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FACULDADE INTEGRADA TIRADENTES - FITS BACHARELADO EMMEDICINA CASO CLÍNICO AMBULATÓRIO DE NEUROLOGIA ETAPA 07 1. HISTÓRIA CLÍNICA: J.B.S, 50 anos, sexo masculino, cisgênero, pardo, auxiliar de pedreiro, casado. Compareceu à consulta em ambulatório de neurologia, acompanhado da esposa, referindo tremor na mão direita de início há 05 meses, com envolvimento da mão esquerda há quatro meses. Afirmou, também, possuir lentidão de movimentos e “endurecimento das pernas ao caminhar”, além de notar o tremor de forma mais acentuada em movimentos que exigem maior precisão. No momento da consulta se queixou de apatia, sonolência diurna excessiva e sintomas depressivos, mas sem queixas cognitivas. Como antecedentes, apresentava hipertensão arterial, com bom controle clínico da comorbidade. Em uso crônico de Losartana 50 mg (1-0-1). Paciente nega história familiar parecida. 2. EXAME FÍSICO INICIAL ● Bom estado geral, lúcido e orientado no tempo e espaço; mucosas normocoradas e hidratadas; ● Face com hipomimia discreta; ● Tremor de repouso de moderada amplitude em membros superiores, mais intenso à direita; ● Tremor postural reemergente em membros superiores; ● Rigidez discreta em cano de chumbo em membros superiores e inferiores, , com sinal da roda denteada avaliado em punhos, bilateralmente; ● Bradicinesia discreta ao finger tapping, pronação/supinação e foot tapping; ● Pull test sem queda com 1 passo para trás para se equilibrar. DISCUSSÃO - DOENÇA DE PARKINSON INTRODUÇÃO O parkinsonismo consiste numa síndrome caracterizada por quatro sinais cardeais: tremor, rigidez, bradicinesia/acinesia e instabilidade postural, sendo conhecidos como TRAP/BRIT. A síndrome TRAP é constituída por diversas causas e, dentre elas, a doença de Parkinson (DP) é a causa mais comum. A doença de Parkinson é a segunda doença neurodegenerativa mais comum relacionada à idade, ficando atrás apenas da doença de Alzheimer, sendo a principal causa de parkinsonismo (cerca de 80% dos casos). As manifestações clínicas da DP foram inicialmente descritas pelo médico inglês James Parkinson, em 1817, por meio de apenas inspeções realizadas no exame físico geral dos seus pacientes, sem qualquer outro exame adicional, padrão diagnóstico que é seguido até os dias atuais. A DP é caracterizada pelas “manifestações essenciais”, as quais consistem em tremor de repouso, rigidez, bradicinesia, disfunção da marcha e instabilidade postural. Em relação à epidemiologia, estudos demonstram que até 2030 terão cerca de 9 milhões de pessoas com DP, aumento numérico que leva como base o envelhecimento da população. A idade média de início da DP é de cerca de 60 anos, tendo essa frequência aumentada com o envelhecimento, tendo os homens como o gênero de maior risco de desenvolver a doença ao longo da vida. De modo a classificar de acordo com a idade do início dos sintomas da DP, quando há início entre 20 e 40 anos, pode-se qualificar uma DP de início precoce, e quando surge antes dos 20 anos de idade, de modo raro e refletindo uma forma de cunho fortemente genético, pode-se qualificar como parkinsonismo juvenil. FATORES DE RISCO Os fatores de risco para DP ainda são incertos, entretanto estudos descrevem o sexo masculino (sendo o risco relativo 2% maior), a idade avançada, histórico familiar, genética - havendo relação com genes para MAO B e a COMT, mas também sobre os genes Park 1 que codificam a alfasinucleína, relacionados com a forma autossômica dominante da DP, e sobre genes Park 2, que codificam a parkina, relacionadas com a forma autossômica recessiva juvenil da DP; exposição à pesticidas, herbicidas ou substâncias utilizadas na indústria, residência em ambiente rural, trabalhar em fazenda e beber água de poço. Assim como os fatores de risco, os possíveis fatores de proteção também possuem estudos incertos e não bem estabelecidos em estudos até os dias atuais. FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia da DP é de suma importância para o entendimento da progressão clínica da doença e das intervenções terapêuticas. Há diversas teorias sobre este assunto, mas a vertente mais propagada atualmente prega que a doença de parkinson é o resultado de uma disfunção da alça dopaminérgica nigroestriatal, havendo uma diminuição da via direta (pró-movimento) e uma acentuação da via indireta (contra o movimento), ou seja, há uma redução da ativação dos sistemas motores corticais e uma inibição excessiva do tálamo, respectivamente. De acordo com o estadiamento de Braak, a degeneração neuronal com aparecimento dos corpos de Lewy (inclusões citoplasmáticas eosinofílicas que contém principalmente a alfa-sinucleína), inicia no núcleo olfatório anterior, núcleo motor dorsal do vago, locus coeruleus, substância negra e mesocórtex temporal, nessa ordem. Com a progressão da doença, há comprometimento cortical, principalmente no córtex associativo de ordem superior e pré-frontal, seguindo para o córtex primário motor e sensitivo, que quando acometido, qualifica o estadiamento patológico de Braak nível 6. Ademais, há o comprometimento dos neurônios colinérgicos do núcleo basal de Meynert (NBM), tendo uma importante diminuição da acetilcolina, o que é relevante na teoria anatomoclínica na DP. QUADRO CLÍNICO A doença de Parkinson (DP) é conhecida por apresentar duas categorias de sintomas: os motores e os não motores. Embora a sintomatologia motora seja a mais comumente associada à DP, os sintomas não motores também são frequentes e, em muitos casos, podem surgir anos antes das manifestações motoras. Alguns exemplos de sintomas iniciais da DP incluem constipação intestinal, depressão e redução da capacidade olfativa (hiposmia ou anosmia). É importante destacar que a constipação intestinal e a depressão são bastante comuns na população geral e geralmente não são suspeitos de estar relacionados ao desenvolvimento da DP no futuro. Já a hiposmia, embora nem sempre seja percebida pelo paciente, pode ser um sinal precoce da doença e muitas vezes é confundida com sintomas associados à rinite ou não é valorizada pelo médico, ainda mais após o período pandêmico da COVID-19, em que mesmo após a síndrome, referido sintoma olfativo permanecia. Outrossim, à medida que a DP progride, é comum que os pacientes apresentem seborreia acentuada na face e nos cabelos. Alguns pacientes também podem ter sudorese pronunciada ou hipotensão postural em fases mais avançadas da doença. As manifestações motoras clássicas, como tremor de repouso, rigidez muscular, acinesia e modificações de postura e equilíbrio geralmente começam de forma unilateral e, ao longo do tempo, adicionam-se manifestações contralaterais, a assimetria é uma característica marcante da doença durante toda a sua evolução. O tremor de repouso é o primeiro sintoma detectado em 70% dos casos e é chamado assim porque a sua amplitude é maior quando o membro ou a mão estão em uma postura relaxada, não contraída e quando o paciente inicia um movimento com o membro, o tremor tende a reduzir ou sumir por alguns momentos. Contudo, com a manutenção da postura, o tremor tende a aparecer gradualmente com a mesma amplitude. A amplitude desse tremor pode oscilar de acordo com o estado de relaxamento muscular e o nível de estresse emocional, sendo que quanto mais estressado o paciente estiver, maior será a amplitude do tremor. Já a rigidez muscular é outro sintoma característico da DP e pode afetar tanto os membros quanto o tronco e o pescoço. A rigidez é descrita como uma resistência ao movimento passivo e pode ser agravada pela fadiga ou pelo estresse, podendo assumir um caráter intermitente, resultando no clássico sinal da roda denteada. A acinesia ou bradicinesia, por sua vez, é a dificuldade ou a impossibilidade de iniciar e executar movimentos voluntários sendo frequentemente associada à lentificação dos movimentos e pode ser agravada pela distração ou pelo estresse. Ademais, as modificações de postura e equilíbrio são manifestações comuns e mais tardiasda DP e podem levar a quedas e à perda de independência do paciente, as mesmas incluem a flexão do tronco, a inclinação da cabeça para frente, a marcha com passos curtos e arrastados e a instabilidade postural. Em fases mais avançadas da doença, alguns pacientes podem apresentar bloqueios motores ou congelamentos, em que os pés permanecem aderidos ao solo, sem que o paciente consiga se deslocar. Bruscamente, esse bloqueio cessa e o paciente pode se movimentar sem dificuldade. Além disso, tendem a ocorrer com mais frequência em situações em que o paciente precisa passar por lugares estreitos ou quando está estressado para se deslocar mais rápido. Por fim, transtornos emocionais e cognitivos são comuns em pacientes com DP. A depressão, por exemplo, pode ocorrer em até 70% dos casos e está relacionada ao grau de acometimento motor. Transtornos cognitivos, como dificuldades visuoespaciais, de atenção e da função executiva, também são frequentes nas fases iniciais da doença. Com o passar dos anos, há um aumento no risco de desenvolvimento de um quadro demencial, sendo que após 5 anos de evolução da doença, a chance de demência propriamente dita ocorrer é substancial. Nessa fase, os pacientes podem apresentar problemas de memória operacional e de fixação, agravamento das funções executivas, distúrbios comportamentais, alucinações e delírios e ainda é importante destacar que a demência pode acometer até 50% dos pacientes com mais de 10 anos de doença. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da DP é realizado de forma clínica, com queixa e achados da anamnese sobre a progressão, sinais e sintomas da doença e exame físico compatível, sendo direcionadora a presença de 2 ou mais sintomas dos seguintes: bradicinesia, tremor de repouso, rigidez ou instabilidade postural, sendo a bradicinesia a principal chave para diagnosticar esta patologia. Além disso, outras causas de parkinsonismo devem ser descartadas, solicitando exames gerais e de neuroimagem, se necessário. Alguns sinais e sintomas devem ser bem destrinchados durante a anamnese, pois podem sugerir um parkinsonismo secundário ou outro diagnóstico diferencial, como uma demência precoce e proeminente, alucinações precoces, simetria de sintomas, quedas no primeiro ano dos sintomas, apneia do sono, perda sensitiva cortical, sinais piramidais e distonia precoces e ausência de resposta à levodopa. PRINCIPAIS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS ● Depressão psíquica; ● Tremor essencial; ● Hipotireoidismo; ● Uso prolongado de flunarizina e cinarizina; ● Síndrome cerebelar; ● Distúrbio da marcha do idoso; ● Alterações no movimento induzidas por drogas. Até o momento não existem testes sorológicos que possam determinar o diagnóstico da DP, apesar do grande número de biomarcadores que estão sendo estudados para esse fim. Entretanto, algumas ferramentas complementares ajudam a pesquisar causas secundárias. Pode ser realizada dosagem de hormônios tireoidianos, paratireoidianos e função hepática a fim de excluir outras causas de parkinsonismo. Quando os sinais clínicos não são suficientes para discriminar entre a doença de Parkinson e seus diagnósticos diferenciais, alguns exames de imagem podem ser incluídos nessa propedêutica. A ressonância magnética é normalmente recomendada para avaliar a possibilidade de causas estruturais. Para análise funcional dos núcleos da base, pode-se usar o DAT-SPECT. Esse exame tem a função de identificar o nível de dopamina no núcleo estriado. Partindo desse pressuposto, tenta-se diferenciar a neurodegeneração parkinsoniana (que ocorre na DP) das doenças que não cursam com neurodegeneração dessa via. Dentre as possíveis doenças, existem os tremores essenciais, distonias ou causas secundárias de parkinsonismo (principalmente medicamentosa). TRATAMENTO O tratamento para a DP possui diversas vertentes, as quais necessitam de todas ou o tratamento não será efetivo. Como primeira parte deste conjunto, há o exercício físico regular, que ajuda a melhorar a qualidade de vida dos pacientes com Parkinson. O exercício atua na melhora da mobilidade, da flexibilidade, da força muscular e da saúde cardiovascular. Estes exercícios podem se instituídos na rotina do paciente por diversas modalidades, como: exercícios de força, levantamento de pesos leves, exercícios aeróbicos de baixo impacto, como caminhadas, natação e ciclismo, e exercícios de equilíbrio, como ioga e tai chi, são benéficos para os pacientes com Parkinson. Outra parte essencial, não farmacológica, neste processo é a fisioterapia, auxiliando na melhora da mobilidade, da marcha, do equilíbrio, da rigidez e de outros processos comuns na DP. Os medicamentos para a DP têm como objetivo o controle dos sintomas motores da doença, como tremores, rigidez muscular e lentidão de movimentos, não tendo ação neuroprotetora para interromper o processo neurodegenerativo. Dentre as opções disponíveis na atualidade, a Levodopa é o medicamento que transformou o tratamento da DP, por instituir uma melhora funcional muito eficaz e nítida no início. A L-dopa é precursora da dopamina e ao atravessar a barreira hematoencefálica (BHE), é convertida em dopamina pela dopadescarboxilase. Entretanto, uma parte da L-dopa também é convertida perifericamente por uma enzima semelhante, causando efeitos colaterais indesejáveis. Assim, as apresentações deste medicamento possuem associação com um inibidor da dopadescarboxilase periférica, diminuindo os efeitos secundários, sendo estes representados pela Benserazida no Monopar (Prolopa) e a Carbidopa no Sinemet. Para diminuir mais ainda os efeitos secundários, pode-se associar estes medicamentos com a domperidona, um inibidor dopaminérgico periférico. Outros medicamentos podem ser citados como drogas que aumentam a atividade dopaminérgica como os bloqueadores da degradação da dopamina (selegilina, tolcapone, entacapone), bloqueadores da recaptação da dopamina (amantadina) e agonistas dopaminérgicos (bromocriptina, apomorfina, cabergolina, ropinirol e pramipexol). Estes podem ser associados à levodopa ou usados como alternativas em determinados quadros. O tratamento cirúrgico através de intervenções estereotáxicas é indicado quando o paciente possui um tremor grave e incapacitante, ou complicações motoras induzidas pela levodopa que não são controladas farmacologicamente. A principal intervenção é pela Estimulação Cerebral Profunda (ECP) ou Deep Brain Stimulation (DBS), na qual um eletrodo é implantado em uma área-alvo (geralmente no núcleo subtalâmico ou no globo pálido interno) e conectado a um estimulador colocado no subcutâneo da parede torácica. Este processo rompe a sinalização anormal nas vias associadas à DP, sem instituir uma lesão, mas como todo processo cirúrgico, há seus riscos e deve-se instruir o paciente e sua família de que o procedimento é limitado às alterações motoras de tremores e rigidez, não tendo benefícios para os sintomas de freezing, quedas e nem na demência associada à doença de parkinson. 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