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1Curso Ênfase © 2021 TEMAS ESPECIAIS PARA JUIZ FEDERAL DIREITO INTERNACIONAL Aspectos práticos da aplicabilidade da Lei de Migrações (nº 13.445/17) na Justiça Federal 1. Medidas de acolhimento dos migrantes 1.1. Asilo Apesar de ser mencionado brevemente na Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), o asilo é relevante para a prova. Art. 27. O asilo político, que constitui ato discricionário do Estado, poderá ser diplomático ou territorial e será outorgado como instrumento de proteção à pessoa. O asilo é ato discricionário, depende da oportunidade e da conveniência do Poder Executivo. É a proteção outorgada por um Estado a um não nacional que sofre perseguição política ou ideológica de outro Estado. Então, o asilo é instituto que consiste na proteção dada, no acolhimento à pessoa que é vítima de perseguição política. A ideia-base do asilo é a perseguição de natureza política; esse é o pressuposto central, essencial para a configuração do asilo. E quem qualifica a perseguição como política ou não é o Estado asilante, conforme a previsão de alguns tratados internacionais. O Estado de perseguição, quem persegue, vai normalmente negar a perseguição 2Curso Ênfase © 2021 política; vai declarar que aquela pessoa cometeu um crime comum ou dará alguma justificativa para a conduta estatal. É o Estado asilante, aquele que se propõe a oferecer o asilo, quem vai definir, qualificar aquela perseguição como política ou não. Outro elemento essencial no conceito de asilo é a sua discricionariedade. Evidentemente, nenhum Estado é obrigado a conceder asilo político. Só concede asilo político, o Estado que considerá-lo oportuno e conveniente. A concessão de asilo político pode levantar vários problemas nas relações internacionais, pode gerar incidentes diplomáticos ou uma reação negativa à concessão do asilo. No entanto, não geraria uma represália, porque o ato de concessão de asilo político não é um ato ilícito. Segundo a classificação, o asilo pode ser: I – Asilo territorial O asilo territorial é aquele concedido no território do Estado asilante. Então, o perseguido vai até o território do Estado em que ele pretende receber asilo e o solicita. II – Asilo diplomático O asilo pode ser também diplomático, que é aquele que se dá na embaixada do Estado Asilante. Observação 1. O asilo diplomático deve ser sempre considerado como uma fase que antecede o asilo territorial, ou seja, o asilo diplomático é provisório e deve ser substituído pelo territorial. O asilo diplomático significa que aquela pessoa vai ficar protegida na embaixada do Estado asilante até que ela receba um salvo-conduto para o aeroporto internacional mais próximo e, de lá, para o território do Estado asilante, de forma que o asilo passa a ser territorial. Observação 2. O asilo diplomático nasceu como um costume internacional na América Latina, mas hoje existem também tratados sobre o asilo diplomático. Esse costume nasceu por causa do histórico na América Latina de regimes de exceção, de perseguição política. De fato, o asilo diplomático é algo desconhecido em outros países fora da América Latina. Exemplo: caso de Julian Assange. Julian Assange, do Wikileaks, recebeu asilo diplomático na embaixada do Equador, em Londres. Ele foi acusado de cometer crimes sexuais, mas declarou que era uma perseguição política, uma vez que ele tinha 3Curso Ênfase © 2021 realizado o vazamento de documentos, inclusive nos Estados Unidos. Porém, mesmo recebendo asilo diplomático na embaixada do Equador, em Londres, o Reino Unido não reconheceu o asilo na embaixada e ameaçou invadi-la para retirar Julian de lá. A justificativa dada era a de que asilo diplomático não existia no Reino Unido, apenas na América Latina. Quando o Reino Unido informou a sua intenção de invadir a embaixada do Equador, houve uma reação internacional muito grande, porque as embaixadas são invioláveis – mais adiante, serão objetos de estudo o direito diplomático e o direito consular –. Os locais de missão são invioláveis, e o Reino Unido não poderia entrar sem a autorização do Estado da embaixada, do Estado acreditante. Essa questão caiu em uma prova do TRF da 5ª Região, sobre a possibilidade de um Estado que não reconhece o asilo diplomático ingressar na Embaixada de um Estado estrangeiro para poder retirar uma pessoa de lá. Resposta: o Estado onde está localizado a embaixada é obrigado a respeitar esta inviolabilidade dos locais de missão, por força da Convenção de Viena de 1961 sobre relações diplomáticas. Hoje, existem diversos tratados – como os tratados de Havana (1928), de Montevidéu (1933), de Caracas (1954) – e as Convenções sobre asilo territorial e sobre asilo diplomático, ambas de 1954. O asilo será negado a quem tenha cometido crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos do estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, nos termos do art. 28 da Lei nº 13.445/2017. Se o indivíduo cometer algum desses graves crimes contra os direitos humanos, terá necessariamente negado o asilo. Aqui, resta uma mitigação à discricionariedade no ato de concessão de asilo pelo Estado asilante. Especialmente, o Brasil, por ser signatário do Tribunal Penal Internacional (TPI) (art. 5º, § 4º, da Constituição Federal – CF/1988), não pode conceder asilo a quem cometeu crimes contra os direitos humanos. Logo, se o crime for de competência do TPI, o Estado brasileiro não pode conceder o asilo. Ademais, ainda referente ao asilo, segundo o disposto no art. 29 da Lei de Migração, o asilado não pode sair sem prévia comunicação. Art. 29. A saída do asilado do país sem prévia comunicação implica renúncia ao asilo. 4Curso Ênfase © 2021 Exemplo: não é um exemplo do asilado, mas do refugiado, que também não pode sair sem autorização prévia do país que lhe concedeu refúgio. Um caso prático que chegou na 2ª Vara Federal foi o de um refugiado que fugiu de algum país da África, possivelmente o Chade, e que estava no Brasil. Ele e sua família haviam sofrido vários tipos de perseguições em seu país. No Brasil, ele conseguiu o reconhecimento da condição de refugiado e, um tempo depois, recebeu uma proposta para trabalhar nos Estados Unidos, para onde foi. Nos Estados Unidos, vários problemas aconteceram, dentre os quais a perda de seus documentos, sendo considerada ilegal sua entrada no país. Resolveram então deportá-lo e ofereceram deportá-lo para o Brasil, país onde ele estava anteriormente – uma vez comprovado o reconhecimento de sua condição como refugiado –, ou então para o próprio Chade. O Estado brasileiro, entretanto, não queria expedir o seu documento de viagem de retorno para o Brasil, por ele ter saído sem autorização. O refugiado estava na iminência de ser devolvido para o país onde ele sofria perseguição, logo, sua vida estava em perigo. Nesse caso, compreendeu-se que o Brasil precisava ainda fazer um processo administrativo para declarar a perda da condição de refugiado e, até a conclusão desse processo administrativo, com direito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, ele deveria voltar para o Brasil. Dessa forma, o Brasil, portanto, não poderia jamais permitir que ele fosse encaminhado para o país onde sofria perseguição, pois isso seria violação indireta ao princípio do non refoulement (princípio da não devolução ou não devolução). Porém, quem na verdade estava violando o princípio do non refoulement eram os Estados Unidos, que estavam querendo devolver o refugiado para o país onde ele poderia morrer, mas o Brasil também havia se omitido no seupapel de fornecer o documento de viagem para que ele pudesse retornar ao país, a fim de iniciar seu processo administrativo. Destarte, com base no princípio do non refoulement e na necessidade do devido processo legal para a perda da condição de refugiado do indivíduo, foi proferida uma decisão de tutela provisória para que o governo brasileiro trouxesse de volta o refugiado (mas o processo ainda não foi concluído). 1.2. Refúgio O refúgio é a proteção dada a uma pessoa que está em situação de deslocamento em razão de perseguição, por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social, opiniões políticas. Sendo assim, o art. 1º da Lei nº 9.474/1997 trata do conceito de refugiado no Brasil. Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: 5Curso Ênfase © 2021 .. I − devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II − não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. (Grifos nossos.) Muito Importante! A lei brasileira sobre refugiado foi além da tratativa do tema na esfera internacional e, ao acrescentar o inciso III no art. 1º da Lei nº 9.474/1997, o Brasil considera como refugiado aquele que está se deslocando em razão de grave e generalizada violação de direitos humanos. Logo, no Brasil, não é necessário que a pessoa sofra perseguição para ser refugiada, pode ser que ela seja reconhecida assim, por ter deixado seu país em razão de grave e generalizada violação de direitos humanos. Exemplo: é por isso que venezuelanos podem ser considerados refugiados no direito brasileiro. No marco regulatório da Convenção de 51, poderia haver dificuldade de enquadrar os venezuelanos como refugiados, porque aparentemente eles não estão sendo perseguidos – excetuando-se alguns casos de opositores políticos. Os venezuelanos estão vindo para o Brasil em razão de grave e generalizada violação dos direitos humanos: violação do direito à vida, à integridade física, aos direitos sociais, como moradia, alimentos, saúde etc. Eles estão fugindo da miséria e da penúria e, como de acordo com a lei brasileira as hipóteses de grave e generalizada violação dos direitos humanos estão incluídas no conceito através do inciso III, eles podem ser considerados refugiados. -- 6Curso Ênfase © 2021 Em 1951, foi aprovada a primeira grande convenção sobre refugiados, a qual está em vigor até hoje e é chamada de Carta Magna dos refugiados. O conceito de refugiado da Convenção de 1951 é o seguinte: A pessoa “que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de Janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode, ou em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual e consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele (art. 1º, A, 2, da Convenção). Esse conceito de refugiados, por ser antigo, possui algumas limitações: a) Limitação temporal: somente pessoas que, em razão de acontecimentos anteriores a 1º de janeiro de 1951, estivessem fugindo; ou seja, eles acreditavam que era um problema temporário, pontual. b) Limitação geográfica: não está no artigo primeiro, mas está na convenção. Destinado apenas às pessoas que estivessem fugindo da Europa. Não obstante, quando tratamos do tema refugiados, é essencial tratar do princípio non- refoulement, também previsto no Estatuto dos Refugiados, na Convenção Internacional de 1951, com previsão expressa na Lei nº 9.474, art. 7º, § 1º. Art. 7º O estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, a qual lhe proporcionará as informações necessárias quanto ao procedimento cabível. § 1º Em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. No art. 33, § 1º, da Convenção de 1951: Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçara, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo 7Curso Ênfase © 2021 social a que pertence ou das suas opiniões políticas. O princípio do non-refoulement, também chamado de princípio da não devolução ou o princípio do não rechaço, diz que o Estado tem a obrigação de não devolver o solicitante de refúgio para o local onde ele sofre a perseguição. E o princípio do non- refoulement é hoje considerado uma norma de jus cogens. Ele tem previsão em normas internacionais, como no art. 22, § 8º, da CADH; e no art.3º da Convenção da ONU contra a Tortura. Por fim, é necessário ressaltar que a convenção também traz uma exceção ao princípio do non-refoulement: o refugiado é considerado perigo para a segurança do país onde se encontra ou, tendo sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do dito país (art. 33, § 2º). Portanto, o princípio do non-refoulement não é absoluto, pois nenhum princípio é absoluto. Por isso, nesse dispositivo, ocorre uma relativização do princípio do non- refoulement. Neste momento, faremos algumas distinções entre asilo e refúgio muito importantes; na América Latina, essa distinção é realizada, mas fora da América Latina asilo e refúgio são conceitos misturados: I – O refúgio é regido por tratados universais, tal como a Convenção de 1951, o Protocolo de 1967. Além desses tratados, temas referentes a direitos humanos geralmente têm tratados relacionados ao refúgio, enquanto o tema asilo é regido pelo costume internacional e por tratados regionais na América Latina desde 1889. O asilo é algo mais comum na América Latina, e o refúgio é uma questão universal. II – O refúgio destina-se a vários tipos de perseguição: pode ser em razão da raça, de origem, de política, de opinião política etc.; enquanto o asilo abarca somente perseguição por motivo político. III – Refúgio pode ser concedido no caso de fundado temor de perseguição, e o asilo exige a atualidade da perseguição. Como já mencionado, para refúgio, basta ser fundado temor, para asilo, tem que ser uma perseguição atual. Porém, a diferença mais importante é: IV – No refúgio, o solicitante de refúgio possui direito público subjetivo de ingresso no território nacional (é o único estrangeiro que possui tal direito), o que não ocorre 8Curso Ênfase © 2021 com o solicitante de asilo. O solicitante de refúgio chega até o controle migratório e expressa sua vontade de solicitar refúgio. Ele recebe o formulário, preenche e aguarda a apreciação do seu pedido. Porém, enquanto isso não ocorre, o solicitante de refúgio tem o direito subjetivo de permanecer no território em que ele solicitou refúgio. O asilado não tem esse direito subjetivo de ingresso em território. A decisão de concessão do refúgio tem natureza declamatóriae é vinculada à presença dos requisitos convencionais e legais, não é uma decisão constitutiva e discricionária. Vale dizer que se o sujeito solicitante de refúgio provar o preenchimento dos requisitos para configuração do refúgio, hoje o Estado que ele solicitou este refúgio tem o dever de concedê-lo. Então, esse reconhecimento da condição de refugiado é um ato declaratório, porque apenas reconhece a presença dos requisitos. Não é decisão estatal que torna aquela pessoa refugiada; o ato estatal apenas reconhece que aquela pessoa é refugiada quando presentes os requisitos, sendo, portanto, um ato vinculado. No asilo é diferente. O ato é constitutivo, porque o que concede o asilo e torna a pessoa asilada é uma decisão discricionária, como já observado. Neste sentido, nenhum Estado é obrigado a conceder asilo, embora seja obrigado a conceder refúgio, quando presentes os requisitos ao reconhecer a condição de refugiado. Aqui, há um importante entendimento jurisprudencial sobre a possibilidade de controle da concessão de asilo. Exemplo 1: lind case a Extradição nº 1.085, caso Cesare Batisti. A extradição ainda será abordada em aula e talvez até os desdobramentos mais recentes do caso Cesare Batisti. Mas segue um breve resumo de sua extradição. 9Curso Ênfase © 2021 Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) estava apreciando o pedido de sua extradição, formulado pela Itália, o governo brasileiro reconheceu a condição de refugiado de Cesare Batisti. Após esse reconhecimento, a defesa foi até o STF e alegou que Cesare Batisti não podia ser extraditado, já que o governo brasileiro o havia reconhecido como refugiado. Em resposta, o STF destacou que o ato administrativo de reconhecimento da condição de refugiado era um ato vinculado e, logo, sujeito ao controle jurisdicional. Dessa forma, o STF declarou que iria verificar se Cesare Batisti realmente preenchia as condições de refugiado; caso sim, não poderia ser extraditado e seria indeferido o pedido extradicional. Porém, se Cesare não preenchesse as condições de refugiado, seria anulado esse ato administrativo e se prosseguiria com a extradição. De fato, foi esta última hipótese que ocorreu, e o STF anulou o ato administrativo que reconhecia a condição de refugiado de Cesare Batisti, dando prosseguimento à sua extradição. Segue a ementa: EXTRADIÇÃO. Passiva. Refúgio ao extraditando. Concessão no curso do processo, pelo Ministro da Justiça. Ato administrativo vinculado. (...) Não correspondência entre os motivos declarados e o suporte fático da hipótese legal invocada como causa autorizadora da concessão de refúgio. Contraste, ademais, com norma legal proibitiva do reconhecimento dessa condição. Nulidade absoluta pronunciada. Ineficácia jurídica consequente (Tribunal Pleno, Ext nº 1.085, rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 16.12.2009). Conclusão: é cabível controle jurisdicional do ato que reconheça a condição de refugiado. Exemplo 2: o STJ também tem jurisprudência de controle jurisdicional do ato administrativo que reconhece a condição de refugiado (STJ, REsp. nº 1.174.235/PR, 04.11.2010). Por fim, ainda tratando de um ponto importante das medidas de acolhimento dos migrantes, é cediço expor a relação entre refugiado e extradição. Sendo assim, segundo os arts. 33 e 34 da Lei nº 9.474/2017: Art. 33. O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio. Art. 34. A solicitação de refúgio suspenderá, até decisão definitiva, qualquer processo 10Curso Ênfase © 2021 .. de extradição pendente, em fazer administrativa ou judicial, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio. A solicitação do reconhecimento da condição de refugiado gera a suspensão do processo de extradição. E, se a pessoa obtiver o reconhecimento da condição de refugiado, o processo é extinto. Houve uma discussão no STF, no âmbito do controle difuso incidental de constitucionalidade, em que o Tribunal teve que decidir se o art. 33 violava o princípio da separação dos poderes. O entendimento da Corte foi no sentido da constitucionalidade do mencionado dispositivo, pois o STF tem a competência exclusiva para apreciar extradição. 2. Medidas de retirada compulsória dos migrantes Antes da Lei de Migração, eram estudadas três medidas: a deportação, a expulsão e a extradição. Hoje, com a nova Lei de Migração, houve mudanças: a extradição saiu acertadamente dessas medidas e foi para a cooperação jurídica internacional. No lugar da extradição, entrou a repatriação. Hoje, portanto, as três medidas de retirada compulsória dos migrantes são: repatriação; deportação; e expulsão. Muito Importante! As medidas de retirada compulsória devem observar o contraditório e a ampla defesa, pois a Lei de Migração tem uma essência democrática ao tratar a figura do migrante como um sujeito de direitos, e não mais como uma ameaça. Agora a centralidade é resguardar os direitos humanos. -- 11Curso Ênfase © 2021 2.1. Repatriação O conceito de repatriação está disposto no art. 49 da Lei de Migração: Art. 49. A repatriação consiste em medida administrativa de devolução de pessoa em situação de impedimento ao país de país de procedência ou de nacionalidade. O sujeito é impedido de entrar, porque preenche uma das hipóteses de impedimento de ingresso. E é essa devolução da pessoa ao país de procedência ou de nacionalidade que é chamada de repatriação. Por força do princípio da prevalência dos direitos humanos e, consequentemente, do respeito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, deve haver participação da defensoria pública. Art. 49. (...) § 2º A Defensoria Pública da União será notificada, preferencialmente por via eletrônica, no caso do § 4º deste artigo ou quando a repatriação imediata não seja possível. Quando não for possível a repatriação imediata, ou em casos específicos da legislação, a Defensoria deve ser notificada eletronicamente. I – Casos em que a lei veda a repatriação: A pessoa não poderá entrar, mas também não será possível repatriá-la. Logo, a pessoa deverá permanecer em território nacional. Não se aplica repatriação: a) à pessoa em situação de refúgio ou de apatridia de fato e de direito; b) ao menor de 18 anos desacompanhado ou separado de sua família, exceto nos casos em que se demonstrar favorável para a garantia de seus direitos ou para a reintegração à sua família de origem; c) a quem necessite de acolhimento humanitário; d) quando a medida de devolução para país ou região possa apresentar risco à vida, à integridade pessoal ou à liberdade da pessoa. Por força do princípio do non-refoulement 12Curso Ênfase © 2021 (art. 49, § 4º); e) repatriação coletiva, entendida como aquela que não individualiza a situação migratória irregular de cada pessoa (art. 61). Esse é um direito humano previsto em tratados internacionais e na Convenção Americana de Direitos Humanos. Na verdade, ela não versa sobre repatriação, mas sobre deportação, entretanto, essa norma se aplica às medidas de saída compulsória do estrangeiro de uma forma geral. Esses atos não devem ser praticados de forma coletiva, deve-se, portanto, examinar a situação de cada um; f) quando subsistirem razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco a vida ou integridade pessoal (art. 62). 2.2. Deportação A deportação já era conhecida do Estatuto do Estrangeiro e, com a Lei de Migração, surge uma regulação mais explícita e mais condizente com o estado democrático de direito. A deportação, de acordo com a lei, é: Art. 50. A deportação é a medida decorrente de procedimento administrativo que consiste na retiradacompulsória de pessoa que se encontra em situação migratória irregular em território nacional. A ideia-chave na deportação é “situação migratória irregular”, que é a situação documental irregular. Já na repatriação, a ideia-chave é o impedimento de ingresso. Art. 51. Os procedimentos conducentes à deportação devem respeitar o contraditório e a ampla defesa e a garantia de recurso com efeito suspensivo. Exemplo: sujeito com documentação irregular. Deve-se fazer o processo administrativo para deportá-lo. Nesse processo administrativo, se a pessoa não tiver advogado, deve haver participação da Defensoria Pública da União (DPU) (art. 51, § 1º, da Lei de Migração). I – Vedações à deportação a) Nos casos em que a extradição não é admitida pela legislação brasileira, que seriam a extradição dissimulada ou a extradição de fato (art. 53). 13Curso Ênfase © 2021 Se um Estado estrangeiro tiver interesse em processar ou aplicar uma pena a alguém que está no Brasil, o procedimento é a extradição. Nesses casos, o Brasil não pode utilizar nenhuma outra desculpa para poder encaminhar essa pessoa para o Estado solicitante, inclusive a deportação – a pessoa deve passar pelo procedimento extradicional. Já era assim no estatuto do estrangeiro e está de acordo com a Lei de Migração. Não se admite extradição dissimulada, ou seja, não seria possível extraditar, mas se procura alguma falha documental e, como o sujeito está com documento irregular, encaminha-se essa pessoa para o Estado requerente de extradição. Essa seria uma extradição dissimulada, disfarçada. Exemplo: no caso Cesare Battisti, em desdobramentos recentes, o ex-presidente da República assinou sua deportação e Cesare estava sendo procurado pela polícia para ser entregue às autoridades italianas. Entretanto, ele fugiu e foi para a Bolívia, onde foi preso. As autoridades italianas foram até o território da Bolívia e levaram Cesare Battisti para ter a pena aplicada no território italiano, porém o motivo para a retirada de Cesare Battisti, de acordo com o direito boliviano, foi a situação documental irregular. Ele teria sido deportado pela Bolívia, mas, na verdade, isso foi uma extradição disfarçada, dissimulada. No direito boliviano, não há uma regra como a existente na Lei de Migração, na qual não se admite a extradição dissimulada, mas, se fosse o contrário, isto é, se fosse o caso de uma pessoa qualquer que teve a extradição deferida na Bolívia e, na hora de fazer a entrega, a pessoa fugisse para o Brasil portando documentação irregular, de acordo com a Lei de Migração e a jurisprudência do Supremo, o Brasil não poderia entregar essa pessoa diretamente ao Estado requerente, porque ela teria que ser submetida ao processo extradicional. Se a pessoa estivesse sendo perseguida no momento pela Bolívia e passasse a fronteira do Brasil, entrando em território nacional, poderia até se pensar em devolvê-la para as autoridades que a perseguiam, o que algumas pessoas chamam de extradição por empurrão. No entanto, devolvê-la diretamente para o Estado em que a pessoa sofre um processo penal, de acordo com o direito brasileiro, não seria possível. Ela deveria submeter-se a um processo extradicional. Sendo assim, é possível concluir: a) Não se admite deportação nos casos em que a extradição é inadmitida; e quem 14Curso Ênfase © 2021 determina se a extradição é admitida ou não, no Brasil, é o STF. b) Não se pode deportar o indivíduo que solicita refúgio no Brasil, segundo o princípio do non-refoulement. c) Não se pode deportar a pessoa para o país onde ela sofre perseguição ou, no caso do Brasil, países onde ocorrem graves e generalizada violação de direitos humanos. d) Não se admite também deportação coletiva, sendo esta entendida como aquela em que não há individualização da situação migratória irregular de cada pessoa, assim como na repatriação (art. 61). e) Quando subsistirem razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco à vida ou à integridade pessoal. (art. 62). f) Também quando seguirem a linha do Princípio da Prevalência dos Direitos Humanos na nova Lei de Migração. 2.3. Expulsão Atualmente a definição de expulsão conforme a lei é: Art. 54. A expulsão consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado. Sendo assim, expulsão é determinar a retirada de uma pessoa do território nacional e colocar um prazo de proibição de reingresso. Isso é uma novidade da Lei de Migração. Por outro lado, no Estatuto do Estrangeiro, não havia nenhuma menção a prazo para possibilitar o regresso daquele que foi expulso do território nacional; a pessoa só poderia reingressar, se o decreto de expulsão fosse revogado. Era perpétua a penalidade administrativa de expulsão do estrangeiro, podendo voltar, somente, se aquele decreto de expulsão fosse expressamente revogado. No entanto, atualmente, o decreto já é emitido com prazo determinado de acordo com a Lei de Migração. Dessa forma, podemos entender expulsão como: Expulsão = medida administrativa de retirada combinada + proibição de regresso por tempo determinado 15Curso Ênfase © 2021 As hipóteses que dão ensejo à expulsão são definidas de forma taxativa para evitar abusos. Antigamente, dava ensejo à expulsão a “atividade nociva ao interesse nacional”, uma cláusula muito genérica. Exemplo: houve um caso na época do Presidente Lula, no qual o jornalista correspondente do New York Times fez uma matéria no Brasil sobre os hábitos etílicos do presidente, que achou isso um ato atentatório à dignidade e à soberania nacional. Na época, o então presidente mandou iniciar o procedimento de expulsão do jornalista. Houve uma mobilização da sociedade internacional e da imprensa brasileira defendendo a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão. E, por isso, o presidente voltou atrás. Atualmente, para ser expulso, tem que ter uma condenação com sentença transitada e julgado por: crime de genocídio, crime contra humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998; ou crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas gravidades as possibilidades de ressocialização em território nacional. Observação 1. “O processamento de expulsão em caso de crime comum não prejudicará a progressão de regime, o cumprimento da pena, a suspensão condicional do processo, a comutação da pena ou a concessão de pena alternativa de indulto coletivo e individual, de anistia ou de quaisquer benefícios concedidos em igualdade de condições ao nacional brasileiro” (art. 54, § 3º). Isso é jurisprudência do STF, que foi incorporada pela Lei de Migração, porque havia uma discussão sobre o caso de uma pessoa condenada que cumpria pena no Brasil por crime comum. No entanto, com um processo de expulsão em andamento, ela poderia ter progressão de regime e livramento condicional, já que, a qualquer momento, poderia ser expulsa do país. O STF pacificou a jurisprudência, no sentido de que o fato de ter um processo de expulsão em andamento não impede o estrangeiro de ter alguns dos benefícios penais comuns, disponíveis para um preso brasileiro. Observação 2. “No processo de expulsão, serão garantidos o contraditório e a ampla defesa”, evidentemente, e “a Defensoria Pública da União será notificada da instauração de processo de expulsão, se não houver defensor constituído” (art. 58).”A existência de processo de expulsão não impede a saída voluntária do expulsando do 16Curso Ênfase © 2021 país” (art. 60). Antigamente, havia também a seguinte discussão:alguém com processo de expulsão não poderia sair do país. Contemporaneamente, isso já é diferente. Por outro lado, existem vedações à expulsão. São as hipóteses: a) Quando a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira, que é a extradição dissimulada ou extradição de fato (art. 55, I). O STF negou a extradição do indivíduo, e o governo acredita que esse sujeito deveria ser mandado para fora do Brasil, então, procuram por algo para expulsar o indivíduo para o Estado requerente. Não pode, somente se for para outro Estado. b) Quando o expulsando tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela (art. 55, II, a). Já existia súmula do STF nesse sentido e a Lei de Migração acolheu essa vedação. Destaca-se que não adianta ter filho brasileiro se não cuidar deste, não o ter sob sua guarda ou dependência. Essa restrição não se aplica à extradição. Súmula nº 1 do STF: É vedada a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna. c) Quando o expulsando “tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente” (art. 55, II, b). d) Quando o expulsando “tiver ingressado no Brasil até os 12 (doze) anos de idade, residindo desde então no país” (art. 55, II, c). e) Quando o expulsando for pessoa com mais de 70 (setenta) anos que resida no país há mais de 10 (dez) anos, considerados a gravidade e o fundamento da expulsão (art. 55, II, d). f) Não se procede também à “expulsão coletiva, entendida como aquela que não individualiza a situação migratória irregular de cada pessoa” (art. 61 e art. 22, § 9º, da CADH). g) “Quando subsistirem razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco a vida ou a integridade pessoal” (art. 62). Sempre está nas vedações dessas medidas de retirada compulsória. h) Não procede tampouco a expulsão do estrangeiro pretendente de refúgio, por força 17Curso Ênfase © 2021 do princípio do non-refoulement. Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência dos temas em provas de concursos públicos. A autoria dos e-books não se atribui aos professores de videoaulas e podcasts. Todos os direitos reservados.
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