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TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS AULA 3 Prof.ª Ludmila Andrzejewski Culpi 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, você conhecerá os elementos centrais do marxismo e de seus desdobramentos dentro do campo das relações internacionais. O marxismo não é considerado uma teoria clássica de Relações Internacionais, porém, forneceu as bases para a teoria imperialista de Lenin e as teorias neomarxistas, teorias que serão estudas nesta aula, quais sejam: i) as teorias da dependência dos anos 1960, que surgiam na América Latina; ii) a teoria do sistema mundo moderno e iii) a teoria crítica de Robert Cox. TEMA 1– OS ANTECEDENTES TEÓRICOS: KARL MARX E ANTÔNIO GRAMSCI 1.1 Karl Marx Marx é um renomado estudioso e crítico do sistema capitalista. O pensador não formulou uma teoria específica sobre políticas internacionais, porém, suas investigações oferecem elementos centrais para a construção de teorias que explicam as RI (Pereira, 2016). Um dos principais elementos da teoria marxista é a lógica superestrutura– infraestrutura. Para Marx, a infraestrutura, ou seja, as relações econômicas da sociedade que compreendem os modos e meios de produção e as relações de classe, explicam os outros aspectos da sociedade, a superestrutura, que são a história, as instituições, o direito, a ideologia. Portanto, o marxismo defende que a economia determina os demais resultados da sociedade, sendo o elemento principal para se explicar qualquer fenômeno social (Silva; Culpi, 2017). Marx contribui com o estudo da política internacional por oferecer uma perspectiva crítica das relações internacionais. A teoria marxista é conhecida por demonstrar que a acumulação de riqueza era baseada na exploração de uma classe proprietária dos meios de produção, a burguesia, sobre a outra, o proletariado, que foi expropriado de suas ferramentas de produção. Isso ocorre porque a burguesia não remunerava adequadamente o operário, mantendo para si a mais-valia, que representa o lucro monetário do capitalista. De acordo com Marx, quando o proletariado tomasse consciência da condição de dominação na qual estava, ele se organizaria, de modo revolucionário, para destruir o sistema que acentuava a exploração. Assim, o objetivo mais importante do Estado é garantir que o sistema capitalista mantenha 3 sua reprodução, preservando a exploração da força de trabalho, o que manteria os lucros da classe capitalista, que é o que sustenta o sistema em si (Nogueira; Messari, 2005). 2.2 Antonio Gramsci Em 1947, Gramsci escreveu Cadernos do Cárcere, sua obra principal, na qual trata, sobretudo, da questão da hegemonia. De acordo com Gramsci, o Estado (antes visto como órgão de coerção jurídica) é entendido como uma combinação entre “sociedade política” e “sociedade civil”, no qual a hegemonia de um grupo social é exercida por meio de instituições públicas e organizações privadas, tais como a Igreja e sindicatos, que determinam os traços culturais da sociedade. Essas organizações divulgam ideologias burguesas que contribuem para preservar a ordem hegemônica capitalista (Cordeiro; Culpi, 2017). Gramsci buscava desmistificar o surgimento de regimes autoritários como o fascismo, que para ele se explicavam porque as classes dominantes, por meio do exercício da hegemonia, conquistavam o consenso das classes inferiores. Segundo Gramsci, a combinação entre o Estado e a sociedade civil forma um bloco histórico que somente surge quando há uma classe social hegemônica, a exemplo dos capitalistas (Pereira, 2016). Karl Marx e Antônio Gramsci ofereceram elementos centrais para o avanço teórico das relações internacionais, como será mais evidente na análise da teoria imperialista, da dependência, do sistema-mundo e, sobretudo, da teoria crítica. TEMA 2 – A TEORIA DO IMPERIALISMO DE VLADIMIR I. LENIN (1870-1924) Lenin baseou-se em Marx para elaborar seu livro Imperialismo: fase superior do capitalismo. A visão de Lenin buscava avançar objetivos políticos específicos. Lenin argumentava que a guerra travada entre os Estados era uma guerra imperialista que objetivava dividir o mundo entre as maiores potências, o que impedia a classe trabalhadora de defender um Estado (Humrich, 2014). Lenin desejava responder a dois questionamentos relacionados ao desenvolvimento do movimento comunista internacional: i) as limitações da teoria marxista para explicar a incidência das crises no capitalismo; e ii) a participação dos trabalhadores nas guerras entre impérios. A primeira questão 4 relaciona-se à procura do capital por novos mercados, para expandir-se e impedir a inexorável tendência à redução da taxa de lucro. Conforme Lenin, a internacionalização do capitalismo por meio do expansionismo colonial resulta nas guerras. Assim, o cenário internacional é marcado por constantes conflitos, fruto da própria dinâmica de expansão e competição entre capitais. Portanto, não haveria uma cooperação entre as potências capitalistas para a reprodução do sistema, mas um conflito permanente. Quanto ao segundo questionamento, Lenin estudava a adesão do proletariado à luta imperialista como resultado de uma aristocracia operária, que obtinha vantagens com a preservação do sistema capitalista, o que atrasaria a Revolução Socialista nos Estados mais centrais do capitalismo (Humrich, 2014). A teoria imperialista de Lenin não se limitava à investigação do processo de acumulação capitalista em nível global, mas representava uma teoria da política internacional, que objetivava explicar o comportamento dos Estados na política externa. Um aspecto de inovação da teoria é a interpretação dos Estados como atores centrais das RI e protagonistas do conflito de classes. Lenin conceitua imperialismo como a fase superior do capitalismo, na qual existe o movimento de expansão do capital monopolista e de internacionalização das relações de produção capitalista, em que reina o conflito e o conflito constante (Nogueira; Messari, 2005). A teoria de Lenin, além de se expressar no pensamento soviético e chinês comunista, serve de base para as teorias da dependência da América Latina, que serão estudados no próximo tema. TEMA 3 – AS TEORIAS DA DEPENDÊNCIA A teoria da dependência induziu os estudiosos das relações internacionais a analisar as desigualdades na distribuição da renda, que eram consideradas frutos da organização capitalista global (Linklater, 1996). A teoria da dependência é a primeira escola da economia política internacional criada em uma região menos desenvolvida, a América Latina. Portanto, a teoria da dependência não é entendida exatamente como uma teoria de RI, mesmo explicando as relações entre Estados com padrões de desenvolvimento diferenciados, e é dividida em diferentes vertentes. Essa teoria surgiu como uma crítica à forma dependente em que o capitalismo se manifestava na América Latina. Essa teoria defende que a dependência não pode ser atribuída apenas aos Estados centrais, mas também 5 às elites dos países subdesenvolvidos que se associam às economias do centro mais poderosas e se tornam subordinadas a elas. Ademais, essa teoria foi criada com objetivo de apontar novas alternativas para que as economias latino- americanas voltassem a trilhar o caminho do desenvolvimento (Silva; Culpi, 2017). As duas correntes reconhecidas da teoria da dependência são: a marxista-ortodoxa, de André Gunder Frank e Ruy Mauro Marini; e a estruturalista-weberiana, de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto. Em resumo, o pensamento da corrente marxista ortodoxa é de que as economias periféricasforam inseridas no cenário internacional desde o período colonial de uma forma submissa. Desse modo, os vínculos existentes entre os capitalistas das economias do centro e as elites da periferia aprofunda esse relacionamento e a dependência. Os autores concluem que a única saída para a periferia vencer a dependência é a revolução socialista, sendo radicais em relação à superação da dependência. Entretanto, a corrente estruturalista-weberiana, na figura de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, defende que é possível ocorrer um desenvolvimento mesmo em situação de submissão, o que eles denominam desenvolvimento dependente ou desenvolvimento associado. Cardoso e Faletto (1970) representam uma corrente marxista mais moderada, ao aceitar o papel positivo do desenvolvimento capitalista e a não necessidade do socialismo para alcançar o desenvolvimento econômico e social. Cardoso (2000), ao criticar as análises do desenvolvimento que não levam em conta as condicionantes sociais e políticas do processo econômico sustenta que o desenvolvimento que ocorre é essencialmente capitalista, sem poder ser dissociado do sistema capitalista em nível global. Assim, Cardoso e Faletto (1970) não propõem uma eliminação do sistema capitalista, mas uma reforma. Essa reestruturação deve ser promovida com mudanças na ordem internacional, como a revisão das normas de comércio, permitindo o combate à dependência externa dos Estados periféricos. TEMA 4 – A TEORIA DO SISTEMA MUNDO: A PERSPECTIVA DE GIOVANNI ARRIGHI O conceito mais central da teoria de Arrighi é o de ciclos sistêmicos de acumulação. Esse conceito refere-se à concentração de poder em uma potência 6 hegemônica, que alterna períodos de expansão material, isto é, de crescimento produtivo e comercial com momentos de ascensão financeira. Essa definição tem o objetivo de compreender como os regimes hegemônicos aparecem, consolidam-se e depois desaparecem (Nogueira; Messari, 2005). Segundo Arrighi (1996, p. 5), as crises hegemônicas possuem três características que se inter-relacionam: “intensificação da concorrência interestatal e interempresarial; a expansão dos conflitos sociais e o surgimento de novas configurações de poder”. Arrighi (1996) enfatiza que todos os processos de crise hegemônica em que houve transição de poder entre líderes hegemônicos foram marcados por um crescimento financeiro que levou à crise terminal da hegemonia. Arrighi aponta a existência de quatro ciclos sistêmicos de acumulação, quais sejam: i) o ciclo genovês, do século XV ao início do século XVII; ii) o ciclo holandês, do fim do século XVI até a maior parte do século XVIII; iii) ciclo britânico, da segunda metade do século XVIII até o início do século XX; e o iv) ciclo norte-americano, iniciado no fim do século XIX e que prossegue na atual fase de expansão financeira do capitalismo (Arrighi, 1996, p. 6). Portanto, o pensamento de Arrighi tem foco sobre as relações entre os Estados, calcada “não somente na dominação e no controle, mas na liderança, e na investigação da construção da hegemonia a partir de ciclos de acumulação capitalista” (Arrighi, 2005, p. 9). Arrighi (1996) assinala que as trocas de hegemonia ocorrem de modo paralelo aos ciclos de expansão e crise econômica. Esses ciclos estão vinculados aos seguintes elementos: comércio, produção e tecnologia e capital financeiro. Por fim, Arrighi (1996) defende que os momentos de transições de hegemonia implicam uma reorganização e a alteração do sistema, que é adequado aos interesses da nova potência hegemônica. TEMA 5 – A VERTENTE NEOGRAMSCIANA DA TEORIA CRÍTICA: AS CONTRIBUIÇÕES DE ROBERT COX Cox se inspirou em Gramsci para desenvolver sua Teoria Crítica. Para a corrente neogramsciana, as reformas na ordem internacional promovidas pelos Estados sustentam-se na capacidade das superpotências de sobrepor seus interesses sobre os dos Estados mais fracos, adotando certos instrumentos hegemônicos. Dessa forma, de acordo com Cox, a produção de teorias serve 7 como mecanismo de manutenção das relações excludentes e de distribuição desigual de riqueza e de poder. A tese central da teoria neogramsciana é que a dominação por parte da elite internacional estabelece as relações entre Estados que perpetuam o sistema capitalista. Dentro desse contexto, a sociedade civil global, utilizando-se de práticas, instituições e conexões, passa a ser um ator relevante que reproduz a dominação. O multilateralismo se torna uma saída para vencer a dominação por parte de certos Estados (Nogueira; Messari, 2005). O enfoque teórico de Cox visualiza as estruturas sociais de forma não mecanicista nem determinista, compreendendo-as como construções históricas que englobam condições materiais, ideias e instituições, as quais constrangem as ações dos atores. De acordo com Cox, as estruturas históricas são um quadro que limita a ação política, estando submetidas a alterações causadas pelas mudanças de posicionamento e estratégia dos agentes (Nogueira; Messari, 2005). Conforme Cox, os três elementos que condicionam a estrutura histórica não se sobrepõem um ao outro porque têm uma relação de determinação mútua. Desse modo, não se pode afirmar qual das forças será mais determinante para explicar o comportamento político, pois isso varia de acordo com as circunstâncias históricas. Além disso, as três categorias não são estanques. As definições apresentadas por Cox de cada uma das três categorias são apresentadas a seguir. Capacidades materiais: conforme Cox, existem dois tipos, produtivas ou destrutivas (armas, tecnologia ou a burocracia dos Estados). Ideias: para Cox, são visões de mundo (ideologias) ou ideias compartilhadas por meio da comunicação intersubjetiva, ou seja, pela cultura, por regras sociais, pelos costumes, entre outros. Instituições: são, de acordo com Cox, “amálgamas de ideias e de poder material” incluídas em um arranjo político, que condicionam os comportamentos dos agentes e são espaços de embates políticos. Para Cox, a combinação desses três elementos forma as estruturas históricas, as quais determinam as ações dos atores políticos. A teoria de Cox permite uma análise mais completa ao considerar as questões institucionais e culturais na análise da política internacional e não apenas o poder. 8 NA PRÁTICA Indique os elementos da abordagem da teoria imperialista de Lenin e do marxismo presentes no texto a seguir sobre as Teorias do Imperialismo contemporâneo. Leitura complementar Leia o artigo “Sobre as teorias do imperialismo contemporâneo: uma leitura crítica”. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ecos/v23n2/0104-0618-ecos- 23-02-0507.pdf>. FINALIZANDO Nesta aula, foi possível entender as contribuições centrais da teoria marxista para a Teoria das Relações Internacionais. Primeiramente, investigamos quais os conceitos principais fornecidos pelos autores clássicos Marx e Gramsci, que serviram de base para o desenvolvimento da teoria marxista nas RI. Posteriormente, conhecemos os pressupostos da teoria imperialista de Lenin, considerada uma legítima teoria marxista da política internacional. Lenin considera que as relações entre Estados são marcadas pelo conflito constante, devido às características do sistema capitalista. Na sequência, foram apresentados os elementos das teorias neomarxistas das RI, a começar pela teoria da dependência, em suas duas vertentes, que analisou pela primeira vez os Estados subdesenvolvidos e suas relações de dependência em relação aos Estados centrais. Na quarta parte, foram apresentados os conceitos dateoria do sistema mundo moderno pela perspectiva de Arrighi, que entende o sistema internacional como uma alternância de poder entre diferentes ciclos hegemônicos. Para finalizar, foram estudados os elementos principais da visão crítica de Robert Cox, que concebe as estruturas históricas como formadoras das relações internacionais, marcadas por três elementos: as ideias, as capacidades materiais e as instituições. 9 REFERÊNCIAS ARRIGHI, G. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. São Paulo: UNESP/Contraponto, 1996. CARDOSO, F. H. As ideias e seu lugar: ensaios sobre as teorias do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 2000. CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: LTC, 1970. HUMRICH, C. Critical Theory. In: SCHIEDER, S.; SPINDLER. M. Theories of International Relations. New York: Routledge, 2014. LINKLATER, A. Marxism. In: BURCHILL et al. Theories of International Relations. London: Palgrave, 1996. NOGUEIRA, J. P.; MESSARI, N. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. PEREIRA, A. E. Teoria das Relações Internacionais. Curitiba: InterSaberes, 2016. SARFATI, G. Teorias de Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005. SILVA, C. C. V.; CULPI, L. A. Teoria de Relações Internacionais: origens e desenvolvimento. Curitiba: InterSaberes, 2017.
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