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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE ODONTOLOGIA - DEPARTAMENTO DE ESTOMATOLOGIA DISCIPLINA DE RADIOLOGIA E IMAGINOLOGIA II CISTO RADICULAR RESIDUAL: UMA REVISÃO DE LITERATURA Amanda Cristina Gresele Pollo; Carmem Eduarda Rohr Flores; Gabriela da Luz Machado. CONCEITO O Cisto Residual é uma lesão cística originada de um cisto inflamatório periapical, que persiste após a exodontia do dente envolvido. Se o saco cístico estiver muito fragmentado, deixando restos epiteliais, ou se um cisto periapical for removido de forma incompleta com restos epiteliais remanescentes, um cisto residual pode se desenvolver nessa área meses ou mesmo anos depois. Esta lesão cística representa cerca de 10% de todos cistos odontogênicos, sendo relatado por muitos estudos como mais frequente em maxila, especialmente ao redor dos incisivos e caninos (HIGH et al., 1986; JAMDADE et al., 2012). Corriqueiramente, mostram-se assintomáticos, apresentando sintomatologia dolorosa apenas em casos de infecções secundárias ou quando causa compressão nervosa devido ao seu tamanho, levando o paciente ao relato de dor (MENDONÇA et al, 2015). Por isso, são frequentemente descobertos como achados em radiografias de rotina (TSVETANOV, 2016). Os métodos diagnósticos empregados para detecção de cistos residuais incluem desde exame clínico detalhado, exame radiográfico, tomografia computadorizada (TC), tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) e exame histopatológico (MARTORELLI et al, 2021). Apresentam-se como uma lesão circunscrita por um epitélio (provido pelos restos epiteliais de Malassez) e preenchida por um material fluido ou semi-sólido. As células epiteliais primeiro proliferam, depois sofrem degeneração e liquefação, levando à formação de um cisto, que cresce de forma esférica devido à pressão interna igual nas paredes do cisto, mas em alguns casos a forma muda devido à resistência produzida pelos dentes circundantes. Isso também pode levar ao deslocamento dos dentes e às vezes até do osso cortical (geralmente expansão da cortical vestibular) pela pressão produzida durante a expansão do cisto (TSVETANOV, 2016). Além disso, histologicamente, apresenta um infiltrado inflamatório crônico (HIGH et al., 1986) e com o passar do tempo, a lesão pode crescer, permanecer estática ou diminuir completamente. ASPECTOS CLÍNICOS Clinicamente os cistos residuais usualmente não apresentam qualquer alteração nem sintomatologia, mas quando atingem tamanhos maiores, podem provocar um aumento de volume na região e comprometer estruturas anatômicas adjacentes, como o Nervo Alveolar Inferior, causando uma compressão e consequentemente parestesia no local. Também no exame clínico podem ser evidenciados sinais de sensibilidade, mobilidade e deslocamento dos dentes adjacentes e abaulamento na região afetada, além de assimetria facial, dor à palpação e à mastigação (MARTORELLI et al, 2021; TREVISAN, 2010) (MARTORELLI et al, 2021) (JAMDADE et al., 2012). ASPECTOS RADIOGRÁFICOS Radiograficamente, é uma lesão de tamanho variado, radiolúcida, arredondada, circunscrita e com uma margem corticada, apresentando na sua região central uma imagem radiopaca, além de ausência do elemento dentário associado ao desenvolvimento da lesão (MARTORELLI et al, 2021). Ocasionalmente, à medida que o cisto envelhece, a degeneração do conteúdo celular dentro do lúmen leva a calcificações distróficas e opacidades radiográficas (TSVETANOV, 2016). (NEVILLE et al., 2009) DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS São citados na literatura para o diagnóstico diferencial patologias como Ameloblastoma, Ceratocisto odontogênico, Cisto periodontal lateral e Cisto radicular, uma vez que todas estas apresentam-se como lesões radiolúcidas circunscritas e assintomáticas em sua maioria. As características histológicas e clínicas do cisto radicular são muito semelhantes às do cisto residual, exceto pelo local dos dentes extraídos; assim, a característica principal de diferenciação se dá por conta de o Cisto residual se encontrar em região edêntula, e o Cisto radicular em dente sem vitalidade pulpar, estando mais associados aos molares e aparecem como uma zona radiolúcida circundante às raízes e que preenche o espaço interradicular na região de furca (TSVETANOV, 2016; NEVILLE, 2009). (NEVILLE et al., 2009) Por sua vez, o Cisto periodontal lateral também se apresenta radiograficamente como uma lesão assintomática, unilocular, circunscrita e radiolúcida. No entanto, este apresenta-se um achado incomum de cisto odontogênico do desenvolvimento que ocorre tipicamente ao longo da superfície radicular lateral de um dente vital, e acredita-se que surja dos restos da lâmina dental (folículo pericoronário) e representa a contraparte intra-óssea do cisto gengival do adulto. (NEVILLE et al., 2009) O ceratocisto odontogênico é a lesão mais frequentemente confundida. Apresenta-se como uma área radiolúcida com margens definidas, frequentemente em ramo de mandíbula, unilocular e assintomática. No entanto, em caso de lesões grandes, podem-se apresentar associadas a dor, edema e tumefação, características estas semelhantes ao Cisto residual, exceto que estas também podem ser multiloculadas e tendem a crescer em direção ântero-posterior se disseminando por meio dos espaços intramedulares, em oposto ao Cisto residual, que apresenta crescimento em todos os sentidos, além de apresentar mais edema facial, uma vez que apresenta espessamento maior da cortical vestibular. Além da possibilidade de estar solitário sem a associação de um dente, o ceratocisto apresenta reabsorção das raízes dos dentes erupcionados adjacentes, no entanto é menos comum do que a notada com os cistos dentígero e radicular. (FERREIRA, 2021) (ARAÚJO et al, 2019) (NEVILLE et al., 2009) O ameloblastoma é o tumor odontogênico mais frequentemente encontrado. Quando unilocular, por suas características radiográficas e clínicas, podem ser confundidos com Cistos residuais. Entretanto, em geral, essa lesão apresenta sintomatologia branda, podendo haver relato de mobilidade dentária, dor, parestesia, aumento de volume da face, além disso, reabsorções radiculares em dentes adjacentes à lesão são comuns, assim como expansão óssea, principalmente em área de molares e ramo mandibular, e em sentido vestíbulo-lingual (BARBIERI et al, 2021; SIQUEIRA et al, 2020). Segundo Neville, os achados clínicos e radiográficos na maioria dos casos de ameloblastoma unicístico sugerem a presença de um cisto odontogênico. Portanto, esses tumores usualmente são tratados, como cistos, através de enucleação. O diagnóstico de ameloblastoma é feito somente após a análise microscópica do suposto cisto. Se os elementos ameloblásticos estiverem confinados ao lúmen do cisto, com ou sem extensão tumoral intraluminal, então a enucleação do cisto provavelmente foi o tratamento adequado. O paciente, contudo, deve ser mantido sob acompanhamento por longo período. Se o espécime exibir extensão do tumor em direção à parede fibrosa do cisto, não importa em que distância, então há maior controvérsia a respeito do tratamento subsequente do paciente. Alguns cirurgiões acreditam que a ressecção local da área está indicada como medida profilática; outros preferem manter o paciente sob rígido controle radiográfico e adiar o tratamento adicional até que haja evidência de recidivas. (SIQUEIRA et al, 2020). TRATAMENTO Muitos autores consideram a enucleação, quando possível, a técnica mais indicada para o tratamento dos cistos residuais (TSVETANOV, 2016; TREVISAN, 2010). A enucleação consiste no desprendimento da membrana cística do seu alojamento ósseo e posterior remoção total da lesão, sem ruptura. Esta técnica deve ser realizada com cuidado, pois a remoção da peça por inteiro reduz as chances de recidiva e em casos de enucleação de grandes cistos pode ocorrer a permanência de uma cavidade óssea ampla, sendo necessário em alguns casos a realizaçãode enxerto, a fim de favorecer a regeneração (NETO et al., 2004; TREVISAN, 2010) Em casos de lesões extensas, quando há risco de fratura em razão da fragilidade da estrutura óssea e por diminuir o risco de defeitos ósseos é indicada a marsupialização (MARTORELLI et al, 2021). Nessa técnica é criada uma janela cirúrgica na parede do cisto, esvaziando o conteúdo cístico e mantendo a continuidade entre o cisto e a cavidade bucal, seio maxilar ou cavidade nasal, reduzindo a pressão intracística, promovendo a diminuição do cisto e resultando em preenchimento ósseo (NETO et al., 2004). Qualquer procedimento cirúrgico deve ser bem avaliado e planejado, sempre tomando em consideração a extensão e relações anatômicas do processo cístico, orientando assim a técnica cirúrgica e as precauções a serem tomadas. Os cistos de origem inflamatória não recidivam após tratamento adequado, mas o acompanhamento clínico e radiográfico de pelo menos um ano são preconizados por muitos autores (TREVISAN, 2010). No entanto, é sólido na literatura que o tratamento cirúrgico faz-se muito necessário uma vez que a presença dessa lesão cística em um sítio desdentado impossibilita um possível tratamento reabilitador oral em pacientes que precisam restabelecer a função mastigatória (MENDONÇA et al, 2015). PROSERVAÇÃO O cisto residual não tem tendência a recidiva, por isso tem um bom prognóstico. Após a excisão, a cicatrização óssea geralmente ocorre na região do cisto, sendo que em casos excepcionais o epitélio pode dar origem ao carcinoma espinocelular. Se o cisto radicular ou cisto residual permanecer sem tratamento, seu crescimento contínuo pode causar destruição significativa e enfraquecimento da maxila ou mandíbula. Os autores mostraram o fato de que o epitélio de enucleação incompleta pode desenvolver um cisto residual após meses a anos após o tratamento, sendo que se as lesões forem tratadas de forma justa, em geral, há reparo ósseo. De forma característica, cicatrizes fibrosas intra ósseas são possíveis, especialmente quando ambas as placas corticais foram perdidas; isso pode dar a aparência de uma lesão radiolúcida persistente. (TSVETANOV, 2016) CASO CLÍNICO Paciente, sexo feminino, 52 anos, procurou a clínica privada para avaliação de lesão na boca. Referiu na anamnese que há cerca de 06 meses sentiu um caroço na boca que foi aumentando gradualmente. Negou dor na região e no exame clínico extrabucal não apresentou alterações significativas. Ao exame clínico intrabucal apresentava ausência dos 18, 16, 15, 14, 12, 11, 21, 22, 24, 25, 26, reabilitados por prótese parcial removível. Foi ainda observado um aumento considerável de volume no vestíbulo, região dos 11, 21 e 22, de consistência flutuante à palpação. Figura 1 - Aspecto inicial da lesão Foram solicitados exames de imagem (Ortopantomografia e tomografia volumétrica de feixe cônico) que evidenciou a presença de lesão radiolúcida, bem circunscrita e bem delimitada, circundada por halo esclerótico, estendendo-se da região do 11 ao 23 (este último respondendo positivamente aos testes de sensibilidade. Figura 2 - Tomografia volumétrica evidenciando tamanho e os limites da lesão. Confrontando os dados da anamnese, exame físico e exames de imagem, firmamos uma hipótese diagnóstica de cisto periapical residual. Foi então proposta uma descompressão com fins de biópsia incisional e de terapia de demora. Após leitura, concordância e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os exames rotineiros foram solicitados e a cirurgia programada. Sob anestesia local infiltrativa, foi realizada a incisão e remoção de parte da cápsula da lesão e empreendida a marsupialização através de sutura por pontos isolados de seda 3-0. O material coletado foi imediatamente fixado em solução de formol 10%. Uma mecha de gaze medicamentosa (neomicina e bacitracina) foi colocada no interior da loja. A sutura e a gaze medicamentosa foram removidas no 7º dia de pós-operatório, que transcorreu sem qualquer anormalidade. Foram recomendados os cuidados de higiene na loja, sendo a paciente acompanhada mensalmente por um período de 06 meses quando, pelo estado de regressão da lesão, foi realizada a remoção da cápsula rôta. O material foi encaminhado para exame histopatológico. A paciente encontra-se no 3º ano de controle pós-operatório. REFERÊNCIAS: ACIOLE, Gilberth Tadeu dos Santos et al. Tumor odontogênico queratocisto recidivante: tratamento cirúrgico conservador ou radical? relato de caso clínico. Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. [online]. 2010, vol.10, n.1, pp. 43-48. ISSN 1808-5210. ARAÚJO, S.; KINDELY RAMOS DE OLIVEIRA, L. .; MOMBRINI PIGATTI, F. .; MAYRINK, G. . Queratocisto odontogênico em região anterior da maxila: relato de caso. HU Revista, [S. l.], v. 45, n. 1, p. 82–86, 2019. DOI: 10.34019/1982-8047.2019.v45.16941. BARBIERI, B.; MACHADO, B. A. S.; FILHO, A. C. R.; MIRANDA, I. L. B.; LAZARINO, V. L.; CAVALCANTE, V. F.; GOMES; J. R. C.; SANTOS, B. C. F.; BARBOSA, A. A. X. Ameloblastoma unicístico: qual a abordagem ideal? Uma revisão de literatura. Brazilian Journal of Development, Curitiba. 2021, vol 8, n8, p. 79720-79733. BASSEL, Tarakji et al. Malignant transformation of radicular cyst/residual cyst: a review of literature. British Journal of Medicine and Medical Research, v. 4, n. 25, p. 4278-4288, 2014. FERREIRA, Leticia Gonçalves. CERATOCISTO ODONTOGÊNICO EM MAXILA: RELATO DE CASO CLÍNICO. Revista Fluminense de Odontologia, 2021. HIGH, A. S.; HIRSCHMANN, P. N. Age changes in residual radicular cysts. Journal of Oral Pathology & Medicine, v. 15, n. 10, p. 524-528, 1986. JAMDADE, Anshuman et al. Localization of a peripheral residual cyst: diagnostic role of CT scan. Case Reports in dentistry, v. 2012, 2012. MARTORELLI, S. B. F.; MARTORELLI, F. O.; BARBOSA, M. R.; LEITE, D. S. G.; LEITE, C. L. C. D.; RIBEIRO, G.D. Cisto periapical residual: relato de caso clínico. Brazilian Journal of Surgery and Clinical Research, vol.35,n.3,pp.12-16 (Jun - Ago 2021). MENDONÇA, J. C. G. de; GAETTI JARDIM, E. C.; SANTOS, C. M. dos; MASOCATTO, D. C.; QUADROS, D. C. de; OLIVEIRA, M. M.; MACENA, J. A.; TEIXEIRA, F. R. Cisto periapical residual: Relato de caso clínico-cirúrgico. ARCHIVES OF HEALTH INVESTIGATION, [S. l.], v. 4, n. 1, 2015. NETO, Marcos Martins; DANESI, Cristiane Cademartori; UNFER, Daniele Taís. Contribuição ao estudo do cisto radicular revisão da literatura. Saúde (Santa Maria), p. 90-99, 2004. NEVILLE, B.W.; DAMM, D.D.; ALLEN, C.M.; BOUQUOT, J.E. Patologia Oral e Maxilofacial. Trad. 3a Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. NONAKA, Cassiano Francisco Weege et al. Immunoexpression of vascular endothelial growth factor in periapical granulomas, radicular cysts, and residual radicular cysts. Oral Surgery, Oral Medicine, Oral Pathology, Oral Radiology, and Endodontology, v. 106, n. 6, p. 896-902, 2008. SIQUEIRA, R. P. L.; CAETANO, L. G. Ameloblastoma unicístico: relato de caso clínico. Revista Científica da UNIFENAS. 2020, vol 1, n1, pp. 27-31. TOLEDO, G. L.; MARZOLA, C.; FILHO, J. L. T.; CAPELARI, M. M.; MOURA, L. A. Cisto ósseo traumático: relato de caso. Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial. 2009, vol 50, n4, pp 237-241. TREVISAN, Bruno. Cisto residual: relato de caso. 2010. TSVETANOV, T. S. Residual cysts: A brief literature review. International Journal of Medical and Dental Sciences, p. 1341-1346, 2016.
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