reparar prejuízos no confronto diário das relações em sociedade. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS PATRIMONIAIS E MORAIS COLETIVOS. 14. É fato notório (art. 374, I, do CPC) que o tráfego de veículos com excesso de peso provoca sérios danos materiais às vias públicas, ocasionando definhamento da durabilidade e da vida útil da camada que reveste e dá estrutura ao pavimento e ao acostamento, o que resulta em buracos, fissuras, lombadas e depressões, imperfeições no escoamento da água, tudo a ampliar custos de manutenção e de recuperação, consumindo preciosos e escassos recursos públicos. Ademais, acelera a depreciação dos veículos que utilizam a malha viária, impactando, em particular, nas condições e desempenho do sistema de frenagem da frota do embarcador/expedidor. Mais inquietante, afeta as condições gerais de segurança das vias e estradas, o que aumenta o número de acidentes, inclusive fatais. Em consequência, provoca dano moral coletivo consistente no agravamento dos riscos à saúde e à segurança de todos, prejuízo esse atrelado igualmente à redução dos níveis de fluidez do tráfego e de conforto dos usuários. Assim, reconhecidos os danos materiais e morais coletivos (an debeatur), verifica-se a imprescindibilidade de devolução do feito ao juízo de origem para mensuração do quantum debeatur. 15. Recurso Especial provido, para deferir o pleito de tutela inibitória (infrações futuras), conforme os termos e patamares requeridos pelo Ministério Público Federal na petição inicial, devolvendo-se o feito ao juízo a quo a fim de que proceda à fixação dos valores dos danos materiais e morais coletivos e difusos. (Grifos nossos.) 26Curso Ênfase © 2021 5.4. Informativo nº 625 Trata-se da Ação Penal nº 888/DF. A assinatura do termo de ajustamento de conduta com órgão ambiental não impede a instauração de ação penal. Mesmo que se assine um TAC com o MP que atua na esfera cível, o MP que atua na criminal pode ajuizar ação penal. Isso se dá em razão da independência de instâncias, considerando que o MP é titular da ação penal. Confira as informações do inteiro teor: As Turmas especializadas em matéria penal desta Corte adotam a orientação de que, em razão da independência das instâncias penal e administrativa, a celebração de termo de ajustamento de conduta é incapaz de impedir a persecução penal, repercutindo apenas, em hipótese de condenação, na dosimetria da pena. Nesse sentido: AgRg no AREsp nº 984.920/BA, 6ª Turma, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 31.08.2017 e HC nº 160.525-RJ, 5ª Turma, rel. Min. Jorge Mussi, DJe 14.03.2013. Assim, “mostra-se irrelevante o fato de o recorrente haver celebrado termo de ajustamento de conduta, (...) razão pela qual o parquet, dispondo de elementos mínimos para oferecer a denúncia, pode fazê-lo, ainda que as condutas tenham sido objeto de acordo extrajudicial” (RHC nº 41.003/PI, 5ª Turma, rel. Min. Jorge Mussi, DJe 03.02.2014). Desse modo, a assinatura do termo de ajustamento de conduta, firmado entre denunciado e o Estado, representado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente, não impede a instauração da ação penal, pois não elide a tipicidade formal das condutas imputadas ao acusado. 5.5. Informativo nº 624 Confira a decisão sobre os embargos de declaração no Recurso Especial nº 1.417.279/SC, julgado em 11.04.2018, publicado em 20.04.2018, relator Ministro Joel Ilan Paciornik. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DISSÍDIO CONFIGURADO. CRIME DO ART. 54 DA LEI Nº 9.605/1998. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. NATUREZA FORMAL DO DELITO. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. DESNECESSIDADE. POTENCIALIDADE DE DANO À SAÚDE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. O delito previsto na primeira parte do art. 54 da Lei nº 9.605/1998 possui natureza formal, 27Curso Ênfase © 2021 sendo suficiente a potencialidade de dano à saúde humana para configuração da conduta delitiva, não se exigindo,portanto, a realização de perícia. Embargos de Divergência providos, recurso especial desprovido. O crime de poluição é formal e não precisa de perícia, visto que já tem, por si só, a potencialidade do dano à saúde. Isto é, não se faz necessária a perícia para aferir esse crime porque ele não precisa de resultado naturalístico. Com essas considerações, o material foi atualizado com base nas leis e nos julgados mais recentes dos tribunais superiores. Veja as informações do inteiro teor: Cinge-se a controvérsia a saber se é necessária a realização de perícia técnica para a comprovação do dano efetivo à saúde humana no que tange à caracterização de crime ambiental consubstanciado em causar poluição de qualquer natureza. Quanto ao ponto, o acórdão embargado entendeu que “O delito previsto na primeira parte do art. 54 da Lei nº 9.605/1998 exige prova do risco de dano, sendo insuficiente para configurar a conduta delitiva a mera potencialidade de dano à saúde humana”. Já para o acórdão paradigma, “O delito previsto na primeira parte do artigo 54, da Lei nº 9.605/1998, possui natureza formal, porquanto o risco, a potencialidade de dano à saúde humana, é suficiente para configurar a conduta delitiva, não se exigindo, portanto, resultado naturalístico e, consequentemente, a realização de perícia” (AgRg no REsp nº 1.418.795-SC, 5ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio Bellize, rel. para acórdão: Regina Helena Costa, DJe 07.08.2014). Deve prevalecer o entendimento do acórdão paradigma e nos casos em que forem reconhecidas a autoria e a materialidade da conduta descrita no art. 54, § 2º, V, da Lei nº 9.605/1998, a potencialidade de dano à saúde humana é suficiente para configuração da conduta delitiva, haja vista a natureza formal do crime, não se exigindo, portanto, a realização de perícia. 6. Jurisprudência em Teses Além do Jurisprudência em Teses nº 30, recentemente, o STJ publicou o de nº 119, tratando especificamente do tema 28Curso Ênfase © 2021 “Responsabilidade por dano ambiental”. Vejamos as 11 novas teses: 1) A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 – Tema nº 681 e 707, letra a.) 2) Causa inequívoco dano ecológico quem desmata, ocupa, explora ou impede a regeneração de Área de Preservação Permanente – APP, fazendo emergir a obrigação propter rem de restaurar plenamente e de indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob o regime de responsabilidade civil objetiva. 3) O reconhecimento da responsabilidade objetiva por dano ambiental não dispensa a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. 4) A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 – Tema nº 438.) 5) É imprescritível a pretensão reparatória de danos ao meio ambiente. 6) O termo inicial da incidência dos juros moratórios é a data do evento danoso nas hipóteses de reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidente ambiental. 7) A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental. (Súmula 618/STJ) 8) Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental. (Súmula 613/STJ) 9) Não há direito adquirido à manutenção de situação que gere prejuízo ao meio ambiente. 29Curso Ênfase © 2021 10) O pescador profissional é parte legítima para postular indenização por dano ambiental que acarretou a redução da pesca na área atingida, podendo utilizar-se do registro profissional, ainda que concedido posteriormente ao sinistro, e de outros meios de prova que sejam suficientes ao convencimento do juiz acerca do exercício dessa atividade. 11) É devida a indenização por dano moral patente o sofrimento intenso do pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 – Tema nº 439.) Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência dos temas em provas de concursos públicos. A autoria dos e-books não se atribui aos professores de videoaulas e podcasts. Todos os direitos reservados.
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