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Entendendo-Foucault

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Entendendo Foucault 
apresenta o trabalho de 
Michel Foucault em um 
contexto turbulento tanto na 
filosofia quanto na política, 
e explora a missão do autor 
em expor as ligações entre 
conhecimento e poder nas 
ciências humanas, em seus 
discursos e nas instituições. 
Este livro explica, de forma 
pratica e ilustrada, como 
Foucault derrubou suposições 
da sociedade sobre diversos 
temas comportamentais que 
são assuntos de pesquisas e 
estudos filosóficos. 
É possívej, ainda, conhecer 
mais sobre o envolvimento de 
Foucault com a psiquiatria 
e a medicina clínica, seu 
ativismo polít ico e os 
aspectos transgressivos 
de prazer e desejo que ele 
promoveu em sua escri ta. 
CHRIS HORROCKS f 
ZORAN JBVTIC 
ENTENDENDO: 
FOUCAULT 
Entendendo é uma premiada coleção de livros ilustrados sobre os pensadores e 
os temas mais importantes da história. Aborda teorias fundamentais de diversos 
campos de estudo, tais como filosofia, psicologia, ciências, política, religião, es-
tudos culturais e linguística. Cada livro é escrito por um reconhecido especialista 
do assunto e ilustrado por um artista gráfico. De forma agradável, a coleção ofe-
rece informações úteis e objetivas para leitores que tanto buscam um primeiro 
contato, como desejam adquirir um conhecimento conciso sobre o assunto. 
TRADUÇÃO: MARCOS MARCIONILO 
Text copyright © 1997, Chris Horrocks 
lllustrations copyright © 1997, Zoran Jevtic 
Todos os direitos reservados. 
Tradução para a língua portuguesa: 
copyright © 2013, Texto Editores Ltda. 
Título original: Introducing Foucault 
Diretor editorial: Pascoal Soto 
Editora executiva: Tainã Bispo 
Editora assistente: Ana Carolina Gasonato 
Assistentes editoriais: Fernanda S. Ohosaku, Renata Alves e Maitê Zickuhr 
Preparação: Paula Jacobini 
Revisão: Maria Luiza Lima Almeida 
Capa e diagramação: Vivian Oliveira 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
Angélica llacqua CRB-8/7057 
Horrocks, Chris 
Entendendo Foucault / Chris Horrocks, Zoran Jevtic; tradução 
de Marcos Marcionilo. - São Paulo: LeYa, 2013. 
176 p.: il. (Entendendo) 
ISBN 978-85-8044-780-4 
Título original: Introducing Foucault 
1. Filosofia 2. Foucault, Michel, 1926-1984 I. Título II. Jevtic, 
Zoran III. Marcionilo, Marcos 
13-0205 CDD100 
índices para catálogo sistemático: 
1. Filosofia 
2013 
Todos os direitos desta edição reservados à 
TEXTO EDITORES LTDA. 
[Uma editora do Grupo Leya] 
Rua Desembargador Paulo Passaláqua, 86 
01248-010 - São Paulo - SP - Brasil 
www.leya.com.br 
Twitter: @EditoraLeya 
V 
http://www.leya.com.br
E U , M I C H E L F O U C A U L T 
Para descobr i r o verdade i ro Michel Foucaul t é prec iso perguntar 
"qual de les?" . 
Devemos olhar para a v ida d o h o m e m e m si , aquele que , a inda 
menino, quer ia ser u m peixe de aquár io , mas t o rnou -se um f i lósofo e 
histor iador, at iv ista pol í t ico, fe t ich is ta d o cou ro , best-seller, mi l i tante 
incansável por causas d iss identes? 
3 
F O U C A U L T , O A U T O R ? 
O u d e v e m o s encarar Foucaul t c o m o o au to r , cu ja ob ra c o m b i n a 
in tu ição br i lhante e de ta lhes excênt r i cos , un indo a prá t ica f i losóf ica 
c o n t e m p o r â n e a à a rqueo log ia d o s mu i tos d o c u m e n t o s que ele 
pac ien temen te recuperou d a histór ia? E o que te r íamos de excluir , 
d ian te d a s express ivas m u d a n ç a s de suas pos ições teór icas no 
d e c u r s o d e sua carreira? 
O própr io Foucaul t 
p rob lemat izou o sen t ido 
de a u t o r i a — u m a função , 
de fend ia ele, que esc larec ia ou 
escond ia mu i tas con t rad i ções . 
TEMOS 
PB RRBSCINPIR PB 
NOSSO COSTUMB PB BUSCRR 
R RUTORIPRPB PB UM RUTOR B 
TBMOS, BM VBZ P/SSO, PB MOSTRRR 
COMO O POPBR PO PISCURSO 
FORÇR TRNTO O RUTOR 
QURNTO SBUS 
JNUNCIRPOS. 
Por isso é que Foucaul t 
re lutou e m escrever sua 
própr ia b iograf ia ou buscar 
a lguém que o f izesse por 
ele. Mas , depo is de sua 
mor te , f o ram escr i tas 
vár ias de las. 
4 
U M H O M E M TRANSDISCURSIVO 
Foucaul t cunhou o t e r m o t r a n s d i s c u r s i v o para descrever , por 
exemp lo , que ele não é meramen te o autor de u m livro, mas o autor 
de uma teor ia, t rad ição ou d isc ip l ina. 
P o d e m o s dizer q u e ele fo i , no 
mín imo, o impu ls ionador de u m 
m é t o d o d e pesqu isa h is tór ica 
que teve mu i tos efe i tos no es tudo 
da sub je t iv idade, d o poder , d o 
conhec imen to , d o d iscurso , 
da histór ia, da sexua l idade, d a 
loucura, d o s is tema pena l , e 
por aí vai . Daí surg iu o t e r m o 
f o u c a u l t i a n o . 
Exis tem mu i tos 
"Foucau l t s " — e t o d o s 
eles t ê m tex tos , ou 
caracter ís t icas e m 
u m a rede de poder 
inst i tuc ional ; u m 
reg ime de ve rdade e 
conhec imen to , ou o 
d iscurso d o autor e 
suas obras . 
Exp lo remos , en tão , 
as mu i tas face tas de 
Foucaul t . 
5 
O P R O J E T O D E F O U C A U L T 
Foucau l t b u s c o u exp l icar o meio 
pe lo qua l o s seres h u m a n o s 
t o r n a r a m - s e h is to r i camente 
s u j e i t o e o b j e t o de prát icas e 
d i scu rsos po l í t icos, c ient í f icos, 
e c o n ó m i c o s , f i losóf icos , legais e 
soc ia is . 
MINHfí QUESTfíO 
FUNPRMENTRL: *QUE N 
FORMA PE RRZfíO E QURIS 
CONPIÇÕES HISTÓRICRS 
V LEVRM R ISSO?". S 
Mas Foucaul t não t o m a a ideia 
de sub je t iv idade f i l oso f i camente 
isolada. Ela v e m v incu lada — e 
é até m e s m o p roduz ida por 
c o n h e c i m e n t o e p o d e r — a 
p r á t i c a s d e s e p a r a ç ã o , c o m o 
o ps iquiat ra, que separa o l ouco 
d o são. 
C l a s s i f i c a ç ã o c i en t í f i ca : o n d e 
a c iênc ia c lass i f ica o ind iv íduo 
c o m o o suje i to d a v ida (biologia), 
d o t raba lho (economia) e d a 
l inguagem (l inguística). 
S u b j e t i v i z a ç ã o : o m o d o c o m o 
o indivíduo se t rans fo rma e m 
sujei to de saúde, sexua l idade, 
c o m p o r t a m e n t o etc. 
FICÇÃO E M F O U C A U L T 
"Em m e u s l ivros, b u s c o fazer uso f icc ional d o s mater ia is q u e reúno ou 
agrupo e, de l ibe radamente , faço cons t ruções f icc iona is c o m e lementos 
autênt icos . " 
Vamos , então, " f icc ional izar" a v ida de Foucaul t t r ans fo rmando-a e m u m 
relato b iográf ico d o f i lósofo e de sua obra . 
Paul -Michel Foucaul t nasceu no d ia 15 de 
ou tubro de 1926. Seus pais e ram Anne 
Malaper t e o b e m - s u c e d i d o c i rurg ião Paul 
Foucaul t . Eles v iv iam e m u m a c idade 
conservadora c h a m a d a Poit iers, na França 
Paul -Michel Foucaul t teve u m a i rmã, 
Francine, e u m i rmão caçu la , Denys. 
/CRPRUMfípè\ 
( MINHAS OBRfíS \ 
( éPRPTBPB 
V MINHR PPÓPPIR J 
\&OGPRFIfí>/ 
Foucaul t t inha N r 
cabe los cas tanhos , 
u m nar igão e o lhos 
azuis. Ele não 
gos tava d o n o m e 
Pau l -Miche l , po rque 
cr ianças ma ldosas 
faz iam-no soar c o m o 
"Pol ich ine lo" ! Ele m u d o u seu n o m e para Miche l — talvez e m 
demons t ração de afeto por sua mãe , q u e insist iu para que ele 
mant ivesse o n o m e q u e recebera no ba t i smo. 
7 
C A T Ó L I C O S A F E T A D O S E M E N I N O S D O C O R O 
Foucau l t era ca tó l i co . Ma is ta rde, Ele se t ransfer iu para o L iceu, 
ele d isse q u e gos tava d o ritual p rop r iamente d i to , e m 1932, e ali 
a fe tado d a fé ca tó l i ca . Ele até pe rmaneceu até 1936 — o ano e m 
can tou e m u m co ro de igreja por que ele v iu chega rem re fug iados 
cer to t e m p o . da Guerra Civil Espanhola . 
1930: Pau l -M iche l fo i mat r i cu lado 
na c lasse e lementar d o L iceu 
Henr i - IV, b e m c e d o . 
'PORQUE EU QUER/R 
FICRR COM MINHfí 
IRMR. 
Ele fo i u m a luno p recoce e 
d i sc ip l i nado . C o n h e c i m e n t o 
represen tava p r o m o ç ã o 
soc ia l para sua c lasse. 
Foucaul t era u m c ic l is ta 
en tus iasmado e j ogava tén is , mas , 
c o m o era míope, quase s e m p r e 
perd ia a bo la . Ele adorava ir ao 
teat ro e, de vez e m q u a n d o , ao 
c inema. 
U m a perfe i ta in fância 
bu rguesa. . . não a c h a m ? 
8 
17 de junho de 1940: Pétain, 
primeiro-ministro francês, 
negocia o armistício. Os 
alemães usam a casa de 
férias dos Foucault como 
dormitório para seus oficiais. 
H Foucault rouba da milícia 
colaboracionista madeira para 
a escola. Ele continua indo 
muito bem nos estudos, mas 
atrapalha-se nas provas de 
verão em 1940. 
Ele é t ransfer ido para u m a esco la con fess iona l , o Co lég io Saint -
-Stanis las, e ganha p rémios e m Francês, Histór ia, Grego e Inglês. 
1942: Foucaul t inicia seus es tudos fo rma is e m Fi losof ia. 
J u n h o d e 1943: ele é ap rovado no baccalauréat (bacharelado), o exame 
d o s is tema de ens ino f rancês p res tado ao f inal d o Ensino Méd io . Discute 
c o m seu pai sobre sua carreira. Med ic ina? Miche l Foucaul t achava que 
não — ele quer ia ir para a inst i tu ição a c a d é m i c a mais prest ig iada, a 
École Normale Supér ieure (Escola Normal Super ior - ENS), e m Paris. 
9 
P A R I S - OS 1 0 0 M A I S 
Foucaul t a m a v a es tudar Histór ia, mas Hyppo l i te 
o convenceu de que a Fi losof ia pod ia exp l icar a 
Histór ia. 
Mas a Histór ia é apenas u m a evo lução 
vagarosa rumo à razão? A Fi losof ia t e m l imi tes? 
10 
GEORG W I L H E L M FRIEDRICH HEGEL ( 1 7 7 0 - 1 8 3 1 ) 
Hegel pensava que o que é real 
é racional e que a ve rdade é 
"o t o d o " — um s is tema g rande 
e c o m p l e x o que ele c h a m o u 
de a b s o l u t o . Ele acred i tava 
que a mente , ou o esp í r i t o , 
era a real idade ú l t ima. A 
mente t e m u m a consc iênc ia 
de si e m cons tan te expansão , 
e a Fi losofia nos permi te 
desenvolver a au toconsc iênc ia 
do " t o d o " e nos l ibertar da 
d e s r a z ã o e da con t rad ição d o 
conhec imen to parc ia l . 
'R 
R RRZRO é 
SOBERRNR PO MUNPO.. 
R HISTÓRIR PO MUNPO; 
PORTRNTO, RPRESENTR-SE 
R NÓS SEGUNPO UM 
PROCESSO RRCIONRU 
K O J È V E E H E G E L 
O f i lósofo A l e x a n d r e K o j è v e 
(1900-1968) resgatou Hegel 
da perspec t i va român t i ca 
s e g u n d o a qual ele ter ia 
u m desa je i tado cr iador de 
s is temas. 
Hegel agora era m o d e r n o ! 
Esse Hegel "a f rancesado" era 
a ú l t ima palavra! 
Foucaul t t inha prazer c o m essa 
versão v io lenta d a Histór ia. 
12 
O RETORNO D E HEGEL 
Hegel dera início ao empreend imen to de explorar o i r r a c i o n a l e de 
integrá- lo a uma razão expand ida . Mas isso a inda fazia par te d a tarefa 
moderna da Fi losof ia — a busca de um s is tema tota l que pudesse 
absorver a d e s r a z ã o ? 
Foucaul t não es tava re je i tando a r a z ã o c o m o ta l , mas recusou-se a 
vê- la c o m o uma "sa ída" ou c o m o resu l tado inevitável d a Histór ia. Seu 
c o m p r o m e t i m e n t o c o m a Fi losof ia não v isava a apresentar u m s is tema 
para as cond i ções nas qua is o c o n h e c i m e n t o ou a ve rdade são possíveis 
ou conf iáveis (como o fez Kant), mas a examinar qua is são os efe i tos 
h is tór icos da razão, o n d e es tão seus l imites e que preço isso impõe . 
13 
O E S T U D A N T E F O U C A U L T 
Em ju lho d e 1946, Foucaul t consegu iu fazer o e x a m e d e adm issão à 
ENS. F icou e m quar to lugar. A ENS ace i tou sua matr ícula! 
A v ida lá era du ra . Foucaul t era ant issoc ia l , con t roverso , en fe rmiço e 
d a d o à dep ressão . O amb ien te fe rozmen te compe t i t i vo da prest ig iosa 
esco la não a judava mu i to . M e s m o ass im, Foucaul t t raba lhava 
in tensamente . Seus co legas o de tes tavam e achavam que ele era 
ma luco . 
Ele c o r t o u o pe i to c o m u m a navalha, perseguiu ou t ro es tudan te 
e m p u n h a n d o u m punhal e e m 1948 ten tou se matar t o m a n d o pílulas. Foi 
q u a n d o teve seus pr imei ros con ta tos c o m a ps iquiat r ia inst i tuc ional . 
14 
O FOUCAULT GAY 
Todavia , nem t u d o eram so f r imentos . Foucaul t era u m piadis ta 
exper iente e um exce len te due l is ta c o m u m a toa lha mo lhada . Ele 
chegava até m e s m o a escalar os te lhados e, cer ta vez, roubou um livro 
em uma loja (uah!). Seu ape l ido era " F u c h s " ( raposa, e m francês) por 
causa de seu c o r p o esgu io e de sua inte l igência in tensa. 
Escânda los sexuais ar ru inavam 
carreiras. Leis opressoras 
dec la ravam que era u m a o fensa 
h o m e n s dança rem jun tos e m 
qua lquer amb ien te púb l i co . A v ida 
secre ta de Foucaul t exp lod i r ia mais 
ta rde , e m seus escr i tos sobre a 
t r a n s g r e s s ã o , a sexua l idade, o 
prazer e o co rpo . 
C O R R E N T E S F ILOSÓFICAS. . . 
Foucau l t es tava in teressado e m duas ver tentes f i losóf icas 
dom inan tes na França, as f i losof ias d a exper iênc ia , d o 
suje i to , d o sent ido e da consc iênc ia : e x i s t e n c i a l i s m o e 
f e n o m e n o l o g i a . 
I A ob ra d o existencia l is ta J e a n - P a u l S a r t r e (1905-1980) 
indaga o que é exist ir enquan to ser humano , c o m o os 
ind iv íduos fazem a exper iênc ia de sua própr ia ex is tênc ia , 
c o m o fazem esco lhas e l idam c o m a l iberdade e a 
au ten t ic idade. 
TOPO SENTI PO NO 
MUNPO N&O é RNTERIOR 
OU INRTO, ELE PERIVR PR 
EXISTÊNCIR. ESSfí é UMR 
VLOSOFIR BRSERPR NOy 
SUJEITO. 
M a r t i n H e i d e g g e r (1889-1976) pr ior izava 
o Se r e m vez d a ex is tênc ia . 
EU REJEITO R 
PISTINÇRO HRBITURL 
ENTRE UM SER PENSRNTE 
E UM MUNPO EXTERNO, 
OBJETIVO. NÓS SOMOS 
SERES-NO-MUNPO. 
PORTRNTO, OS SERES^ 
| HUMRNOS HRBITRM R V/PR 
NÓS RPRENPEMOS COISRS, 
QUESTIONRMOS COISRS, 
PISCUTIMOS COISRS^ 
Foucaul t iria ver i f icar c o m o essa D a s e i n a n á l i s e ( termo referente à 
ps ico te rap ia ex is tencia l heidegger iana) fornecer ia u m ins t rumento 
med ian te o qua l o ser de u m pac iente ps iqu iá t r ico, por exemp lo , é 
cent ra l para u m en tend imen to d o m u n d o ps iqu iá t r ico. 
16 
E F E N O M E N O L O G I A 
A fenomeno log ia é a invest igação d a manei ra c o m o as co isas — ob je tos , 
imagens, ideias, e m o ç õ e s — su rgem ou es tão presentes e m nossa 
c o n s c i ê n c i a . 
A fenomeno log ia faz isso sem referência ao status d o s ob je tos fora d a 
consc iênc ia que t e m o s deles. Ela suspende o ob je to " e m s i " e o lha 
apenas para nossa e x p e r i ê n c i a dele. 
A lgumas versões de 
fenomeno log ia pura, c o m o a 
de E d m u n d H u s s e r l (1859-
1938), b u s c a m as bases d o 
conhec imen to humano . 
PEVEMOS 
EXCLUIR TOPRS RS 
RFIRMRÇÕES B TEORIRS RCERCR 
POS CONTEÚPOS PR CONSCIÊNCIR, NR 
TENTRTIVR PB PESCOBRIR ESTRUTURRS 
INRTRS OU FORA/IRS PE CONSCIÊNCIR QUi 
CONSTITUEM TOPRS RS POSSIBILIPRPES, 
PE EXPERIÊNCIRS MENTRIS. 
A fenomeno log ia 
de M a u r i c e M e r l e a u - P o n t y 
(1908-1961) ten ta d e s c r e v e r as 
pe rcepções d o s ind iv íduos na 
m e d i d a e m que eles exper ienc iam 
o espaço , as cores , a luz. 
Os f e n o m e n ó l o g o s não es tão in teressados e m 
exp l i cações . Eles que rem a exper iênc ia imediata! 
17 
A C I Ê N C I A E S U A E P I S T E M O L O G I A 
A histór ia e a f i losof ia da c iênc ia . 
A e p i s t e m o l o g i a é a teor ia d o conhec imen to . Essa 
d isc ip l ina examina o que é cognosc íve l , o q u e dever ia 
ser c o n t a d o c o m o c o n h e c i m e n t o e se o c o n h e c i m e n t o é 
cer to e m c a m p o s que inc luem a c iênc ia . 
18 
A V E R D A D E C O M O A T I V I D A D E 
Eles cons ide ravam a c iênc ia e o c o n h e c i m e n t o não c o m o v e r d a d e s 
objet ivas ou cons tan tes , mas c o m o a t iv idades "comun i tá r ias " 
d e s c o n t í n u a s que c o n s t r o e m a ve rdade . Enquan to Bachelard enfat izava 
os p rob lemas d a prá t ica c ient í f ica, Koyré rejei tava a ideia de que as 
teor ias eram ob je t i vamente vál idas. 
As obras desses pensadores expuseram as pretensões objet iv istas e 
racionalistas da ciência ao quest ionamento, embora eles ainda buscassem 
"expl icar" a c iência segundo suas regras, estruturas ou psicologia. . 
19 
" C A N G " 
Cangu il hem a tacou a cegue i ra da 
ps ico log ia ace rca de suas própr ias 
c o n d i ç õ e s — as bases e m que e pelas 
qua is ela cons t ró i o conhec imen to 
O s ps i có logos são incapazes de def inir coe ren temen te o ob je to de 
seus es tudos . A ps ico log ia é u m emp i r i smo c o m p ó s i t o , cod i f i cado e m 
m o d a l iterária para f ins de ens ino — e é u m a d isc ip l ina pol ic ia l . 
A c iênc ia é u m a exp lo ração da rac iona l idade e m ação, mas isso p o d e 
ser v is to h i s t o r i c a m e n t e . 
As verdades científ icas estão abertas à d iscussão, mas não são menos 
" reais" por con ta de sua cont ingênc ia . Desse m o d o , o conhec imen to 
cientí f ico é v isto c o m o organizado, operacional e sujeito a mudança . Ele 
s imp lesmente não existe " fora daqu i " . 
20 
O P R O J E T O D E F O U C A U L T A S S U M E F O R M A 
A ideia de Foucaul t era 
tomar a lguns d o s t e r m o s 
e m é t o d o s d a histór ia da 
c iênc ia e ap l icá- los a ou t ro 
ob je to f i losóf ico: o s e r 
h u m a n o . 
Foucaul t não es tava fel iz es tudando a exper iênc ia c o m o base para o 
c o n h e c i m e n t o e m si m e s m o , po is isso a inda es tava mu i to cen t rado no 
sujei to e ace i tava q u e a lguém pudesse re tomar est ru turas de sen t ido 
prévias ou inatas. 
Diante d isso , Foucaul t def in iu a exper iênc ia — por exemp lo , de 
loucura ou sexua l idade — e m t e r m o s d a exper iênc ia de indivíduos 
h is tor icamente s i tuados e o m o d o pelo qual essa exper iênc ia se 
enraizava no d iscurso c ient í f ico e no d iscurso f i losóf ico. 
21 
C O R R E N T E S POL ÍT ICAS 
Foucaul t se f i l iou ao Part ido Comun i s ta Francês (PCF), e m 1950, por 
ind icação de seu depress ivo mento r marx is ta , L o u i s A l t h u s s e r (1918-
1990). T ra tava-se de um par t ido stal in ista no auge de seu poder, po rque 
a inda gozava d a cred ib i l idade proven iente de suas a t iv idades da 
Resistência d o t e m p o d a guerra. 
Mas Foucaul t não es tava lá mu i to c o m p r o m e t i d o , e raramente ia às 
reuniões de par t ido . 
Cor rentes pol í t icas de que t ipo? C o m o as d o b ió logo stal in ista T. D. 
L y s e n k o (1898-1976) , que acred i tava que caracter ís t icas d o m u n d o 
b io lóg ico e ram herdadas e de te rm inadas . 
Foucaul t es tava c o m e ç a n d o a ver que o c o n h e c i m e n t o c ient í f ico estava 
re lac ionado mais c o m o p o d e r d o q u e c o m a v e r d a d e . 
E, de aco rdo c o m o d o g m a d o Part ido, sua homossexua l i dade estar ia 
au tomat i camen te a l inhada c o m a "decadênc ia bu rguesa" . 
23 
F O U C A U L T E X P L O D E 
Na pr imavera d e 1950, Foucaul t fez seus exames f inais e passou pe lo 
es tág io escr i to . M a s seu e x a m e oral sob re "h ipó teses " o d e s a p o n t o u . Ele 
t inha t e n t a d o se exibir! 
Em 1 9 5 1 , f ina lmente , fo i 
a p r o v a d o , m a s ele es tava 
fu r ioso por ter t i do de falar 
sob re " sexua l i dade " e m 
seu e x a m e ora l . Ele a inda 
não sab ia q u ã o impor tan te 
esse assun to es tava para se 
to rnar . . . 
Depo is d e ter s imu lado u m a 
dep ressão para escapar d o 
serv iço mil i tar, e m 1 9 5 1 , ele 
c o m e ç o u a pesqu isa para seu 
d o u t o r a d o na exc lus ivamente 
mascu l i na Fundação Thiers. 
Foucau l t era impopu lar . 
Nesse t e m p o , ele teve 
u m caso a m o r o s o e, 
depo is de um ano, 
evad iu-se para a 
Univers idade de Lille, 
para assumir o pos to de 
professor-ass is tente. 
Para relaxar nos 
fer iados de verão, 
Foucaul t v is i tou sua 
m ã e e a a judou a fazer 
p ic les de pep ino e a 
regar o j a rd im . 
24 
R U M O À PSICOLOGIA? 
iiJilÉlH 
'4 fe 
4 
«t1 -> 
RLTURR, EU 
RINPR NfíO T/NHR FUNPRPO 
R PSICRNfiUSE EM TEOR/RS 
UNGUÍSTICRS. EU ESTRVR EXPONPO 
X \MINHRS IPEIRS SOBRE R IPENTIFICRÇfíG 
RELRCIONRNPO-RS COM RS 
INCLINRÇÕES POS GRFRNHOTOS 
Eh 
VOCê é UM 
GPFRNHOTO, E 
J/OCê, E VOCê.. 
MIGRRTÓRIOS E POS 
ESGRNR-GRTRS. 
Foucaul t fo i visi tar Sa in t -Anne, o hospi ta l ps iqu iá t r ico de Paris. Ele es tava 
mu i to in teressado na base " rac iona l " para a pesqu isa — essa base 
prec isava ser ques t ionada . 
Ele t a m b é m estava o b c e c a d o c o m os tes tes d e Rorschach e ten tou 
ap l icá- los a seus co legas de facu ldade . "Dessa manei ra , saberei o que 
eles t ê m e m men te " . 
25 
file:///MINHRS
S O N H O S E X P E R I M E N T A I S ? 
Foucau l t não t inha u m re lac ionamento fáci l c o m a ps ico log ia 
exper imen ta l . Ele achava que a pesqu isa de J a c q u e l i n e V e r d e a u x — 
ps iqu ia t ra e am iga de sua famíl ia — sobre os r i tmos respi ra tór ios d e 
pessoas ouv indo a "S in fon ia d o s sa lmos" , de Strav insky, era r idícula, 
t an to q u a n t o as pre tensões f i losóf icas de Lacan. 
M e s m o ass im , ele auxi l iou Verdeaux e m u m a t r adução e in t rodução 
a o b r a Sonho e existência, de L u d w i g B i n s w a n g e r (1881-1966). M a s 
isso es tava re lac ionado c o m os interesses de Foucaul t : a daseinanálise. 
Binswanger diz: 
26 
A PSICOLOGIA E N C O N T R A HEIDEGGER 
Escri ta e m 1953, a ob ra d e Foucaul t , Psicologia de 1850 a 1950, refletia 
suas tentat ivas de anal isar o status d a Ps ico log ia c o m o u m a c iênc ia c o m 
seu ob je to — a ex is tênc ia humana . 
Foucaul t a f i rmava q u e a histór ia d a Ps ico log ia é cont rad i tór ia : ela quer 
ser uma c iênc ia ob je t iva — c o m o a B io log ia —, mas en tende que a 
real idade h u m a n a não é s imp lesmen te par te d a "ob je t i v idade natura l " . 
Doença mental e psicologia (1954) foi pub l i cado por Foucaul t para 
tentar expl icar d i ferentes m é t o d o s ps ico lóg icos — o fenomeno lóg i co , o 
ex is tencia l , o marx is ta . 
27 
D O E N Ç A E M A R X 
Nessa lei tura marx is ta , a loucura é resu l tado d a a l i e n a ç ã o d e si m e s m o 
e d a h istór ia, p o r q u e as cond i ções mater ia is são insolúveis. 
Não é p o r q u e a lguém está doen te q u e 
es tá a l ienado. É po rque es tá a l ienado 
q u e es tá doen te . 
A s re lações soc ia is de te rm inadas pela 
e c o n o m i a a tua l , à gu isa de c o m p e t i ç ã o 
exp lo ração , guer ras imper ia l is tas e 
luta d e c lasses , d ã o ao h o m e m u m a 
exper iênc ia d e seu amb ien te h u m a n o 
q u e é c o n s t a n t e m e n t e a s s o m b r a d a 
pela con t rad i ção . 
T rans fo rmar as re lações no 
a m b i e n t e soc ia l poder ia so luc ionar 
a d o e n ç a d e u m a vez por t odas . 
Foucaul t es tava negando q u e a d o e n ç a menta l pudesse ser v is ta e m 
te rmos negat ivos e sus ten tando que e m b o r a a Ps ico log ia t ivesse 
passado d a d i scussão da evo lução (Ciência) para d iscut i r o h o m e m 
(História), ela a inda se v incu lava a p reconce i tos mora is ou "meta f ís i cos" . 
i 
28 
A M O R E M D I F I C U L D A D E S 
Em pr incíp ios d o s anos 1950, 
Foucaul t f requentava os m e s m o s 
g rupos em q u e c i rcu lava o 
jovem génio da mús ica , P i e r re 
B o u l e z (nascido e m 1925). E 
t a m b é m conheceu e teve u m 
caso apa ixonado c o m J e a n 
B a r r a q u é (1928-1973) , u m j o v e m 
compos i to r . Eles par t i lhavam 
o m e s m o gos to por He idegger 
e Nietzsche. Foucaul t deu a 
Barraqué ideias l i terárias para 
serem t rans fo rmadas e m mús ica . 
OUÇR 
RQUI: PEIXE 
FOUCRULT, PRRR SEU 
PRÓPRIO BEM... ESSE HOMEM 
^PESTRUIRó VOCê PEPOIS QUE 
TIVER PESTRUÍPO R SI 
MESMO. 
Foucaul t t a m b é m conheceu Pau l 
V e y n e (nasc ido e m 1930), que 
vir ia a exercer fo r te inf luência 
e m História da sexualidade de 
Foucaul t . 
Veyne achava Foucaul t 
excess ivamente misóg ino , 
enquan to Foucaul t era da op in ião 
de que a heterossexual idade 
de Veyne era s imp lesmente 
ented iante ! 
Em d e z e m b r o de 1955 Foucaul t 
regressou a Paris para o Natal . 
O caso a m o r o s o c o m Barraqué 
não ia lá mu i to b e m . 
S U É C IA ! 
Em a g o s t o d e 1955, Foucaul t foi c o n v i d a d o a assumi r u m pos to no 
D e p a r t a m e n t o d e Es tudos Român icos na Un ivers idade de Uppsa la , na 
Suéc ia , por ind icação de G e o r g e s D u m é z i l — "o professor" — (1898-
1986), espec ia l is ta e m rel igiões e mi to log ias indo-europe ias . Dumézi l 
ut i l izava u m a f o r m a an tec ipada de e s t r u t u r a l i s m o . 
Seu t raba lho se concen t rava e m con jun tos de re lações cons tan tes , 
un iversa is ent re e in tercul turas. 
I Foucaul t se to rnou pro fessor -ass is ten te d e Francês e 
I lec ionava Língua e Li teratura. Ele t a m b é m foi i nd i cado 
I c o m o di retor d a Ma ison de France, b e m c o m o a d i d o 
I cu l tura l . 
30 
F O U C A U L T , O B E B E D O R 
Foucaul t coz inhava mu i to b e m e gos tava de receber seus amigos . Ele 
t a m b é m beb ia bas tan te , para compensa r as longas noi tes escuras . E 
saía em busca de aventuras c o m homens . 
Foucaul t c o m p r o u u m Jaguar espor t i vo mar rom — usando o d inheiro de 
sua famíl ia — c o m o qua l encarava bu racos e valas q u a n d o estava mui to 
irr i tado. E ia mu i to a Es toco lmo , o n d e des f ru tava d a companh ia , das 
histór ias e das c a n ç õ e s suaves de M a u r i c e C h e v a l l i e r (1888-1972). 
Ele deu aulas sob re "A c o n c e p ç ã o 
do amor na l i teratura f rancesa, d o 
Marquês de Sade a Jean Gene t " 
para um púb l i co 
eminen temente 
femin ino. 
A B I B L I O T E C A DE U P P S A L A : 
O N A S C I M E N T O D A L O U C U R A 
Ele dec id iu de fender essa 
pesqu isa c o m o tese de 
dou to rado , mas ela fazia 
par te de u m a ob ra mu i to 
genér ica e l i terária para 
o emp i r i smo de Uppsa la . 
Foucault t en tou just i f icar 
sua a b o r d a g e m . 
A S INDISCRIÇÕES DE F O U C A U L T 
Foucaul t se m u d o u para Varsóv ia , a f im de dir igir o Cent ro Francês. A 
Polónia func ionava pess imamen te . A inda não havia se recuperado da 
Segunda Guerra Mund ia l . Foucaul t escrev ia à luz de velas. A polí t ica era 
Nesse c l ima de suspe ição , fez sexo c o m u m j o v e m q u e t raba lhava para 
a polícia, para poder pagar sua facu ldade . Foucaul t fo i c o n v i d a d o pelo 
emba ixador a deixar Varsóv ia . 
L U T A K A L A M A 
Foucaul t v ia jou c o m u m a inspetora d o 
Ministér io d a Educação e m u m a vis i ta a 
Cracóv ia . Inadver t idamente , ela i r rompeu por ta 
aden t ro d o quar to d o " F u c h s " — para f lagrá- lo 
nos b raços de u m rapaz. 
A l g u m t e m p o depo is , Foucaul t a f i rmou que esse ep isód io o imped iu 
d e de ter os acon tec imen tos das rebel iões de maio de 1968, p o r q u e o 
Min is tér io d a Educação não levara a sér io seus p lanos de re forma! 
Ele se m u d o u para H a m b u r g o , para 
ou t ro Inst i tu to, o n d e apresen tou ao 
escr i to r A l a i n R o b b e - G r i l l e t (1922-
2008) os c lubes de striptease, os 
pa rques e as salas de espe lho . 
Foucau l t t eve até u m lance c o m u m 
t raves t i . 
Ele t a m b é m levou o romanc is ta P ie r re 
G a s c a r (1916-1997) para assist ir a 
lutas d e mulheres na lama no bairro 
ve rme lho . A c l ientela d o s bares t ra tava 
Foucau l t d e "Senhor Doutor3'. 
1 9 6 0 - 1 9 6 1 - P A N O R Á P I D O 
O pai de Foucaul t fa leceu. Foucaul t invest iu sua herança na c o m p r a de 
um moderno flat na rua Dr. Finlay, c o m v is ta para o rio Sena. 
Estamos na França d a Qu in ta Repúb l ica , de Char les de Gaul le. Vias 
expressas pedag iadas , b o m b a s a tómicas , a nova m o e d a , f i lmes da 
Nouvelle Vague, t u d o p roc lamava u m a França mode rna , mas t a m b é m 
inquieta. 
Danie l Defer t , um estudante da École Normale de Sa in t -C loud, foi 
apresentado a Foucault . Eles se to rnaram parceiros ínt imos. Defert era 
uma mil i tante ant iguerra. Foucaul t evi tou essa questão e conclu iu a 
pesquisa para seu História da loucura nos arquivos e bibl iotecas de Paris. 
35 
D A F ILOSOFIA À L O U C U R A 
Em me io a t u d o isso, ele conc lu iu 
suas d u a s teses , as qua is 
dec id iu s u b m e t e r à So rbonne , 
e m Paris. E apresen tou u m a tese 
c o m p l e m e n t a r sob re o f i lósofo 
d o I l umin ismo I m m a n u e l K a n t 
(1724-1804) , na qual usou o t e rmo 
"a rqueo log ia " pela pr imeira vez, 
q u e ind icava o per íodo d a histór ia 
ao qua l e le i ncessan temente havia 
de retornar . 
Os m e m b r o s d a banca , depo is d isso, passaram a ouvir o t raba lho 
pr inc ipa l d e Foucaul t . . . 
36 
ILUMINISMO: O 
ESPÍRITO FILOSÓFICO, 
CULTURRL E CIENTÍFICO PO 
SÉCULO XVIII. UMR CRENQR NR 
RRZRO, NO PROGRESSO, NR 
*MRTURIPRPE" PO HOMEM E 
UMR COMPLETR REJEIÇRO PR 
TRRPIÇRO, PR RELIGlRO E 
PR RUTORIPRPE. 
HISTÓRIA D A L O U C U R A ( 1 9 6 4 ) 
A História da loucura não era u m a v isão d a histór ia d a loucura d o pon to 
de vista de um ps iqu ia t ra . 
Mais tarde, Foucaul t d isse q u e seu ob je to era "o conhec imen to invest ido 
no s is tema c o m p l e x o das ins t i tu ições" . Au to r idades , suas prát icas e 
op in iões ser iam es tudados para demons t ra r a loucura não c o m o um 
d iscurso c ient í f ico ou teór ico , mas c o m o u m a prá t ica co t id iana, regular. 
37 
L O U C U R A E D E S R A Z Ã O 
Em vez d i sso , Foucau l t p ropôs u m es tudo prec iso d a loucura e m s i 
(o he idegger iano f racassa aqu i , por causa de seu "s i lênc io" a lém d a 
l i nguagem d a razão). 
"Para cap tu ra r u m espaço , 
pa lavras s e m u m a l i nguagem, 
o refratár io murmura r de u m a 
l i nguagem q u e parece falar por 
si m e s m a . . . Falhar d ian te de la 
levou a n e n h u m a fo rmu lação e 
ao re t rocesso s e m nenhuma 
ag i tação ao s i lênc io d o qual ela 
n u n c a se s e p a r o u " . 
TEMOS 
PE TENTRP PECURP 
NR HISTÓPIR RdUELE "PONTO 
ZEPO" NO CUPSO PR LOUCUPR 
NO QURL ELR FOI PEPENT/NRMENTE 
SEPRPRPR PR PRZRO - TRNTO NO 
CONFINRMENTO PO INSRNO COMO NO 
\ISOLRMENTO CONCEITURL PR LOUCUPRy 
EM PELRÇRO R PRZRO, COMO 
PESPRZRO. 
file:///ISOLRMENTO
A ERA CLÁSSICA 
Foucaul t c h a m a de "era c láss ica" o per íodo da histór ia da Europa 
entre os sécu los XVII e XVIII, para most rar q u e a loucura é u m ob je to 
de percepção den t ro de u m "espaço soc ia l " es t ru tu rado de di ferentes 
m o d o s ao longo d a histór ia. A loucura é u m ob je to de pe rcepção 
p roduz ido por p r á t i c a s s o c i a i s , e m vez de ser s imp lesmen te um ob je to 
de pensamento ou de sens ib i l idade que pudesse ser anal isado. 
O QUE 
É R LOUCUPR? 
E6TR 
PEPGUNTR a SUBSTITUÍPR 
POP OUTPR NOVR: "COMO R 
^EXPEPIêNCIR PR LOUCUPR é POSTR, 
EMPPÕTICR?' 
# 
% 
T 
Foucaul t ar g u m e n t a que , an tes d a T e m o s qua t ro fases h is tór icas 
Era Clássica, a re lação da loucura e d is t in tas p e r c e p ç õ e s d a 
c o m a razão era mu i to d i ferente. loucura . 
1 39 
1 . A L O U C U R A M E D I E V A L E A M O R T E 
No per íodo med ieva l , a d i spu ta 
d o h o m e m c o m a loucura era 
u m d r a m a no qua l t o d o s os 
seg redos d o m u n d o cor r iam 
r isco. A exper iênc ia da loucura 
era o b s c u r e c i d a por imagens d a 
Q u e d a , d o s desígn ios de Deus, 
d a Bes ta , d o f im d o s t e m p o s e 
d o m u n d o . 
A m o r t e era o t e m a dominan te . A 
loucura d o h o m e m estava e m não 
ver q u e o domín io da mor te es tava 
p r ó x i m o . Por tan to , era necessár io 
t razê- lo d e vo l ta à sabedor ia c o m 
o espe tácu lo d a mor te . 
2 . A L O U C U R A NO 
R E N A S C I M E N T O 
A loucura assumiu v is ib i l idade e m 
f inais d o sécu lo XV. 
A v ida d o h o m e m não é ma is louca 
por con ta da inev i tab i l idade d a 
mor te , mas po rque a mor te hab i ta 
o co ração d a própr ia v ida . 
40 
A V E R D A D E D A L O U C U R A 
A loucura era a " ve rdade" d o 
conhec imen to , mas o c o n h e c i m e n t o e 
o aprend izado d o h o m e m sad io e ram 
u m a loucura absurda . O pe rsonagemliterário d o Louco , e m sua sáb ia 
idiot ia, já sab ia d isso . 
Do século XV e m diante, por meio 
da Literatura, da Filosofia e da Arte, 
o sujeito é apreend ido de di ferentes 
modos . A partir de então, a loucura 
existe no homem. A exper iência da 
loucura assume a fo rma de sá t i r a 
m o r a l , em vez de ameaças de invasão 
do mundo por parte da loucura, 
algo que aterrorizava pintores c o m o 
H i e r o n y m o u s B o s c h (1450-1516). 
Pontos insensatos para a loucura e erro 
da própr ia razão. 
BM 
MINHA LOUCURfí, 
PBMONSTRO O QUfíNTO R 
VRóPRIfí RfíZfíO é LOUCfí.. 
"A nau d o s insensatos" era u m a representação 
s imbó l i ca d o ban imen to e d a peregr inação d o louco 
em busca de razão. 
3 . A E R A C L Á S S I C A D O C O N F I N A M E N T O 
Ant igos leprosár ios a b a n d o n a d o s eram usados para u m a nova 
i f ina l idade — c o n f i n a r . A idade da razão encarcerou tan to o pob re 
quan to o insano. Em 1656, um dec re to f u n d o u o Hospi ta l Geral e m 
I Paris. U m e m c a d a c e m par is ienses es tava con f i nado — o louco 
| j un to c o m o pob re e o c r im inoso . 
42 
A M O R A L I D A D E BURGUESA 
Realmente, o con f i namen to t inha mais a ver c o m o p rob lema e c o n ó m i c o 
d o desemprego , da inat iv idade e da mend icânc ia . U m a nova ét ica d o 
t raba lho e novas ideias a respei to d o dever mora l agora se v incu lavam ao 
direi to civi l . O t raba lho era a redenção . O óc io , rebel ião. Mend igos eram 
f requentemente a tacados por arquei ros às por tas das c idades . . . 
Enquanto o Renasc imento 
expusera a loucura à luz, a Era 
Cláss ica a v ia c o m o escânda lo 
ou vergonha . As famíl ias 
ocu l tavam t ios loucos e p r imos 
es t ranhos e m asi los. 
t i 
ta 
Mas o espe tácu lo t inha sua par te. No Hospi ta l Be th lehem, e m Londres , 
lunát icos eram ex ib idos a 96.000 pessoas por ano. A loucura, que antes 
fora representada, agora era ap resen tada e m carne e osso — não mais 
c o m o um mons t ro den t ro de a lguém, mas c o m o a lgo para o qual olhar. 
43 
T R A T A D O S C O M O A N I M A I S 
O c o n f i n a m e n t o não era insp i rado por u m dese jo de punir ou de corr ig i r 
— m a s s i m p l e s m e n t e de d isc ip l inar e de manter à par te . Desse m o d o , 
os insanos passavam a viver atrás d e g rades , aco r ren tados a paredes , 
c o m i d o s por ratos. 
LOUCO N f lO é UM 
HOMEM ENFERMO. 6UR 
RNIMRLIPRPE O TORNR IMUNE 
RO FRIO, R FOME E R POR. 
LOUCURR RN/MRL O 
PROTEGE. 
A Med ic ina desse per íodo perceb ia a loucura 
c o m o u m mov imen to excess ivo de pa ixões 
per igosas — o excesso de af l ição ou de 
a l imento levava à melanco l ia e ao delír io. 
T ra tamen tos para a loucura e ram d i r ig idos ao c o r p o da pessoa insana, 
b e m c o m o à sua imag inação . Norma lmen te , ta is t ra tamen tos e ram 
ap l i cados fora d o s hospi ta is . 
Mús ica , cor r ida , v iagens, imersão e m água ge lada, pur i f i cação c o m 
e lemen tos de l impeza e c o m " c o m i d a s c o m aspec to de l avagem" — 
al iv iavam espír i tos febr is . 
44 
R E F O R M A , AS ILOS E A P R I S I O N A M E N T O 
D E M E N T E S 
Ali pelo f inal d o sécu lo XVIII, re fo rmadores ps iqu iá t r icos passaram 
a cons iderar as med idas puni t ivas c o m o t ra tamentos malé f icos . Os 
insanos eram f i s i camente l iber tados e s u b m e t i d o s a u m d iscu rso mora l , 
educac iona l e ps iqu iá t r ico . Mas , de fa to , eles passavam a ser menos 
livres, po rque até m e s m o suas mentes es tavam suje i tas a t ra tamento . 
Razão e desrazão es tão, a part ir 
de então, separadas : a l inguagem 
psiquiát r ica se instala c o m o u m 
monó logo da razão sobre a loucura 
4 . 1 9 0 0 E F R E U D , O DIV INO 
Persona l idades c o m o S i g m u n d F r e u d (1856-1939) s i lenc iaram 
d ian te d a c o n d e n a ç ã o da loucura. Ele abol iu o r e g i m e d e s i l ê n c i o 
que os re fo rmadores e m p r e g a v a m . E fez o louco falar. Mas t a m b é m 
desenvo lveu a es t ru tura que incluía o pe rsonagem m é d i c o — ele — 
c o m o on ipo ten te e quase d iv ino. 
Para Foucaul t , a ún ica manei ra de a loucura ser v iv ida " e m si m e s m a " , 
fo ra d a razão autor i tár ia, é por me io d a Ar te e da Fi losof ia. 
O m u n d o q u e pensava mensurar e just i f icar a loucura por me io d a 
Ps ico log ia t e m de just i f icar a si m e s m o d iante da loucura — d ian te d o 
e x c e s s o d e ob ras c o m o as de A r taud , Van G o g h e Nie tzsche. 
R E C E P Ç Ã O CRÍT ICA 
A ob ra de Foucaul t ques t iona as or igens 
d o status c ient í f ico da Psico logia, 
sem se submete r à au to r idade de 
fontes histór icas d e in fo rmação. Não 
tenta definir a loucura. Ela ind ica os 
m o d o s segundo os qua is a loucura 
é v iv ida, imag inada e d i spe rsada — 
fenomeno log i camen te — c o m a lgum 
pretenso apo io à m u d a n ç a estrutural 
(economia, soc iedade , c iência) . 
Houve aqueles q u e 
cr i t icaram sua fa l ta de 
at r ibutos h is tór icos e suas 
d is torções. 
47 
A N T I P S I Q U I A T R I A 
O livro fo i aco lh ido pela teor ia ant ips iqu iá t r ica e cont racu l tura l de 
R. D. L a i n g (1927-1989) e de D a v i d C o o p e r (1931-1986) e a inda 
no Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia (1972) de G i l l es 
D e l e u z e (1925-1995) e Fé l ix G u a t t a r i (1930-1992) . 
48 
F O U C A U L T VS. DERRIDA, 1 9 6 3 
Em u m a conferênc ia , o p ó s -
-estrutural is ta J a c q u e s D e r r i d a 
(1930-2004) descons t ru iu as t rês 
páginas de História da loucura, 
nas quais Foucaul t d i scu te as 
Meditações de R e n é D e s c a r t e s 
(1596-1650). 
FOUCAULT 
TENTOU ESCREVER UMR 
HISTÓRIR PR LOUCURR EM 
SI... 
ESSRé 
R PRRTE MR/S MRLUCR 
EM FOUCRULT. COMO ELE POPE 
EV/TRR R VIOLÊNCIR QUE R LINGURGEM 
PR RRZfíO (ORPEM, VERPRPE, O SISTEMR 
PE OBJETIVIPRPE E R RRCIONRL/PRPE à 
UNIVERSRL) MOSTRR R 
LOUCURR? 
C L E R M O N T - F E R R A N D : O INÍCIO D O C O N F L I T O 
Foucau l t se t o rnou u m intelectual respe i tado. Escreveu ar t igos e 
fez con fe rênc ias , fez crí t ica l i terária e fa lou sobre desv ios re l ig iosos. 
O re latór io d e Cangu i l hem e o apo io de Hyppo l i te levaram-no a 
ser c o n v i d a d o para um pos to c o m o pro fessor na Un ivers idade d e 
C le rmon t -Fe r rand , e m 1960. Al i , ele ens inou Psico log ia. Q u a n d o o 
f i l óso fo c o m u n i s t a R o g e r G a r a u d y (1913-2012) foi t ransfer ido para lá, 
a p a r e n t e m e n t e por inf luência d o p remie G e o r g e s P o m p i d o u ( 1 9 1 1 -
1974), teve início u m a con tenda amarga . 
Eles c h e g a r a m ao 
en f ren tamen to f ís ico. 
QUE VOCê TEM 
CONTRA MIM? 
í, 
TENHO 
NAPA CONTRA 
VOCê. Só CONTRA A 
ESTUPIDEZ. 
50 
L I N G U A G E M E L I T E R A T U R A 
Nesse m o m e n t o , o in teresse d e Foucau l t pe la l i teratura es tava e m 
seu áp ice , espec ia lmen te por r o m a n c e s q u e exp lo rassem o insensato 
des l i zamento ent re a l i nguagem, seu sen t ido e os m u n d o s que isso 
cr ia, tal c o m o o excên t r i co Locus Solus (1914), de R a y m o n d 
R o u s s e l (1877-1933) . 
les lettres du blanc sur les bandes du 
vieux billard (as letras b rancas sob re as 
margens ( ia ve lha mesa de bilhar) 
p o d e m se r t r ans fo rmadas e m 
les lettres du blanc sur les bandes du 
vieux pillard (as car tas d o h o m e m branco 
sobre as \ relhas gangues de sal teadores) 
A desc r i ção não é a 
f ide l idade da l inguagem 
a seu ob je to , mas o 
nasc imen to cons tan temente 
renovado de um 
re lac ionamento infinito entre 
a s p a l a v r a s e a s c o i s a s . 
M E D I C I N A E M E T O D O L O G I A 
Em 1963, Foucau l t pub l i cou O nascimento da clínica, c o m base e m sua 
lei tura d e c a d a l ivro sob re med ic ina c l ín ica p roduz ido ent re 1790 e 1820 . 
"Es te l ivro t ra ta d o espaço , d a l inguagem e da mor te ; t ra ta d o o lhar" . 
A m ed i c i n a c l ín ica era mais d o q u e op in iões apenas . Ela se v incu lou 
às c i ê n c i a s d o sécu lo XIX, c o m o a Bio logia, a Fis iologia e a Ana tom ia , 
ass im c o m o a i n s t i t u i ç õ e s c o m o os hospi ta is e a p r á t i c a s c o m o o 
inquér i to admin is t ra t i vo . Foucaul t quer ia prestar con tas das r e g r a s desse 
c o n h e c i m e n t o . 
EU ME 
PEPGUNTRVR COMO 
EPR QUE O CONHECIMENTO 
POPIR TEP SUPGIPO, MUPRPO, 
SE PESENVOLVIPO E OFEPECIPO R 
TEOPIR CIENTÍFICR NOVOS CRMPOS PE 
OBSEPVRÇÕES E OBJETOS, E COMO 
JO RPPENPIZRPO CIENTÍFICO TINHR 
SIPO IMPOPTRPO PRPR 
PENTPO PELE. 
' ' V \ V -' 
BIOLOGIA 
FISlOÍOGIfí 
PINflTOMtfl: 
INVESTIGfíÇi 
OBJBTI 
Em Ciênc ia , o m o d e l o de observar , ver e nomear é aber to . 
O C O N H E C I M E N T O M E D I C O M U D A 
A prát ica da med ic ina é mis tu ra instável de c iênc ia r igorosa e de t rad ição 
incerta. Con tudo , enquan to s i s tema de conhec imen to , ela encont ra sua 
própr ia coerênc ia . E esse c o n h e c i m e n t o se t rans fo rma no decorrer d o 
t e m p o — de u m a l inguagem de fantas ia e m i to . . . 
ESTOU 
FRLRNPO R 
UNGURGEM PR FRNTRSIRy 
MÉPICR RQUL MINHR 
^MEPICINR NRO TEM BRSE; 
PEPCEPTURL^ 
para u m a l inguagem que 
a s s u m e a ob je t iv idade. 
E S T R U T U R A L I S M O 
Este l ivro t a m b é m é u m es tudo quase e s t r u t u r a l i s t a de c o m o os 
d i scu rsos m é d i c o s o rgan izam-se e m r e f e r ê n c i a a d i ferentes es t ru turas 
— pol í t icas, soc ia is , cu l tura is e e c o n ó m i c a s — e u m a e m re lação à ou t ra , 
a f im de demons t ra r as m u d a n ç a s que a fe taram c o m o 
j g ^ j p " - — — a s co isas eram fa ladas ou vistas e o que era 
possível ver e dizer e m de te rm inado 
per íodo h is tór ico. 
A med ic ina s imp lesmen te reorganiza a d o e n ç a segundo novos padrões 
de s in taxe — novas re lações entre a l inguagem e aqui lo que ela nomeia , 
v incu ladas a ou t ras m u d a n ç a s estrutura is na soc iedade , e m suas 
prá t i cas e inst i tu ições. 
54 
O C O N H E C I M E N T O C O M O CLASSIF ICAÇÃO 
Nossa pe rcepção d o c o r p o c o m o 
o natural " espaço d a o r igem e d a 
d is t r ibu ição d a d o e n ç a " , c o m o 
espaço de te rm inado pelo a t l a s 
a n a t ó m i c o , é s imp lesmen te u m 
dos vár ios m o d o s s e g u n d o os 
quais a med ic ina f o r m o u seu 
" conhec imen to " . 
As doenças eram conceb idas 
c o m o a lgo q u e era t ransfer ido para 
o c o r p o q u a n d o suas qua l idades 
en t ravam e m c o m b i n a ç ã o c o m o 
t e m p e r a m e n t o d o paciente. 
Esse era o pensamen to méd ico 
c l a s s i f i c a t ó r i o . 
A Medicina das espécies (1770) 
c lassi f icava as d o e n ç a s c o m o 
e s p é c i e s s e m u m a necessár ia 
l igação c o m o c o r p o . 
Essa e s p a c i a l i z a ç ã o da d o e n ç a 
era conce i tua i . As doenças eram 
h ie rarqu icamente o rdenadas e m 
famíl ias, géneros e espéc ies e m 
te rmos de analog ia e semelhança. 
"O catar ro é para a garganta o que 
a d isenter ia é para o in test ino" . 
O pac ien te era u m obstáculo 
potenc ia l à pe rcepção das c lasses 
ou espéc ies fo rmais . 
55 
S I N T O M A S 
Pos te r io rmente , a m e d i c i n a c l í n i ca (de 1800 e m diante) v ia e " p e n s a v a " 
as d o e n ç a s c o m o s i n t o m a s e não c o m o en t idades ou espéc ies f i xadas 
e m u m grá f i co . Por sua vez, os s in tomas eram in te rpre tados c o m o 
s i g n o s d e desenvo lv imen to pa to lóg ico . A d o e n ç a não se referia ma is à 
d i s t r i bu ição d e espéc ies e a suas re lações; passava a ser espec ia l i zada 
no c o r p o c o m o nada a lém d e u m a co leção de s in tomas . 
Dessa f o r m a , a part i r de então, a l inguagem cl ín ica es tava e m c o m p l e t o 
a c o r d o c o m aqu i lo que ela nomeia . Falar e ver é o m e s m o . A g o r a se t e m 
o o lho fa lante d o m é d i c o c l ín ico. 
56 
A N A T O M I A - A T É C N I C A D O C A D Á V E R 
A ana tom ia pa to lóg ica se desenvo lve — ou a teor ia a n a t o m o c l í n i c a . A 
doença não deno tava espéc ies ou con jun tos de s in tomas , mas ind icava 
lesões em tec idos especí f i cos . 
O olhar c l ín ico sob re a superf íc ie d o c o r p o se t rans fo rma e m um olhar 
para d e n t r o d o c o r p o . 
Esse é o olhar d a d i ssecção , que inaugura a med ic ina das reações 
pato lóg icas. Os tec idos e os ó rgãos são agora o lugar da doença . A 
noção de c lasses de d o e n ç a s f i cou para t rás. 
57 
• 
O H O M E M E A M O R T E 
A MORTE NRO a MAIS UM FATO 
ABSOLUTO, QUE PÕE FIM R VIP A E RO 
^CURSO PE UMA POENQA. A MORTE AGORA a 0 > 
PRINCIPIO CONCE/TUAL POMINANTE. 
"O olhar m é d i c o a ten to de ixa d e ser aque le olhar d o méd i co , para 
ser u m olhar a ten to que viu a mor te — u m g rande o lho b ranco 
que desamar ra o nó d a v ida " — Foucaul t c o n c o r d a c o m G e o r g e s 
Ba ta i l l e (1887-1962) . Cer tamente , História do olho, ob ra d e Batai l le, 
e ró t ica e f i xada na mor te , deu a Foucaul t a imagem d o o lho c o m o u m 
conce i t o v iável . 
58 
B A R T H E S FICA E N C I U M A D O 
O livro de Foucaul t v i rou imed ia tamente cult. 
E log io a o l i v ro d e F o u c a u l t : "Ele permi t iu à prof issão ver que a 
Med ic ina não era s imp lesmen te u m a prát ica mecân ica , mas t a m b é m 
u m a l inguagem que t inha evo lu ído c o m o t e m p o " (Dr. Bernard Kouchner) . 
Cr í t i ca a o l i v ro d e F o u c a u l t : "Foucau l t não c o n s e g u e ver a lém de sua 
própr ia ep is teme. Ele é u m p rodu to d o pensamen to f rancês do sécu lo XX 
que privi legia ou desaf ia a soc iedade ocu lar — f i losof ias da pe rcepção 
visual , da aparênc ia , d o exame, da p in tura etc. Ele dever ia olhar para 
suas própr ias p remissas ao p romover o o lho c o m o pr incíp io dom inan te " 
(Mart in Gay, pro fessor universi tár io). 
Mas os estrutural is tas a f i rmam q u e as l igações q u e 
Foucaul t faz ent re o con tex to socia l da Revo lução 
Francesa, sua cl ín ica e a m u d a n ç a nas est ru turas 
perceptua is são ob l íquas. 
A o que t u d o indica, Bar thes se apar tou de 
Foucaul t po rque cob i çava Daniel Defert , que 
estava v ivendo c o m Foucaul t na rua Dr. Finlay. 
59 
N I E T Z S C H E V E M E M S O C O R R O 
Foucau l t leu N ie tzsche pela pr imeira vez e m u m a praia, na Itália, c o m seu 
a m i g o ín t imo, M a u r i c e P i n g u e t (1929-1991) , e m agos to d e 1953. 
60 
de1< Em ju lho de 1964, e m u m a conferênc ia sobre Nietzsche, Foucaul t 
d iscut iu a histór ia e a i n t e r p r e t a ç ã o , recor rendo aos " t rês mest res d a 
suspe i ta " : F r i e d r i c h N i e t z s c h e (1844-1900) , S i g m u n d F r e u d (1856-
1939) e K a r l M a r x (1818-1883) . 
PEPOIS 
PB PBZ ANOS, FOUCAULT 
CONTINUA PBBATENPO COM A 
FILOSOFIA PAPA ESC AP AP PA IPBIA 
HBGELIANA E MARXISTA PA HISTÓRIA 
COMO ALGO QUE SE ESTENPE PARA UM 
ABSOLUTO COMO UMA RESOLUÇÃO PAS 
CONTRAP/ÇÕES E POS CONFLITOS. A 
QUEM ELE POPE RECORRER? 
O que in teressava Foucaul t e m 1964 era a natureza inf inita da 
i n t e r p r e t a ç ã o — as in terpre tações de Marx das exp l i cações 
ideo lóg icas burguesas ; as in terpre tações de Freud das exp l i cações 
que seus pac ien tes faz iam das própr ias neuroses e as de N ie tzsche 
e m sua de fesa de q u e a Fi losof ia não encon t ra o conhec imen to , mas 
impõe in terpre tações s e m f im . Por q u e N ie tzsche foi t ão par t icu larmente 
útil a Foucaul t? 
61 
C H E G A D E C O N H E C I M E N T O 
Para N ie tzsche, era inconcebíve l imaginar 
q u e a h is tór ia levará a u m t o d o ou 
revelará u m a ve rdade to ta l . 
Isso representa u m a 
poss ib i l i dade radical 
d e rup tu ra c o m o 
p e n s a m e n t o hegel iano 
e sua a legação de q u e 
a h is tór ia nos c o n d u z 
ao abso lu to e to ta l 
c o n h e c i m e n t o . Isso leva 
a duv ida r d a razão!62 
A S P A L A V R A S E A S COISAS 
O interesse de Foucaul t na l inguagem e na in terpretação d o m u n d o 
levou a seu próximo livro, As palavras e as coisas: uma arqueologia 
das ciências humanas, escr i to e m g rande par te e m m e a d o s de 1964 e 
expand ido e m con fe rênc ias fe i tas no Brasi l , e m 1965. 
I 
O ob je t ivo de Foucaul t é o lhar para o m o d o s e g u n d o o qual o h o m e m 
se to rnou o ob je to d o c o n h e c i m e n t o na cu l tura oc iden ta l . E ele faz isso 
e legendo t rês per íodos na histór ia — o Renasc imento , a Idade Cláss ica 
e a Idade M o d e r n a — e desen te r rando o respect ivo a priori h is tór ico de 
c a d a época . 
A g rade latente de c o n h e c i m e n t o que organ iza t o d o d iscurso c ient í f ico e 
def ine o que p o d e ou não p o d e ser c ien t i f i camente pensado : o p rocesso 
de escavar esses níveis é c lass i f i cado por Foucaul t c o m o a r q u e o l o g i a . 
Seu pro jeto é descobr i r os c ó d i g o s h is tór icos e fundamenta i s de 
nossa cu l tura — nosso presente —, não revelar as pe rcepções 
fenomeno lóg icas dele. 
63 
T E R M O - C H A V E N° 1 : A R Q U E O L O G I A 
A "a rqueo log ia " , c o m o a invest igação daqu i lo que to rna necessár ia 
u m a de te rm inada f o rma de pensamen to , impl ica e m u m a escavação 
dos sed imen tos d o pensamen to inconsc ien temente o rgan izados . 
D i fe rentemente de u m a h i s t ó r i a d a s i de ias , ela não af i rma que 
o pensamen to se acumu la rumo a a lguma conc lusão h is tór ica. A 
a rqueo log ia ignora os ind iv íduos e suas histór ias. Ela prefere escavar 
es t ru turas i m p e s s o a i s de conhec imen to . 
A a rqueo log ia é u m a tarefa que não cons is te e m tratar o d iscurso c o m o 
s ignos que se referem a u m c o n t e ú d o real, c o m o a loucura. Ela t ra ta 
d i scu rsos , ta is c o m o a med ic ina , c o m o p r á t i c a s que f o r m a m os ob je tos 
d o s qua is eles fa lam. 
64 
, o -T E R M O - C H A V E N° 2 : E P I S T E M E 
r U m a e p i s t e m e é a g rade "sub jacen te " ou a rede que permi te ao 
pensamento organ izar -se. C a d a per íodo h is tór ico t e m sua própr ia 
ep is teme. Ela l imita a to ta l idade d a exper iênc ia , d o c o n h e c i m e n t o e d a 
verdade e governa c a d a c iênc ia e m de te rm inado per íodo. 
Foucaul t reman ipu lou a ideia d o p a r a d i g m a de T h o m a s Kuhn. 
T A X O N O M I A O U C L A S S I F I C A Ç Ã O 
A l i nguagem é cent ra l para o pro je to d o l ivro. Foucaul t ap resen ta u m 
breve relato d o escr i tor a rgent ino J o r g e L u i s B o r g e s (1899-1986) sob re 
u m a enc i c l opéd ia ch inesa. 
Ele d iv ide os an imais de a c o r d o c o m u m a c lass i f icação exót ica : 
CA) PERTENCENTES 
RO IMPERAPOR; CB) 
EMBALSAMAPOS; (C) POMESTICAPOS; 
CP) LEITÕES; CE) SEREIAS; CF) FABULOSOS; 
CG) CACHORROS SOLTOS C...J CN) QUE, 
PE LONGE, PARECEM MOSCAS. 
ISSO 
PEMONSTRA AS 
LIMITAÇÕES PE NOSSOS 
PRÓPRIOS SISTEMAS PEA 
PENSAMENTO. 
QUAIS 
SfíO AS FRONTEIRAS 
PE NOSSO PRÓPRIO MOPO 
PE PENSAR? COMO ê QUE NÓS 
ORGANIZAMOS O MUNPO? COMO 
OS CÓPIGOS CULTURAIS IMPÕEM 
ORPEM R EXPERIÊNCIA? 
IV 
v*1 W n 
66 
A E P I S T E M E DO R E N A S C I M E N T O 
A s p a l a v r a s e as c o i s a s es tavam un idas por sua v e r o s s i m i l h a n ç a . O 
h o m e m d o Renasc imen to pensava e m t e r m o s de s i m i l i t u d e s : o teat ro da 
v ida, o espe lho d a natureza. Havia qua t ro â m b i t o s d e veross imi lhança. 
Emulação era 
a semelhança 
dentro da 
distância: o céu 
se assemelhava a | 
um rosto porque 
tinha "olhos" — o 
A conven iênc ia 
ligava as coisas 
próximas a 
outras, por 
exemplo animal 
e planta, cr iando 
uma grande 
"cadeia" de ser. 
A s impat ia vinculava 
uma coisa a toda outra 
coisa pela atração 
universal, por exemplo 
o dest ino dos homens à 
trajetória dos planetas. 
U m a "ass inatura" foi c o l o c a d a por Deus e m t o d a s as co isas, para 
indicar suas a f in idades — mas es tava escond ida , por isso a busca pelo 
conhec imen to a rcano. Saber era a d i v i n h a r e i n t e rp re ta r , não observar , 
nem demonst rar . 
67 
lons 
A E P I S T E M E C L Á S S I C A 
A s e m e l h a n ç a d e s m o r o n o u . A d isc r im inação agora era usada para 
es tabe lecer i d e n t i d a d e s e d i f e r e n ç a s . O c o n h e c i m e n t o t inha u m 
novo e s p a ç o . Não se t ra tava mais de adiv inhar, mas de ordenar . A 
c lass i f i cação d e iden t idades estáveis e separadas é c h a m a d a d e 
r e p r e s e n t a ç ã o . 
A a n á l i s e nasceu , anunc iada por D o m Quixo te , o cavale i ro c r iado por 
M i g u e l d e C e r v a n t e s (1547-1616) . Qu ixo te é o a l ienado por exce lênc ia 
e m u m m u n d o de razão baseado e m ident idades e d i ferenças, não e m 
s ignos e s imi l i tudes . 
~~lSSO é 
UM GIGANTE - OU 
TALVEZ UM MOINHO PE A 
VENTO. 
BOBAGEM 
ANALÓGICA.' 
ELE TEM CLARAMENTE 
A IPENTIPAPE PE UMA 
MãQUINA PE FAZER 
ALIMENTO R BASE PE 
AR. 
68 
ESTOU USRNPO 
MãTHESIS - UMR CIÊNCIR UNIVERSRL 
PR MEPIPR E PR ORPEM.. 
E HA TRMBÉM R TRXINOMIR - UM PRINCÍPIO 
PE CLRGSIFICfíçfiO E PE TfíBULRÇfíO 
OPPENRPR. 
O conhec imento subst i tuiu a 
verossimi lhança universal c o m 
di ferenças finitas. A história foi 
presa e t ransformada em tabelas. 
R 
RRZRO 
OCIPENTRL ENTROU 
NR ERA PO JUÍZO. 
69 
S I G N O S C L Á S S I C O S 
No per íodo c láss ico , a l inguagem é v is ta c o m o t ransparen te , s e m a 
m e n o r necess idade d e esconder ou d e "ocu l ta r " v íncu los. Os s ignos 
não são ma is i m p o s t o s às co isas, mas agora es tão " d e n t r o " d o 
c o n h e c i m e n t o , s ign i f i cando cer teza e p robab i l idade. Gravuras e pa lavras 
não es tão v incu ladas à o r d e m das co isas , mas à própr ia rep resen tação . 
N o v o s c a m p o s empí r i cos , en tão , se es tabe lecem. 
g r a m á t i c a g e r a l 
R E P R E S E N T A Ç Ã O S E M U M S U J E I T O 
A representação c láss ica não t e m mais necess idade de u m sujei to c o m o 
a realeza. Ela p o d e se tornar visível por sua s imp les inv is ib i l idade — 
aparecendo no e s p e l h o d a r e p r e s e n t a ç ã o . O verdade i ro suje i to nunca 
é encon t rado no q u a d r o — ou na p in tura — c o m o u m suje i to h is tór ico 
de v ida, t raba lho e l i nguagem. A ep i s teme c láss ica não isolou u m c a m p o 
especí f ico p rópr io ao h o m e m . 
A x i o m a : na ep is teme c láss ica o suje i to é ob r i gado a escapar de sua 
própr ia representação. 
71 
OS A N O S 1 8 0 0 : D A O R D E M À H ISTÓRIA 
Nos anos 1800, a descon t i nu idade 
instaura o f im d a ep i s teme c láss ica — 
u m a m u t a ç ã o d a o r d e m para a h i s t ó r i a . 
A e p i s t e m e m o d e r n a 
invest iga o h o m e m e m 
si m e s m o c o m o suje i to 
h is tó r ico . É por meio d o 
h o m e m q u e o c o n h e c i m e n t o 
se t o rna possível nos 
c o n t e ú d o s e m p í r i c o s d a 
v ida h u m a n a : o c o r p o 
h u m a n o , suas re lações 
soc ia is , suas no rmas e 
va lores . 
A cultura europeia está 
inventando para si mesma 
uma profundidade na qual 
o que importa não são as 
identidades, os caracteres 
distintivos, ou os quadros 
permanentes com todos os 
seus possíveis trajetos e 
raízes, mas as grandes forças 
ocultas desenvolvidas na 
base de seu núcleo primitivo 
e inacessível de origem, 
causalidade e história. 
Forças mais p ro fundas 
fo ram subst i tu ídas pelas 
regular idades de superf íc ie 
d o c o n h e c i m e n t o c láss ico : 
ca tegor ias d inâmicas , 
h is tór icas de exp l i cação . 
72 
O HOMEM COMO O B J E T O MODERNO 
Economia 
Para o economis ta D a v i d R i c a r d o (1722-1823), r iqueza agora é t r a b a l h o , 
mensurada e m t e m p o , p rogresso industr ial e labor não produt ivo. O 
homo economicus é o ser humano que gasta, usa e desperd iça sua v ida 
evad indo-se da iminência da mor te . Ele é um ser f i n i t o . . . 
Biologia 
Em Biologia, G e o r g e s Cluv ier 
(1769-1832) passa a se interessar 
pela função e pela descober ta das 
invisibi l idades por meio da anatomia. 
As espéc ies v ivas " e s c a p a m " d a con fusão prol í f ica d o s 
ind iv íduos e p o d e m ser c lass i f icadas exc lus ivamente po rque 
es tão v ivas e não c o m base naqui lo q u e elas ocu l t am. Os 
seres são con t ínuos . A v ida passa a ser v is ta c o m o a raiz de 
t o d a ex is tênc ia , c o m o t e n d o u m a histór ia biológica. 
73 
R E S U M O 
A l i n g u a g e m não é mais o meio soberano para se organizar ou 
representar o c o n h e c i m e n t o . Ela é u m ob je to de c o n h e c i m e n t o c o m o 
qua lquer ou t ro , q u e p o d e ser invest igado d o m e s m o m o d o c o m o as 
co isas v ivas, as r iquezas, os valores e a histór ia. 
A q u e s t ã o ago ra não é o que to rna as palavras possíveis, mas se nós 
s o m o s capazes d e dominá- las . A luta f i losóf ica agora é fazer novas 
c o n e x õ e s ent re a l inguagem e o ser. 
part ir d e en tão , o h o m e m é v is to por essas c iênc ias mode rnas e m 
sua ex is tênc ia real. Se, s o b a ep is teme c láss ica, o h o m e m c o m o o 
suje i to centra l d o c o n h e c i m e n t o es tava ausente ( como e m Velasquez) , a 
ep i s teme m o d e r n a vai a lém, e s q u e c e n d o q u e o h o m e m c o m o o cen t ro 
d o p e n s a m e n t o era s imp lesmen te u m a m u t a ç ã o ep is têmica . 
74 
O H O M E M E S E U D U P L O 
A Idade Cláss ica confer iu aos seres h u m a n o s u m a pos ição pr iv i leg iada 
na o rdem d o m u n d o . O h o m e m não era v is to c o m o u m c o n h e c i m e n t o 
f in i to con to rnado pelo t raba lho , pela l inguagem e pelo co rpo . Por sua 
vez, na ep is teme mode rna , o h o m e m é tan to u m a f igura f in i ta quan to um 
O conhec imen to e m sua f o r m a histór ica, soc ia l e e c o n ó m i c a q u e 
" t r anscende" a referência d o h o m e m a si m e s m o . 
Isso quer dizer q u e o pensamen to m o d e r n o é incapaz de evitar a busca 
por separar ou reconci l iar esse h o m e m duplo: c o r p o vs. cu l tura , natureza 
vs. histór ia, f enomeno log ia (experiência) vs. marx i smo (história). 
75 
Q U Ã O R A C I O N A I S S Ã O A S C I Ê N C I A S H U M A N A S ? 
M a s as c i ê n c i a s h u m a n a s — Ps ico log ia , Soc io log ia , Histór ia Cul tura l 
e tc . — susc i t am u m p rob lema para a ep is teme moderna . O h o m e m p o d e 
t o m a r a si m e s m o c o m o u m objeto de ciência? A ideia de h o m e m não 
é s i m p l e s m e n t e u m a pro jeção de outras ciências c o m o a Bio log ia? A s 
c iênc ias humanas não são excess ivamen te empí r icas e in te rcambiáve is 
para p o d e r e m ser pensadas c o m o a lgo mais a lém de irregulares? 
Essas c o n t r a c i ê n c i a s (psicanál ise, etnologia) , 
q u e b u s c a m esse "ou t ro " , m a n t ê m a 
a u t o c r í t i c a d o h o m e m e m seu p o n t o m á x i m o . 
76 
O F I M DO H O M E M - O S U J E I T O A C A B O U ? 
As ú l t imas l inhas de As palavras e as coisas: "An tes d o f im d o 
sécu lo XVIII, o h o m e m não exist ia. Tal c o m o a arqueo log ia de nosso 
pensamento fac i lmente demons t ra , o h o m e m é u m a invenção recente . E 
talvez seu f im este ja p róx imo" . 
O livro se to rnou u m best-seller — t e n d o pe r tu rbado sar t r ianos, 
marx is tas e ca tó l i cos human is tas . . . 
C R I T I C A S 
U m a d a s cr í t icas fe i tas a Foucaul t diz ia q u e ele fez u m co r te mu i to 
severo en t re as ep i s temes m o d e r n a e c láss ica, mu i to es tanque . O n d e 
f i cavam as s o b r e p o s i ç õ e s e as de fasagens ep is têmicas? E o q u e dizer 
d o pape l d a m a t e m á t i c a e das c iênc ias duras na histór ia? 
Sart re diz ia que Foucaul t deu às pessoas aqui lo de q u e elas 
necess i tavam — u m a síntese ec lé t ica para demons t ra r a 
imposs ib i l i dade d a ref lexão h is tór ica. 
78 
ISSO NÃO É U M C A C H I M B O 
O surreal is ta be lga R e n é M a g r i t t e 
(1898-1967) escreveu u m a car ta 
a Foucaul t , t en tando exp l icar a 
d i ferença ent re s imi l i tude (das 
c o i s a s , c o m o a co r das ervi lhas) e 
veross imi lhança (do p e n s a m e n t o , 
que "se asseme lha " ao m u n d o 
que ele vê). 
Foucaul t , e m sua resposta de 
1973, t rans fo rmada e m livro, 
t o m o u c o m o exemp lo e tí tulo as 
obras d o p rópr io Magr i t te , Isso 
não é um cachimbo (1926) e Os 
dois mistérios (1966). O p rob lema 
d a veross im i lhança — a relação 
ent re as palavras e as co isas — é 
es tudado nessas duas pinturas. 
OLHEMOS 
PARA SUR A BO RPAGEM 
HETEROTÓPICR - SIGNIFICRNPO 
UM OU OUTRO - NR QUflL OS VÍNCULOS 
TRAPICIONAIS ENTRE LINGUAGEM E IMAGEM 
^fíO TOLPAPOS, TORNAPOS PIFERENTES 
POSTOS EM TENSRO. 
Foucaul t t raça do is pr incíp ios re levantes na p in tura oc iden ta l , que 
levaram d o sécu lo XV à o b r a de Magr i t te . 
79 
I M A G E M E T E X T O 
Nas p in tu ras ou i lus t rações, tex to (palavras) e imagem (veross imi lhanças) 
a p a r e c e m f requen temen te jun tos , mas u m está s e m p r e s u b o r d i n a d o 
ao ou t ro . Por e x e m p l o , u m a i lustração p o d e servir de tex to , ou u m a 
letra n u m a p in tura trompe 1'oeil p o d e servir de imagem. Existe u m a 
h i e r a r q u i a en t re assemelhar o m u n d o por me io de imagens e usar a 
não ve ross im i lhança (representação) por me io de palavras (elas não se 
p a r e c e m c o m o mundo) . 
W a s s i l y K a n d i n s k y (1866-1944) ten tou d issolver a representação 
p in tando f o r m a s abs t ra tas q u e es tavam a f i rmando serem "co i sas " — 
" isso é u m t r iângu lo amare lo " — q u a n d o não es tavam represen tando 
nada . 
80 
f l f l l l l f l l l f l f f 
CfíMPBBUL, 
CRMPBELL,^ 
CRMPBBLL, 
KCRMPBBLU. 
PBPGUNTB 
A SI MESMO: O QUE 
AQUI "NRO é UM CACHIMBO"? A 
IMAGEM, O TEXTO, A PALAVRA "ISSO"? 
TANTO A IMAGEM QUANTO O TEXTO 
ESTRO P/NTAPOS NO MESMO SUPORTE... 
PE MOPO QUE SRO SEMELHANTES, MAS 
PIFERENTES. QUANTO MAIS TEXTO E 
IMAGEM TENTAM CONVERGIR, 
MENOS SENTIPO Hõ ALI! 
A p in tura de Magr i t te cor ró i a 
representação, ou a re lação 
d o s s ignos c o m o m u n d o , mas 
t a m b é m se recusa a fechar a 
f issura ent re imagem e m u n d o . 
A p e n a s seme lhanças subs i s tem 
— u m a série de s ignos v isuais 
e l inguíst icos sem referência 
externa. C o m as latas de s o p a 
d e A n d y W a r h o l (1928-1987), 
a seme lhança é in f in i tamente 
mu l t ip l i cada na imagem. 
81 
TUNÍS IA ! 1 9 6 6 
Foucau l t assumiu u m pos to na Un ivers idade de Túnis , na 
Tunís ia. A l i , o est i lo d i s tend ido de v ida c o m b i n o u c o m ele — 
b o a c o m i d a , m a c o n h a e be los rapazes. Ele m o r o u e m Sidi 
B o u Sa id — à é p o c a u m a co lón ia de expa t r iados f ranceses 
c o m a m b i ç õ e s art íst icas —, c o m v is ta para o mar. 
J l l f l 
Foucau l t d e u aulas sobre Nie tzsche, Descar tes e 
Mane t na un ivers idade. Ele c o m p a r o u as p in turas i 
de E d o u a r d M a n e t (1832-1883) c o m os r omances 
d e G u s t a v e F l a u b e r t (1821-1880) . A m b o s 
exemp l i f i cavam o nasc imen to d o m o d e r n o e r o m p i a m 
c o m as c o n v e n ç õ e s da representação. 
Na ob ra d e Manet , a superf íc ie p in tada não masca ra 
sua mater ia l idade. Ela c h a m a a a tenção para sua 
"p in tu r idade" . 
Le Bar des Folies-Bergère é u m exemp lo d isso . 
82 
L U T A S 
Em d e z e m b r o de 1966, exp lod iu 
u m a rebel ião estudant i l e m Túnis , e m 
pr incíp io, po rque a políc ia espancou 
u m es tudan te q u e não ter ia pagado 
u m a passagem de ôn ibus . E v i rou u m a 
revol ta ant issemí t ica q u a n d o Israel 
de r ro tou o exérc i to árabe na Guerra 
d o s Seis Dias, d e 1967. Foucaul t foi 
pa rado e m u m a barreira pol icial q u a n d o 
I levava u m j o v e m aman te (que t inha s ido\ p lan tado pela polícia) para casa. Foi 
j q u a n d o Foucaul t se to rnou descon ten te 
| e po l i t izado. Ele e s c o n d e u o cent ro de 
pub l i cações sed ic ioso d o s es tudantes 
d iss identes e m seu qu in ta l . 
MÊ 
j I 
V 
O ps icó logo G e o r g e s L a p a s s a d e (1924-2008) in te r rompeu 
b ruscamen te u m a con fe rênc ia que Foucaul t es tava d a n d o . Ele foi 
m a n d a d o de vo l ta para a França, mas con t i nuou a f i rmando que 
Foucaul t não foi co ra joso o suf ic iente para se defender . 
Em 1975, eles se encon t ra ram por acaso . 
Foucaul t deu u m t a p a no ros to de le por causa de u m pe rsonagem 
ridículo parec ido c o m Foucaul t que Lapassade inserira e m u m romance ! 
E S P A Ç O E S T R U T U R A L 
Foucau l t fo i a Paris e m 1967 para fazer con fe rênc ias sob re o e s p a ç o 
para u m púb l i co d e arqu i te tos . A obsessão d o sécu lo XIX c o m o 
m o v i m e n t o e c o m o t e m p o t inha s ido subst i tu ída pela p r e o c u p a ç ã o 
est ru tura l na o rgan ização espacia l d o s e lementos . Não se t ra tava d e 
u m a n e g a ç ã o d a histór ia, mas de ou t ro m o d o de l idar c o m o t e m p o 
e c o m ela. A histór ia da e s p a c i a l i d a d e c o m e ç o u c o m Ga l i l eo Ga l i l e i 
(1564-1642) , q u e subst i tu iu o m u n d o f e c h a d o da Idade Méd ia pe lo 
un iverso in f in i tamente a b e r t o . 
Foucaul t t a m b é m d iscu t iu h e t e r o t o p i a s 
— "ou t ros e s p a ç o s " — c o m o e s p a ç o s 
pr iv i leg iados para ind iv íduos e m t o d o s 
de p a s s a g e m . 
E ele c h e g o u a sua a f i rmação centra l q u a n d o d isse: "O espaço é 
f undamen ta l e m qua lquer exercíc io de poder " . 
84 
A A R Q U E O L O G I A D O S A B E R ( 1 9 6 9 ) 
Esse livro é tan to u m a invest igação me todo lóg i ca sobre o 
conhec imen to , a h istór ia e o d iscurso quan to u m a autocr í t ica. 
Foucaul t a f i rmara que , e m A história da loucura e Nascimento da 
clínica, dera excess ivo c réd i to à exper iênc ia d a loucura e m si mesma . 
Sua histór ia era mu i to su je i to -cen t rada — ar ra igada à f i losof ia da 
consc iênc ia . 
Esse novo livro t raz ia u m a síntese. O saber era u m a área entre a 
op in ião e o c o n h e c i m e n t o c ient í f ico e es tava i nco rpo rado não apenas 
em tex tos teó r i cos ou e m ins t rumentos exper imenta is , mas em t o d o 
um co rpo de prát icas e de inst i tu ições. 
Ele mirava os per íodos estáveis de longo prazo por ba ixo d o s 
acon tec imen tos h is tór icos e das persona l idades . . . 
RSSIM COMO 
FIZEMOS NR ESCOLR 
PRS RNRIS PR 
0 ^^RISTÓRIR. 
HISTÓRIR, PRRR 
MIM, PRSSRVR, ENTRO, R SER 
(SIMULTRNERMENTE PESPERSONRUZRPR 
\E FORMRPR POR REGRRS E RELRÇÕES 
COMPLEXRS - RS FORMRçõES 
PISCURSIVRS. 
85 
O D I S C U R S O 
Foucau l t larga as ep i s temes c o m o o pr incíp io dom inan te d a histór ia e 
passa a af i rmar o d i s c u r s o . 
Discu rsos não são s is temas l inguíst icos ou meros tex tos — eles são 
p r á t i c a s , c o m o o d iscurso c ient í f ico d a ps icanál ise e seus níveis 
ins t i tuc iona l , f i losóf ico e c ient í f ico. 
A o anal isar e n u n c i a d o s — un idades s ingulares que cons t i t uem u m a 
f o r m a ç ã o d iscurs iva —, p o d e m o s ver suas rest r ições e o lugar e m q u e 
eles s i t uam o fa lante. 
Nesse c a s o , o pac ien te e o anal is ta. 
86 
AS R E G R A S DO DISCURSO 
Existem três regras para a f o r m a ç ã o d o d iscurso . O d iscurso requer: 
S u p e r f í c i e s d e e m e r g ê n c i a : áreas soc ia is e cul tura is por meio das qua is 
o d iscurso aparece - por exemp lo : a famíl ia, o g rupo de t raba lho ou a 
c o m u n i d a d e rel ig iosa. 
A u t o r i d a d e s d e d e l i m i t a ç ã o : inst i tu ições c o m conhec imen to e 
autor idade, c o m o o di re i to ou a prof issão méd ica . 
G r a d e s d e e s p e c i f i c a ç ã o : u m s is tema por meio d o qual d i ferentes t i pos 
d e loucura, por exemp lo , 
^ l ^ l l ^ ^ ^ p o s s a m ser re lac ionados A , 
á M ^ " H f e k c o m ou t ros no d iscurso J H * k ^SHÍI^^^^^hÍ ps iqu iá t r ico . S3Mí 
Estudando o 
| t Discurso 
^ 7 Foucaul t a f i rma 
que t o d a histór ia é 
j g um d o c u m e n t o do 
passado — c o m as 
marcas que ela de ixa 
Jp e m nosso p r e s e n t e 
Mjji por me io de l ivros, i . 
relatos, atas, ,JÈÊ 
| | k cons t ruções , 
• cos tumes . \ y 
mm 
l i 
m i a 
/?5VfiVfOS TRRTRR 
ESSES POCUMENTOS \ 
COMO MONUMENTOS -
NAO ROR CONTR PE SUR 
REFERÊNCIR R VRUPRPE 
HISTÓRICR, MRS POR SIA 
MESMOS. 
m m 
m^POCUMENTOS 
NfíO PEVEM 
SER ESTUPRPOS 
PRRR PETERMINRR SUR 
PRECISÃO HISTÓRICR. ISSO 
SERIR RECONSTITUIR 
R *VERPRPE" PR 
HISTÓRIR. 
87 
O D I S C U R S O C R I A S E U O B J E T O 
Q u a n d o os d i scu rsos méd i co , legal e jud ic iár io se re ferem à loucura, 
eles j ama is se re ferem a ob je tos ou exper iênc ias f ixos e não os a b o r d a m 
c o m o se es t i vessem t ra tando d o m e s m o ob je to . E, não obs tan te , p o d e 
haver regu la r idades ent re esses d iscursos . 
O c o m p o r t a m e n t o c r im inoso p o d e dar ocas ião a t o d a u m a série d e 
ob je tos d e c o n h e c i m e n t o (caráter c r im inoso , fa tores heredi tár ios 
e ambienta is ) apenas po rque u m con jun to d e r e g r a s e c o n d i ç õ e s 
foi es tabe lec ido ent re as i n s t i t u i ç õ e s . Isso nada ac rescen ta à 
c r im ina l idade, mas suas re lações e d i fe renças nos pe rm i tem dizer 
a l gumas co isas sob re a c r im ina l idade c o m o d iscurso . 
88 
F O U C A U L T E A L T H U S S E R . . 
A ideia de e n u n c i a d o de Foucaul t 
co r responde ao t e r m o i d e o l o g i a , tal 
c o m o ut i l izado pelo f i lósofo marx is ta 
L o u i s A l t h u s s e r (1918-1990) . 
> 
A s f o r m a ç õ e s n ã o d i s c u r s i v a s de Foucaul t (prát icas e p rocessos 
e c o n ó m i c o s , inst i tu ições) p r o d u z e m d iscu rsos e t o r n a m - s e 
organ izadas (ou d iz -se que se t o r n a m organizadas) por eles; de 
manei ra super f ic ia lmente similar, a base e c o n ó m i c a de Al thusser está 
re lac ionada c o m sua superes t ru tu ra ideo lóg ica. 
89 
J 
C O N T R A O E S T R U T U R A L I S M O 
E m b o r a Foucau l t f osse v is to c o m o u m m e m b r o da "Gangue d o s Qua t ro 
Est ru tura l is tas" , ao lado d e Bar thes, Lacan e C l a u d e L é v i - S t r a u s s 
(1908-2009) , ele rea lmente não era u m estrutural is ta. Havia mu i to de 
h is tór ia e de f enomeno log ia e m sua obra . 
O es t ru tura l ismo é 
bas i camen te re je i tado 
por Foucaul t c o m o 
excess i vamen te mono l í t i co , 
d e m a s i a d a m e n t e es tá t ico e 
c o m p l e t a m e n t e inflexível a 
t r ans fo rmações . 
EUMB^ 
PISTANCIO PAQUELES 
QUE SfíO CHAMAPOS PE 
ESTRUTURALISTAS" PORQUE NfíO 
ESTOU Lã MUITO INTERESSAPO NAS 
POSSIBILIPAPES FORMAIS ARRESENTAPAS 
ROR UM SISTEMA COMO A LINGUAGEM... 
ESSA CONTROVÉRSIA PARTICULAR ESTfi 
SENPO EXPRESSA, NA ATUALIPAPB, 
EXCLUSIVAMENTE POR MÍMICOS E 
1CROBATAS. MINHA ARQUEOLOGIA^ 
HISTORICIZfl O SENTIPO. 
90 
R E C E P Ç Ã O À A R Q U E O L O G I A 
SUR 
RRQUEOLOGIR PO SRBER 
â VISTR COMO UM BEM-VINPO 
RTRQUE R COMBRUPR PISCIPUNR 
^CONHECIPR COMO HISTÓRIR PRS 
IPEIRS. 
GILLES 
PELEUZE RFIRMR 
QUE TRRTR-SE PE UM RPELO 
R HJMR TEOPIR GEPRL PRS 
PPOPUÇÕES R SEP MESC LR PR COMO 
UMR PRÕTICR REVOLUCIONÕRIR NR 
QURL O WSCURSO' RTIVO TOMR FOPMR 
NO ELEMENTO PE UM EXTERIOR QUE é 
INPIREPENTE R MINHR VIPR E R MINHR 
MORTE". O HOMEM ESTA 
PEFINITIVRMENTE MORTO' 
m 
• 7 1 
O JORNRL 
VvJr COMUNISTR LR PENSÉE 
(O PENSRMENTO) RCHR QUE 
TRRTR-SE, NR VERPRPE, PE 
UMR nEORIR MRTERIRUSTRE 
HISTÓRICR PRS RELRÇÕES 
IPEOLÓGICRS". 
PREVISÍVEL! 
91 
1 9 6 8 - P A R I S E M D E S O R D E M 
A r e c o n d u ç ã o d e 
Georges P o m p i d o u 
c o m o p remie e a 
bru ta l idade d a pol íc ia 
não fo ram d e mu i ta 
servent ia. Paris teve 
passeatas , v io lência e 
bar r icadas no d ia 6 d e 
ma io . 
Q u a n d o regressou a Paris, 
e m f ins d e 1968, Foucaul t 
es tava careca. E t a m b é m 
t inha passado a usar u m 
suéter de go la alta, 
para não ter t raba lho 
de passar roupa. 
Raspar a 
c a b e ç a d is farçava a 
idade e fazia os o lhares 
se c o n c e n t r a r e m nele 
a c o n t e c e u c o m o c r im inoso 
gay Jean Genet . T f 1 
i 
Ele regressava a u m a 
s o c i e d a d e instável . 
O s s i tuac ion is tas , u m 
b a n d o d e rad ica is 
subve rs i vos q u e 
d e m a n d a v a m a 
revo lução na v ida 
co t id iana , t i nham 
insta lado o t umu l t o e m 
Paris. 
Foucaul t assumiu u m pos to de ens ino na Un ivers idade de Nanterre, mas , 
en ted iado c o m a Ps ico log ia , desis t iu d o t raba lho duas semanas depo i s e 
passou a ensinar Fi losof ia na Un ivers idade de V incennes. 
92 
:N V INCENNES - E M C E N A 
Essa nova un ivers idade era d i r ig ida s o b u m reg ime de "pa r t i c i pação" 
— t o d o s t inham voz. Mas o Par t ido Comun i s t a Francês via aqui lo 
c o m o u m a armadi lha : " U m a ressurgênc ia d a ve lha ideolog ia l iberal. Ela 
cons is te na negação d a real idade d o s an tagon i smos de c lasse e na 
af i rmat iva d e que os c i dadãos de u m a nação — ou t o d o s os m e m b r o s 
de uma empresa — t ê m idênt ico interesse e m sua p rosper idade" . 
Tratava-se de u m a un ivers idade mu i to b e m equ ipada , a pr imeira a 
ensinar ps icanál ise de manei ra apropr iada . J a c q u e s Lacan a v is i tou e 
observou que o reg ime de P o m p i d o u es tava usando pub l i camente a 
univers idade c o m o ins t rumento de p ropaganda . O governo estava d a n d o 
às esquerdas u m parqu inho o n d e elas p u d e s s e m se digladiar. 
Os es tudantes o des t ra ta ram. 
by0 
m i 
LRCRN 
FOI EMBORR. 
O QUE 
VOCÊS ESTRO 
BUSCRNPO, ENQURNTO 
REVOLUCIONÁRIOS, é 
UM MESTRE. E HRO PE 
ENCONTRA-LO. 
93 
J A N E I R O D E 1 9 6 9 : A G R A V A M E N T O E M 
V I N C E N N E S 
Q u a n d o os es tudan tes d o L iceu 
Sa in t -Lou is f o r a m p ro ib idos pela 
pol íc ia d e assist i r a f i lmes sob re 
ma io d e 1968, os es tudan tes 
d a Un ive rs idade de V incennes , 
a p o i a d o s por Defert e por Foucaul t 
(envergando u m cat ivan te te rno de 
ve ludo) e rgueram bar r icadas e m 
apo io aos es tudan tes e at i raram 
pedras . 
Q u a n d o a pol íc ia invadiu a 
un ivers idade , Foucaul t fo i p reso. 
Ó t i m o pa ra sua c red ib i l idade — 
m a s ele so f reu pe los efe i tos 
d o g á s lac r imogên io ! 
V incennes se t o rnou cé lebre : 
vanda l i smo, p i chações , u m 
m e r c a d o para l ivros r oubados , 
d rogas e u m a p resença os tens iva 
d a pol íc ia. G rupos c o m o a 
Esquerda Proletár ia que r iam 
q u e a un ivers idade func ionasse 
na base d o quan to pior melhor . 
Os Maoís tas Revo luc ionár ios 
cusp i ram nos es tudan tes d o 
Par t ido Comun is ta . 
NESSE 
CUMR ULTPRESQUEPPISTR, 
O COMUNISMO PASSOU R SEP 
VISTO COMO UMR FPENTE 
BUPGUESR -EEU TRMBéM 
M O R T E D E HYPPOL ITE 
Jean Hyppo l i te mor reu e m ou tub ro d e 1968. Sua cá ted ra no Co l lège de 
France agora es tava vaga. Foucaul t es tava na l ista d e cand ida tos . Era a 
hora de ele apresentar seu pro je to de ens ino. 
Foucaul t foi bem-suced ido e Sua aula inaugural , e m d e z e m b r o , 
to rnou-se fo rma lmente o professor ind icou u m a m u d a n ç a de d i reção, 
da "histór ia dos s is temas de "A o r d e m d o d i scu rso " de l ineava 
pensamento" , no Col lège de seus novos pensamen tos . . . 
France, e m abril de 1970. 
95 
A V O N T A D E DE V E R D A D E 
" E m t o d a soc iedade , a p r o d u ç ã o d o d iscurso é, ao m e s m o t e m p o , 
con t ro lada , se lec ionada, o rgan izada e redis t r ibuída de a c o r d o c o m 
d e t e r m i n a d o número de p roced imen tos cu ja f unção é evi tar seus 
pode res e seus r i scos . " 
Essa era u m a h i s t ó r i a d o p r e s e n t e e d o respei to das soc iedades 
atua is por u m a organ ização d o d iscurso — mas isso ocu l tava u m t e m o r 
de u m d i s c u r s o d e s o r d e n a d o . A soc iedade exerce u m a rest r ição 
sob re o d i scu rso "pe r i goso " exc lu indo -o , p ro ib indo-o , d i v id indo -o , 
d i sc i p l i nando -o e re je i tando-o. 
NOVO T E R M O : G E N E A L O G I A 
A g e n e a l o g i a desc reve a tenta t iva de Foucaul t de revelar o d iscurso 
no m o m e n t o e m q u e ele surge na histór ia c o m o u m s is tema de coação . 
A genealogia impele Foucaul t a anal isar os c o r p o s de conhec imen to 
l i terário, b io lóg ico , méd i co , rel ig ioso e é t ico e a ver i f icar c o m o tais 
" conhec imen tos " d e v e m , por exemp lo , ser re lac ionados ao d iscurso 
sobre a herança ou a sexua l idade. Ele é levado a es tudar os efei tos 
dos d iscursos que se p re tendem cient í f icos — Psiquiatr ia, Soc io log ia , 
Med ic ina — e m prát icas c o m o o s i s tema penal no m o m e n t o e m que 
eles su rgem. 
aulas de duas horas 
que Foucaul t dava no 
Co l lège de France es tavam 
s e m p r e lo tadas. Ele se sent ia 
sol i tár io no tab lado de o n d e ensinava, 
s i t iado por inúmeros mic ro fones 
l igados a gravadores , m e s m o c o m 
u m a t r opa de jovens admi radores 
a joe lhados a seus pés. 
A G E N E A L O G I A C O N T R A A H ISTÓRIA 
U m ensa io e m m e m ó r i a d e Hyppo l i te , in t i tu lado Nietzsche, a genealogia 
e a história (1971), apon tava para a re lação da genea log ia c o m a h is tór ia 
e a Fi losof ia. A referência à própr ia Genealogia da moral, de N ie tzsche 
(de 1998), é óbv ia . A f i rma Foucaul t : "A ques tão é fazer u m uso d a h is tór ia 
q u e a l iber te para s e m p r e d o mode lo , s imu l taneamente meta f ís ico e 
an t ropo lóg i co , d a memór ia . A ques tão é t rans formar a histór ia e m u m a 
c o n t r a m e m ó r i a " . 
O QUE E U M A U T O R ? 
Agora , t udo é máscara . 
Em uma conferênc ia in t i tu lada O 
que é um autor? (1969), Foucaul t 
examinou o status d o autor e sua 
relação c o m os tex tos . T o d a s as 
convenções que nós u s a m o s para 
"convocar " o suje i to f undan te d o 
autor estão e m ques tão . . . 
Por exemp lo , o n o m e d o autor 
não serve tan to para def inir sua 
ident idade, mas faz par te de u m 
d iscurso d a " f unção autor" — 
algo q u e envo lve apropr iação, 
p rop r iedade e u m a von tade 
co r responden te de autent icar ou 
de re tomar as m o t i v a ç õ e s d o 
autor. 
"O autor não p recede suas obras ; ele é cer to pr incíp io func iona l pelo 
qua l , e m nossa cu l tura , a lguém l imita, exc lu i , esco lhe e impede a livre 
c i rcu lação da f i cção . " 
99 
T Ó Q U I O , 1 9 7 0 
Foucau l t v is i tou o J a p ã o antes d e assumir seu pos to no Co l lège d e 
France. Na Un ivers idade de Tóqu io , ele respondeu às cr í t icas d e Derr ida 
a s u a História da loucura e a tacou seu d e s c o n s t r u c i o n i s m o — u m a 
es t ra tég ia de lei tura in t ima d o tex to para revelar suas con t rad i ções e 
a f i rmações . 
PERRIPR 
REPUZ RS 
PRATICRS PISCURSIVRS 
AS MRRCRS TEXTURIS. SE NRO 
HA NRPR PE EXTERNO RO TEXTO, 
SSR é UMR PEPRGOGIR R QURL PA 
R VOZ PO MESTRE R SOBERRNIR 
IUMITRPR QUE LHE PERMITE 
REFORMULRR O TEXTO 
INPEFINIPRMENTE. 
ESSR 
PEPRGOGIR 
ENSINR RO RLUNO 
QUE NRPR HA 
^EXTERNRMENTE RO, 
TEXTO. 
PEPPIPR 
INTERPRETOU MRL O 
PISCURSO PE PESCRRTES SOBRE 
R LOUCURR E NRO TEVE ÊXITO RO 
K COMPRRRR R VERSRO FRRNCESR > 
COM R VERSRO LRTINR PRS 
MÉDITRTIONS. 
100 
M U D A N Ç A DE CASA 
Foucaul t e Defert hav iam se m u d a d o para u m flat mu i to i luminado no 
o i tavo andar de u m préd io na Rue d e Vaug i ra rd . Eles encheram a sa la-
-de-estar c o m l ivros, cu l t i varam m a c o n h a e m cante i ros de petúnia e 
d iver t i ram persona l idades c o m o J e a n G e n e t (1910-1986) e a adorável 
atriz Ju l i e C h r i s t i e (nasc ida e m 1941). Eles t i nham belas v isões do 
ter raço,

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