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Hemorragias digestivas 1 Hemorragias digestivas HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA 💡 Sangramento decorrente de uma lesão proximal ao ligamento de Treitz (junção entre duodeno e jejuno, onde o intestino é fixado), envolvendo o esôfago, estômago ou duodeno. EPIDEMIOLOGIA Morbidade de 40% e mortalidade de 10%. Incidência de 48 a 160 casos por 100.000 adultos/ano. Mais comum em homens (2:1). Causas mais comuns: lesões agudas erosivas a mucosa gastroduodenal e doença ulcerosa péptica. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA PRINCIPAIS ETIOLOGIAS DA HDA Doença ulcerosa péptica Varizes gastroesofágicas Mallory-Weiss Úlceras de estresse Gastropatia portal hipertensiva Esofagite Lesão de Dieulafoy Angiodisplasia e Teleangiectasia Ectasia vascular gástrica Hemorragias digestivas 2 PRINCIPAIS ETIOLOGIAS DA HDA Fístula aortoentérica Doença de Crohn Sangramento de úlceras pépticas: compõe 36-38% das HDA. São erosões na mucosa, acometendo principalmente o fundo e o corpo gástricos, podendo eventualmente acometer o antro também Fatores de risco: uso de aspirina, infecção por H. pylori, uso de AINES, situações de estresse (sepse, choque, internação na UTI). Síndrome de Mallory-Weiss: laceração da junção esofagogástrica devido a esforços repetitivos de vômitos. Ocorre quando a lesão envolve o plexo venoso ou arterial esofágico subjacente. Ocorre principalmente em etilistas e gestantes e costuma a cessar de forma espontânea. Angioplastia do TGI alto: má formação arteriovenosa, teleangiectasias e ectasias vasculares. Raramente causa sangramento intestinal agudo que faz o paciente apresentar-se ao PS, limitando-se geralmente a sangramento de pequena intensidade. Neoplasias: representam apenas 3% das causas de HDA, podendo ser benignas ou malignas, primárias ou metastáticas. O sangramento não costuma ser grave. Lesão de Dieulafoy: vaso submucoso aberrante dilatado que pode erodir camada epitelial adjacente na ausência de lesão ulcerosa. O sangramento é recorrente e pode se associar a diversas endoscopias sem diagnóstico. Fístula aortoentérica: deve ser suspeitada em paciente com histórico de cirurgia de aneurisma de aorta, úlcera penetrante, invasão tumoral, trauma, radioterapia e perfuração por corpo estranho. O sangramento é intenso. Hemorragias digestivas 3 Varizes esofágicas: uma das principais causas de HDA e presente em 50% dos pacientes com cirrose hepática ao diagnóstico. O risco de hemorragia se correlaciona com o seu tamanho, o grau de disfunção hepática e a presença de manchas vermelhas ou “res spots”. Resultam diretamente da hipertensão portal, devido ao aumento da resistência ao fluxo ou ao aumento do fluxo sanguíneo da veia porta. A resistência ao fluxo pode ocorrer pela destruição da arquitetura hepática, como consequência da fibrose, do aumento do tônus vascular por disfunção endotelial e diminuição da disponibilidade de óxido nítrico. A formação de varizes gera descompensação do sistema venoso porta, transportando sangue para a circulação sistêmica. A formação de varizes ocorre quando o gradiente venoso portal supera cerca de 10mmHg. Esse processo se associa a fatores angiogênicos, com formação de colaterais porto- sistêmicas e portal-venosa, aumentando fluxo sanguíneo devido à vasodilatação esplênica e aumento do débito cardíaco. Por fim, o crescimento das varizes é influenciado pelo aumento da pressão e do fluxo da circulação portal. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Melena (mais comum), hematêmese ou hematoquezia (mais associada com sangramento de grande monta e instabilidade hemodinâmica). Pode haver sinais de hipoperfusão e instabilidade hemodinâmica. A queda da PA e o aumento da FC quando o paciente passa de decúbito para ortostase pode indicar perda volêmica de mais de 1.000mL de sangue, Toque retal: pode haver sangue em dedo de luva. Linfonodos supraclaviculares aumentados sugerem doença maligna. Spiders, teleangiectasias, hepatomegalia, esplenomegalia e sinais de encefalopatia hepática podem estar presentes se a causa subjacente for Hemorragias digestivas 4 cirrose ou hipertensão portal. Manchas hiperpigmentadas na mucosa bucal sugere síndrome de Peutz- Jeghers e sangramento de pólipos intestinais benignos. Por fim, teleangiectasias em lábios e língua sugerem síndrome de Osler-Weber- Rendu. AVALIAÇÃO INICIAL ABC + dois acessos venosos (um em cada fossa cubital) + monitorização. Alguns pacientes podem merecer IOT por apresentarem intensa hematêmese, particularmente aqueles com risco elevado de aspiração (reflexo da tosse ausente ou alteração do estado mental). HDA + instabilidade hemodinâmica → reposição volêmica. Na maior parte dos casos, 1-2L de cristaloides são capazes de estabilizar o paciente. No entanto, preconiza-se que a ressuscitação volêmica não seja agressiva, devido ao risco de intensificar o sangramento. Por isso, muitas vezes podemos repor sem necessariamente ultrapassar os limites de normotensão. Transfusão sanguínea para pacientes com hemoglobina < 7-8 mg/dL (<8 mg/dL se paciente com doença cardiovascular, especialmente SCA). Estratificação de risco: escore de Glasgow-Blatchford. <1: tratamento ambulatorial sem necessidade de internação. >1: internação para avaliação endoscópica. Hemorragias digestivas 5 EDA: exame de escolha para o diagnóstico etiológico e deve ser realizada o mais rápido possível, idealmente em menos de 24h, assim que o paciente estiver estabilizado. Em pacientes com gastroparesia ou em que se espera dificuldade de visualização no exame, pode-se usar eritromicina 2mg/kg de 20 a 120 minutos antes do procedimento, uma vez que o medicamento aumenta motilidade gastrintetinal e melhora a visualização. A administração precoce de somatostatina ou análogos podem também facilitar o exame por parada temporária do sangramento caso haja sangramento por varizes esofágicas. Opções à EDA: cintilografia com mapeamento de hemáticas marcadas com tecnécio, arteriografia, enterografia e cápsula endoscópica (os dois últimos pouco válidos na emergência). Hemorragias digestivas 6 Laboratório: hemograma com hematócrito e hemoglobina seriados, coagulograma, função hepática, função renal e eletrólitos. Procinéticos devem ser considerados antes da endoscopia, já inibidor de bomba de prótons devem ser iniciados em pacientes com suspeita de úlcera péptica. Quando há suspeita de hemorragia varicosaassociada a cirrose, utilizar somatostatina ou seus análogos. TRATAMENTO Doença ulcerosa péptica IBP IV → esomeprazol 80mg IV em bólus, seguido de 40mg IV 12/12h. A infusão IV contínua de omeprazol (8mg/h) pode ser indicada naqueles submetidos a hemostasia endoscópica e com alto risco de ressangramento. Pacientes com baixo risco de ressangramento ou sem vaso visível à EDA podem trocar o IBP IV por VO logo após a EDA. O risco de recorrência da hemorragia sem tratamento endoscópico é de 81% para Forest I, 39% para Forest II e 22% para Forest III. O tratamento endoscópico é indicado para úlceras com sangramento ativo (Forest I) e com sinais de sangramento recente (Forest II). O tratamento endoscópico pode ser por injeção (epinefrina diluída ou agentes escleróticos como etanol), térmico ou mecânico (clipes hemostáticos). A injeção de epinefrina deve ser associada a um método térmico ou mecânico. Uma segunda EDA pode ser necessária para controlar o sangramento. Se o caso continuar refratário, pode haver necessidade de cirurgia (embolização angiográfica). Varizes esofágicas Hemorragias digestivas 7 Administração precoce de somatostatina ou seus análogos logo na suspeita de ruptura das varizess. Atuam por meio de vasoconstrição arterial esplênica, contribuindo para a parada temporária do sangramento e facilitando a execução do exame, bem como reduzindo a necessidade de transfusão. Opções: terlipressina (2mg 4/4h), somatostatina (250 ug em bolus seguido de 250-500 ug/h) e octreotide (50 ug em bolus seguido de 50 ug/h). Administrar por até 5 dias. Não usar IBP juntosporque essas medicações já inibem a secreção ácida pelo estômago. Tratamento endoscópico: ligadura elástica (pode recidivar → manter vigilância), obliteração endoscópica com adesivos de tecido para varizes gástricas. Alternativa: tamponamento com balões para sangramentos não controlados. É um tratamento temporário. Gastropatia portal hipertensiva Caracterizada pela dilatação de vasos da mucosa gástrica, especialmente do fundo e corpo, a gastropatia portal hipertensiva pode ser predita a partirda presença de varizes gastroesofágicas e da classificação de Child-Pugh. Geralmente, sua apresentação é crônica e não leva o paciente ao departamento de emergência. Seu tratamento inicial consiste na suplementação de ferro e beta- bloqueadores não-seletivos. Caso continue, requerendo transfusões sanguíneas, uma derivação jugular portossistêmica intra-hepática ou uma derivação cirúrgica devem ser consideradas. Paciente em uso de anti-trombóticos Não há evidência de que a continuação dessas drogas piore os desfechos. No geral, a decisão de continuar ou não deve ser individualizada e tomada de forma multidisciplinar. Hemorragias digestivas 8 Em pacientes em uso de antiplaquetário duplo, deve-se continuar o uso nos pacientes de baixo risco de sangramento recorrente. Aqueles com alto risco, drogas antiplaquetárias devem ser evitadas. HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA 💡 Sangramento distal ao ligamento de Treitz. Geralmente, o sangramento da HDB é autolimitado. No entanto, pode haver quadros de hemorragia maciça evoluindo com choque hipovolêmico. EPIDEMIOLOGIA Incidência anual de hospitalização por HDB é de 20-27 episódios por 100.000. Mortalidade varia de 4 a 10%. Está associada à intensidade do sangramento, à idade e a doenças associadas. É mais comum em mulheres e idosos. ETIOLOGIA Doença diverticular: é a causa mais comum. Geralmente, o sangramento é indolor e resulta de lesão na artéria penetrante do divertículo. Em 90% dos pacientes, o sangramento se resolve espontaneamente, mas apresenta também 90% de recorrência. Ectasias vasculares: mal-formações e angiodisplasias do cólon. Podem ocorrer tanto no intestino grosso (relacionado com a idade e a um processo crônico) como no delgado. Condições hereditárias também podem ser a causa subjacente, podendo então ocorrer em crianças e jovens. Além disso, doença cardíaca valvar é um importante fator de risco para ectasias hemorrágicas. Colite isquêmica e isquemia mesentérica: a colite isquêmica é comum e geralmente autolimitada, mas cerca de 20% dos pacientes podem precisar de Hemorragias digestivas 9 cirurgia. O intestino é mal vascularizado e sofre ação adicional da flora bacteriana, predispondo-o a eventos isquêmicos. Ruptura aneurismática, estados de hipercoagubilidade, vasculite, SII e alguns medicamentos vasoconstritores ou que diminuem a motilidade intestina podem também predispor. Já a isquemia mesentérica pode ocasionar necrose intestinal. O diagnóstico é difícil na medida em que sua apresentação pode mimetizar outras condições abdominais. Deve-se suspeitar especialmente em pacientes > 60 anos, com FA, IAM recente, dor abdominal pós-prandial ou perda de peso inexplicada. Divertículo de Meckel: consiste em tecido embrionário de origem gástrica, mais comumente no íleo, sendo mais da metade das lesões ectópica. Esse tecido gástrico secreta enzimas gástricas que podem erodir a mucosa, causando sangramento. É uma condição mais rara e afeta indivíduos mais jovens. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A principal manifestação da HDB é a hematoquezia ou enterorragia. Pacientes com trânsito intestinal mais lento podem apresentar melena. Pode haver sinais de hipovolemia, sendo a taquicardia indicador de hipovolemia leve a moderada e hipotensão ortostática perda de ao menos 15% da volemia. Hipotensão arterial ou choque indica perda de 40%. Perdas acima de 800mL podem desencadear sintomas como fraqueza, hipotensão ortostática, dispneia e palpitações. pele úmida e mal perfundida, bem como tempo de enchimento capilar diminuído, são sinais precoces de hipovolemia. Exame físico: teleangiectasias podem sugerir doença hepática como causa, já púrpuras e petéquias podem indicar coagulopatias, que também podem ser secundárias a hepatopatia. Ao exame abdominal, pode haver palpação de massas, ascite ou visceromegalia. Ausência de dor e de sensibilidade abdominal indica causas vasculares. Distúrbios intestinais inflamatórios mais comumente cursam com dor e hipersensibilidade. Perda de peso não-intencional e alteração do ritmo intestinal sugerem causas malignas. Hemorragias digestivas 10 DIAGNÓSTICO Deve-se colher a história investigando o início e a duração dos sintomas, além de doenças associadas ou sintomas prévios. Importante determinar se já houve episódio de hemorragia digestiva antes, além do histórico de dor, trauma, ingestão ou inserção de corpos estranhos e recentes colonoscopias (hemorragia tardia pode ocorrer até 3 semanas pós-polpectomia). Investigar cirurgias prévias (risco de fístula aorto-entérica) e uso de medicamentos que podem predispor ao sangramento, como AINEs e salicilatos. Exame anal (massas, tumores, fissuras ou hemorroidas externas) + TR (em todos os pacientes) + anuscopia (principalmente mulheres; também avalia região uretral e genitália externa para possíveis fontes externas de sangramento nessas áreas). Exames laboratoriais: hemograma, coagulograma, tipagem sanguínea, função renal, sódio, potássio, glicose e função hepática; ureia (pode ser elevada por fontes de sangramento digestivo superiores, através da digestão e absorção da Hb); ECG para pacientes com doença arterial coronariana. Atentar-se para o coagulograma, que nem sempre demonstrará queda da Hb e refletir a real perda de sangue, principalmente nas primeiras 24h. Exames de imagem: TC é o exame inicial (abdome agudo perfurativo), mas a endoscopia é o melhor método diagnóstico. Colonoscopia também é uma opção, sendo as alterativas a ela a angiografia, cintilografia ou Angio-TC. Pacientes com sangramento maciço podem precisar de EDA pela probabilidade de ser HDA. TRATAMENTO O tratamento depende da causa. Investigar estado hemodinâmico do paciente → se instabilidade, ressuscitação volêmica (cristaloides) com acesso calibroso de duas veias periféricas, objetivando PAS > 80 mmHg. Hemorragias digestivas 11 Oxigenação suplementar até resultado da oximetria + monitorização cardíaca. Coagulopatias devem ser corrigidas. Se INR > 1,5 ou plaquetas <50.000 céls/ µL, transfundir plasma fresco para o primeiro caso ou plaquetas, no segundo caso. Concentrado de hemácias é reservado para casos de Hb <7g/dL, devendo o limiar ser maior em idosos. Como os valores de hematócrito demoram a cair, pacientes com sangramento ativo que não respondem à ressuscitação volêmica devem receber transfusão de hemácias. Hemorragia grande → passar sonda nasogástrica. A colonoscopia é capaz de identificar várias fontes de sangramento e ainda prover a abordagem terapêutica em alguns casos, por meio de métodos de homeostasia endoscópica (escleroterapia por injeção, eletrocoagulação, terapia com sonda de aquecimento, bandagem e clipagem). Deve ser realizada idealmente dentro de 12h a 24h de internação, embora pacientes mais estáveis possam realizá-la ambulatorialmente. Se a colonoscopia não determinar a fonte, deve-se partir para a EDA. Cirurgia de emergência é a última opção em casos de sangramento sanguíneo e refratariedade à hemostasia endoscópica.
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