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© Jair Putzke – todos os direitos reservados PREFÁCIO Como em toda a história que cerca a biodiversidade (e o Brasil tem muito dela), têm-se as espécies em grande número, mas ainda não sabe-se quantas são, como são e nem qual a sua importância. Enquanto na Europa já há preocupação em preservar espécies ameaçadas de cogumelos, aqui nem sabemos quais são as espécies, que dirá as que são ameaçadas. Do livro didático de todas as séries, ao conhecimento popular e indígena, perde-se muito pela pouca divulgação do que são e para o que servem os cogumelos. Precisa-se de mais especialistas nesta área e é para que eles sejam formados que foi escrito o presente livro. A inexistência de um compêndio dos cogumelos do Brasil afasta muitos jovens desta área, e para facilitar o trabalho de busca por bibliografias, reuniu-se tudo o que foi possível para apresentar no presente livro. A falta de conhecimento leva a preocupação com o que eles podem causar, especialmente se os comermos ou tocarmos neles (o que é incompreensível!). Portanto, reza a lenda que não podemos tocá-los, que dirá aproveitá-los de alguma forma. Lembro-me de uma ex-professora que dizia, lá no interior, que usava uma bolota de um fungo (Lycoperdales – Lycoperdon cyathiformis) para apagar o quadro negro antigamente, pois era uma esponja excelente para isso. Lembro-me do susto de meu sogro quando viu meu rosto cheio de bolotinhas disparadas por centenas de Ascobolus (Gasteromycete), quando manuseei o esterco seco onde eles cresciam. Lembro de muitos leigos impressionados com o que pode ser feito com fungos. Lembro de um grupo de estudantes, em plena selva Amazônica, saboreando centenas de Pleurotus comestíveis (alimento riquíssimo), enquanto em um descampado uma família estava sem comer naquele dia, porque o marido não voltara com a caça e ninguém sabia que podiam comer aquilo! Lembro-me do dia em que na Europa vi crianças identificarem cogumelos pelo nome popular, como se faz com árvores por aqui (no interior): quando vamos chegar neste ponto em nosso país? Até porque, no interior, os jovens já não identificam mais nem as árvores. Por fim, lembro-me de um primo mais velho que, ao ver que eu pegava um substrato com um fungo semelhante a uma taça de vinho, cheio de bolinhas (Cyathus sp.), me dizia que era pra ter cuidado, pois aquelas bolinhas saltavam fora e, ao bater em nosso pescoço, deixavam a vítima com torcicolo. A este meu primo, sr. Arídio Back e sua família, com quem muito aprendi e a quem muito respeitei, agradeço por despertar meu interesse pelos fungos, basicamente em função daquela informação do conhecimento popular e um agradecimento especial à Dra. Maria Auxiliadora de Queiroz Cavalcanti por nos orientar no mestrado e doutorado. SIGLAS E ABREVIATURAS AC – Acre AL - Alagoas AM – Amazônas. AP – Amapá. BA – Baía. BAFC – Herbário da Argentina. CE – Ceará. ES – Espírito Santo. F – Farlow Herbarium. GO – Goiás. HCB – Herbário da Universidade de Santa Cruz do Sul – RS. IMUR – Herbário da Universidade Federal de Pernambuco – PE. INPA – Herbário do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. M & P – cores tal como expostas em Maerz & Paul (1950). MA – Maranhão MG – Minas Gerais. MS – Mato Grosso do Sul. MT – Mato Grosso. PA – Pará. PACA – Herbário do Instituto Anchietano de Pesquisas. PE – Pernambuco. PI – Piauí. PR – Paraná. RJ – Rio de Janeiro. RN – Rio Grande do Norte. RO – Rondônia. RR – Roraima. RS – Rio Grande do Sul. SC – Santa Catarina. SE - Sergipe SP – São Paulo. (SP) – Herbário do Instituto de Botânica de São Paulo. RJ – Rio de Janeiro. TO – Tocantins. Obs.: muitas siglas de herbários não são aqui citadas por serem de uso corriqueiro e se referem às que são citadas pelo Index Herbariorum e são referidas no item Material examinado de cada descrição. Deus, perdoai-nos, porque não sabemos o que fazer com nossa biodiversidade. Ao Josué Lopes Putzke, esperando que ele possa compreender o tempo que perdemos preparando esta obra e o seu propósito. INTRODUÇÃO Os fungos Agaricales são organismos em geral macroscópicos, apesar de alguns nem atingirem um milímetro, com uma variedade tão grande que não tem uma só vez que entro em um mato e não me impressiono com um exemplar diferente e maravilhoso. Das matas do Recife, Horto de Dois Irmãos (Pernambuco), aos banhados do sul do Rio Grande do Sul e de Poconé (MT) e Passo do lontra (MS), às matas do Instituto de Botânica de São Paulo e ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro, da floresta Amazônica às cidades, por todo o Brasil há espécimes lindíssimos. Estão por toda a parte! São tantas as formas, cores e tamanhos que já nem discuto mais estas coisas com profundidade quando tento caracterizar esta ordem. Surgindo a taxonomia molecular então, onde uma Lepiota é do mesmo grupo que um Coprinus, que me pergunto como estão reagindo os mais velhos taxonomistas (e talvez até os já falecidos!) e onde vai parar a taxonomia (dita) moderna. Só lembro que este tipo de taxonomia não me adianta, pois é do reconhecimento a campo, com aquilo que tenho na mão e o mais rapidamente possível e com poucos ou nenhum custo, que se faz a verdadeira taxonomia, pelo menos por enquanto, no Brasil e no mundo. No Brasil chega-se ao cúmulo de ver o número de Agaricólogos com doutorado estar reduzido a um número tão pequeno. E estamos no país com a maior biodiversidade também deste grupo. Em termos de cogumelos deve-se ter pelo menos 1/3 do que existe no mundo, mas destas espécies só usamos menos de 10. Infelizmente, este é o preço da ignorância. Estamos substituindo nossas matas nativas riquíssimas em cogumelos (entre outras espécies), por matas de uma só espécie e exóticas, plantadas. Lá se vão muitas espécies de cogumelos. E entram outras que estão associadas como micorriza com estas exóticas. As pessoas que vão, por ventura, se interessar pelo grupo, devem ter uma coisa bem clara: estudar cogumelos é muito gratificante, mas tem-se pouco estímulo pela pouquíssima bibliografia e poucos orientadores na área. Vai aqui uma contribuição, ainda que bem básica, aos iniciantes. Precisamos nos ajudar para conhecermos mais da agaricobiota brasileira. Portanto, vamos nos unir e trabalhar juntos para compensar: estamos à disposição. QUEM SÃO E COMO ESTUDAR OS COGUMELOS AGARICALES s. l. Os cogumelos Agaricales ou o grupo do clado dos Euagaricos é um grupo monofilético de aproximadamente 8.500 espécies. Pertencem à classe Agaricomycetes (= Homobasidiomycetes sensu Hibbett & Thorn, 2001; Binder et al., 2005) e junto com os Boletales e Atheliales formam os Agaricomycetidae. O trabalho de SINGER (1986) define bem os Agaricales, mas estas definições reuniam um grupo de fungos que não eram monofiléticos, restando para esta ordem, atualmente, apenas os que este autor considerava como uma subordem: as Agaricineae. Os estudos na área da filogenética avançaram muito nos últimos anos, reunindo grupos cujas afinidades nunca antes eram consideradas. Muitas posições taxonômicas devem mudar drasticamente com o avanço das pesquisas nesta área. Está ficando cada vez mais evidente, por exemplo, que os agáricos cefaloides e as falsas trufas tenham provavelmente evoluído de ancestrais lamelados. Da mesma forma, alguns produziram basidiomas clavarioides. É ainda investigado também, o fato de que o ancestral comum mais recente dos Agaricales tenha sido lamelado (Matheny et al., 2006). Os achados fósseis de Agaricales são também escassos, o que dificulta ainda mais os avanços nos estudos de filogenética. Somente quatro gêneros fósseis de cogumelos lamelados são reconhecidos de acordo com HIBBETT et al. (2003), sendo o mais velho registrado do Cretáceo, há cerca de 90 milhões de anos. Relações entre os grupos encontram-se nos trabalhos de MATHENY et al. (2006), BINDER et al. (2005), BODENSTEINERet al. (2004) e MONCALVO et al. (2000), entre outros. Os cogumelos são extremamente diversificados em formas. Tem-se alguns mais raros, com formas de clavas minúsculas ou mesmo como vasos de um milímetro. Pertencem alguns deles, aos Agaricales evidentemente, mas a maioria tem o formato usual de um cogumelo, com chapéu (píleo) e pé (estipe ou estípite) característicos que lembram um guarda-chuva (Figura 03). Mais ou menos carnosos, às vezes formados somente por uma pele finíssima, mas esta é a forma da maioria. Alguns não têm o tal pé, chamado estipe ou estípite. Outros têm um deles (estipe ou píleo) maior que o outro. Há muitas variações macroscópicas, mas a certeza da espécie que se tem em mãos só pode ser conseguida se observarmos também as características microscópicas. O iniciante em taxonomia de cogumelos deve ter acesso, portanto, a um microscópio. A potência deste influencia, mas deve-se que ter condições de medir o tamanho das estruturas sob observação e às vezes usar óleo de imersão em um aumento maior. Dimensões de esporos (estruturas de reprodução), cistídios (estruturas estéreis que emergem das lamelas e poros que recobrem o lado inferior dos píleos) e outras estruturas são importantíssimas. Portanto, sempre que possível, meça logo o que está sendo observado. COMO COLETÁ-LOS: Os cogumelos podem ser encontrados em todas as épocas do ano, alguns sendo exclusivos de certas estações. Os substratos são variados, mas ocorrem principalmente em solo, esterco ou restos vegetais, em especial madeira. Mas existem substratos bem diferentes como carvão e rocha pura, por exemplo. Durante as coletas, o material deve ser destacado do substrato com auxílio de faca ou espátula, cuidando para não puxá-lo com os dedos, pois isto danifica certas estruturas microscópicas. Quando possível, o substrato, em sendo de origem vegetal, deve ser identificado ainda a campo e, quando não for possível, consultar especialistas em taxonomia vegetal para a correta identificação do material. O cogumelo coletado deve ser acondicionado individualmente em potes de plástico, para evitar a mistura de esporada (massa de esporos que é liberada gradualmente durante a maturação) e para garantir a segurança do espécime, no sentido de preservá-lo de acidentes que o danifiquem irremediavelmente, impossibilitando a posterior identificação. Desta forma, as coletas devem ser transportadas até o laboratório, onde se faz a identificação específica, através da análise macro- e microscópica dos espécimes coletados. Para o acondicionamento final das coletas no herbário, pode-se utilizar a metodologia exposta em BOHUS (1963) e KENDRICK (1969), sendo todas as exsicatas acondicionadas em potes de plástico individuais ou sacos de papel. A desidratação deve ser feita em estufa a 40o C, sendo anotadas as modificações em forma e coloração dos basidiomas. Na verdade, uma boa coleta deve ser logo medida em todos os seus aspectos. Para isto monta-se um esquema de anotações para que seu cogumelo seja meticulosamente analisado, sendo que isto deve ser feito com todas as amostras encontradas. Portanto, medir (e anotar) é o melhor negócio! Veja a seguir. O QUE DEVE SER MEDIDO (MACROSCOPIA): Devem ser medido com régua ou, de preferência paquímetro, as seguintes estruturas macroscópicas: Píleo: medir o diâmetro. Se o cogumelo for assimétrico, medir o lado maior e o menor, indicando ambos. O tracejado da Figura 01 (a, b) indica onde deve ser posto a régua ou o paquímetro para as medições de diâmetro. Se a margem do píleo for lobada, medir o tamanho dos lobos (traço negro na Figura 01 c, d, em vista superior). Figura 01 – Vista superior de cogumelos indicando disposição da régua ou paquímetro para obtenção do diâmetro do píleo (a, b) ou da largura do lóbulo (c, d). Fazer corte longitudinal ao basidioma conforme Figura 02 e medir a espessura do contexto (a) e tamanho das lamelas (b). Estipe: aproveite a seção feita para obtenção das dimensões acima e faça as seguintes observações: medir o diâmetro do estipe (aproximadamente no centro deste– Figura 2c) e na base (especialmente se for alargada formando um bulbo basal - Figura 2d), além do comprimento total (Figura 2e). Na seção, observe se houve mudança na coloração original, pois muitos fungos podem apresentar mudanças para amarelo, vermelho, verde, azul ou outras cores, o que ajuda na identificação. Na seção longitudinal observe também se o estipe é oco ou se apresenta algum tipo de espaço com ar (cavernoso). Ainda observe se o estipe se desconecta fácil do píleo e sua consistência. Figura 02 – A - esquema mostrando corte longitudinal e regiões que devem ser medidas. B- Esquema apresentando a sequência de corte para observar a trama da lamela, camada cortical e himênio (a): b-e: tramas homomêras: b- trama regular; c- trama bilateral; d- trama inversa; e- trama irregular; f- trama heterômera; g- himênio; h. basídios; i. basidíolos. (adaptado de Pereira & Putzke, 1989). Anel ou véu: anote se ele está virado para cima (funil) ou para baixo, e a localização (meio, metade basal ou metade apical) e se é fixo ou móvel (Figura 3c). Se restos dele ficaram na margem do píleo ou em sua superfície e a cor destes restos. Volva: tamanho, se é lobada ou não e como se apresenta sua superfície incluindo a cor e textura (Figura 3d). Figura 03 – Partes macroscópicas principais de um cogumelo completo: a- píleo (a seta está indicado a sua superfície); b- estipe; c- anel ou véu; d- volva; e- himenóforo, neste caso lamelado; f- rizomorfas, em geral sobre o substrato ou dentro deste. Adaptado de PEREIRA & PUTZKE (1989). Deve-se anotar ainda a forma geral do píleo e estipe e de sua superfície, conforme a figura 6. A esporada é retirada do cogumelo colocando o mesmo em um pote fechado com uma bolinha de papel higiênico molhada para manter alta a umidade do ambiente. Corte o estipe ou posicione o píleo de maneira a ficar com o himenóforo (lado com lamelas ou poros) voltado para baixo como na Figura 04.
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