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Entendendo Foucault apresenta o trabalho de Michel Foucault em um contexto turbulento tanto na filosofia quanto na política, e explora a missão do autor em expor as ligações entre conhecimento e poder nas ciências humanas, em seus discursos e nas instituições. Este livro explica, de forma pratica e ilustrada, como Foucault derrubou suposições da sociedade sobre diversos temas comportamentais que são assuntos de pesquisas e estudos filosóficos. É possívej, ainda, conhecer mais sobre o envolvimento de Foucault com a psiquiatria e a medicina clínica, seu ativismo polít ico e os aspectos transgressivos de prazer e desejo que ele promoveu em sua escri ta. CHRIS HORROCKS f ZORAN JBVTIC ENTENDENDO: FOUCAULT Entendendo é uma premiada coleção de livros ilustrados sobre os pensadores e os temas mais importantes da história. Aborda teorias fundamentais de diversos campos de estudo, tais como filosofia, psicologia, ciências, política, religião, es- tudos culturais e linguística. Cada livro é escrito por um reconhecido especialista do assunto e ilustrado por um artista gráfico. De forma agradável, a coleção ofe- rece informações úteis e objetivas para leitores que tanto buscam um primeiro contato, como desejam adquirir um conhecimento conciso sobre o assunto. TRADUÇÃO: MARCOS MARCIONILO Text copyright © 1997, Chris Horrocks lllustrations copyright © 1997, Zoran Jevtic Todos os direitos reservados. Tradução para a língua portuguesa: copyright © 2013, Texto Editores Ltda. Título original: Introducing Foucault Diretor editorial: Pascoal Soto Editora executiva: Tainã Bispo Editora assistente: Ana Carolina Gasonato Assistentes editoriais: Fernanda S. Ohosaku, Renata Alves e Maitê Zickuhr Preparação: Paula Jacobini Revisão: Maria Luiza Lima Almeida Capa e diagramação: Vivian Oliveira Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica llacqua CRB-8/7057 Horrocks, Chris Entendendo Foucault / Chris Horrocks, Zoran Jevtic; tradução de Marcos Marcionilo. - São Paulo: LeYa, 2013. 176 p.: il. (Entendendo) ISBN 978-85-8044-780-4 Título original: Introducing Foucault 1. Filosofia 2. Foucault, Michel, 1926-1984 I. Título II. Jevtic, Zoran III. Marcionilo, Marcos 13-0205 CDD100 índices para catálogo sistemático: 1. Filosofia 2013 Todos os direitos desta edição reservados à TEXTO EDITORES LTDA. [Uma editora do Grupo Leya] Rua Desembargador Paulo Passaláqua, 86 01248-010 - São Paulo - SP - Brasil www.leya.com.br Twitter: @EditoraLeya V http://www.leya.com.br E U , M I C H E L F O U C A U L T Para descobr i r o verdade i ro Michel Foucaul t é prec iso perguntar "qual de les?" . Devemos olhar para a v ida d o h o m e m e m si , aquele que , a inda menino, quer ia ser u m peixe de aquár io , mas t o rnou -se um f i lósofo e histor iador, at iv ista pol í t ico, fe t ich is ta d o cou ro , best-seller, mi l i tante incansável por causas d iss identes? 3 F O U C A U L T , O A U T O R ? O u d e v e m o s encarar Foucaul t c o m o o au to r , cu ja ob ra c o m b i n a in tu ição br i lhante e de ta lhes excênt r i cos , un indo a prá t ica f i losóf ica c o n t e m p o r â n e a à a rqueo log ia d o s mu i tos d o c u m e n t o s que ele pac ien temen te recuperou d a histór ia? E o que te r íamos de excluir , d ian te d a s express ivas m u d a n ç a s de suas pos ições teór icas no d e c u r s o d e sua carreira? O própr io Foucaul t p rob lemat izou o sen t ido de a u t o r i a — u m a função , de fend ia ele, que esc larec ia ou escond ia mu i tas con t rad i ções . TEMOS PB RRBSCINPIR PB NOSSO COSTUMB PB BUSCRR R RUTORIPRPB PB UM RUTOR B TBMOS, BM VBZ P/SSO, PB MOSTRRR COMO O POPBR PO PISCURSO FORÇR TRNTO O RUTOR QURNTO SBUS JNUNCIRPOS. Por isso é que Foucaul t re lutou e m escrever sua própr ia b iograf ia ou buscar a lguém que o f izesse por ele. Mas , depo is de sua mor te , f o ram escr i tas vár ias de las. 4 U M H O M E M TRANSDISCURSIVO Foucaul t cunhou o t e r m o t r a n s d i s c u r s i v o para descrever , por exemp lo , que ele não é meramen te o autor de u m livro, mas o autor de uma teor ia, t rad ição ou d isc ip l ina. P o d e m o s dizer q u e ele fo i , no mín imo, o impu ls ionador de u m m é t o d o d e pesqu isa h is tór ica que teve mu i tos efe i tos no es tudo da sub je t iv idade, d o poder , d o conhec imen to , d o d iscurso , da histór ia, da sexua l idade, d a loucura, d o s is tema pena l , e por aí vai . Daí surg iu o t e r m o f o u c a u l t i a n o . Exis tem mu i tos "Foucau l t s " — e t o d o s eles t ê m tex tos , ou caracter ís t icas e m u m a rede de poder inst i tuc ional ; u m reg ime de ve rdade e conhec imen to , ou o d iscurso d o autor e suas obras . Exp lo remos , en tão , as mu i tas face tas de Foucaul t . 5 O P R O J E T O D E F O U C A U L T Foucau l t b u s c o u exp l icar o meio pe lo qua l o s seres h u m a n o s t o r n a r a m - s e h is to r i camente s u j e i t o e o b j e t o de prát icas e d i scu rsos po l í t icos, c ient í f icos, e c o n ó m i c o s , f i losóf icos , legais e soc ia is . MINHfí QUESTfíO FUNPRMENTRL: *QUE N FORMA PE RRZfíO E QURIS CONPIÇÕES HISTÓRICRS V LEVRM R ISSO?". S Mas Foucaul t não t o m a a ideia de sub je t iv idade f i l oso f i camente isolada. Ela v e m v incu lada — e é até m e s m o p roduz ida por c o n h e c i m e n t o e p o d e r — a p r á t i c a s d e s e p a r a ç ã o , c o m o o ps iquiat ra, que separa o l ouco d o são. C l a s s i f i c a ç ã o c i en t í f i ca : o n d e a c iênc ia c lass i f ica o ind iv íduo c o m o o suje i to d a v ida (biologia), d o t raba lho (economia) e d a l inguagem (l inguística). S u b j e t i v i z a ç ã o : o m o d o c o m o o indivíduo se t rans fo rma e m sujei to de saúde, sexua l idade, c o m p o r t a m e n t o etc. FICÇÃO E M F O U C A U L T "Em m e u s l ivros, b u s c o fazer uso f icc ional d o s mater ia is q u e reúno ou agrupo e, de l ibe radamente , faço cons t ruções f icc iona is c o m e lementos autênt icos . " Vamos , então, " f icc ional izar" a v ida de Foucaul t t r ans fo rmando-a e m u m relato b iográf ico d o f i lósofo e de sua obra . Paul -Michel Foucaul t nasceu no d ia 15 de ou tubro de 1926. Seus pais e ram Anne Malaper t e o b e m - s u c e d i d o c i rurg ião Paul Foucaul t . Eles v iv iam e m u m a c idade conservadora c h a m a d a Poit iers, na França Paul -Michel Foucaul t teve u m a i rmã, Francine, e u m i rmão caçu la , Denys. /CRPRUMfípè\ ( MINHAS OBRfíS \ ( éPRPTBPB V MINHR PPÓPPIR J \&OGPRFIfí>/ Foucaul t t inha N r cabe los cas tanhos , u m nar igão e o lhos azuis. Ele não gos tava d o n o m e Pau l -Miche l , po rque cr ianças ma ldosas faz iam-no soar c o m o "Pol ich ine lo" ! Ele m u d o u seu n o m e para Miche l — talvez e m demons t ração de afeto por sua mãe , q u e insist iu para que ele mant ivesse o n o m e q u e recebera no ba t i smo. 7 C A T Ó L I C O S A F E T A D O S E M E N I N O S D O C O R O Foucau l t era ca tó l i co . Ma is ta rde, Ele se t ransfer iu para o L iceu, ele d isse q u e gos tava d o ritual p rop r iamente d i to , e m 1932, e ali a fe tado d a fé ca tó l i ca . Ele até pe rmaneceu até 1936 — o ano e m can tou e m u m co ro de igreja por que ele v iu chega rem re fug iados cer to t e m p o . da Guerra Civil Espanhola . 1930: Pau l -M iche l fo i mat r i cu lado na c lasse e lementar d o L iceu Henr i - IV, b e m c e d o . 'PORQUE EU QUER/R FICRR COM MINHfí IRMR. Ele fo i u m a luno p recoce e d i sc ip l i nado . C o n h e c i m e n t o represen tava p r o m o ç ã o soc ia l para sua c lasse. Foucaul t era u m c ic l is ta en tus iasmado e j ogava tén is , mas , c o m o era míope, quase s e m p r e perd ia a bo la . Ele adorava ir ao teat ro e, de vez e m q u a n d o , ao c inema. U m a perfe i ta in fância bu rguesa. . . não a c h a m ? 8 17 de junho de 1940: Pétain, primeiro-ministro francês, negocia o armistício. Os alemães usam a casa de férias dos Foucault como dormitório para seus oficiais. H Foucault rouba da milícia colaboracionista madeira para a escola. Ele continua indo muito bem nos estudos, mas atrapalha-se nas provas de verão em 1940. Ele é t ransfer ido para u m a esco la con fess iona l , o Co lég io Saint - -Stanis las, e ganha p rémios e m Francês, Histór ia, Grego e Inglês. 1942: Foucaul t inicia seus es tudos fo rma is e m Fi losof ia. J u n h o d e 1943: ele é ap rovado no baccalauréat (bacharelado), o exame d o s is tema de ens ino f rancês p res tado ao f inal d o Ensino Méd io . Discute c o m seu pai sobre sua carreira. Med ic ina? Miche l Foucaul t achava que não — ele quer ia ir para a inst i tu ição a c a d é m i c a mais prest ig iada, a École Normale Supér ieure (Escola Normal Super ior - ENS), e m Paris. 9 P A R I S - OS 1 0 0 M A I S Foucaul t a m a v a es tudar Histór ia, mas Hyppo l i te o convenceu de que a Fi losof ia pod ia exp l icar a Histór ia. Mas a Histór ia é apenas u m a evo lução vagarosa rumo à razão? A Fi losof ia t e m l imi tes? 10 GEORG W I L H E L M FRIEDRICH HEGEL ( 1 7 7 0 - 1 8 3 1 ) Hegel pensava que o que é real é racional e que a ve rdade é "o t o d o " — um s is tema g rande e c o m p l e x o que ele c h a m o u de a b s o l u t o . Ele acred i tava que a mente , ou o esp í r i t o , era a real idade ú l t ima. A mente t e m u m a consc iênc ia de si e m cons tan te expansão , e a Fi losofia nos permi te desenvolver a au toconsc iênc ia do " t o d o " e nos l ibertar da d e s r a z ã o e da con t rad ição d o conhec imen to parc ia l . 'R R RRZRO é SOBERRNR PO MUNPO.. R HISTÓRIR PO MUNPO; PORTRNTO, RPRESENTR-SE R NÓS SEGUNPO UM PROCESSO RRCIONRU K O J È V E E H E G E L O f i lósofo A l e x a n d r e K o j è v e (1900-1968) resgatou Hegel da perspec t i va român t i ca s e g u n d o a qual ele ter ia u m desa je i tado cr iador de s is temas. Hegel agora era m o d e r n o ! Esse Hegel "a f rancesado" era a ú l t ima palavra! Foucaul t t inha prazer c o m essa versão v io lenta d a Histór ia. 12 O RETORNO D E HEGEL Hegel dera início ao empreend imen to de explorar o i r r a c i o n a l e de integrá- lo a uma razão expand ida . Mas isso a inda fazia par te d a tarefa moderna da Fi losof ia — a busca de um s is tema tota l que pudesse absorver a d e s r a z ã o ? Foucaul t não es tava re je i tando a r a z ã o c o m o ta l , mas recusou-se a vê- la c o m o uma "sa ída" ou c o m o resu l tado inevitável d a Histór ia. Seu c o m p r o m e t i m e n t o c o m a Fi losof ia não v isava a apresentar u m s is tema para as cond i ções nas qua is o c o n h e c i m e n t o ou a ve rdade são possíveis ou conf iáveis (como o fez Kant), mas a examinar qua is são os efe i tos h is tór icos da razão, o n d e es tão seus l imites e que preço isso impõe . 13 O E S T U D A N T E F O U C A U L T Em ju lho d e 1946, Foucaul t consegu iu fazer o e x a m e d e adm issão à ENS. F icou e m quar to lugar. A ENS ace i tou sua matr ícula! A v ida lá era du ra . Foucaul t era ant issoc ia l , con t roverso , en fe rmiço e d a d o à dep ressão . O amb ien te fe rozmen te compe t i t i vo da prest ig iosa esco la não a judava mu i to . M e s m o ass im, Foucaul t t raba lhava in tensamente . Seus co legas o de tes tavam e achavam que ele era ma luco . Ele c o r t o u o pe i to c o m u m a navalha, perseguiu ou t ro es tudan te e m p u n h a n d o u m punhal e e m 1948 ten tou se matar t o m a n d o pílulas. Foi q u a n d o teve seus pr imei ros con ta tos c o m a ps iquiat r ia inst i tuc ional . 14 O FOUCAULT GAY Todavia , nem t u d o eram so f r imentos . Foucaul t era u m piadis ta exper iente e um exce len te due l is ta c o m u m a toa lha mo lhada . Ele chegava até m e s m o a escalar os te lhados e, cer ta vez, roubou um livro em uma loja (uah!). Seu ape l ido era " F u c h s " ( raposa, e m francês) por causa de seu c o r p o esgu io e de sua inte l igência in tensa. Escânda los sexuais ar ru inavam carreiras. Leis opressoras dec la ravam que era u m a o fensa h o m e n s dança rem jun tos e m qua lquer amb ien te púb l i co . A v ida secre ta de Foucaul t exp lod i r ia mais ta rde , e m seus escr i tos sobre a t r a n s g r e s s ã o , a sexua l idade, o prazer e o co rpo . C O R R E N T E S F ILOSÓFICAS. . . Foucau l t es tava in teressado e m duas ver tentes f i losóf icas dom inan tes na França, as f i losof ias d a exper iênc ia , d o suje i to , d o sent ido e da consc iênc ia : e x i s t e n c i a l i s m o e f e n o m e n o l o g i a . I A ob ra d o existencia l is ta J e a n - P a u l S a r t r e (1905-1980) indaga o que é exist ir enquan to ser humano , c o m o os ind iv íduos fazem a exper iênc ia de sua própr ia ex is tênc ia , c o m o fazem esco lhas e l idam c o m a l iberdade e a au ten t ic idade. TOPO SENTI PO NO MUNPO N&O é RNTERIOR OU INRTO, ELE PERIVR PR EXISTÊNCIR. ESSfí é UMR VLOSOFIR BRSERPR NOy SUJEITO. M a r t i n H e i d e g g e r (1889-1976) pr ior izava o Se r e m vez d a ex is tênc ia . EU REJEITO R PISTINÇRO HRBITURL ENTRE UM SER PENSRNTE E UM MUNPO EXTERNO, OBJETIVO. NÓS SOMOS SERES-NO-MUNPO. PORTRNTO, OS SERES^ | HUMRNOS HRBITRM R V/PR NÓS RPRENPEMOS COISRS, QUESTIONRMOS COISRS, PISCUTIMOS COISRS^ Foucaul t iria ver i f icar c o m o essa D a s e i n a n á l i s e ( termo referente à ps ico te rap ia ex is tencia l heidegger iana) fornecer ia u m ins t rumento med ian te o qua l o ser de u m pac iente ps iqu iá t r ico, por exemp lo , é cent ra l para u m en tend imen to d o m u n d o ps iqu iá t r ico. 16 E F E N O M E N O L O G I A A fenomeno log ia é a invest igação d a manei ra c o m o as co isas — ob je tos , imagens, ideias, e m o ç õ e s — su rgem ou es tão presentes e m nossa c o n s c i ê n c i a . A fenomeno log ia faz isso sem referência ao status d o s ob je tos fora d a consc iênc ia que t e m o s deles. Ela suspende o ob je to " e m s i " e o lha apenas para nossa e x p e r i ê n c i a dele. A lgumas versões de fenomeno log ia pura, c o m o a de E d m u n d H u s s e r l (1859- 1938), b u s c a m as bases d o conhec imen to humano . PEVEMOS EXCLUIR TOPRS RS RFIRMRÇÕES B TEORIRS RCERCR POS CONTEÚPOS PR CONSCIÊNCIR, NR TENTRTIVR PB PESCOBRIR ESTRUTURRS INRTRS OU FORA/IRS PE CONSCIÊNCIR QUi CONSTITUEM TOPRS RS POSSIBILIPRPES, PE EXPERIÊNCIRS MENTRIS. A fenomeno log ia de M a u r i c e M e r l e a u - P o n t y (1908-1961) ten ta d e s c r e v e r as pe rcepções d o s ind iv íduos na m e d i d a e m que eles exper ienc iam o espaço , as cores , a luz. Os f e n o m e n ó l o g o s não es tão in teressados e m exp l i cações . Eles que rem a exper iênc ia imediata! 17 A C I Ê N C I A E S U A E P I S T E M O L O G I A A histór ia e a f i losof ia da c iênc ia . A e p i s t e m o l o g i a é a teor ia d o conhec imen to . Essa d isc ip l ina examina o que é cognosc íve l , o q u e dever ia ser c o n t a d o c o m o c o n h e c i m e n t o e se o c o n h e c i m e n t o é cer to e m c a m p o s que inc luem a c iênc ia . 18 A V E R D A D E C O M O A T I V I D A D E Eles cons ide ravam a c iênc ia e o c o n h e c i m e n t o não c o m o v e r d a d e s objet ivas ou cons tan tes , mas c o m o a t iv idades "comun i tá r ias " d e s c o n t í n u a s que c o n s t r o e m a ve rdade . Enquan to Bachelard enfat izava os p rob lemas d a prá t ica c ient í f ica, Koyré rejei tava a ideia de que as teor ias eram ob je t i vamente vál idas. As obras desses pensadores expuseram as pretensões objet iv istas e racionalistas da ciência ao quest ionamento, embora eles ainda buscassem "expl icar" a c iência segundo suas regras, estruturas ou psicologia. . 19 " C A N G " Cangu il hem a tacou a cegue i ra da ps ico log ia ace rca de suas própr ias c o n d i ç õ e s — as bases e m que e pelas qua is ela cons t ró i o conhec imen to O s ps i có logos são incapazes de def inir coe ren temen te o ob je to de seus es tudos . A ps ico log ia é u m emp i r i smo c o m p ó s i t o , cod i f i cado e m m o d a l iterária para f ins de ens ino — e é u m a d isc ip l ina pol ic ia l . A c iênc ia é u m a exp lo ração da rac iona l idade e m ação, mas isso p o d e ser v is to h i s t o r i c a m e n t e . As verdades científ icas estão abertas à d iscussão, mas não são menos " reais" por con ta de sua cont ingênc ia . Desse m o d o , o conhec imen to cientí f ico é v isto c o m o organizado, operacional e sujeito a mudança . Ele s imp lesmente não existe " fora daqu i " . 20 O P R O J E T O D E F O U C A U L T A S S U M E F O R M A A ideia de Foucaul t era tomar a lguns d o s t e r m o s e m é t o d o s d a histór ia da c iênc ia e ap l icá- los a ou t ro ob je to f i losóf ico: o s e r h u m a n o . Foucaul t não es tava fel iz es tudando a exper iênc ia c o m o base para o c o n h e c i m e n t o e m si m e s m o , po is isso a inda es tava mu i to cen t rado no sujei to e ace i tava q u e a lguém pudesse re tomar est ru turas de sen t ido prévias ou inatas. Diante d isso , Foucaul t def in iu a exper iênc ia — por exemp lo , de loucura ou sexua l idade — e m t e r m o s d a exper iênc ia de indivíduos h is tor icamente s i tuados e o m o d o pelo qual essa exper iênc ia se enraizava no d iscurso c ient í f ico e no d iscurso f i losóf ico. 21 C O R R E N T E S POL ÍT ICAS Foucaul t se f i l iou ao Part ido Comun i s ta Francês (PCF), e m 1950, por ind icação de seu depress ivo mento r marx is ta , L o u i s A l t h u s s e r (1918- 1990). T ra tava-se de um par t ido stal in ista no auge de seu poder, po rque a inda gozava d a cred ib i l idade proven iente de suas a t iv idades da Resistência d o t e m p o d a guerra. Mas Foucaul t não es tava lá mu i to c o m p r o m e t i d o , e raramente ia às reuniões de par t ido . Cor rentes pol í t icas de que t ipo? C o m o as d o b ió logo stal in ista T. D. L y s e n k o (1898-1976) , que acred i tava que caracter ís t icas d o m u n d o b io lóg ico e ram herdadas e de te rm inadas . Foucaul t es tava c o m e ç a n d o a ver que o c o n h e c i m e n t o c ient í f ico estava re lac ionado mais c o m o p o d e r d o q u e c o m a v e r d a d e . E, de aco rdo c o m o d o g m a d o Part ido, sua homossexua l i dade estar ia au tomat i camen te a l inhada c o m a "decadênc ia bu rguesa" . 23 F O U C A U L T E X P L O D E Na pr imavera d e 1950, Foucaul t fez seus exames f inais e passou pe lo es tág io escr i to . M a s seu e x a m e oral sob re "h ipó teses " o d e s a p o n t o u . Ele t inha t e n t a d o se exibir! Em 1 9 5 1 , f ina lmente , fo i a p r o v a d o , m a s ele es tava fu r ioso por ter t i do de falar sob re " sexua l i dade " e m seu e x a m e ora l . Ele a inda não sab ia q u ã o impor tan te esse assun to es tava para se to rnar . . . Depo is d e ter s imu lado u m a dep ressão para escapar d o serv iço mil i tar, e m 1 9 5 1 , ele c o m e ç o u a pesqu isa para seu d o u t o r a d o na exc lus ivamente mascu l i na Fundação Thiers. Foucau l t era impopu lar . Nesse t e m p o , ele teve u m caso a m o r o s o e, depo is de um ano, evad iu-se para a Univers idade de Lille, para assumir o pos to de professor-ass is tente. Para relaxar nos fer iados de verão, Foucaul t v is i tou sua m ã e e a a judou a fazer p ic les de pep ino e a regar o j a rd im . 24 R U M O À PSICOLOGIA? iiJilÉlH '4 fe 4 «t1 -> RLTURR, EU RINPR NfíO T/NHR FUNPRPO R PSICRNfiUSE EM TEOR/RS UNGUÍSTICRS. EU ESTRVR EXPONPO X \MINHRS IPEIRS SOBRE R IPENTIFICRÇfíG RELRCIONRNPO-RS COM RS INCLINRÇÕES POS GRFRNHOTOS Eh VOCê é UM GPFRNHOTO, E J/OCê, E VOCê.. MIGRRTÓRIOS E POS ESGRNR-GRTRS. Foucaul t fo i visi tar Sa in t -Anne, o hospi ta l ps iqu iá t r ico de Paris. Ele es tava mu i to in teressado na base " rac iona l " para a pesqu isa — essa base prec isava ser ques t ionada . Ele t a m b é m estava o b c e c a d o c o m os tes tes d e Rorschach e ten tou ap l icá- los a seus co legas de facu ldade . "Dessa manei ra , saberei o que eles t ê m e m men te " . 25 file:///MINHRS S O N H O S E X P E R I M E N T A I S ? Foucau l t não t inha u m re lac ionamento fáci l c o m a ps ico log ia exper imen ta l . Ele achava que a pesqu isa de J a c q u e l i n e V e r d e a u x — ps iqu ia t ra e am iga de sua famíl ia — sobre os r i tmos respi ra tór ios d e pessoas ouv indo a "S in fon ia d o s sa lmos" , de Strav insky, era r idícula, t an to q u a n t o as pre tensões f i losóf icas de Lacan. M e s m o ass im , ele auxi l iou Verdeaux e m u m a t r adução e in t rodução a o b r a Sonho e existência, de L u d w i g B i n s w a n g e r (1881-1966). M a s isso es tava re lac ionado c o m os interesses de Foucaul t : a daseinanálise. Binswanger diz: 26 A PSICOLOGIA E N C O N T R A HEIDEGGER Escri ta e m 1953, a ob ra d e Foucaul t , Psicologia de 1850 a 1950, refletia suas tentat ivas de anal isar o status d a Ps ico log ia c o m o u m a c iênc ia c o m seu ob je to — a ex is tênc ia humana . Foucaul t a f i rmava q u e a histór ia d a Ps ico log ia é cont rad i tór ia : ela quer ser uma c iênc ia ob je t iva — c o m o a B io log ia —, mas en tende que a real idade h u m a n a não é s imp lesmen te par te d a "ob je t i v idade natura l " . Doença mental e psicologia (1954) foi pub l i cado por Foucaul t para tentar expl icar d i ferentes m é t o d o s ps ico lóg icos — o fenomeno lóg i co , o ex is tencia l , o marx is ta . 27 D O E N Ç A E M A R X Nessa lei tura marx is ta , a loucura é resu l tado d a a l i e n a ç ã o d e si m e s m o e d a h istór ia, p o r q u e as cond i ções mater ia is são insolúveis. Não é p o r q u e a lguém está doen te q u e es tá a l ienado. É po rque es tá a l ienado q u e es tá doen te . A s re lações soc ia is de te rm inadas pela e c o n o m i a a tua l , à gu isa de c o m p e t i ç ã o exp lo ração , guer ras imper ia l is tas e luta d e c lasses , d ã o ao h o m e m u m a exper iênc ia d e seu amb ien te h u m a n o q u e é c o n s t a n t e m e n t e a s s o m b r a d a pela con t rad i ção . T rans fo rmar as re lações no a m b i e n t e soc ia l poder ia so luc ionar a d o e n ç a d e u m a vez por t odas . Foucaul t es tava negando q u e a d o e n ç a menta l pudesse ser v is ta e m te rmos negat ivos e sus ten tando que e m b o r a a Ps ico log ia t ivesse passado d a d i scussão da evo lução (Ciência) para d iscut i r o h o m e m (História), ela a inda se v incu lava a p reconce i tos mora is ou "meta f ís i cos" . i 28 A M O R E M D I F I C U L D A D E S Em pr incíp ios d o s anos 1950, Foucaul t f requentava os m e s m o s g rupos em q u e c i rcu lava o jovem génio da mús ica , P i e r re B o u l e z (nascido e m 1925). E t a m b é m conheceu e teve u m caso apa ixonado c o m J e a n B a r r a q u é (1928-1973) , u m j o v e m compos i to r . Eles par t i lhavam o m e s m o gos to por He idegger e Nietzsche. Foucaul t deu a Barraqué ideias l i terárias para serem t rans fo rmadas e m mús ica . OUÇR RQUI: PEIXE FOUCRULT, PRRR SEU PRÓPRIO BEM... ESSE HOMEM ^PESTRUIRó VOCê PEPOIS QUE TIVER PESTRUÍPO R SI MESMO. Foucaul t t a m b é m conheceu Pau l V e y n e (nasc ido e m 1930), que vir ia a exercer fo r te inf luência e m História da sexualidade de Foucaul t . Veyne achava Foucaul t excess ivamente misóg ino , enquan to Foucaul t era da op in ião de que a heterossexual idade de Veyne era s imp lesmente ented iante ! Em d e z e m b r o de 1955 Foucaul t regressou a Paris para o Natal . O caso a m o r o s o c o m Barraqué não ia lá mu i to b e m . S U É C IA ! Em a g o s t o d e 1955, Foucaul t foi c o n v i d a d o a assumi r u m pos to no D e p a r t a m e n t o d e Es tudos Român icos na Un ivers idade de Uppsa la , na Suéc ia , por ind icação de G e o r g e s D u m é z i l — "o professor" — (1898- 1986), espec ia l is ta e m rel igiões e mi to log ias indo-europe ias . Dumézi l ut i l izava u m a f o r m a an tec ipada de e s t r u t u r a l i s m o . Seu t raba lho se concen t rava e m con jun tos de re lações cons tan tes , un iversa is ent re e in tercul turas. I Foucaul t se to rnou pro fessor -ass is ten te d e Francês e I lec ionava Língua e Li teratura. Ele t a m b é m foi i nd i cado I c o m o di retor d a Ma ison de France, b e m c o m o a d i d o I cu l tura l . 30 F O U C A U L T , O B E B E D O R Foucaul t coz inhava mu i to b e m e gos tava de receber seus amigos . Ele t a m b é m beb ia bas tan te , para compensa r as longas noi tes escuras . E saía em busca de aventuras c o m homens . Foucaul t c o m p r o u u m Jaguar espor t i vo mar rom — usando o d inheiro de sua famíl ia — c o m o qua l encarava bu racos e valas q u a n d o estava mui to irr i tado. E ia mu i to a Es toco lmo , o n d e des f ru tava d a companh ia , das histór ias e das c a n ç õ e s suaves de M a u r i c e C h e v a l l i e r (1888-1972). Ele deu aulas sob re "A c o n c e p ç ã o do amor na l i teratura f rancesa, d o Marquês de Sade a Jean Gene t " para um púb l i co eminen temente femin ino. A B I B L I O T E C A DE U P P S A L A : O N A S C I M E N T O D A L O U C U R A Ele dec id iu de fender essa pesqu isa c o m o tese de dou to rado , mas ela fazia par te de u m a ob ra mu i to genér ica e l i terária para o emp i r i smo de Uppsa la . Foucault t en tou just i f icar sua a b o r d a g e m . A S INDISCRIÇÕES DE F O U C A U L T Foucaul t se m u d o u para Varsóv ia , a f im de dir igir o Cent ro Francês. A Polónia func ionava pess imamen te . A inda não havia se recuperado da Segunda Guerra Mund ia l . Foucaul t escrev ia à luz de velas. A polí t ica era Nesse c l ima de suspe ição , fez sexo c o m u m j o v e m q u e t raba lhava para a polícia, para poder pagar sua facu ldade . Foucaul t fo i c o n v i d a d o pelo emba ixador a deixar Varsóv ia . L U T A K A L A M A Foucaul t v ia jou c o m u m a inspetora d o Ministér io d a Educação e m u m a vis i ta a Cracóv ia . Inadver t idamente , ela i r rompeu por ta aden t ro d o quar to d o " F u c h s " — para f lagrá- lo nos b raços de u m rapaz. A l g u m t e m p o depo is , Foucaul t a f i rmou que esse ep isód io o imped iu d e de ter os acon tec imen tos das rebel iões de maio de 1968, p o r q u e o Min is tér io d a Educação não levara a sér io seus p lanos de re forma! Ele se m u d o u para H a m b u r g o , para ou t ro Inst i tu to, o n d e apresen tou ao escr i to r A l a i n R o b b e - G r i l l e t (1922- 2008) os c lubes de striptease, os pa rques e as salas de espe lho . Foucau l t t eve até u m lance c o m u m t raves t i . Ele t a m b é m levou o romanc is ta P ie r re G a s c a r (1916-1997) para assist ir a lutas d e mulheres na lama no bairro ve rme lho . A c l ientela d o s bares t ra tava Foucau l t d e "Senhor Doutor3'. 1 9 6 0 - 1 9 6 1 - P A N O R Á P I D O O pai de Foucaul t fa leceu. Foucaul t invest iu sua herança na c o m p r a de um moderno flat na rua Dr. Finlay, c o m v is ta para o rio Sena. Estamos na França d a Qu in ta Repúb l ica , de Char les de Gaul le. Vias expressas pedag iadas , b o m b a s a tómicas , a nova m o e d a , f i lmes da Nouvelle Vague, t u d o p roc lamava u m a França mode rna , mas t a m b é m inquieta. Danie l Defer t , um estudante da École Normale de Sa in t -C loud, foi apresentado a Foucault . Eles se to rnaram parceiros ínt imos. Defert era uma mil i tante ant iguerra. Foucaul t evi tou essa questão e conclu iu a pesquisa para seu História da loucura nos arquivos e bibl iotecas de Paris. 35 D A F ILOSOFIA À L O U C U R A Em me io a t u d o isso, ele conc lu iu suas d u a s teses , as qua is dec id iu s u b m e t e r à So rbonne , e m Paris. E apresen tou u m a tese c o m p l e m e n t a r sob re o f i lósofo d o I l umin ismo I m m a n u e l K a n t (1724-1804) , na qual usou o t e rmo "a rqueo log ia " pela pr imeira vez, q u e ind icava o per íodo d a histór ia ao qua l e le i ncessan temente havia de retornar . Os m e m b r o s d a banca , depo is d isso, passaram a ouvir o t raba lho pr inc ipa l d e Foucaul t . . . 36 ILUMINISMO: O ESPÍRITO FILOSÓFICO, CULTURRL E CIENTÍFICO PO SÉCULO XVIII. UMR CRENQR NR RRZRO, NO PROGRESSO, NR *MRTURIPRPE" PO HOMEM E UMR COMPLETR REJEIÇRO PR TRRPIÇRO, PR RELIGlRO E PR RUTORIPRPE. HISTÓRIA D A L O U C U R A ( 1 9 6 4 ) A História da loucura não era u m a v isão d a histór ia d a loucura d o pon to de vista de um ps iqu ia t ra . Mais tarde, Foucaul t d isse q u e seu ob je to era "o conhec imen to invest ido no s is tema c o m p l e x o das ins t i tu ições" . Au to r idades , suas prát icas e op in iões ser iam es tudados para demons t ra r a loucura não c o m o um d iscurso c ient í f ico ou teór ico , mas c o m o u m a prá t ica co t id iana, regular. 37 L O U C U R A E D E S R A Z à O Em vez d i sso , Foucau l t p ropôs u m es tudo prec iso d a loucura e m s i (o he idegger iano f racassa aqu i , por causa de seu "s i lênc io" a lém d a l i nguagem d a razão). "Para cap tu ra r u m espaço , pa lavras s e m u m a l i nguagem, o refratár io murmura r de u m a l i nguagem q u e parece falar por si m e s m a . . . Falhar d ian te de la levou a n e n h u m a fo rmu lação e ao re t rocesso s e m nenhuma ag i tação ao s i lênc io d o qual ela n u n c a se s e p a r o u " . TEMOS PE TENTRP PECURP NR HISTÓPIR RdUELE "PONTO ZEPO" NO CUPSO PR LOUCUPR NO QURL ELR FOI PEPENT/NRMENTE SEPRPRPR PR PRZRO - TRNTO NO CONFINRMENTO PO INSRNO COMO NO \ISOLRMENTO CONCEITURL PR LOUCUPRy EM PELRÇRO R PRZRO, COMO PESPRZRO. file:///ISOLRMENTO A ERA CLÁSSICA Foucaul t c h a m a de "era c láss ica" o per íodo da histór ia da Europa entre os sécu los XVII e XVIII, para most rar q u e a loucura é u m ob je to de percepção den t ro de u m "espaço soc ia l " es t ru tu rado de di ferentes m o d o s ao longo d a histór ia. A loucura é u m ob je to de pe rcepção p roduz ido por p r á t i c a s s o c i a i s , e m vez de ser s imp lesmen te um ob je to de pensamento ou de sens ib i l idade que pudesse ser anal isado. O QUE É R LOUCUPR? E6TR PEPGUNTR a SUBSTITUÍPR POP OUTPR NOVR: "COMO R ^EXPEPIêNCIR PR LOUCUPR é POSTR, EMPPÕTICR?' # % T Foucaul t ar g u m e n t a que , an tes d a T e m o s qua t ro fases h is tór icas Era Clássica, a re lação da loucura e d is t in tas p e r c e p ç õ e s d a c o m a razão era mu i to d i ferente. loucura . 1 39 1 . A L O U C U R A M E D I E V A L E A M O R T E No per íodo med ieva l , a d i spu ta d o h o m e m c o m a loucura era u m d r a m a no qua l t o d o s os seg redos d o m u n d o cor r iam r isco. A exper iênc ia da loucura era o b s c u r e c i d a por imagens d a Q u e d a , d o s desígn ios de Deus, d a Bes ta , d o f im d o s t e m p o s e d o m u n d o . A m o r t e era o t e m a dominan te . A loucura d o h o m e m estava e m não ver q u e o domín io da mor te es tava p r ó x i m o . Por tan to , era necessár io t razê- lo d e vo l ta à sabedor ia c o m o espe tácu lo d a mor te . 2 . A L O U C U R A NO R E N A S C I M E N T O A loucura assumiu v is ib i l idade e m f inais d o sécu lo XV. A v ida d o h o m e m não é ma is louca por con ta da inev i tab i l idade d a mor te , mas po rque a mor te hab i ta o co ração d a própr ia v ida . 40 A V E R D A D E D A L O U C U R A A loucura era a " ve rdade" d o conhec imen to , mas o c o n h e c i m e n t o e o aprend izado d o h o m e m sad io e ram u m a loucura absurda . O pe rsonagemliterário d o Louco , e m sua sáb ia idiot ia, já sab ia d isso . Do século XV e m diante, por meio da Literatura, da Filosofia e da Arte, o sujeito é apreend ido de di ferentes modos . A partir de então, a loucura existe no homem. A exper iência da loucura assume a fo rma de sá t i r a m o r a l , em vez de ameaças de invasão do mundo por parte da loucura, algo que aterrorizava pintores c o m o H i e r o n y m o u s B o s c h (1450-1516). Pontos insensatos para a loucura e erro da própr ia razão. BM MINHA LOUCURfí, PBMONSTRO O QUfíNTO R VRóPRIfí RfíZfíO é LOUCfí.. "A nau d o s insensatos" era u m a representação s imbó l i ca d o ban imen to e d a peregr inação d o louco em busca de razão. 3 . A E R A C L Á S S I C A D O C O N F I N A M E N T O Ant igos leprosár ios a b a n d o n a d o s eram usados para u m a nova i f ina l idade — c o n f i n a r . A idade da razão encarcerou tan to o pob re quan to o insano. Em 1656, um dec re to f u n d o u o Hospi ta l Geral e m I Paris. U m e m c a d a c e m par is ienses es tava con f i nado — o louco | j un to c o m o pob re e o c r im inoso . 42 A M O R A L I D A D E BURGUESA Realmente, o con f i namen to t inha mais a ver c o m o p rob lema e c o n ó m i c o d o desemprego , da inat iv idade e da mend icânc ia . U m a nova ét ica d o t raba lho e novas ideias a respei to d o dever mora l agora se v incu lavam ao direi to civi l . O t raba lho era a redenção . O óc io , rebel ião. Mend igos eram f requentemente a tacados por arquei ros às por tas das c idades . . . Enquanto o Renasc imento expusera a loucura à luz, a Era Cláss ica a v ia c o m o escânda lo ou vergonha . As famíl ias ocu l tavam t ios loucos e p r imos es t ranhos e m asi los. t i ta Mas o espe tácu lo t inha sua par te. No Hospi ta l Be th lehem, e m Londres , lunát icos eram ex ib idos a 96.000 pessoas por ano. A loucura, que antes fora representada, agora era ap resen tada e m carne e osso — não mais c o m o um mons t ro den t ro de a lguém, mas c o m o a lgo para o qual olhar. 43 T R A T A D O S C O M O A N I M A I S O c o n f i n a m e n t o não era insp i rado por u m dese jo de punir ou de corr ig i r — m a s s i m p l e s m e n t e de d isc ip l inar e de manter à par te . Desse m o d o , os insanos passavam a viver atrás d e g rades , aco r ren tados a paredes , c o m i d o s por ratos. LOUCO N f lO é UM HOMEM ENFERMO. 6UR RNIMRLIPRPE O TORNR IMUNE RO FRIO, R FOME E R POR. LOUCURR RN/MRL O PROTEGE. A Med ic ina desse per íodo perceb ia a loucura c o m o u m mov imen to excess ivo de pa ixões per igosas — o excesso de af l ição ou de a l imento levava à melanco l ia e ao delír io. T ra tamen tos para a loucura e ram d i r ig idos ao c o r p o da pessoa insana, b e m c o m o à sua imag inação . Norma lmen te , ta is t ra tamen tos e ram ap l i cados fora d o s hospi ta is . Mús ica , cor r ida , v iagens, imersão e m água ge lada, pur i f i cação c o m e lemen tos de l impeza e c o m " c o m i d a s c o m aspec to de l avagem" — al iv iavam espír i tos febr is . 44 R E F O R M A , AS ILOS E A P R I S I O N A M E N T O D E M E N T E S Ali pelo f inal d o sécu lo XVIII, re fo rmadores ps iqu iá t r icos passaram a cons iderar as med idas puni t ivas c o m o t ra tamentos malé f icos . Os insanos eram f i s i camente l iber tados e s u b m e t i d o s a u m d iscu rso mora l , educac iona l e ps iqu iá t r ico . Mas , de fa to , eles passavam a ser menos livres, po rque até m e s m o suas mentes es tavam suje i tas a t ra tamento . Razão e desrazão es tão, a part ir de então, separadas : a l inguagem psiquiát r ica se instala c o m o u m monó logo da razão sobre a loucura 4 . 1 9 0 0 E F R E U D , O DIV INO Persona l idades c o m o S i g m u n d F r e u d (1856-1939) s i lenc iaram d ian te d a c o n d e n a ç ã o da loucura. Ele abol iu o r e g i m e d e s i l ê n c i o que os re fo rmadores e m p r e g a v a m . E fez o louco falar. Mas t a m b é m desenvo lveu a es t ru tura que incluía o pe rsonagem m é d i c o — ele — c o m o on ipo ten te e quase d iv ino. Para Foucaul t , a ún ica manei ra de a loucura ser v iv ida " e m si m e s m a " , fo ra d a razão autor i tár ia, é por me io d a Ar te e da Fi losof ia. O m u n d o q u e pensava mensurar e just i f icar a loucura por me io d a Ps ico log ia t e m de just i f icar a si m e s m o d iante da loucura — d ian te d o e x c e s s o d e ob ras c o m o as de A r taud , Van G o g h e Nie tzsche. R E C E P Ç Ã O CRÍT ICA A ob ra de Foucaul t ques t iona as or igens d o status c ient í f ico da Psico logia, sem se submete r à au to r idade de fontes histór icas d e in fo rmação. Não tenta definir a loucura. Ela ind ica os m o d o s segundo os qua is a loucura é v iv ida, imag inada e d i spe rsada — fenomeno log i camen te — c o m a lgum pretenso apo io à m u d a n ç a estrutural (economia, soc iedade , c iência) . Houve aqueles q u e cr i t icaram sua fa l ta de at r ibutos h is tór icos e suas d is torções. 47 A N T I P S I Q U I A T R I A O livro fo i aco lh ido pela teor ia ant ips iqu iá t r ica e cont racu l tura l de R. D. L a i n g (1927-1989) e de D a v i d C o o p e r (1931-1986) e a inda no Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia (1972) de G i l l es D e l e u z e (1925-1995) e Fé l ix G u a t t a r i (1930-1992) . 48 F O U C A U L T VS. DERRIDA, 1 9 6 3 Em u m a conferênc ia , o p ó s - -estrutural is ta J a c q u e s D e r r i d a (1930-2004) descons t ru iu as t rês páginas de História da loucura, nas quais Foucaul t d i scu te as Meditações de R e n é D e s c a r t e s (1596-1650). FOUCAULT TENTOU ESCREVER UMR HISTÓRIR PR LOUCURR EM SI... ESSRé R PRRTE MR/S MRLUCR EM FOUCRULT. COMO ELE POPE EV/TRR R VIOLÊNCIR QUE R LINGURGEM PR RRZfíO (ORPEM, VERPRPE, O SISTEMR PE OBJETIVIPRPE E R RRCIONRL/PRPE à UNIVERSRL) MOSTRR R LOUCURR? C L E R M O N T - F E R R A N D : O INÍCIO D O C O N F L I T O Foucau l t se t o rnou u m intelectual respe i tado. Escreveu ar t igos e fez con fe rênc ias , fez crí t ica l i terária e fa lou sobre desv ios re l ig iosos. O re latór io d e Cangu i l hem e o apo io de Hyppo l i te levaram-no a ser c o n v i d a d o para um pos to c o m o pro fessor na Un ivers idade d e C le rmon t -Fe r rand , e m 1960. Al i , ele ens inou Psico log ia. Q u a n d o o f i l óso fo c o m u n i s t a R o g e r G a r a u d y (1913-2012) foi t ransfer ido para lá, a p a r e n t e m e n t e por inf luência d o p remie G e o r g e s P o m p i d o u ( 1 9 1 1 - 1974), teve início u m a con tenda amarga . Eles c h e g a r a m ao en f ren tamen to f ís ico. QUE VOCê TEM CONTRA MIM? í, TENHO NAPA CONTRA VOCê. Só CONTRA A ESTUPIDEZ. 50 L I N G U A G E M E L I T E R A T U R A Nesse m o m e n t o , o in teresse d e Foucau l t pe la l i teratura es tava e m seu áp ice , espec ia lmen te por r o m a n c e s q u e exp lo rassem o insensato des l i zamento ent re a l i nguagem, seu sen t ido e os m u n d o s que isso cr ia, tal c o m o o excên t r i co Locus Solus (1914), de R a y m o n d R o u s s e l (1877-1933) . les lettres du blanc sur les bandes du vieux billard (as letras b rancas sob re as margens ( ia ve lha mesa de bilhar) p o d e m se r t r ans fo rmadas e m les lettres du blanc sur les bandes du vieux pillard (as car tas d o h o m e m branco sobre as \ relhas gangues de sal teadores) A desc r i ção não é a f ide l idade da l inguagem a seu ob je to , mas o nasc imen to cons tan temente renovado de um re lac ionamento infinito entre a s p a l a v r a s e a s c o i s a s . M E D I C I N A E M E T O D O L O G I A Em 1963, Foucau l t pub l i cou O nascimento da clínica, c o m base e m sua lei tura d e c a d a l ivro sob re med ic ina c l ín ica p roduz ido ent re 1790 e 1820 . "Es te l ivro t ra ta d o espaço , d a l inguagem e da mor te ; t ra ta d o o lhar" . A m ed i c i n a c l ín ica era mais d o q u e op in iões apenas . Ela se v incu lou às c i ê n c i a s d o sécu lo XIX, c o m o a Bio logia, a Fis iologia e a Ana tom ia , ass im c o m o a i n s t i t u i ç õ e s c o m o os hospi ta is e a p r á t i c a s c o m o o inquér i to admin is t ra t i vo . Foucaul t quer ia prestar con tas das r e g r a s desse c o n h e c i m e n t o . EU ME PEPGUNTRVR COMO EPR QUE O CONHECIMENTO POPIR TEP SUPGIPO, MUPRPO, SE PESENVOLVIPO E OFEPECIPO R TEOPIR CIENTÍFICR NOVOS CRMPOS PE OBSEPVRÇÕES E OBJETOS, E COMO JO RPPENPIZRPO CIENTÍFICO TINHR SIPO IMPOPTRPO PRPR PENTPO PELE. ' ' V \ V -' BIOLOGIA FISlOÍOGIfí PINflTOMtfl: INVESTIGfíÇi OBJBTI Em Ciênc ia , o m o d e l o de observar , ver e nomear é aber to . O C O N H E C I M E N T O M E D I C O M U D A A prát ica da med ic ina é mis tu ra instável de c iênc ia r igorosa e de t rad ição incerta. Con tudo , enquan to s i s tema de conhec imen to , ela encont ra sua própr ia coerênc ia . E esse c o n h e c i m e n t o se t rans fo rma no decorrer d o t e m p o — de u m a l inguagem de fantas ia e m i to . . . ESTOU FRLRNPO R UNGURGEM PR FRNTRSIRy MÉPICR RQUL MINHR ^MEPICINR NRO TEM BRSE; PEPCEPTURL^ para u m a l inguagem que a s s u m e a ob je t iv idade. E S T R U T U R A L I S M O Este l ivro t a m b é m é u m es tudo quase e s t r u t u r a l i s t a de c o m o os d i scu rsos m é d i c o s o rgan izam-se e m r e f e r ê n c i a a d i ferentes es t ru turas — pol í t icas, soc ia is , cu l tura is e e c o n ó m i c a s — e u m a e m re lação à ou t ra , a f im de demons t ra r as m u d a n ç a s que a fe taram c o m o j g ^ j p " - — — a s co isas eram fa ladas ou vistas e o que era possível ver e dizer e m de te rm inado per íodo h is tór ico. A med ic ina s imp lesmen te reorganiza a d o e n ç a segundo novos padrões de s in taxe — novas re lações entre a l inguagem e aqui lo que ela nomeia , v incu ladas a ou t ras m u d a n ç a s estrutura is na soc iedade , e m suas prá t i cas e inst i tu ições. 54 O C O N H E C I M E N T O C O M O CLASSIF ICAÇÃO Nossa pe rcepção d o c o r p o c o m o o natural " espaço d a o r igem e d a d is t r ibu ição d a d o e n ç a " , c o m o espaço de te rm inado pelo a t l a s a n a t ó m i c o , é s imp lesmen te u m dos vár ios m o d o s s e g u n d o os quais a med ic ina f o r m o u seu " conhec imen to " . As doenças eram conceb idas c o m o a lgo q u e era t ransfer ido para o c o r p o q u a n d o suas qua l idades en t ravam e m c o m b i n a ç ã o c o m o t e m p e r a m e n t o d o paciente. Esse era o pensamen to méd ico c l a s s i f i c a t ó r i o . A Medicina das espécies (1770) c lassi f icava as d o e n ç a s c o m o e s p é c i e s s e m u m a necessár ia l igação c o m o c o r p o . Essa e s p a c i a l i z a ç ã o da d o e n ç a era conce i tua i . As doenças eram h ie rarqu icamente o rdenadas e m famíl ias, géneros e espéc ies e m te rmos de analog ia e semelhança. "O catar ro é para a garganta o que a d isenter ia é para o in test ino" . O pac ien te era u m obstáculo potenc ia l à pe rcepção das c lasses ou espéc ies fo rmais . 55 S I N T O M A S Pos te r io rmente , a m e d i c i n a c l í n i ca (de 1800 e m diante) v ia e " p e n s a v a " as d o e n ç a s c o m o s i n t o m a s e não c o m o en t idades ou espéc ies f i xadas e m u m grá f i co . Por sua vez, os s in tomas eram in te rpre tados c o m o s i g n o s d e desenvo lv imen to pa to lóg ico . A d o e n ç a não se referia ma is à d i s t r i bu ição d e espéc ies e a suas re lações; passava a ser espec ia l i zada no c o r p o c o m o nada a lém d e u m a co leção de s in tomas . Dessa f o r m a , a part i r de então, a l inguagem cl ín ica es tava e m c o m p l e t o a c o r d o c o m aqu i lo que ela nomeia . Falar e ver é o m e s m o . A g o r a se t e m o o lho fa lante d o m é d i c o c l ín ico. 56 A N A T O M I A - A T É C N I C A D O C A D Á V E R A ana tom ia pa to lóg ica se desenvo lve — ou a teor ia a n a t o m o c l í n i c a . A doença não deno tava espéc ies ou con jun tos de s in tomas , mas ind icava lesões em tec idos especí f i cos . O olhar c l ín ico sob re a superf íc ie d o c o r p o se t rans fo rma e m um olhar para d e n t r o d o c o r p o . Esse é o olhar d a d i ssecção , que inaugura a med ic ina das reações pato lóg icas. Os tec idos e os ó rgãos são agora o lugar da doença . A noção de c lasses de d o e n ç a s f i cou para t rás. 57 • O H O M E M E A M O R T E A MORTE NRO a MAIS UM FATO ABSOLUTO, QUE PÕE FIM R VIP A E RO ^CURSO PE UMA POENQA. A MORTE AGORA a 0 > PRINCIPIO CONCE/TUAL POMINANTE. "O olhar m é d i c o a ten to de ixa d e ser aque le olhar d o méd i co , para ser u m olhar a ten to que viu a mor te — u m g rande o lho b ranco que desamar ra o nó d a v ida " — Foucaul t c o n c o r d a c o m G e o r g e s Ba ta i l l e (1887-1962) . Cer tamente , História do olho, ob ra d e Batai l le, e ró t ica e f i xada na mor te , deu a Foucaul t a imagem d o o lho c o m o u m conce i t o v iável . 58 B A R T H E S FICA E N C I U M A D O O livro de Foucaul t v i rou imed ia tamente cult. E log io a o l i v ro d e F o u c a u l t : "Ele permi t iu à prof issão ver que a Med ic ina não era s imp lesmen te u m a prát ica mecân ica , mas t a m b é m u m a l inguagem que t inha evo lu ído c o m o t e m p o " (Dr. Bernard Kouchner) . Cr í t i ca a o l i v ro d e F o u c a u l t : "Foucau l t não c o n s e g u e ver a lém de sua própr ia ep is teme. Ele é u m p rodu to d o pensamen to f rancês do sécu lo XX que privi legia ou desaf ia a soc iedade ocu lar — f i losof ias da pe rcepção visual , da aparênc ia , d o exame, da p in tura etc. Ele dever ia olhar para suas própr ias p remissas ao p romover o o lho c o m o pr incíp io dom inan te " (Mart in Gay, pro fessor universi tár io). Mas os estrutural is tas a f i rmam q u e as l igações q u e Foucaul t faz ent re o con tex to socia l da Revo lução Francesa, sua cl ín ica e a m u d a n ç a nas est ru turas perceptua is são ob l íquas. A o que t u d o indica, Bar thes se apar tou de Foucaul t po rque cob i çava Daniel Defert , que estava v ivendo c o m Foucaul t na rua Dr. Finlay. 59 N I E T Z S C H E V E M E M S O C O R R O Foucau l t leu N ie tzsche pela pr imeira vez e m u m a praia, na Itália, c o m seu a m i g o ín t imo, M a u r i c e P i n g u e t (1929-1991) , e m agos to d e 1953. 60 de1< Em ju lho de 1964, e m u m a conferênc ia sobre Nietzsche, Foucaul t d iscut iu a histór ia e a i n t e r p r e t a ç ã o , recor rendo aos " t rês mest res d a suspe i ta " : F r i e d r i c h N i e t z s c h e (1844-1900) , S i g m u n d F r e u d (1856- 1939) e K a r l M a r x (1818-1883) . PEPOIS PB PBZ ANOS, FOUCAULT CONTINUA PBBATENPO COM A FILOSOFIA PAPA ESC AP AP PA IPBIA HBGELIANA E MARXISTA PA HISTÓRIA COMO ALGO QUE SE ESTENPE PARA UM ABSOLUTO COMO UMA RESOLUÇÃO PAS CONTRAP/ÇÕES E POS CONFLITOS. A QUEM ELE POPE RECORRER? O que in teressava Foucaul t e m 1964 era a natureza inf inita da i n t e r p r e t a ç ã o — as in terpre tações de Marx das exp l i cações ideo lóg icas burguesas ; as in terpre tações de Freud das exp l i cações que seus pac ien tes faz iam das própr ias neuroses e as de N ie tzsche e m sua de fesa de q u e a Fi losof ia não encon t ra o conhec imen to , mas impõe in terpre tações s e m f im . Por q u e N ie tzsche foi t ão par t icu larmente útil a Foucaul t? 61 C H E G A D E C O N H E C I M E N T O Para N ie tzsche, era inconcebíve l imaginar q u e a h is tór ia levará a u m t o d o ou revelará u m a ve rdade to ta l . Isso representa u m a poss ib i l i dade radical d e rup tu ra c o m o p e n s a m e n t o hegel iano e sua a legação de q u e a h is tór ia nos c o n d u z ao abso lu to e to ta l c o n h e c i m e n t o . Isso leva a duv ida r d a razão!62 A S P A L A V R A S E A S COISAS O interesse de Foucaul t na l inguagem e na in terpretação d o m u n d o levou a seu próximo livro, As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas, escr i to e m g rande par te e m m e a d o s de 1964 e expand ido e m con fe rênc ias fe i tas no Brasi l , e m 1965. I O ob je t ivo de Foucaul t é o lhar para o m o d o s e g u n d o o qual o h o m e m se to rnou o ob je to d o c o n h e c i m e n t o na cu l tura oc iden ta l . E ele faz isso e legendo t rês per íodos na histór ia — o Renasc imento , a Idade Cláss ica e a Idade M o d e r n a — e desen te r rando o respect ivo a priori h is tór ico de c a d a época . A g rade latente de c o n h e c i m e n t o que organ iza t o d o d iscurso c ient í f ico e def ine o que p o d e ou não p o d e ser c ien t i f i camente pensado : o p rocesso de escavar esses níveis é c lass i f i cado por Foucaul t c o m o a r q u e o l o g i a . Seu pro jeto é descobr i r os c ó d i g o s h is tór icos e fundamenta i s de nossa cu l tura — nosso presente —, não revelar as pe rcepções fenomeno lóg icas dele. 63 T E R M O - C H A V E N° 1 : A R Q U E O L O G I A A "a rqueo log ia " , c o m o a invest igação daqu i lo que to rna necessár ia u m a de te rm inada f o rma de pensamen to , impl ica e m u m a escavação dos sed imen tos d o pensamen to inconsc ien temente o rgan izados . D i fe rentemente de u m a h i s t ó r i a d a s i de ias , ela não af i rma que o pensamen to se acumu la rumo a a lguma conc lusão h is tór ica. A a rqueo log ia ignora os ind iv íduos e suas histór ias. Ela prefere escavar es t ru turas i m p e s s o a i s de conhec imen to . A a rqueo log ia é u m a tarefa que não cons is te e m tratar o d iscurso c o m o s ignos que se referem a u m c o n t e ú d o real, c o m o a loucura. Ela t ra ta d i scu rsos , ta is c o m o a med ic ina , c o m o p r á t i c a s que f o r m a m os ob je tos d o s qua is eles fa lam. 64 , o -T E R M O - C H A V E N° 2 : E P I S T E M E r U m a e p i s t e m e é a g rade "sub jacen te " ou a rede que permi te ao pensamento organ izar -se. C a d a per íodo h is tór ico t e m sua própr ia ep is teme. Ela l imita a to ta l idade d a exper iênc ia , d o c o n h e c i m e n t o e d a verdade e governa c a d a c iênc ia e m de te rm inado per íodo. Foucaul t reman ipu lou a ideia d o p a r a d i g m a de T h o m a s Kuhn. T A X O N O M I A O U C L A S S I F I C A Ç Ã O A l i nguagem é cent ra l para o pro je to d o l ivro. Foucaul t ap resen ta u m breve relato d o escr i tor a rgent ino J o r g e L u i s B o r g e s (1899-1986) sob re u m a enc i c l opéd ia ch inesa. Ele d iv ide os an imais de a c o r d o c o m u m a c lass i f icação exót ica : CA) PERTENCENTES RO IMPERAPOR; CB) EMBALSAMAPOS; (C) POMESTICAPOS; CP) LEITÕES; CE) SEREIAS; CF) FABULOSOS; CG) CACHORROS SOLTOS C...J CN) QUE, PE LONGE, PARECEM MOSCAS. ISSO PEMONSTRA AS LIMITAÇÕES PE NOSSOS PRÓPRIOS SISTEMAS PEA PENSAMENTO. QUAIS SfíO AS FRONTEIRAS PE NOSSO PRÓPRIO MOPO PE PENSAR? COMO ê QUE NÓS ORGANIZAMOS O MUNPO? COMO OS CÓPIGOS CULTURAIS IMPÕEM ORPEM R EXPERIÊNCIA? IV v*1 W n 66 A E P I S T E M E DO R E N A S C I M E N T O A s p a l a v r a s e as c o i s a s es tavam un idas por sua v e r o s s i m i l h a n ç a . O h o m e m d o Renasc imen to pensava e m t e r m o s de s i m i l i t u d e s : o teat ro da v ida, o espe lho d a natureza. Havia qua t ro â m b i t o s d e veross imi lhança. Emulação era a semelhança dentro da distância: o céu se assemelhava a | um rosto porque tinha "olhos" — o A conven iênc ia ligava as coisas próximas a outras, por exemplo animal e planta, cr iando uma grande "cadeia" de ser. A s impat ia vinculava uma coisa a toda outra coisa pela atração universal, por exemplo o dest ino dos homens à trajetória dos planetas. U m a "ass inatura" foi c o l o c a d a por Deus e m t o d a s as co isas, para indicar suas a f in idades — mas es tava escond ida , por isso a busca pelo conhec imen to a rcano. Saber era a d i v i n h a r e i n t e rp re ta r , não observar , nem demonst rar . 67 lons A E P I S T E M E C L Á S S I C A A s e m e l h a n ç a d e s m o r o n o u . A d isc r im inação agora era usada para es tabe lecer i d e n t i d a d e s e d i f e r e n ç a s . O c o n h e c i m e n t o t inha u m novo e s p a ç o . Não se t ra tava mais de adiv inhar, mas de ordenar . A c lass i f i cação d e iden t idades estáveis e separadas é c h a m a d a d e r e p r e s e n t a ç ã o . A a n á l i s e nasceu , anunc iada por D o m Quixo te , o cavale i ro c r iado por M i g u e l d e C e r v a n t e s (1547-1616) . Qu ixo te é o a l ienado por exce lênc ia e m u m m u n d o de razão baseado e m ident idades e d i ferenças, não e m s ignos e s imi l i tudes . ~~lSSO é UM GIGANTE - OU TALVEZ UM MOINHO PE A VENTO. BOBAGEM ANALÓGICA.' ELE TEM CLARAMENTE A IPENTIPAPE PE UMA MãQUINA PE FAZER ALIMENTO R BASE PE AR. 68 ESTOU USRNPO MãTHESIS - UMR CIÊNCIR UNIVERSRL PR MEPIPR E PR ORPEM.. E HA TRMBÉM R TRXINOMIR - UM PRINCÍPIO PE CLRGSIFICfíçfiO E PE TfíBULRÇfíO OPPENRPR. O conhec imento subst i tuiu a verossimi lhança universal c o m di ferenças finitas. A história foi presa e t ransformada em tabelas. R RRZRO OCIPENTRL ENTROU NR ERA PO JUÍZO. 69 S I G N O S C L Á S S I C O S No per íodo c láss ico , a l inguagem é v is ta c o m o t ransparen te , s e m a m e n o r necess idade d e esconder ou d e "ocu l ta r " v íncu los. Os s ignos não são ma is i m p o s t o s às co isas, mas agora es tão " d e n t r o " d o c o n h e c i m e n t o , s ign i f i cando cer teza e p robab i l idade. Gravuras e pa lavras não es tão v incu ladas à o r d e m das co isas , mas à própr ia rep resen tação . N o v o s c a m p o s empí r i cos , en tão , se es tabe lecem. g r a m á t i c a g e r a l R E P R E S E N T A Ç Ã O S E M U M S U J E I T O A representação c láss ica não t e m mais necess idade de u m sujei to c o m o a realeza. Ela p o d e se tornar visível por sua s imp les inv is ib i l idade — aparecendo no e s p e l h o d a r e p r e s e n t a ç ã o . O verdade i ro suje i to nunca é encon t rado no q u a d r o — ou na p in tura — c o m o u m suje i to h is tór ico de v ida, t raba lho e l i nguagem. A ep i s teme c láss ica não isolou u m c a m p o especí f ico p rópr io ao h o m e m . A x i o m a : na ep is teme c láss ica o suje i to é ob r i gado a escapar de sua própr ia representação. 71 OS A N O S 1 8 0 0 : D A O R D E M À H ISTÓRIA Nos anos 1800, a descon t i nu idade instaura o f im d a ep i s teme c láss ica — u m a m u t a ç ã o d a o r d e m para a h i s t ó r i a . A e p i s t e m e m o d e r n a invest iga o h o m e m e m si m e s m o c o m o suje i to h is tó r ico . É por meio d o h o m e m q u e o c o n h e c i m e n t o se t o rna possível nos c o n t e ú d o s e m p í r i c o s d a v ida h u m a n a : o c o r p o h u m a n o , suas re lações soc ia is , suas no rmas e va lores . A cultura europeia está inventando para si mesma uma profundidade na qual o que importa não são as identidades, os caracteres distintivos, ou os quadros permanentes com todos os seus possíveis trajetos e raízes, mas as grandes forças ocultas desenvolvidas na base de seu núcleo primitivo e inacessível de origem, causalidade e história. Forças mais p ro fundas fo ram subst i tu ídas pelas regular idades de superf íc ie d o c o n h e c i m e n t o c láss ico : ca tegor ias d inâmicas , h is tór icas de exp l i cação . 72 O HOMEM COMO O B J E T O MODERNO Economia Para o economis ta D a v i d R i c a r d o (1722-1823), r iqueza agora é t r a b a l h o , mensurada e m t e m p o , p rogresso industr ial e labor não produt ivo. O homo economicus é o ser humano que gasta, usa e desperd iça sua v ida evad indo-se da iminência da mor te . Ele é um ser f i n i t o . . . Biologia Em Biologia, G e o r g e s Cluv ier (1769-1832) passa a se interessar pela função e pela descober ta das invisibi l idades por meio da anatomia. As espéc ies v ivas " e s c a p a m " d a con fusão prol í f ica d o s ind iv íduos e p o d e m ser c lass i f icadas exc lus ivamente po rque es tão v ivas e não c o m base naqui lo q u e elas ocu l t am. Os seres são con t ínuos . A v ida passa a ser v is ta c o m o a raiz de t o d a ex is tênc ia , c o m o t e n d o u m a histór ia biológica. 73 R E S U M O A l i n g u a g e m não é mais o meio soberano para se organizar ou representar o c o n h e c i m e n t o . Ela é u m ob je to de c o n h e c i m e n t o c o m o qua lquer ou t ro , q u e p o d e ser invest igado d o m e s m o m o d o c o m o as co isas v ivas, as r iquezas, os valores e a histór ia. A q u e s t ã o ago ra não é o que to rna as palavras possíveis, mas se nós s o m o s capazes d e dominá- las . A luta f i losóf ica agora é fazer novas c o n e x õ e s ent re a l inguagem e o ser. part ir d e en tão , o h o m e m é v is to por essas c iênc ias mode rnas e m sua ex is tênc ia real. Se, s o b a ep is teme c láss ica, o h o m e m c o m o o suje i to centra l d o c o n h e c i m e n t o es tava ausente ( como e m Velasquez) , a ep i s teme m o d e r n a vai a lém, e s q u e c e n d o q u e o h o m e m c o m o o cen t ro d o p e n s a m e n t o era s imp lesmen te u m a m u t a ç ã o ep is têmica . 74 O H O M E M E S E U D U P L O A Idade Cláss ica confer iu aos seres h u m a n o s u m a pos ição pr iv i leg iada na o rdem d o m u n d o . O h o m e m não era v is to c o m o u m c o n h e c i m e n t o f in i to con to rnado pelo t raba lho , pela l inguagem e pelo co rpo . Por sua vez, na ep is teme mode rna , o h o m e m é tan to u m a f igura f in i ta quan to um O conhec imen to e m sua f o r m a histór ica, soc ia l e e c o n ó m i c a q u e " t r anscende" a referência d o h o m e m a si m e s m o . Isso quer dizer q u e o pensamen to m o d e r n o é incapaz de evitar a busca por separar ou reconci l iar esse h o m e m duplo: c o r p o vs. cu l tura , natureza vs. histór ia, f enomeno log ia (experiência) vs. marx i smo (história). 75 Q U à O R A C I O N A I S S à O A S C I Ê N C I A S H U M A N A S ? M a s as c i ê n c i a s h u m a n a s — Ps ico log ia , Soc io log ia , Histór ia Cul tura l e tc . — susc i t am u m p rob lema para a ep is teme moderna . O h o m e m p o d e t o m a r a si m e s m o c o m o u m objeto de ciência? A ideia de h o m e m não é s i m p l e s m e n t e u m a pro jeção de outras ciências c o m o a Bio log ia? A s c iênc ias humanas não são excess ivamen te empí r icas e in te rcambiáve is para p o d e r e m ser pensadas c o m o a lgo mais a lém de irregulares? Essas c o n t r a c i ê n c i a s (psicanál ise, etnologia) , q u e b u s c a m esse "ou t ro " , m a n t ê m a a u t o c r í t i c a d o h o m e m e m seu p o n t o m á x i m o . 76 O F I M DO H O M E M - O S U J E I T O A C A B O U ? As ú l t imas l inhas de As palavras e as coisas: "An tes d o f im d o sécu lo XVIII, o h o m e m não exist ia. Tal c o m o a arqueo log ia de nosso pensamento fac i lmente demons t ra , o h o m e m é u m a invenção recente . E talvez seu f im este ja p róx imo" . O livro se to rnou u m best-seller — t e n d o pe r tu rbado sar t r ianos, marx is tas e ca tó l i cos human is tas . . . C R I T I C A S U m a d a s cr í t icas fe i tas a Foucaul t diz ia q u e ele fez u m co r te mu i to severo en t re as ep i s temes m o d e r n a e c láss ica, mu i to es tanque . O n d e f i cavam as s o b r e p o s i ç õ e s e as de fasagens ep is têmicas? E o q u e dizer d o pape l d a m a t e m á t i c a e das c iênc ias duras na histór ia? Sart re diz ia que Foucaul t deu às pessoas aqui lo de q u e elas necess i tavam — u m a síntese ec lé t ica para demons t ra r a imposs ib i l i dade d a ref lexão h is tór ica. 78 ISSO NÃO É U M C A C H I M B O O surreal is ta be lga R e n é M a g r i t t e (1898-1967) escreveu u m a car ta a Foucaul t , t en tando exp l icar a d i ferença ent re s imi l i tude (das c o i s a s , c o m o a co r das ervi lhas) e veross imi lhança (do p e n s a m e n t o , que "se asseme lha " ao m u n d o que ele vê). Foucaul t , e m sua resposta de 1973, t rans fo rmada e m livro, t o m o u c o m o exemp lo e tí tulo as obras d o p rópr io Magr i t te , Isso não é um cachimbo (1926) e Os dois mistérios (1966). O p rob lema d a veross im i lhança — a relação ent re as palavras e as co isas — é es tudado nessas duas pinturas. OLHEMOS PARA SUR A BO RPAGEM HETEROTÓPICR - SIGNIFICRNPO UM OU OUTRO - NR QUflL OS VÍNCULOS TRAPICIONAIS ENTRE LINGUAGEM E IMAGEM ^fíO TOLPAPOS, TORNAPOS PIFERENTES POSTOS EM TENSRO. Foucaul t t raça do is pr incíp ios re levantes na p in tura oc iden ta l , que levaram d o sécu lo XV à o b r a de Magr i t te . 79 I M A G E M E T E X T O Nas p in tu ras ou i lus t rações, tex to (palavras) e imagem (veross imi lhanças) a p a r e c e m f requen temen te jun tos , mas u m está s e m p r e s u b o r d i n a d o ao ou t ro . Por e x e m p l o , u m a i lustração p o d e servir de tex to , ou u m a letra n u m a p in tura trompe 1'oeil p o d e servir de imagem. Existe u m a h i e r a r q u i a en t re assemelhar o m u n d o por me io de imagens e usar a não ve ross im i lhança (representação) por me io de palavras (elas não se p a r e c e m c o m o mundo) . W a s s i l y K a n d i n s k y (1866-1944) ten tou d issolver a representação p in tando f o r m a s abs t ra tas q u e es tavam a f i rmando serem "co i sas " — " isso é u m t r iângu lo amare lo " — q u a n d o não es tavam represen tando nada . 80 f l f l l l l f l l l f l f f CfíMPBBUL, CRMPBELL,^ CRMPBBLL, KCRMPBBLU. PBPGUNTB A SI MESMO: O QUE AQUI "NRO é UM CACHIMBO"? A IMAGEM, O TEXTO, A PALAVRA "ISSO"? TANTO A IMAGEM QUANTO O TEXTO ESTRO P/NTAPOS NO MESMO SUPORTE... PE MOPO QUE SRO SEMELHANTES, MAS PIFERENTES. QUANTO MAIS TEXTO E IMAGEM TENTAM CONVERGIR, MENOS SENTIPO Hõ ALI! A p in tura de Magr i t te cor ró i a representação, ou a re lação d o s s ignos c o m o m u n d o , mas t a m b é m se recusa a fechar a f issura ent re imagem e m u n d o . A p e n a s seme lhanças subs i s tem — u m a série de s ignos v isuais e l inguíst icos sem referência externa. C o m as latas de s o p a d e A n d y W a r h o l (1928-1987), a seme lhança é in f in i tamente mu l t ip l i cada na imagem. 81 TUNÍS IA ! 1 9 6 6 Foucau l t assumiu u m pos to na Un ivers idade de Túnis , na Tunís ia. A l i , o est i lo d i s tend ido de v ida c o m b i n o u c o m ele — b o a c o m i d a , m a c o n h a e be los rapazes. Ele m o r o u e m Sidi B o u Sa id — à é p o c a u m a co lón ia de expa t r iados f ranceses c o m a m b i ç õ e s art íst icas —, c o m v is ta para o mar. J l l f l Foucau l t d e u aulas sobre Nie tzsche, Descar tes e Mane t na un ivers idade. Ele c o m p a r o u as p in turas i de E d o u a r d M a n e t (1832-1883) c o m os r omances d e G u s t a v e F l a u b e r t (1821-1880) . A m b o s exemp l i f i cavam o nasc imen to d o m o d e r n o e r o m p i a m c o m as c o n v e n ç õ e s da representação. Na ob ra d e Manet , a superf íc ie p in tada não masca ra sua mater ia l idade. Ela c h a m a a a tenção para sua "p in tu r idade" . Le Bar des Folies-Bergère é u m exemp lo d isso . 82 L U T A S Em d e z e m b r o de 1966, exp lod iu u m a rebel ião estudant i l e m Túnis , e m pr incíp io, po rque a políc ia espancou u m es tudan te q u e não ter ia pagado u m a passagem de ôn ibus . E v i rou u m a revol ta ant issemí t ica q u a n d o Israel de r ro tou o exérc i to árabe na Guerra d o s Seis Dias, d e 1967. Foucaul t foi pa rado e m u m a barreira pol icial q u a n d o I levava u m j o v e m aman te (que t inha s ido\ p lan tado pela polícia) para casa. Foi j q u a n d o Foucaul t se to rnou descon ten te | e po l i t izado. Ele e s c o n d e u o cent ro de pub l i cações sed ic ioso d o s es tudantes d iss identes e m seu qu in ta l . MÊ j I V O ps icó logo G e o r g e s L a p a s s a d e (1924-2008) in te r rompeu b ruscamen te u m a con fe rênc ia que Foucaul t es tava d a n d o . Ele foi m a n d a d o de vo l ta para a França, mas con t i nuou a f i rmando que Foucaul t não foi co ra joso o suf ic iente para se defender . Em 1975, eles se encon t ra ram por acaso . Foucaul t deu u m t a p a no ros to de le por causa de u m pe rsonagem ridículo parec ido c o m Foucaul t que Lapassade inserira e m u m romance ! E S P A Ç O E S T R U T U R A L Foucau l t fo i a Paris e m 1967 para fazer con fe rênc ias sob re o e s p a ç o para u m púb l i co d e arqu i te tos . A obsessão d o sécu lo XIX c o m o m o v i m e n t o e c o m o t e m p o t inha s ido subst i tu ída pela p r e o c u p a ç ã o est ru tura l na o rgan ização espacia l d o s e lementos . Não se t ra tava d e u m a n e g a ç ã o d a histór ia, mas de ou t ro m o d o de l idar c o m o t e m p o e c o m ela. A histór ia da e s p a c i a l i d a d e c o m e ç o u c o m Ga l i l eo Ga l i l e i (1564-1642) , q u e subst i tu iu o m u n d o f e c h a d o da Idade Méd ia pe lo un iverso in f in i tamente a b e r t o . Foucaul t t a m b é m d iscu t iu h e t e r o t o p i a s — "ou t ros e s p a ç o s " — c o m o e s p a ç o s pr iv i leg iados para ind iv íduos e m t o d o s de p a s s a g e m . E ele c h e g o u a sua a f i rmação centra l q u a n d o d isse: "O espaço é f undamen ta l e m qua lquer exercíc io de poder " . 84 A A R Q U E O L O G I A D O S A B E R ( 1 9 6 9 ) Esse livro é tan to u m a invest igação me todo lóg i ca sobre o conhec imen to , a h istór ia e o d iscurso quan to u m a autocr í t ica. Foucaul t a f i rmara que , e m A história da loucura e Nascimento da clínica, dera excess ivo c réd i to à exper iênc ia d a loucura e m si mesma . Sua histór ia era mu i to su je i to -cen t rada — ar ra igada à f i losof ia da consc iênc ia . Esse novo livro t raz ia u m a síntese. O saber era u m a área entre a op in ião e o c o n h e c i m e n t o c ient í f ico e es tava i nco rpo rado não apenas em tex tos teó r i cos ou e m ins t rumentos exper imenta is , mas em t o d o um co rpo de prát icas e de inst i tu ições. Ele mirava os per íodos estáveis de longo prazo por ba ixo d o s acon tec imen tos h is tór icos e das persona l idades . . . RSSIM COMO FIZEMOS NR ESCOLR PRS RNRIS PR 0 ^^RISTÓRIR. HISTÓRIR, PRRR MIM, PRSSRVR, ENTRO, R SER (SIMULTRNERMENTE PESPERSONRUZRPR \E FORMRPR POR REGRRS E RELRÇÕES COMPLEXRS - RS FORMRçõES PISCURSIVRS. 85 O D I S C U R S O Foucau l t larga as ep i s temes c o m o o pr incíp io dom inan te d a histór ia e passa a af i rmar o d i s c u r s o . Discu rsos não são s is temas l inguíst icos ou meros tex tos — eles são p r á t i c a s , c o m o o d iscurso c ient í f ico d a ps icanál ise e seus níveis ins t i tuc iona l , f i losóf ico e c ient í f ico. A o anal isar e n u n c i a d o s — un idades s ingulares que cons t i t uem u m a f o r m a ç ã o d iscurs iva —, p o d e m o s ver suas rest r ições e o lugar e m q u e eles s i t uam o fa lante. Nesse c a s o , o pac ien te e o anal is ta. 86 AS R E G R A S DO DISCURSO Existem três regras para a f o r m a ç ã o d o d iscurso . O d iscurso requer: S u p e r f í c i e s d e e m e r g ê n c i a : áreas soc ia is e cul tura is por meio das qua is o d iscurso aparece - por exemp lo : a famíl ia, o g rupo de t raba lho ou a c o m u n i d a d e rel ig iosa. A u t o r i d a d e s d e d e l i m i t a ç ã o : inst i tu ições c o m conhec imen to e autor idade, c o m o o di re i to ou a prof issão méd ica . G r a d e s d e e s p e c i f i c a ç ã o : u m s is tema por meio d o qual d i ferentes t i pos d e loucura, por exemp lo , ^ l ^ l l ^ ^ ^ p o s s a m ser re lac ionados A , á M ^ " H f e k c o m ou t ros no d iscurso J H * k ^SHÍI^^^^^hÍ ps iqu iá t r ico . S3Mí Estudando o | t Discurso ^ 7 Foucaul t a f i rma que t o d a histór ia é j g um d o c u m e n t o do passado — c o m as marcas que ela de ixa Jp e m nosso p r e s e n t e Mjji por me io de l ivros, i . relatos, atas, ,JÈÊ | | k cons t ruções , • cos tumes . \ y mm l i m i a /?5VfiVfOS TRRTRR ESSES POCUMENTOS \ COMO MONUMENTOS - NAO ROR CONTR PE SUR REFERÊNCIR R VRUPRPE HISTÓRICR, MRS POR SIA MESMOS. m m m^POCUMENTOS NfíO PEVEM SER ESTUPRPOS PRRR PETERMINRR SUR PRECISÃO HISTÓRICR. ISSO SERIR RECONSTITUIR R *VERPRPE" PR HISTÓRIR. 87 O D I S C U R S O C R I A S E U O B J E T O Q u a n d o os d i scu rsos méd i co , legal e jud ic iár io se re ferem à loucura, eles j ama is se re ferem a ob je tos ou exper iênc ias f ixos e não os a b o r d a m c o m o se es t i vessem t ra tando d o m e s m o ob je to . E, não obs tan te , p o d e haver regu la r idades ent re esses d iscursos . O c o m p o r t a m e n t o c r im inoso p o d e dar ocas ião a t o d a u m a série d e ob je tos d e c o n h e c i m e n t o (caráter c r im inoso , fa tores heredi tár ios e ambienta is ) apenas po rque u m con jun to d e r e g r a s e c o n d i ç õ e s foi es tabe lec ido ent re as i n s t i t u i ç õ e s . Isso nada ac rescen ta à c r im ina l idade, mas suas re lações e d i fe renças nos pe rm i tem dizer a l gumas co isas sob re a c r im ina l idade c o m o d iscurso . 88 F O U C A U L T E A L T H U S S E R . . A ideia de e n u n c i a d o de Foucaul t co r responde ao t e r m o i d e o l o g i a , tal c o m o ut i l izado pelo f i lósofo marx is ta L o u i s A l t h u s s e r (1918-1990) . > A s f o r m a ç õ e s n ã o d i s c u r s i v a s de Foucaul t (prát icas e p rocessos e c o n ó m i c o s , inst i tu ições) p r o d u z e m d iscu rsos e t o r n a m - s e organ izadas (ou d iz -se que se t o r n a m organizadas) por eles; de manei ra super f ic ia lmente similar, a base e c o n ó m i c a de Al thusser está re lac ionada c o m sua superes t ru tu ra ideo lóg ica. 89 J C O N T R A O E S T R U T U R A L I S M O E m b o r a Foucau l t f osse v is to c o m o u m m e m b r o da "Gangue d o s Qua t ro Est ru tura l is tas" , ao lado d e Bar thes, Lacan e C l a u d e L é v i - S t r a u s s (1908-2009) , ele rea lmente não era u m estrutural is ta. Havia mu i to de h is tór ia e de f enomeno log ia e m sua obra . O es t ru tura l ismo é bas i camen te re je i tado por Foucaul t c o m o excess i vamen te mono l í t i co , d e m a s i a d a m e n t e es tá t ico e c o m p l e t a m e n t e inflexível a t r ans fo rmações . EUMB^ PISTANCIO PAQUELES QUE SfíO CHAMAPOS PE ESTRUTURALISTAS" PORQUE NfíO ESTOU Lã MUITO INTERESSAPO NAS POSSIBILIPAPES FORMAIS ARRESENTAPAS ROR UM SISTEMA COMO A LINGUAGEM... ESSA CONTROVÉRSIA PARTICULAR ESTfi SENPO EXPRESSA, NA ATUALIPAPB, EXCLUSIVAMENTE POR MÍMICOS E 1CROBATAS. MINHA ARQUEOLOGIA^ HISTORICIZfl O SENTIPO. 90 R E C E P Ç Ã O À A R Q U E O L O G I A SUR RRQUEOLOGIR PO SRBER â VISTR COMO UM BEM-VINPO RTRQUE R COMBRUPR PISCIPUNR ^CONHECIPR COMO HISTÓRIR PRS IPEIRS. GILLES PELEUZE RFIRMR QUE TRRTR-SE PE UM RPELO R HJMR TEOPIR GEPRL PRS PPOPUÇÕES R SEP MESC LR PR COMO UMR PRÕTICR REVOLUCIONÕRIR NR QURL O WSCURSO' RTIVO TOMR FOPMR NO ELEMENTO PE UM EXTERIOR QUE é INPIREPENTE R MINHR VIPR E R MINHR MORTE". O HOMEM ESTA PEFINITIVRMENTE MORTO' m • 7 1 O JORNRL VvJr COMUNISTR LR PENSÉE (O PENSRMENTO) RCHR QUE TRRTR-SE, NR VERPRPE, PE UMR nEORIR MRTERIRUSTRE HISTÓRICR PRS RELRÇÕES IPEOLÓGICRS". PREVISÍVEL! 91 1 9 6 8 - P A R I S E M D E S O R D E M A r e c o n d u ç ã o d e Georges P o m p i d o u c o m o p remie e a bru ta l idade d a pol íc ia não fo ram d e mu i ta servent ia. Paris teve passeatas , v io lência e bar r icadas no d ia 6 d e ma io . Q u a n d o regressou a Paris, e m f ins d e 1968, Foucaul t es tava careca. E t a m b é m t inha passado a usar u m suéter de go la alta, para não ter t raba lho de passar roupa. Raspar a c a b e ç a d is farçava a idade e fazia os o lhares se c o n c e n t r a r e m nele a c o n t e c e u c o m o c r im inoso gay Jean Genet . T f 1 i Ele regressava a u m a s o c i e d a d e instável . O s s i tuac ion is tas , u m b a n d o d e rad ica is subve rs i vos q u e d e m a n d a v a m a revo lução na v ida co t id iana , t i nham insta lado o t umu l t o e m Paris. Foucaul t assumiu u m pos to de ens ino na Un ivers idade de Nanterre, mas , en ted iado c o m a Ps ico log ia , desis t iu d o t raba lho duas semanas depo i s e passou a ensinar Fi losof ia na Un ivers idade de V incennes. 92 :N V INCENNES - E M C E N A Essa nova un ivers idade era d i r ig ida s o b u m reg ime de "pa r t i c i pação" — t o d o s t inham voz. Mas o Par t ido Comun i s t a Francês via aqui lo c o m o u m a armadi lha : " U m a ressurgênc ia d a ve lha ideolog ia l iberal. Ela cons is te na negação d a real idade d o s an tagon i smos de c lasse e na af i rmat iva d e que os c i dadãos de u m a nação — ou t o d o s os m e m b r o s de uma empresa — t ê m idênt ico interesse e m sua p rosper idade" . Tratava-se de u m a un ivers idade mu i to b e m equ ipada , a pr imeira a ensinar ps icanál ise de manei ra apropr iada . J a c q u e s Lacan a v is i tou e observou que o reg ime de P o m p i d o u es tava usando pub l i camente a univers idade c o m o ins t rumento de p ropaganda . O governo estava d a n d o às esquerdas u m parqu inho o n d e elas p u d e s s e m se digladiar. Os es tudantes o des t ra ta ram. by0 m i LRCRN FOI EMBORR. O QUE VOCÊS ESTRO BUSCRNPO, ENQURNTO REVOLUCIONÁRIOS, é UM MESTRE. E HRO PE ENCONTRA-LO. 93 J A N E I R O D E 1 9 6 9 : A G R A V A M E N T O E M V I N C E N N E S Q u a n d o os es tudan tes d o L iceu Sa in t -Lou is f o r a m p ro ib idos pela pol íc ia d e assist i r a f i lmes sob re ma io d e 1968, os es tudan tes d a Un ive rs idade de V incennes , a p o i a d o s por Defert e por Foucaul t (envergando u m cat ivan te te rno de ve ludo) e rgueram bar r icadas e m apo io aos es tudan tes e at i raram pedras . Q u a n d o a pol íc ia invadiu a un ivers idade , Foucaul t fo i p reso. Ó t i m o pa ra sua c red ib i l idade — m a s ele so f reu pe los efe i tos d o g á s lac r imogên io ! V incennes se t o rnou cé lebre : vanda l i smo, p i chações , u m m e r c a d o para l ivros r oubados , d rogas e u m a p resença os tens iva d a pol íc ia. G rupos c o m o a Esquerda Proletár ia que r iam q u e a un ivers idade func ionasse na base d o quan to pior melhor . Os Maoís tas Revo luc ionár ios cusp i ram nos es tudan tes d o Par t ido Comun is ta . NESSE CUMR ULTPRESQUEPPISTR, O COMUNISMO PASSOU R SEP VISTO COMO UMR FPENTE BUPGUESR -EEU TRMBéM M O R T E D E HYPPOL ITE Jean Hyppo l i te mor reu e m ou tub ro d e 1968. Sua cá ted ra no Co l lège de France agora es tava vaga. Foucaul t es tava na l ista d e cand ida tos . Era a hora de ele apresentar seu pro je to de ens ino. Foucaul t foi bem-suced ido e Sua aula inaugural , e m d e z e m b r o , to rnou-se fo rma lmente o professor ind icou u m a m u d a n ç a de d i reção, da "histór ia dos s is temas de "A o r d e m d o d i scu rso " de l ineava pensamento" , no Col lège de seus novos pensamen tos . . . France, e m abril de 1970. 95 A V O N T A D E DE V E R D A D E " E m t o d a soc iedade , a p r o d u ç ã o d o d iscurso é, ao m e s m o t e m p o , con t ro lada , se lec ionada, o rgan izada e redis t r ibuída de a c o r d o c o m d e t e r m i n a d o número de p roced imen tos cu ja f unção é evi tar seus pode res e seus r i scos . " Essa era u m a h i s t ó r i a d o p r e s e n t e e d o respei to das soc iedades atua is por u m a organ ização d o d iscurso — mas isso ocu l tava u m t e m o r de u m d i s c u r s o d e s o r d e n a d o . A soc iedade exerce u m a rest r ição sob re o d i scu rso "pe r i goso " exc lu indo -o , p ro ib indo-o , d i v id indo -o , d i sc i p l i nando -o e re je i tando-o. NOVO T E R M O : G E N E A L O G I A A g e n e a l o g i a desc reve a tenta t iva de Foucaul t de revelar o d iscurso no m o m e n t o e m q u e ele surge na histór ia c o m o u m s is tema de coação . A genealogia impele Foucaul t a anal isar os c o r p o s de conhec imen to l i terário, b io lóg ico , méd i co , rel ig ioso e é t ico e a ver i f icar c o m o tais " conhec imen tos " d e v e m , por exemp lo , ser re lac ionados ao d iscurso sobre a herança ou a sexua l idade. Ele é levado a es tudar os efei tos dos d iscursos que se p re tendem cient í f icos — Psiquiatr ia, Soc io log ia , Med ic ina — e m prát icas c o m o o s i s tema penal no m o m e n t o e m que eles su rgem. aulas de duas horas que Foucaul t dava no Co l lège de France es tavam s e m p r e lo tadas. Ele se sent ia sol i tár io no tab lado de o n d e ensinava, s i t iado por inúmeros mic ro fones l igados a gravadores , m e s m o c o m u m a t r opa de jovens admi radores a joe lhados a seus pés. A G E N E A L O G I A C O N T R A A H ISTÓRIA U m ensa io e m m e m ó r i a d e Hyppo l i te , in t i tu lado Nietzsche, a genealogia e a história (1971), apon tava para a re lação da genea log ia c o m a h is tór ia e a Fi losof ia. A referência à própr ia Genealogia da moral, de N ie tzsche (de 1998), é óbv ia . A f i rma Foucaul t : "A ques tão é fazer u m uso d a h is tór ia q u e a l iber te para s e m p r e d o mode lo , s imu l taneamente meta f ís ico e an t ropo lóg i co , d a memór ia . A ques tão é t rans formar a histór ia e m u m a c o n t r a m e m ó r i a " . O QUE E U M A U T O R ? Agora , t udo é máscara . Em uma conferênc ia in t i tu lada O que é um autor? (1969), Foucaul t examinou o status d o autor e sua relação c o m os tex tos . T o d a s as convenções que nós u s a m o s para "convocar " o suje i to f undan te d o autor estão e m ques tão . . . Por exemp lo , o n o m e d o autor não serve tan to para def inir sua ident idade, mas faz par te de u m d iscurso d a " f unção autor" — algo q u e envo lve apropr iação, p rop r iedade e u m a von tade co r responden te de autent icar ou de re tomar as m o t i v a ç õ e s d o autor. "O autor não p recede suas obras ; ele é cer to pr incíp io func iona l pelo qua l , e m nossa cu l tura , a lguém l imita, exc lu i , esco lhe e impede a livre c i rcu lação da f i cção . " 99 T Ó Q U I O , 1 9 7 0 Foucau l t v is i tou o J a p ã o antes d e assumir seu pos to no Co l lège d e France. Na Un ivers idade de Tóqu io , ele respondeu às cr í t icas d e Derr ida a s u a História da loucura e a tacou seu d e s c o n s t r u c i o n i s m o — u m a es t ra tég ia de lei tura in t ima d o tex to para revelar suas con t rad i ções e a f i rmações . PERRIPR REPUZ RS PRATICRS PISCURSIVRS AS MRRCRS TEXTURIS. SE NRO HA NRPR PE EXTERNO RO TEXTO, SSR é UMR PEPRGOGIR R QURL PA R VOZ PO MESTRE R SOBERRNIR IUMITRPR QUE LHE PERMITE REFORMULRR O TEXTO INPEFINIPRMENTE. ESSR PEPRGOGIR ENSINR RO RLUNO QUE NRPR HA ^EXTERNRMENTE RO, TEXTO. PEPPIPR INTERPRETOU MRL O PISCURSO PE PESCRRTES SOBRE R LOUCURR E NRO TEVE ÊXITO RO K COMPRRRR R VERSRO FRRNCESR > COM R VERSRO LRTINR PRS MÉDITRTIONS. 100 M U D A N Ç A DE CASA Foucaul t e Defert hav iam se m u d a d o para u m flat mu i to i luminado no o i tavo andar de u m préd io na Rue d e Vaug i ra rd . Eles encheram a sa la- -de-estar c o m l ivros, cu l t i varam m a c o n h a e m cante i ros de petúnia e d iver t i ram persona l idades c o m o J e a n G e n e t (1910-1986) e a adorável atriz Ju l i e C h r i s t i e (nasc ida e m 1941). Eles t i nham belas v isões do ter raço,
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