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1 JOGOS, BRINCADEIRAS E APRENDIZAGEM 1 Sumário NOSSA HISTÓRIA .......................................................................................... 2 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 3 DEFINIÇÃO DOS TERMOS BRINQUEDO, BRINCADEIRA E JOGO ............. 7 JOGOS E SUAS IMPLICAÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS ............................ 13 A BRINCADEIRA NO CONTEXTO ESCOLAR.............................................. 18 A PRÁTICA PEDAGÓGICA E O RESGATE DO LÚDICO ............................. 22 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 27 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 29 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós- Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 INTRODUÇÃO Os jogos e brincadeiras utilizadas de forma adequada como recurso pedagógico poderão contribuir para o processo de aprendizagem das crianças na escola, especialmente na educação infantil, pois estes recursos neste contexto retém o interesse da criança possibilitando assim, o seu desenvolvimento global de habilidades necessárias para processo educativo. A compreensão do lúdico na área escolar infantil não se realiza apenas como uma atividade recreativa, mas a partir do reconhecimento de seu potencial como recurso pedagógico para o processo de aprendizado. Portanto, é fundamental que os educadores da educação infantil entendam que, no brincar as crianças também aprendem e se desenvolvem. Assim, é interessante resgatar o lúdico no ambiente escolar de maneira que o mesmo desperte a vontade de aprender, brincando, a criança aprende a socializar- se, a conviver, a perder, a ganhar, por isso, a utilização da ludicidade em sala de aula a partir dos brinquedos, brincadeiras e jogos conduzem as crianças a novas descobertas e experiências, enriquecendo assim o processo de ensino-aprendizagem destas. O brincar é a atividade predominante na infância e vem sendo explorado no campo científico, com o intuito de caracterizar as suas peculiaridades, identificar as suas relações com o desenvolvimento e com a saúde e, entre outros objetivos, intervir nos processos de educação e de aprendizagem das crianças. Este artigo tem por finalidade, com base em pressupostos teóricos e resultados de pesquisas, apresentar evidências sobre as contribuições que a brincadeira oferece ao desenvolvimento infantil e à aprendizagem no contexto escolar. Os jogos e as brincadeiras vêm ganhando espaço e importância em todas as abordagens referentes à infância, sobretudo como recurso para o desenvolvimento e a aprendizagem de habilidades cognitivas, sociais, afetivas e motoras. São considerados entre pedagogos, professores e psicólogos como importantes instrumentos de motivação para o desenvolvimento da linguagem oral, escrita, raciocínio lógico-matemático, entre outras capacidades. 4 As brincadeiras e jogos têm sido alvo de investigações científicas em áreas como a filosofia, a educação, a psicologia, a sociologia e mais recentemente, as engenharias. Obras como as de Piaget, Bruner, Vygotsky, Wallon e Elkonin apresentam discussões sobre os diversos elementos no jogo e na brincadeira que influenciam o desenvolvimento humano de maneira ampla e, em especial, o infantil. As proposições sobre a importância do lúdico têm início na Grécia, com filósofos como Platão, que falava da formação moral do cidadão a partir da infância por meio de brincadeiras (CAMBI, 2001). Desde então, filósofos, psicólogos e educadores como Santo Agostinho, Pestallozi, Froebel, Piaget e Vygotsky empreenderam esforços teóricos e práticos para valorizar o papel dos jogos e brincadeiras no desenvolvimento humano, sobretudo na infância. Na atualidade, observamos que uma diversidade de atividades lúdicas permeia a vida de nossas crianças, em casa e na escola. Diferente de décadas atrás, as crianças hoje possuem acesso aos mais diferentes tipos de brincadeiras e jogos, desde os tradicionais até os mais sofisticados tecnologicamente. Alguns filósofos como São Tomás de Aquino (1225-1274) e Schiller (1759- 1805) entendem o jogo como uma maneira de introduzir o homem na vida em sociedade. Por meio de atividades lúdicas, o homem desenvolve capacidades sociais, morais e estéticas necessárias à sua inserção social (KISHIMOTO, 1993). Do ponto de vista psicológico, em específico a corrente psicanalítica, considera o brincar como uma forma de expressão da criança, que consegue, ao brincar, manifestar questões inconscientes, que ainda não podem ser expressas em palavras. 5 Para Freud (1920/1996), a criança brinca ativamente com aquilo que ela vive passivamente. Por isso, a interpretação do brincar da criança é importante, podendo revelar os aspectos do desenvolvimento afetivo-emocional típicos da infância. Para Winnicot (1975), o jogo e a brincadeira são atos livres e criativos que emanam do sujeito e não da sociedade, por meio de regras estabelecidas ou de uma organização. Para o autor, na brincadeira o indivíduo encontra um lugar para operar no mundo. Esse espaço potencial é o espaço do imaginário, do jogo, o qual é preenchido, num primeiro momento, por um objeto transicional, seja ele outro sujeito ou um objeto, ou brinquedo. Para a corrente psicológica interacionista-construtivista, sobretudo para autores como Piaget (1978) e Vygotsky (1988), o brincar pode ser definido como uma maneira de interpretar e assimilar o mundo. As crianças, durante os jogos e brincadeiras, estabelecem relações e representações, o que desencadeia o desenvolvimento de capacidades sociais, cognitivas e afetivas na medida em que elas "extrapolam" seu mundo habitual. Ao brincarem, as crianças planejam, criam hipóteses, desenvolvem a imaginação, constroem relações, tomam decisões e elaboram regras de convivência. Para Piaget (1978), quando a criança brinca, ela assimila o mundo da sua maneira, não havendo compromisso com a realidade. A interação com o objeto independe da natureza deste, sua função advém do significado e sentido atribuído 6 pela criança através do simbolismo. Inicialmente, o jogo se apresenta de maneira solitária, evoluindo para o estágio da representação de papéis, até chegar aos jogos de regras. O brinquedo e o ato de brincar, nesta perspectiva, constituem-se em vínculos importantes na construção do conhecimento. Piaget ainda sugere que a brincadeira livre, mesmo sendo não estruturada, possui regras que conduzem o comportamento das crianças em dados momentos. Para a perspectiva pedagógica, o jogo ganhou um significado mais prático, metodológico. Ainda que carregueem si uma carga de prazer e ociosidade (DE MASI, 2000), o jogo surge na sociedade burguesa e industrial com a finalidade de introduzir as crianças no mundo capitalista, do conhecimento, a partir da realidade das mesmas. Ou seja, atividades e situações lúdicas típicas da infância são acolhidas e reestruturadas pela escola para facilitar a introdução de novos conhecimentos às crianças. Kishimoto (1993) destaca que foi a partir do início do século XX que algumas instituições de educação infantil desenvolveram o jogo a partir de teorias pedagógicas influenciadas por Frobel, Claparède, Dewey, Decroly e Montessori. Com o passar do tempo foi se tornando mais visível a possibilidade de utilizar os jogos e brinquedos para desenvolver a aprendizagem de forma lúdica. O alemão Frederico Froebel (1782-1852), criador do Kindergarten (Jardim da Infância) foi o primeiro pedagogo a sistematizar uma proposta pedagógica para a educação infantil, concebendo o jogo e os brinquedos como elementos centrais da sua teoria educativa. Assim como Froebel, Edouard Claparède (1873-1940) reconheceu o jogo como um recurso pedagógico privilegiado. Maria Montessori também foi uma das educadoras que atribuiu um valor pedagógico e educativo aos jogos infantis. Mas a associação entre jogo e trabalho, como na educação formal, nem sempre foi bem aceita entre educadores. Celestin Freinet se opôs às ideias de Froebel, Claparède e Montessori, afirmando que a pedagogia do jogo impõe atividades superficiais à criança, isto é, de fora para dentro. Mais recentemente o sociólogo e educador Brougère (1998) procurou defender que é possível a conciliação entre o jogar e o aprender, no contexto educacional, desde que sejam respeitadas as características do jogo como atividade espontânea, não produtiva e incerta. 7 DEFINIÇÃO DOS TERMOS BRINQUEDO, BRINCADEIRA E JOGO Brinquedo, brincadeira e jogo são termos que podem se confundir, uma vez que a sua utilização varia de acordo com o idioma utilizado. Bomtempo e cols (1986), Kishimoto (1994), Brougère; Wajskop (1997) e Baptista da Silva (2003) discutem as dificuldades existentes na definição dessas palavras nas línguas francesa, inglesa e portuguesa. Segundo os autores, cada idioma possui particularidades na utilização das mesmas, o que as faz diferirem entre si. Para a caracterização do objeto lúdico, cada idioma possui um termo próprio, que identifica e designa o material concreto utilizado na brincadeira infantil. O vocábulo brinquedo, utilizado no português, é jouet no francês e toy na língua inglesa, com clara distinção semântica. Quanto à designação dos verbos brincar e jogar, existem dificuldades na sua utilização. Enquanto no português há uma definição que distingue as duas ações, no inglês e no francês ambas têm diversos significados, muitos dos quais diferentes da ação lúdica infantil. No inglês, o termo game designa o ato de jogar e se refere mais 8 especificamente aos jogos de regras, entretanto, ele pode se confundir e ter o mesmo significado de play, que indica o brincar, a ação da brincadeira. A língua francesa designa o termo jouer para as ações de brincar e de jogar, não fazendo distinção semântica entre elas. Tanto no inglês quanto no francês, os vocábulos que designam as ações de brincar e de jogar também têm outros significados. Eles também podem ser utilizados para tarefas como representar, tocar instrumentos e uma gama imensa de atividades, diferentes da ação lúdica infantil. A palavra em português que indica a ação lúdica infantil é caracterizada pelos verbos brincar e jogar, sendo que brincar indica atividade lúdica não estruturada e jogar, atividade que envolve os jogos de regras propriamente ditos. Baptista da Silva (2003) afirma que os verbos brincar e jogar, em português, não têm significados tão amplos quanto os seus correspondentes em inglês e francês. A mesma autora aborda que, no cotidiano da língua portuguesa, os verbos brincar e jogar também podem ter outros sentidos, entretanto, seu significado principal está relacionado à atividade lúdica infantil. Ainda na língua portuguesa, existe uma falta de discriminação na utilização dos termos brincar e jogar. Mesmo estando o termo jogar diferenciado de brincar pelo aparecimento das regras, a utilização de ambos, muitas vezes, se confunde. Para esclarecer essa polissemia dos termos, Henriot (1983, 1989), Brougère (1998) e Baptista da Silva (2003) dissertam sobre a necessidade de investigar a utilização dessas palavras no contexto social e cultural no qual se encontram e são empregadas. Biscoli (2005) tenta definir a diferenciação entre brincar e jogar pelo aparecimento de regras. Conforme a autora, a utilização de regras pré-estabelecidas designa o ato de jogar. “A brincadeira é a ação que a criança tem para desempenhar as regras do jogo na atividade lúdica. Utiliza-se do brinquedo, mas ambos se distinguem” (BISCOLI, 2005; p. 25). Como se pode depreender, até este ponto, definir o que é brincadeira não é uma tarefa simples, pois o que pode ser considerado como brincar, em determinado contexto, pode não o ser em outros. Kishimoto (1994) conceitua o brinquedo como o objeto suporte da brincadeira. Brougère; Wajskop (1997) vão um pouco mais além, quando consideram o brinquedo um objeto cultural que, como muitos objetos construídos pelos homens, tem significados e representações. Esses significados e 9 representações podem ser diferentes, de acordo com a cultura, o contexto e a época no qual estão inseridos os objetos. Por exemplo, a boneca Barbie representa o padrão de beleza feminina para a atual sociedade ocidental, todavia, em épocas passadas, ela poderia representar falta de saúde e raquitismo. Para Sutton-Smith (1986), o brinquedo é o produto de uma sociedade e, como objeto lúdico da infância, possui funções sociais. Quanto à função do brinquedo, Brougère e Wajskop (1997) esclarecem que ele tem um valor simbólico que domina a função do objeto, ou seja, o simbólico torna- se a função do próprio objeto. Um cabo de vassoura pode exemplificar esta relação entre função e valor simbólico. A função de um cabo de vassoura pode mudar nas mãos de uma criança que, simbolicamente, o transforma em um cavalo. Portanto, a função do brinquedo é a brincadeira. O brinquedo tem como princípio estimular a brincadeira e convidar a criança para esta atividade. A brincadeira é definida como uma atividade livre, que não pode ser delimitada e que, ao gerar prazer, possui um fim em si mesma. Um elenco de autores como Bomtempo e cols (1986), Friedmann (1996), Negrine (1994), Kishimoto (1999), Alves (2001), e Dohme (2002) confirmam e reforçam a afirmativa anterior. Bomtempo e cols (1986) colocam que a brincadeira é uma atividade espontânea e que proporciona para a criança condições saudáveis para o seu desenvolvimento biopsicossocial. Friedmann (1996) inclui que a brincadeira tem características de uma situação não estruturada. Para Kishimoto (1999) o brincar tem a prioridade das crianças que possuem flexibilidade para ensaiar novas combinações de ideias e de comportamentos. Alves (2001) afirma que a brincadeira é qualquer desafio que é aceito pelo simples prazer do desafio, ou seja, confirma a teoria de que o brincar não possui um objetivo próprio e tem um fim em si mesmo. A perspectiva sócio-cultural estuda o brincar a partir da concepção de que é o social que caracteriza a ação na atividade lúdica do sujeito. Vygotsky (1991) seguido de Leontiev (1994) e Elkonin (1998) são representantes desta perspectiva que teve base na sociedade soviética. Dias Facci (2004) concordando com as concepções de Vygotsky (1991), Leontiev (1994) e Elkonin (1998), afirma que é a percepção que a criança tem do mundo dos objetos humanos que irá definir os conteúdos da 10 brincadeira. A autora ainda completa que o brincar“é influenciado pelas atividades humanas e pelas relações entre as pessoas” (DIAS FACCI, 2004; p.69). Nos relatos sobre a brincadeira infantil Vygotsky (1991) afirma que esta é uma situação imaginária criada pela criança e onde ela pode, no mundo da fantasia, satisfazer desejos até então impossíveis para a sua realidade. Portanto, o brincar “é imaginação em ação” (FRIEDMANN, 1996). Para Vygotsky (1991) a brincadeira nasce da necessidade de um desejo frustrado pela realidade. Elkonin (1998) amplia essa sentença quando afirma que os objetos, ao terem seus significados substituídos, transformam-se em signos para a criança. Desta forma, “a criança não faz distinção entre o brinquedo e o que ele significa, mas a utilidade que terá nas representações que serão feitas com ele” (BISCOLI, 2005; p. 29). Vygotsky (1991) também afirma que a brincadeira, mesmo sendo livre e não estruturada, possui regras. Para o autor todo tipo de brincadeira está embutido de regras, até mesmo o faz-de-conta possui regras que conduzem o comportamento das crianças. Uma criança que brinca de ser a mamãe com suas bonecas assume comportamentos e posturas pré-estabelecidas pelo seu conhecimento de figura materna. Para Vygotsky (1991) o brincar é essencial para o desenvolvimento cognitivo da criança, pois os processos de simbolização e de representação a levam ao pensamento abstrato. Elkonin (1998) avançando nos estudos de Vygotsky elaborou a lei do desenvolvimento do brinquedo. Para este autor o brincar passa por momentos evolutivos. A brincadeira vai de uma situação inicial, onde o papel e a cena imaginária são explícitos e as regras latentes, para uma situação em que as regras são explícitas e o papel e a cena imaginária latentes. 11 Existe uma linha muito o tênue que diferencia a brincadeira do jogo. Pesquisadores como Negrine (1994), Friedmann (1996), Baptista da Silva (2003), Biscoli (2005) e o próprio Vygotsky (1991) não fazem diferenciação semântica entre jogo e brincadeira. Estes autores utilizam ambas as palavras para designar o mesmo comportamento, a atividade lúdica. Negrine (1994), acrescenta que o termo jogo vem do latim iocus e significa diversão, brincadeira. Entretanto existem algumas características que podem diferenciar o jogar do brincar. Brougère e Wajskop (1997) afirmam que a brincadeira é simbólica e o jogo funcional, ou seja, enquanto a brincadeira tem a característica de ser livre e ter um fim em si mesma, o jogo inclui a presença de um objetivo final a ser alcançado, a vitória. Este objetivo final pressupõe o aparecimento de regras pré-estabelecidas. Estas regras geralmente já chegam prontas às mãos da criança. As regras dos jogos têm relação íntima com as regras sociais, morais e culturais existentes. O jogo de xadrez é um exemplo disso, uma vez que, quanto maior a grau de poder da peça maiores são as possibilidades de ações junto ao jogo. Mesmo as regras chegando prontas às crianças, estas têm a liberdade e a flexibilidade de aceitar, modificar ou simplesmente ignorá-las. Isto pode depender do contexto no qual a criança estará inserida e dos parceiros dos jogos. O objetivo final de uma criança perante um jogo é a vitória sobre o oponente, entretanto, mesmo que a criança não vença, o prazer usufruído durante o jogo pode fazer com que a criança retorne a jogar (BROUGÈRE 1998). Portanto, o prazer do jogo pelo jogo faz com que esta atividade tenha um fim em si mesma, não importando mais a vitória final, mas sim o processo. Estas características, de flexibilidade, de prazer e de fim em si mesmo, fazem com que o jogar se confunda com o brincar, ou melhor, o brincar e o jogar passam a ser indistintos. Pelos relatos anteriores pode-se perceber que, a concepção dos termos depende não somente da perspectiva utilizada pelo autor, mas também dos seus objetivos de investigação. Autores como Vygotsky (1991), Leontiev (1994), Elkonin (1998), Brougère (1998), Dias Facci (2004) e Biscoli (2005) mantém os estudos centrados na influência que a cultura e a sociedade exercem no brincar. Tanto que afirmam em seus conceitos ser a brincadeira um resultado da construção histórica e cultural da sociedade. Já, autores como Negrine (1994), Friedmann (1996), 12 Bomtempo (1997), Kishimoto (1999) e Dohme (2002) ao conceituarem brincadeira procuram identificar as suas características. Estes autores não negam a influência social e cultural do brincar, mas focam suas pesquisas principalmente em estudar as características e influências comportamentais e desenvolvimentais da brincadeira. Percebe-se, portanto, a necessidade de os autores e pesquisadores exporem de forma clara os pressupostos teóricos que estão embasando seus estudos e conceitos bem como seus objetivos, uma vez que isto conduzirá e orientará os resultados de suas pesquisas. Tendo em vista a necessidade de uma exposição conceitual, se faz necessário que este trabalho também apresente quais as suas definições a respeito dos termos brinquedo, brincadeira e jogo. Como o objetivo deste trabalho é o de apresentar evidências sobre as contribuições que a brincadeira oferece ao desenvolvimento infantil e à aprendizagem no contexto escolar, este estudo estará focado nas influências e características do brincar. Para tanto, o termo brinquedo será entendido como o objeto suporte para a brincadeira, ou seja, o objeto que desencadeia, pela sua imagem, a atividade lúdica infantil. Brincadeira será a descrição de uma atividade não estruturada, que gera prazer, que possui um fim em si mesma e que pode ter regras implícitas ou explícitas. O jogo, como objeto, será caracterizado como algo que possui regras explícitas e pré-estabelecidas com um fim lúdico, entretanto, como atividade será sinônimo de brincadeira. 13 JOGOS E SUAS IMPLICAÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS As pesquisas nas áreas de educação e psicologia apontam que os jogos e as brincadeiras são muito utilizados na educação infantil. Segundo Moylés (2006), no processo contínuo de reconhecimento, inserção, interação e ação da criança no mundo por meio do brincar, três fatores são determinantes: a qualidade de provisão de recursos para o brincar, o valor atribuído aos processos do brincar e o envolvimento dos adultos. Sendo assim, as práticas lúdicas constituem um recurso reconhecidamente capaz de conquistar as crianças e mediar o processo de ensino- aprendizagem. Entendemos que não se esgotaram as possibilidades de se conhecer e compreender os jogos e as brincadeiras, mas nosso propósito é destacar, em especial, seu papel na educação. Concordamos com Macedo (2007) quando destaca "[...] a importância da dimensão lúdica nos processos de aprendizagem escolar como 14 uma das condições para o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes e, quem sabe, para uma recuperação do sentido original da escola" (p. 09). Segundo Kishimoto (1999), o jogo educativo utilizado em sala de aula na maioria das vezes vai além das brincadeiras e se torna uma ferramenta para o aprendizado. Para que o jogo seja um aprendizado e não uma obrigação para a criança, é interessante deixar que o aluno escolha com qual jogo queira brincar e que ele mesmo controle o desenvolvimento sem ser coagido pelas normas do professor. Para que o jogo tenha a função educativa não pode ser colocado como obrigação para a criança. A incidência de problemas envolvendo a escola, o aprender e o ensinar nos leva a pensar como resgatar a escola como espaço de prazer, conhecimento e produção. As dificuldades enfrentadas por alunos e professores possivelmente são pistas de que a escola perdeu o elemento prazer e tornou-se uma obrigação enfadonha. A definição de um espaço de "divertimento, recreio" ou, em sua versão grega, de descanso, repouso, tempo livre, hora de estudo, ocupação de um homem com ócio, livre do trabalho servil foi substituídapor cobrança, resultados e processos mecânicos e solitários. Dessa forma, aprendizagem e desenvolvimento se perdem em processos mecânicos e cada vez mais nossos alunos sentem-se confusos com relação a seu papel na educação e na escola. A estranheza com que nossas crianças lidam com a própria educação supõe que estas, as crianças, estão sendo ignoradas quando são construídas as propostas para sua formação. Reiteramos a suposição de Macedo (2005) de que é preciso (...) cuidar da dimensão lúdica das tarefas escolares e possibilitar que as crianças pudessem ser protagonistas, isto é, responsáveis por suas ações, nos limites de suas possibilidades de desenvolvimento e dos recursos mobilizados pelos processos de aprendizagem (p.15). No âmbito da construção da aprendizagem, alguns jogos têm o propósito de auxiliar o aluno na aprendizagem e desenvolvimento do raciocínio matemático e conhecimentos linguísticos. Já em outros momentos, eles os auxiliam no desenvolvimento afetivo, físico-motor e social. No entanto, o professor precisa respeitar o processo de cada um, para que o jogo não se torne um momento obrigatório e sim que seja um momento prazeroso e com significado para o aluno. 15 Quando o professor incentiva o interesse por pesquisas, pelo desenvolvimento de trabalhos em grupo, pela busca por respostas por meio do lúdico, o aluno estará aprendendo de uma forma prazerosa a atividade proposta e, consequentemente, ao assimilar esses novos conceitos terá uma aprendizagem significativa. Macedo (2007) afirma que os jogos são importantes na vida da criança não só no presente, mas também no futuro. No presente a criança necessita do jogo, ou seja, um espaço e um tempo para pensar e se adaptar, por isso a atividade lúdica é importante para o desenvolvimento dela. Ao jogar, a criança desenvolve alguns aspectos sociais e cognitivos que serão úteis no futuro. Desse modo, dos jogos de exercício, a criança herda o prazer funcional, e a partir dele ela pode encarar o trabalho não como sacrifício, mas como algo prazeroso e satisfatório. Com o jogo simbólico a criança pode aprender as possibilidades de experimentar e criar, o que futuramente poderá ser útil em seu trabalho. No jogo de regra a criança é colocada em contato com as regras, auxiliando-a a lidar com limites e restrições um fator necessário para que haja solidariedade e compartilhamento. O jogo tem sido constantemente utilizado por psicólogos nas intervenções com crianças, pois possibilita o conhecimento da realidade deste tipo de paciente (BRENELLI, 2001). Por isso Macedo (2007) defende o valor psicopedagógico do jogo por dois motivos: primeiro porque pode representar uma experiência fundamental de entrar em contato com o conhecimento, de construir respostas em função de um trabalho que demande diferentes capacidades. Segundo porque pode significar para a criança que aprender é um jogo de investigação, de prazer, de acertos e erros, de diferentes caminhos, de cooperação, em que as situações de jogo são planejadas a partir das capacidades e expectativas dos alunos. Em diversos espaços, os jogos e brincadeiras possibilitam às crianças a construção do seu próprio conhecimento, pois oferecem condições de vivenciar situações-problemas, a partir do desenvolvimento de jogos planejados e livres que permitam à criança uma vivência no tocante às experiências com a lógica e o raciocínio e permitindo atividades físicas e mentais que favoreçam a sociabilidade e estimulem as reações afetivas, cognitivas, sociais, morais, culturais e linguísticas. De acordo com Souza (1996, p. 122) "Os jogos podem ser utilizados na escola ou na clínica com instrumentos que propiciam o estudo do pensamento da criança, 16 de sua afetividade e de suas possibilidades de estabelecer relações sociais". O jogo pode ter um papel fundamental no processo de desenvolvimento (cognitivo e afetivo) do indivíduo, pois segundo Luna (2008, p.57) (...) quando o sujeito se sente desafiado pela perturbação (no jogo, por exemplo, quando se vê diante de uma situação-problema) e tem como valor superá-la, ele age com disciplina (atenção, concentração, persistência, respeito) com o intuito de vencer. Nesta perspectiva o sujeito reage à perturbação, com disciplina, visando a reequilibração do seu sistema (regulação). Segundo Dell'Agli & Brenelli (2010) no decorrer de atividades lúdicas é possível que existam menos pressões e tensões o que permite a livre expressão afetiva. Diante disso, o jogo pode ser considerado um importante instrumento na observação e análise de aspectos afetivos e cognitivos (Canal & Queiroz, 2012) de forma simultânea, pois direcionam o tratamento de crianças e adolescentes, sendo um instrumento favorável de intervenção em diversas áreas (psicoterapia, psicopedagogia e educação) (BRENELLI, 2001). De acordo com Macedo (2010, p.146) o ócio digno está presente no contexto do jogo. Segundo o mesmo autor esse ócio constitui-se em um espaço e um tempo em que a criança pode pensar, o que é fundamental para a construção de um saber. Dessa maneira, os jogos promovem "... o desenvolvimento da ação física e mental da criança. Ao jogar a criança adquire gradativa autonomia e responsabilidade para tomar decisões e seguir regras com consciência (LUNA, 2008, p. 60)". Segundo Macedo (2010) a socialização ocorre por meio da internalização das regras de uma determinada sociedade, que são impostas e muitas vezes incompreensíveis. "O jogo de regras é o produto da vida coletiva, e esse produto engendra essa nova realidade que é a regra (...)" (SALTINI & CAVENAGHI, 2014, p.329). Ainda de acordo com Macedo (1994) o social tem uma importância fundamental para Piaget, pois as operações utilizadas para enfrentar as perturbações provenientes do ambiente e das trocas interindividuais são, simultaneamente, sociais e individuais. 17 Dessa forma, (...) os jogos de regras não só servem aos interesses infantis como também aos dos adolescentes, ultrapassando as barreiras que, com o avanço da idade, são impostas ao brincar, constituindo um poderoso instrumento que não se encontra circunscrito somente a sujeitos que apresentam dificuldades, antes, vem contribuir para o desenvolvimento e a aprendizagem de maneira geral de sujeitos de diferentes idades e diferentes níveis evolutivos (BRENELLI, 2001, p.185). Desse modo, a ludicidade pode surgir como uma possibilidade, como força pedagógica motivadora, para auxiliar na promoção da aprendizagem e da inclusão (MOTA, 2010). Se soubermos observar a presença - maior ou menor - do lúdico, poderemos compreender resistências, desinteresses e toda a sorte de limitações que tornam a escola sem sentido para as crianças. Além disso, nosso objetivo é desfazer certos mal-entendidos de que lúdico significa necessariamente algo agradável na perspectiva daquele que realiza a atividade. Se fosse só assim, poderíamos, por exemplo, vir a ser reféns das crianças ou condenados a praticar coisas engraçadas, mesmo que sem sentido. 18 A BRINCADEIRA NO CONTEXTO ESCOLAR É evidente a relação que permeia os temas brincadeira e aprendizagem. Spodek e Saracho (1998) confirmam isto ao enfatizarem que a introdução do brincar no currículo escolar estimula o desenvolvimento físico, cognitivo, criativo, social e a linguagem da criança. Entretanto, para que isto ocorra com sucesso Bomtempo (1997) ressalta que é necessário que os professores estejam capacitados, e acima de tudo, conscientes de que atividades e experiências alternativas, como o brincar, promovem a aprendizagem na criança. Já que as crianças projetam nas brincadeiras suas ansiedades, frustrações, desejos e visão de mundo (FRIEDMANN, 1996; MELLO, 1999; DOHME, 2002 e MELO E VALLE, 2005), seria necessário que os professores observassem as crianças que brincam, para entãoconstatarem o tipo de estratégias que poderiam facilitar a sua aprendizagem (BOMTEMPO, 1997). Observar as crianças enquanto brincam é um procedimento que auxiliaria os professores a conhecerem melhor os alunos com os quais trabalham. 19 Bomtempo e cols. (1986) afirmam que, apesar de estudos já falarem a muito tempo sobre a importância da brincadeira, a educação ainda substitui o jogo por atividades consideradas mais sérias. Na década de 80 Glickman (1980) pesquisou a inclusão da brincadeira no currículo escolar americano e concluiu que a inclusão ou exclusão da brincadeira não é baseada em estudos, mas sim nos interesses políticos e sociais vigentes. Atualmente, Schneider (2004) reflete sobre esta problemática e acrescenta que os interesses políticos em torno da brincadeira na educação devem visar uma formação docente mais especializada e a manutenção das condições para a existência da brincadeira na escola, como por exemplo a construção de brinquedotecas e outros espaços destinados ao brincar. Em estudos na população francesa Brougère (1993) verificou que os jogos mais utilizados nas escolas são os pedagógicos e os de atividade motora. O autor ainda constatou que são os professores que escolhem os materiais e o tempo para a utilização destes. A brincadeira de faz-de-conta apareceu somente nas classes pré- escolares e a brincadeira livre simplesmente não apareceu. Goldhaber (1994) traz relatos de professores da educação infantil e constata que a brincadeira não é vista como um caminho para a aprendizagem. Na Guatemala Cooney (2004) identificou algumas barreiras que impedem a implementação da brincadeira no currículo escolar. Estas barreiras estão relacionadas com as dificuldades encontradas pelos professores, como excessivo número de crianças em cada classe, poucos recursos disponíveis e principalmente a falta de desenvolvimento profissional que enfoque a brincadeira. Dentre os estudos realizados no Brasil, Wajskop (1996) pesquisou as concepções dos professores sobre o brincar e verificou que a brincadeira é vista como diversão e separada da educação. Kishimoto (1998) analisou a disponibilidade de brinquedos nas escolas infantis de São Paulo. O brincar é interditado para dar lugar à outras atividades. A autora afirma que falta espaço, material, remanejamento dos horários e formação adequada para as professoras. Os estudos de Carvalho, Alves e Gomes (2005) identificaram uma dicotomia, em relação ao brincar, entre a prática e a visão dos professores. Ou seja, o professor reconhece a importância da brincadeira, mas tem dificuldades em utilizá-la. Biscoli (2005) ao analisar a produção científica brasileira a respeito da relação entre brincadeira e educação constatou que os estudos nacionais dão maior destaque 20 ao brincar como um recurso da pré-escola e que visa a aprendizagem de conteúdos escolares. Leif e Brunelle (1978) ressaltam a importância do olhar do professor sobre a brincadeira, enfatizando que este necessita ter, além de uma formação adequada, um certo gosto e interesse pelo brincar. As pesquisas podem auxiliar os adultos a compreenderem melhor os significados que as crianças dão às suas experiências, e aos professores a organizar e observar o brincar delas. A forma como o professor fará a intervenção durante a brincadeira irá definir o curso desta. Bomtempo (1997) coloca que a intervenção do professor deve revitalizar, clarificar, explicar o brincar e não dirigir as atividades, pois quando a brincadeira é dirigida por um adulto com um determinado objetivo ela perde o seu significado, lembrando que a brincadeira deve possuir um fim em si mesma. Spodek e Saracho (1998) distinguem dois modos de intervenção por parte do professor durante a brincadeira, o participativo e o dirigido. No modo participativo a interação do professor visa a aprendizagem incidental durante a brincadeira. As crianças acham um problema e o professor, como que um membro a mais no jogo, tenta junto com o grupo encontrar a solução, estimulando estas a utilizarem a imaginação e a criatividade. No modo dirigido o professor aproveita a brincadeira para inserir a aprendizagem de conteúdos escolares e dirigir as atividades para situações não lúdicas, causando uma desvalorização do brincar, que deixa de ser espontâneo, impedindo o desenvolvimento da criatividade. Uma tendência que vem ganhando espaço é a da ludoeducação que se resume em educar através da brincadeira e da descontração. É uma técnica por meio da qual podem ser postos em prática conceitos como os do construtivismo, uma vez que a aprendizagem se dá por meio da participação do aluno, e de uma forma que, para este, é divertida, por meio de brincadeiras e jogos que estimulam o desenvolvimento emocional e o relacionamento entre as crianças e também entre as crianças e professores (DOHME, 2002). Respeitando as brincadeiras, o educador poderá desenvolver novas habilidades no repertório de seus alunos. Bomtempo (1997) sugere que as intervenções não específicas por parte dos professores podem oferecer várias possibilidades e também estimular a criatividade das crianças. A mesma autora também afirma que a intervenção do professor não deve, de forma alguma, podar a 21 imaginação criativa da criança, mas sim orientar para que a brincadeira espontânea apareça na situação de aprendizagem. Alves (2001) resume isto apontando para a simplicidade do tema afirmando que, “Professor bom não é aquele que dá uma aula perfeita, explicando a matéria. Professor bom é aquele que transforma a matéria em brinquedo e seduz o aluno a brincar” (p. 21). Algumas vezes as crianças não alcançam um determinado rendimento escolar esperado, ou apresentam algumas dificuldades de aprendizagem porque determinados aspectos do seu desenvolvimento estão em déficit quando comparados com sua idade cronológica. Nestes casos, a brincadeira é uma ferramenta que pode ser utilizada como estímulo dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem. Friedman (1996), Dohme (2002) e Cordazzo (2003), apresentam alguns tipos de brincadeiras com seus respectivos benefícios para o desenvolvimento. Alguns exemplos de brincadeiras que estimulam o desenvolvimento físico e motor podem ser: os jogos de perseguir, procurar e pegar. A linguagem pode ser estimulada pelas brincadeiras de roda e de adivinhar. O aspecto social pode ser estimulado pelas brincadeiras de faz de conta, jogos em grupos, jogos de mesa e as modalidades esportivas. O desenvolvimento cognitivo pode ser estimulado com a construção de brinquedos, com os jogos de mesa, de raciocínio e de estratégia. Quando o déficit no desenvolvimento for detectado, estimulado e sanado a criança estará mais preparada para determinados tipos de aprendizagem que anteriormente poderia apresentar dificuldades. O comportamento de brincadeira é observado nas escolas e, conforme Cordazzo (2003), persiste não somente no período pré-escolar, mas também durante a idade escolar das crianças (6 à 10 anos de idade aproximadamente). Nas escolas a brincadeira é presente principalmente nos períodos de intervalo entre as aulas. Neste período, onde as crianças têm alguns minutos para lanchar a brincadeira aparece como um forte concorrente motivacional. Ou seja, conforme foi observado por Cordazzo (2003), as crianças tentam lanchar e brincar ao mesmo tempo. Carvalho e cols (2005) observaram que a estrutura das instituições educativas exerce influências no comportamento de brincar das crianças. Contudo, a brincadeira de atividade física é a mais observada durantes os períodos de intervalo entre as aulas. 22 A PRÁTICA PEDAGÓGICA E O RESGATE DO LÚDICO Ainda que a temática "jogos e brincadeiras" tenha sido bastante explorada em diferentes áreas do conhecimento, cada vez mais na escola de educação básica não prestamos atenção e nem valorizamos os esquemaslúdicos das crianças. Temos o que Macedo, Petty e Passos (2005) chamaram de "escola seletiva". Nela, autoritária e rapidamente impomos a principal ferramenta de conhecimento e domínio do mundo da pedagogia tradicional: os conceitos científicos, a linguagem das convenções e os signos arbitrários, com seus poderes de generalidade e abstração. Constatamos frequentemente que a finalidade do lúdico, do ponto de vista da escola e de seus componentes, é utilitarista. De acordo com Muniz (2005), a percepção utilitarista do lúdico e a dicotomização entre interações lúdicas e educativas acontece devido ao entendimento de professores e profissionais da educação de que a brincadeira não possui conteúdo nem objetivo. Contrário a essa percepção, Macedo (2005) assevera e defende que a brincadeira é informativa, porque a criança pode aprender sobre as propriedades dos objetos, sobre os conteúdos imaginados ou pensados. É envolvente, porque coloca a criança em situação interativa; é interessante, porque dá um sentido de atividade ou ocupação, ao canalizar, orientar e organizar suas energias. Quando ela brinca, objetivos, meios e resultados se sincronizam e inserem a criança numa atividade prazerosa por si mesma, por aquilo que oferece durante sua realização. Conforme o mesmo autor, a criança aprende consigo, com os objetos e com as pessoas, enquanto brinca, pois esses aspectos se organizam de diversas maneiras, cunham conflitos e projeções, concebem conversações, exercitam argumentações, resolvem ou permitem o enfrentamento de problemas, fundamentais ao desenvolvimento infantil. 23 Muniz (2005) pontua que "[...] quando nossa percepção sobre o brincar se aprofunda, o lúdico vai deixando de ser utilizado como recurso e ganha valor em si, como uma linguagem peculiar do mundo infantil". Então, como resgatar o sentido lúdico nas atividades escolares para as crianças? Como ampliar a compreensão da escola e seus professores acerca da amplitude de experiências e significados que os jogos podem adquirir? Concordamos com Macedo, Petty e Passos (2005), que valorizar o lúdico nos processos de aprendizagem significa, entre outras coisas, considerá-lo na perspectiva das crianças. Para elas, apenas o que é lúdico faz sentido. Assim como em seu cotidiano familiar, na escola o aluno-criança procura resgatar e se apoiar no lúdico para lidar com as exigências tradicionais do processo ensino-aprendizagem. Muitas vezes não encontra espaço na prática pedagógica do professor elementos de prazer, desafio e satisfação que poderiam estar envolvidos no aprender. Ao enveredarmos nas questões sobre a prática pedagógica, destacamos como essa se constitui no cotidiano da escola, por meio de diferentes situações e sujeitos, sobretudo em relação ao professor e o espaço do jogo nesse contexto. Como exemplo pode-se citar um estudo conduzido por Lanes et al (2012) cujos resultados 24 demonstraram a eficácia do lúdico como ferramenta para potencializar a educação nutricional e o conhecimento sobre hábitos alimentares saudáveis de crianças da Educação Infantil. Romera et al (2007) desenvolveu um estudo com o intuito de observar e analisar a questão do lúdico no fazer educacional de professoras de escolas infantis na cidade de São José do Rio Preto. Os resultados desse estudo demonstraram algumas contradições entre o falar e o fazer pedagógico das professoras entrevistadas e uma dificuldade em interligar o lúdico com as atividades programadas, pois, de acordo com a visão apresentada, ambos não poderiam ocorrer de forma simultânea. Portanto, apesar do reconhecimento de que o lúdico é importante e potencializador de aprendizagens há ainda dificuldade por parte de muitos educadores de compreenderem como isso poderá ser implementado em sua prática pedagógica. Esses resultados apontam ainda para a necessidade de aprofundar os estudos acerca do lúdico nos cursos de formação de professores. Meirieu (2005) é um autor que nos ajuda a problematizar os desafios das instituições escolares hoje. O autor sinaliza as tensões e as contradições que estruturam a experiência educativa. Evidenciam as demandas dos alunos e as intenções dos professores. E sugere que se possa, diante dos embates existentes, compreender e empreender transformações em suas práticas para lograrem êxito na sua tarefa de educar/formar. Tal fato é essencial quando falamos em incorporar na prática pedagógica do professor os jogos como recursos lúdicos capazes de auxiliarem no processo de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos. Concordamos com Meirieu (2002, 2005) que por meio da educação as crianças experimentam o mundo, fazem suas primeiras aproximações, leituras e releituras, e isso pode acontecer ou ser mediado a partir da relação professor-aluno- conhecimento. Por meio dessa relação pedagógica, o professor tem o papel significativo de escuta da criança, bem como de potencializar as experiências e os possíveis caminhos entre criança e conhecimento, sendo que alguns caminhos utilizam o lúdico na sala de aula como referência de aprendizagem. Segundo o autor educar, nessa perspectiva (...) supõe o reconhecimento do sujeito na criança, sem pré-requisitos, sem esperar que ela tenha acesso à palavra, à 'idade da razão' ou à maioridade civil. A educação consiste em estabelecer uma relação de escuta sem nenhum tipo de condição, em supor sistematicamente a intencionalidade, em 25 atribuir sentido ao que se troca, ao menor gesto, ao menor grito, à menor transação afetiva e cognitiva [...] é esse encontro que permite o acesso à cultura, a toda forma de cultura (MEIRIEU, 2002, p. 112). Meirieu afirma que na prática pedagógica o professor pode transformar a experiência de se sentir paralisado ao se deparar com a resistência da criança a ele e ao conhecimento que ele representa. O autor diz que o momento sugere "a irrupção da materialidade aleatória do outro [...]" (MEIRIEU, 2002, p. 58) e provoca uma nova oportunidade de repensar seu saber e seu fazer, em um desafio de exercitar a "pedagogia da coragem". Pressupõe que o professor deva rever suas práticas, metodologias e ajustar seu olhar para enxergar o aluno e suas necessidades. O autor citado também nos lembra de que cabe ao professor e seus colaboradores reconhecerem o momento pedagógico, ou seja, o instante em que o professor sente a presença do outro em toda sua potência e, ao mesmo tempo, toda sua responsabilidade em transmitir os conteúdos de uma determinada cultura a esse sujeito em formação, e que para tanto necessita buscar novas formas de alcançar seus objetivos pedagógicos. Uma busca que requer a compreensão do processo de aprendizagem e desenvolvimento do aluno, assim como das diferentes estratégias para se aproximar e envolvê-lo com os conhecimentos relevantes para sua formação. Impossível entender o processo de aprendizagem da criança sem observar o processo de ensino do professor, dificílimo pensar esse processo sem perceber como o professor o constitui a partir de suas ideias de aprender e conhecer, impossível pensar o não-aprender da criança sem olhar seu processo de conhecer o mundo, de lidar com seus desafios, sem olhar como sua família significa também o aprender e o não-aprender. Assim, vivemos num mundo onde cada vez mais precisamos estabelecer ligações entre as coisas, uma urgência em perceber que há uma circularidade no mundo da vida que exige outras formas de compreensão ao mundo da escola, muitas vezes fazendo-se necessário olhar e compreender o que o aluno deseja e precisa para se envolver com sua aprendizagem. Ainda apoiados em Meirieu somos convocados a prestar atenção às diferentes manifestações dos alunos em sala de aula, aos "vínculos, às articulações, às transições sutis e às projeções brutais que permitem ao aluno construir para si uma história amplamente imprevisível e que os instituemcomo sujeito" (MEIRIEU, 2002, p. 219). Convém indagar com Meirieu (2002, p. 145) "como fazer da sala de aula um 26 lugar de invenção, de imaginação e de encontros, um lugar distanciado das mortíferas transmissões miméticas, sem, com isso, perder-se na divagação"? Como "encontrar um meio de situar-se fora dos eixos, beneficiando-se da existência de referências"? Ao se referir à escola como espaço em que todos podem e devem aprender, Meirieu (2005) afirma que esta deve ser organizada como um espaço "livre de ameaça." As questões referentes ao fazer pedagógico precisam ser repensadas, pois estas nos remetem ao aspecto educativo-pedagógico. Neste sentido, importa não apenas pensar os significados voltados ao processo pedagógico, sobretudo, refletir acerca da prática pedagógica tendo como eixo norteador dessa prática educativa, formas de encaminhar e direcionar a ação pedagógica. Meirieu (2005) aposta na sala de aula como um ambiente de aprendizagens e de construção de novos conhecimentos, para alunos e professores. Dessa forma, é inevitável o surgimento das dificuldades e a necessidade de enfrentá-las, sabendo que é possível rompê-la e alcançarmos o êxito esperado. Para Meirieu, (2005), é necessário que pedagogo e professores busquem promover uma análise apurada acerca do ambiente escolar. Compreendendo que esta análise diz respeito aos problemas enfrentados no interior da sala de aula e ao processo de aprendizagem. Acompanhar e analisar os elementos que influenciam nos processos de aprendizagem dos alunos, seus modos de ser e estar no cotidiano da escola e entender a avaliação como representativa das potencialidades e entraves de diferentes dispositivos na experiência de aquisição e construção do conhecimento por parte dos alunos. 27 CONSIDERAÇÕES FINAIS Concordamos com Macedo (1996, p. 10) que afirma a necessidade de se recuperar o sentido do jogo na escola e na vida, propondo que a escola adote uma postura menos rígida, menos instrumental. Ressalta a necessidade de permitir que na escola, por algum tempo, os meios sejam os próprios fins das atividades, que se permita que professores e alunos sejam criativos, que tenham prazer estético e sintam o gozo da construção do conhecimento. Na educação básica entendemos que é essencial "fazer com os alunos", não por eles, mas com eles. As crianças até os seis anos, independentemente de suas condições físicas, psíquicas, sensoriais e cognitivas, estão fazendo suas primeiras aproximações com o mundo, com o conhecimento, com a cultura, aprendendo sobre si, sobre os outros e sobre o mundo. É tarefa do professor auxiliar a criança a experimentar o mundo, a traduzi-lo de uma forma compreensível, oportunizando a elas a ampliação de conhecimentos e experiências, bem como disponibilizando e potencializando espaço-tempo para elas usarem a inventividade, para criarem e transformarem, com suas produções e desejos, suas experiências e existências. Na ação pedagógica Meirieu (2005) prevê que o papel do professor é fazer com que nasça o desejo de aprender, sua tarefa é desafiar o aluno, seduzi-lo, despertar-lhe o desejo de aprender. Mas alerta ao professor que neste processo de tradução do mundo, de mediação, ele preste atenção para não praticar uma pedagogia sem objetivos. Cabe a ele, por meio de jogos e estratégias diversificadas, suspender a explicação e fazer com que nasça o desejo de aprender, construir, produzir. No cotidiano da escola e no frenesi da prática pedagógica, sabemos o quanto é mais fácil responder às perguntas dos alunos rapidamente, eliminando o desejo em sua gênese, do que transformar essa pergunta em um desafio a ser administrado com auxílio do professor, das crianças do grupo e até mesmo da manipulação de objetos e jogos. Dessa forma, torna-se importante que professor e alunos sejam parceiros na condução e administração dos desejos a fim de descobrir e ultrapassar as dificuldades. Inventivamente essa parceria pode ser pensada e construída de diferentes maneiras. 28 No decorrer desta apostila, foram elencados alguns resultados de pesquisa e estudos que evidenciam a brincadeira como uma ferramenta suporte para estimular o desenvolvimento infantil e a aprendizagem no contexto escolar. Os resultados de pesquisas oferecem aos profissionais da saúde e da educação a oportunidade de reverem e, se necessário, reestruturarem seus planos de trabalho para deixá-los mais atrativos e eficazes no trabalho com as crianças. Trabalho este que deve, acima de tudo, promover o bem-estar infantil e favorecer todos os aspectos do desenvolvimento da criança. Na sua influência para com o desenvolvimento infantil o brincar pode ser utilizado como uma ferramenta para estimular déficits e dificuldades encontradas em alguns aspectos desenvolvimentais. Entretanto, os profissionais que lidam com estas crianças devem estar atentos ao desenvolvimento global infantil e não se deterem a aspectos isolados, uma vez que todos os aspectos estão interligados e exercem influências uns para com os outros. No que se refere à aprendizagem, utilizar a brincadeira como um recurso é aproveitar a motivação interna que as crianças têm para tal comportamento e tornar a aprendizagem de conteúdos escolares mais atraente. Entretanto, de acordo com as pesquisas revistas, o meio escolar ainda não está conseguindo utilizar o recurso da brincadeira como um facilitador para a aprendizagem. Muitas dificuldades e barreiras ainda são encontradas, tais como a falta de espaço, de recursos e principalmente, de qualificação profissional. Alguns vestígios de tentativas da utilização do brincar já podem ser encontrados, como é o caso da ludoeducação descrita por Dohme (2002). Apesar de as pesquisas e intervenções realizadas no ambiente escolar com a utilização da brincadeira ainda serem discretas, pode-se concluir que o reconhecimento da necessidade da introdução do brincar nas escolas já existe, como pode ser visto nas pesquisas de Brougère (1993), Wajskop (1996), Bomtempo (1997), Spodek e Saracho (1998), Cordazzo (2003), Biscoli (2005) e Carvalho e cols (2005) entre outros. Porém, além do reconhecimento é necessário a utilização prática do brincar nas escolas. A utilização do brincar como uma estratégia a mais para a aprendizagem trará benefícios tanto para as crianças, que terão mais condições facilitadoras para a aprendizagem, quanto para os professores, que poderão se utilizar de mais um recurso para atingirem seus objetivos escolares para com as crianças e para com a sociedade. 29 REFERÊNCIAS ALVES, R. É brincando que se aprende. Páginas Abertas. v. 27, n. 10, p. 20-21, 2001. ARFOUILLOUX, J. C. A entrevista com a criança. 3ª ed. 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