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SUMÁRIO 1. Introdução e Conceitos ............................................ 3 2. Hemorragia Digestiva Alta ..................................... 3 3. Hemorragia Digestiva Baixa ................................15 Referências Bibliográficas ........................................25 3HEMORRAGIA DIGESTIVA 1. INTRODUÇÃO E CONCEITOS A hemorragia digestiva engloba qual- quer sangramento que ocorra no trato gastrointestinal. É classificada entre hemorragia digestiva alta e hemor- ragia digestiva baixa, conforme a sua localização em relação ao ligamento de Treitz. Vamos abordá-las como duas patologias separadas, tanto para fins didáticos, como devido ao fato de cursarem com diferentes sintomas, complicações e mobimortalidade. MAPA MENTAL INTRODUÇÃO HDA HDA Lesão proximal ao ligamento de Treitz Mais comuns: lesões agudas erosivas da mucosa gastroduodenal e a doença ulcerosa péptica Tem incidência de 48 a 160 casos por 100.000 Duas vezes mais em homens do que em mulheres Morbidade e mortalidade de 40% e 10%, respectivamente 2. HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA A hemorragia digestiva alta (HDA) é definida como um sangramento de- corrente de uma lesão proximal ao ligamento de Treitz, envolvendo o esôfago, estômago ou duodeno. Possui morbidade e mortalidade de 40% e 10%, respectivamente e, em nosso meio, tem como as causas mais comuns as lesões agudas ero- sivas da mucosa gastroduodenal e a doença ulcerosa péptica. Fre- quentemente, também se observa sangramento secundário à rotura de varizes gastroesofágicas. A eso- fagite erosiva, a lesão de Mallory- -Weiss (laceração hemorrágica da transição esofagogástrica induzida por esforços de vômito), a gastropatia 4HEMORRAGIA DIGESTIVA congestiva, ectasia vascular antral e a lesão de Dieulafoi (exulceratio sim- plex) são responsáveis por menos de 10% das causas de HDA. gástricos, podendo eventualmente acometer o antro também. Dentre os fatores de risco, encontra- -se o uso de aspirina, infecção pelo Helicobacter pylori e uso de anti-in- flamatórios não-esteroidais (AINEs). Situações de estresse, como sepse ou choque, também podem contribuir para a sua ocorrência. Dentre pacien- tes internados na UTI, 1,5% desenvol- ve sangramento de úlcera de estresse. A síndrome de Mallory-Weiss, ca- racterizada por laceração da junção Esôfago Pilar direito do diafragma (à direita do hiato esofágico) Pilar direito do diafragma (à esquerda do hiato esofágico) Pilar esquerdo do diafragma Tronco celíaco Músculo suspensor do duodeno (ligamento do Treitz) Artéria mesentérica superior Flexura duodenojejunal Parte ascendente do duodeno Jejuno (cortado) Parte horizontal do duodeno Parte descendente do duodeno Figura 1. Anatomia próxima ao duodeno. Netter - 6ª edição CONCEITO! A hemorragia digestiva alta (HDA) é definida como um sangramen- to decorrente de uma lesão proximal ao ligamento de Treitz. A hemorragia digestiva alta tem inci- dência de 48 a 160 casos por 100.000 adultos/ano, e é responsável por 1 internação a cada 10.000 adultos. Além disso, ocorre duas vezes mais em homens do que em mulheres. Etiologia e Fisiopatologia O sangramento de úlceras pépticas compõem de 36% a 38% das he- morragias digestivas altas. Tratam-se de erosões na mucosa, acomentendo principalmente o fundo e o corpo 5HEMORRAGIA DIGESTIVA esofagogástrica devido a esforços repetitivos de vômito, ocorre quan- do a lesão envolve o plexo venoso ou arterial esofágico subjacente. Ocorre principalmente em elitistas e gestantes e costuma cessar de for- ma espontêa. A angiodisplasia do trato gastroin- testinal (TGI) alto se caracteriza por má formação arteriovenosa, te- leangiectasias e ecstasias vascula- res. Raramente causa sangramento intestinal agudo que faz o paciente apresentar-se ao pronto-socorro, li- mitando-se geralmente a sangra- mento de pequena intensidade. Neoplasias do TGI compõem apenas 3% das causas de HDA, podendo ser benignas ou malignas, primárias ou metastáticas. O sangramento não costuma ser grave. A lesão de Dieulafoy é caracterizada por um vaso submucoso aberrante di- latado que pode erodir a camada epi- telial adjacente na ausência de lesão ulcerosa. O sangramento é recorrente e pode se associar a diversas endos- copias sem diagnóstico. Fístula aortoentérica deve ser sus- peitada em paciente com histórico de cirurgia de aneurisma de aorta, úlcera penetrante, invasão tumoral, trauma, radioterapia e perfuração por corpo estranho. O sangramento é intenso. O sangramento gastrintestinal tam- bém pode resultar do sistema biliar e ductos pancreáticos. As varizes esofágicas, uma das prin- cipais causas de HDA, está presente em 50% dos pacientes com cirrose hepática ao diagnóstico. Dentre os pacientes cirróticos, um terço terá he- morragia varicosa, sendo que casos de cirrose mais avançada (classifica- ção de Child-Pugh B ou C) têm taxa mais elevada de sangramento. Já entre pacientes cirróticos sem va- rizes, a taxa de aparecimento anual é de 7%, sendo 12% a incidência anual de sangramento. O risco de hemorragia se correlacio- na com o seu tamanho, o grau de disfunção hepática e a presença de manchas vermelhas ou “red spots” (veremos mais adiante). Varizes asso- ciadas a hipertensão portal e cirro- se representam 15% dos casos de HDA e a taxa de hemorragia varicosa recorrente é de 60% em um ano, com mortalidade de 15% a 20% a cada episódio de hemorragia – variando desde 0% em pacientes Child-Pugh A a 30% em pacientes Child-Pugh C. As varizes gastroesofágicas resul- tam diretamente da hipertensão portal, devido ao aumento da resis- tência ao fluxo ou ao aumento do fluxo sanguíneo na veia porta. A resistên- cia ao fluxo pode ocorrer pela des- truição da arquitetura hepática, como consequência da fibrose, do aumento do tônus vascular por disfunção en- dotelial e diminuição da disponibilida- de de óxido nítrico. 6HEMORRAGIA DIGESTIVA A formação de varizes gera descom- pensação do sistema venoso porta, transportando sangue para a circula- ção sistêmica. A formação de varizes ocorre quando o gradiente venoso portal supera cerca de 10mmHg. Esse processo se associa a fatores angio- gênicos, com formação de colaterais porto-sistêmicas e portal-venosa, aumentando fluxo sanguíneo devido à vasodilatação esplênica e aumento do débito cardíaco. Por fim, o cresci- mento das varizes é influenciado pelo aumento da pressão e do fluxo da cir- culação portal. (1)= coronária (2)= paraesofágica (3)= esofágica (4)= paraumbilical (5)= cabeça de medusa (6)= perisplênica (7)= retrogástrica (8)= shunt gastrorrenal (9)= shunt esplenorrenal (10)= mesentérica inferior (11)= plexo hemorroidário (12) = paravertebral retroperitoneal Figura 2. Vascularização venosa com alterações de pressão. Fonte: https://www.hindawi.com/journals/ hpb/2013/129396/fig12/ Principais etiologias da HDA: • Doença Ulcerosa Péptica • Varizes gastroesofágicas • Mallory-Weiss • Úlceras de estresse • Gastropatia portal hipertensiva • Esofagite • Lesão de Dieulafoy • Angiodisplasia e Teleangiectasia • Ectasia vascular gástrica • Fístula Aortoentérica • Doença de Crohn 7HEMORRAGIA DIGESTIVA Manifestações Clínicas O paciente com HDA pode se apre- sentar com melena (a mais comum), hematêmese ou hematoquezia (em 11% dos casos) – sendo esta última mais associada com sangramen- to de grande monta e instabilidade hemodinâmica. Pode haver sinais de hipoperfusão e instabilidade hemodinâmica. A queda da pressão arterial ou o aumento da frequência cardíaca quando o pacien- te para da posição de decúbito para ortostase pode indicar perda volêmi- ca de mais de 1.000mL de sangue. MAPA MENTAL ETIOLOGIA 36% a 38% das hemorragias digestivas altas Laceração da junção esofagogástrica devido a esforços repetitivos de vômito ETIOLOGIA Neoplasias do TGI Sd. de Mallory-Weiss Angiodisplasia do TGI algo Lesão de Dieulafoy Doença ulcerosa péptica Varizes gastroesofágicas Fístula aortoentéricaHistórico de cirurgia Uma das principais causas de HDA Vaso submucoso aberrante dilatado Má formação arteriovenosa, teleangiectasias e ecstasias vasculares Ao toque retal, pode haver sangue em dedo de luva, e linfonodos supra- claviculares aumentados sugerem doença maligna. Spiders, teleangiec- tasias, hepatomegalia, esplenomega- lia ou sinais de encefalopatia hepática podem esrtar presentes se a causa subjacente for cirrose ou hipertensão portal. Manchas hiperpigmentadas na mu- cosa bucal sugere síndrome de Peut- z-Jeghers e sangramento de pólipos intestinais benignos. Por fim, telean- giectasias em lábios e língua sugerem síndrome de Osler-Weber-Rendu. 8HEMORRAGIA DIGESTIVA Avaliação Inicial A medida inicial é avaliar as vias aére- as, a ventilação e as condições hemo- dinâmicas e circulatórias – seguindo a sequência “ABC”. Obter dois acessos venosos em cada fossa cubital, mo- nitoração da pressão arterial, pulso e saturação deve ser iniciada. Alguns pacientes selecionados podem me- recer uma intubação orotraqueal por apresentarem intensa hematême- se, particularmente aqueles com ris- co elevado de aspiração (reflexo da tosse ausente e alteração do estado mental). MAPA MENTAL MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Teleangiectasias Manifestações clínicas Hematoquezia Hipovolemia Exame físico HematêmeseMelena Púrpuras Petéquias Visceromegalia Ascites Massas Manchas hiperpigmentadas na mucosa bucal Dispneia Palpitações Hipotensão ortostática Choque 9HEMORRAGIA DIGESTIVA Pacientes que chegam ao departa- mento de emergência com sintomas de hemorragia digestiva alta e têm sinais de instabilidade hemodinâmica devem receber reposição volêmica. Não existe consenso sobre o melhor fluido a ser utilizado nesses casos, mas devido a seu menor custo, os cristaloides continuam sendo a prin- cipal opção. Na maior parte dos casos, 1L a 2L de cristaloides são capazes de estabili- zar o paciente. No entanto, preconi- za-se que a ressuscitação volêmica não seja agressiva, devido ao risco de intensificar o sangramento. Por isso, muitas vezes podemos repor sem necessariamente ultrapassar os limites da normotensão. Conforme as últimas diretrizes ameri- canas, deve ser feita transfusão san- guínea em pacientes com hemoglo- bina menor que 7g/dL a 8mg/dL. Em pacientes com doença cardiovascular, especialmente síndrome coronariana aguda, é razoável um limiar de 8g/dL. Todo paciente deve passar por uma avaliação de risco e classificados em pacientes de alto risco e pacientes de baixo risco para reintervenções ou óbito. A endoscopia digestiva alta (EDA) é o exame de escolha para o diagnóstico etiológico e deve ser rea- lizada o mais rápido possível e, ideal- mente, em menos de 24 horas, assim que o paciente estiver estabilizado. Caso a visualização seja prejudicada (por interrupção do sangramento, por exemplo), pode-se repetir a EDA em 24h. Em pacientes com gastropare- sia ou em que se espera dificuldade de visualização no exame, pode-se usar eritromicina 2mg/kg de 20 a 120 minutos antes do procedimento, uma vez que o medicamento aumenta a motilidade gastrintestinal e melhora a visualização. A administração precoce de somatos- tatina ou análogos podem também facilitar o exame por parada temporá- ria do sangramento caso haja sangra- mento por varizes esofágicas. No entanto, antes da EDA, deve-se fazer a estratificação de risco do paciente. Dentre os scores de risco pré-endoscópicos, o score de Glas- gow-Blatchford tem se mostrado o mais usado e bem-estabelecido en- quanto preditor de prognóstico. UREIA (MMOL/L) VALOR 6.5-7.9 2 8-10 3 10-24.9 4 > ou igual a 25 6 HB (G/DL) EM HOMENS VALOR 12-13 1 10-11.9 3 <10 6 HB (G/DL) EM MULHERES VALOR 10-12 1 <10 6 10HEMORRAGIA DIGESTIVA PAS (MMHG) VALOR 100-109 1 90-99 2 <90 3 PULSO ≥100BPM VALOR Sim 1 HISTÓRIA/ COMORBIDADES VALOR Melena 1 Síncope 2 Doença Hepática* 2 Insuficiência cardíaca** 2 *História conhecida ou evidência clínica/laboratorial de doença hepática crônica ou aguda **História conhecida ou evidência clínica/ecocardiográfi- ca de insuficiência cardíaca. Tabela 1. Escore de Glasgow-Blatchford Pacientes com score de Blatchford igual ou menor que 1 podem ser tra- tados ambulatorialmente, sem ne- cessidade de internação para realizar a endoscopia. Pacientes com score maior que 1 devem ser internados para avaliação endoscópica. Caso não se detecte a fonte de san- gramento, uma opção é a cintilografia com mapeamento de hemácias mar- cadas com tecnécio, mas o exame só é positivo em 45% dos casos de EDA negativa. Outra opção é a arte- riografia, que detecta pequenos san- gramentos e pode realizar o diagnós- tico em casos de EDA negativa ou de difícil visualização. Outras possibili- dades incluem enterografia e cápsula endoscópica, porém são pouco vali- dadas para estudo na emergência. Outros exames complementares in- cluem: hemograma com hematócri- to e hemoglobina seriados, coagu- lograma, função hepática, função renal e eletrólitos, que são reco- mendados para todos os pacientes. Coagulopatia na apresentação é um fator prognóstico importante, sendo o INR >1,5 associado com mortali- dade de 15%. Também marca a pre- sença de outras comorbidades, como hepatopatia crônica. A coagulopatia deve ser corrigida em pacientes com sangramento ativo, embora não seja bem estabelecido a meta de INR. A endoscopia não deve ser atrasada nesses casos. Por fim, a partir da história, tem-se as principais hipóteses etiológicas para a hemorragia. Procinéticos devem ser considerados antes da endoscopia, já inibidor de bomba de prótons de- vem ser iniciados em pacientes com suspeita de úlcera péptica. Quando há suspeita de hemorragia varicosa associada a cirrose, utilizar somatos- tatina ou seus análogos. Falaremos melhor dessas medidas adiante. 11HEMORRAGIA DIGESTIVA Tratamento Doença Ulcerosa Péptica A base do tratamento medicamento- so é a administração de inibidor de bomba de prótons (IBP) por via in- travenosa, apesar de não substituir a endoscopia em pacientes com sangra- mento ativo. A posologia recomendada é de esomeprazol 80mg IV em bolus, seguido de 40mg IV 12/12h. A infu- são intravenosa contínua de omeprazol (8mg/h) pode ser indicada naqueles submetidos a hemostasia endoscópica e com alto risco de ressangramento. Pacientes com baixo risco de ressan- gramento ou sem vaso visível à EDA pode trocar o IBP intravenoso por oral logo após a endoscopia. Com a endoscopia, a hemorragia pode ser classificada segundo a clas- sificação de Forrest, que categoriza estigmas endoscópicos. MAPA MENTAL AVALIAÇÃO INICIAL Avaliação inicial 2 acessos + monitorar PA, pulso e saturação Transfusão sanguínea se Hb <7 a 8g/dL Avaliação de risco “ABC” Ressuscitação hemodinâmica se necessário Se ≥2, realizar EDA Hemograma com hematócrito e hemoglobina seriados, coagulograma, função hepática, função renal e eletrólitos+ CLASSIFICAÇÃO DE FORREST I: sangramento ativo Ia: sangramento “esguichando”, ou “em jato” Ib: sangue lento ou “babando” II: sinais de sangramento recente IIa: Vaso visível IIa: coágulo aderido na base da úlcera IIc: mancha pigmentada plana III: úlcera com base limpa sem sinais de sangramento 12HEMORRAGIA DIGESTIVA O risco de recorrência da hemorragia sem tratamento endoscópico é de 81% para Forest I; 39% para Forest II e 22% para Forest III. O tratamento endoscó- pico é indicado para úlceras com san- gramento ativo (Forest I) e com sinais de sangramento recente (Forest II). O tratamento endoscópico pode ser por injeção, térmico ou mecânico. In- jeção de epinefrina diluída e de agen- tes escleróticos como etanol, além de métodos que causam trombo- se local como dispositivos térmicos e clipes hemostáticos, são opções terapêuticas. A injeção de epinefrina não deve ser realizada isoladamente, mas associada a uma modalidade terapêutica alterna- tiva. A injeção pode ser utilizada para homeostase inicial, com controledo sangramento para melhorar a visuali- zação, seguida de tratamento definitivo com métodos térmico ou mecânico. Em 8 a 15% dos indivíduos trata- dos, a endoscopia não é suficiente para controlar o sangramento. Uma segunda endoscopia pode ser tenta- da nesses casos. Caso permaneça a refratariedade, pode haver indicação cirúrgica. Embolização angiográfica é uma alternativa. Varizes esofágicas A administração precoce de soma- tostatina ou seus análogos - que irão atuar por meio de vasoconstrição arterial esplênica, contribuindo para a parada temporária do sangramento – facilita a execução do exame e re- duz a necessidade de transfusão. As opções são: terlipressina, somatos- tatina e octreotide. Recomendações mais atuais indicam iniciar a terapia com um desses fármacos assim que houver suspeita de ruptura de varizes esofágicas. Não se deve administrar IBP’s em pacientes tratados com somatostati- na ou seus análogos, pois estas já ini- bem a secreção ácida pelo estômago. As doses recomendadas são de 2mg 4/4h para a terlipressina, 250µg em bolus seguido de 250-500µg/h para somatostatina, e 50µg em bolus se- guido de 50µ/h para octreotide. Esses fármacos são geralmente administra- dos por até 5 dias. A melhor terapia endoscópica para pacientes com varizes esofágicas é a ligadura elástica. No entanto, como podem recidivar, é bom sempre manter vigilância. Se houver varizes gástricas, a abordagem endoscópi- ca muda: a obliteração endoscópica com uso de adesivos de tecido, como N-butil-2-cianoacrilato, é mais eficaz que a ligadura endoscópica. O tamponamento com balões é outra abordagem possível para sangramen- tos não-controlados. Se a hemorragia é maciça e o tratamento endoscópico não está disponível, usa-se o tam- ponamento com balão como método 13HEMORRAGIA DIGESTIVA temporário, uma vez que a taxa de recorrência após descompressão é de 50%. Logo, é um procedimento de resgate até terapias definitivas. A endoscopia pode ser repetida no caso de ressangramento de varizes esofágicas, mas não se mostra be- néfica em varizes gástricas. Se hou- ver refratariedade, há opção de pas- sagem de derivação portossistêmica transjugular (TIPS) ou cirurgia. Gastropatia portal hipertensiva Caracterizada pela dilatação de vasos da mucosa gástrica, especialmente do fundo e corpo, a gastropatia portal hipertensiva pode ser predita a partir da presença de varizes gastroesofá- gicas e da classificação de Child-Pu- gh. Geralmente, sua apresentação é crônica e não leva o paciente ao de- partamento de emergência. Seu tra- tamento inicial consiste na suplemen- tação de ferro e beta-bloqueadores não-seletivos. Caso continue, reque- rendo transfusões sanguíneas, uma derivação jugular portossistêmica in- tra-hepática ou uma derivação cirúr- gica devem ser consideradas. E o paciente que toma anti-trombóticos? Frequentemente, o paciente que se apresenta à emergência com qua- dro de HDA faz uso de anti-trom- bóticos. Embora essas drogas, fisiologicamente, tendam a piorar o sangramento, não há evidência de que a continuação delas piore os des- fechos. No geral, a decisão de conti- nuar ou não deve ser individualizada e tomada de forma multidisciplinar. Em pacientes que fazem uso de as- pirina, parece ser razoável interrom- per e retornar o seu uso 4 dias após o procedimento. Em pacientes em uso de antiplaque- tário duplo, deve-se continuar o uso nos pacientes de baixo risco de san- gramento recorrente. Aqueles com alto risco, drogas antiplaquetárias de- vem ser evitadas. Embora o guideline americano de 2016 indicasse transfusão de pla- quetas para pacientes em uso de an- tiplaquetários submetidos a endos- copia, evidências mais recentes falam contra essa medida. É recomendado corrigir coagulo- patias. Vitamina K intravenosa (5- 10mg) pode ser usada para reverter a coagulopatia por deficiência dessa vitamina. Seu efeito, no entanto, pode demorar até 24h. Complexo protrom- bínico reverte rapidamente coagulo- patias relacionadas à deficientcia de protrombina, sendo este tratamento preferível ao uso de plasma fresco congelado. Já o fator VIIa deve ser re- servado apenas para pacientes com hemorragia com risco de morte. 14HEMORRAGIA DIGESTIVA MAPA MENTAL TRATAMENTO TRATAMENTO Varizes esofágicas Inibidor de bomba de prótons (IBP) por via intravenosa Tamponamento com balões DUP Gastropatia portal hipertensiva A classificação de Forrest Forrest III Forrest I e II Tratamento endoscópico Injeção, térmico ou mecânico Derivação jugular portossistêmica intra-hepática Suplementação de ferro + beta- bloqueadores não-seletivos Derivação cirúrgica Administração precoce de somatostatina ou seus análogos Terapia endoscópica Ligadura elástica (esofágica) e tecido adesivo (gástrica) Temporário 15HEMORRAGIA DIGESTIVA 3. HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA A hemorragia digestiva baixa (HDB) é definida pelo sangramento distal ao ligamento de Treitz. Compõe cerca de 20% das hemorragias digestivas e tem mobimortalidade menor do que a HDA. Geralmente, o sangramento da he- morragia digestiva baixa é autolimita- do. No entanto, pode haver quadros de hemorragia maciça evoluindo com choque hipovolêmico, então a ava- liação e medidas iniciais devem ser direcionadas para identificar esses pacientes. A incidência anual de hospitalização por HDB é de 20 a 27 episódios por 100.000, e a taxa de mortalidade va- ria de 4% a 10%. Ainda, é responsá- vel por 1% das hospitalizações e a mortalidade está associada à inten- sidade do sangramento, à idade e a doenças associadas. É mais comum em mulheres e idosos. SE LIGA! A hemorragia digestiva baixa (HDB) é definida pelo sangramento dis- tal ao ligamento de Treitz.” Etiologia Doença diverticular É a causa mais comum de hemorragia digestiva baixa. Geralmente, o san- gramento é indolor, e resulta de lesão na artéria penetrante do divertículo. Em 90% dos pacientes, o sangra- mento se resolve espontaneamente, no entanto, apresenta recorrência em 90% dos casos. Embora a maior parte dos divertícu- los se localizem no cólon esquerdo, são os divertículos do cólon esquerdo que tem maior chance de sangrar. Ectasias vasculares Nesse grupo, estão incluídas as mal- -formações e as angiodisplasias do cólon. Podem se localizar tanto no intestino grosso, como no delgado. O seu desenvolvimento no intestino grosso está relacionado com a idade e se caracteriza por um processo crô- nico. No entanto, condições heteditá- rias também podem ser a causa sub- jacente, podendo então ocorrer em crianças e jovens. Além disso, doença cardíaca valvar é um importante fator de risco para ectasias hemorrágicas. Colite isquêmica e isquemia mesentérica A colite isquêmica é uma causa co- mum de isquemia intestinal e geral- mente é auto-limitada, resolvendo-se espontaneamente. Até 20% dos pa- cientes, no entanto, podem precisar de cirurgia. O intestino é mal vascula- rizado e sofre ação adicional da flora bacteriana, predispondo-o a eventos isquêmicos. Ruptura aneurismáti- ca, estados de hipercoagulabilidade, 16HEMORRAGIA DIGESTIVA vasculites, síndrome do intestino ir- ritável (SII) e alguns medicamentos vasoconstrictores ou que diminuem a motilidade intestinal podem predis- por à ocorrência de colite isquêmica. Já a isquemia mesentérica pode oca- sionar necrose intestinal. Trombose ou embolia da artéria mesentérica superior, trombose venosa mesenté- rica e isquemia mesentérica não oclu- siva estão inclusas entre as causas. O diagnóstico é difícil na medida em que sua apresentação pode mime- tizar outras condições abdominais. Deve-se suspeitar especialmente em pacientes maiores de 60 anos, com fi- brilação atrial, infarto do miocárdio re- cente, dor abdominal pós-prandial ou perda de peso inexplicada. A TC tem especificidade alta, mas sensibilidade geralmente baixa para isquemia me- sentética. A angiografia segue sendo o método de escolha. O prognóstico é muito ruim, com sobrevida de 50%se diagnosticada dentro das primei- ras 24h. Divertículo de Meckel O divertículo de Meckel consiste em tecido embrionário de origem gástri- ca, mais comumente no íleo, sendo mais da metade das lesões ectópica. Esse tecido gástrico secreta enzimas gástricas que podem erodir a muco- sa, causando sangramento. Tem uma prevalência baixa, sendo considerada rara, e afeta comumente indivíduos mais jovens. 17HEMORRAGIA DIGESTIVA MAPA MENTAL ETIOLOGIA Se resolve espontaneamente Relacionado com a idade ETIOLOGIA Doença diverticular Divertículo de Meckel Isquemia mesentérica Colite isquêmicaEctasias vasculares Sangramento é indolor Causa mais comum Causa comum de isquemia intestinal Geralmente é auto-limitada Ruptura aneurismática, estados de hipercoagulabilidade, vasculites, SII, medicamentos vasoconstrictores Prognóstico muito ruim Trombose ou embolia da artéria mesentérica superior, trombose venosa mesentérica e isquemia mesentérica não oclusiva Prevalência baixa Indivíduos mais jovens Mal-formações e as angiodisplasias Processo crônico Recorrência em 90% dos casos 18HEMORRAGIA DIGESTIVA Manifestações Clínicas A principal manifestação da HDB é a hematoquezia ou enterorragia. Pa- cientes com trânsito intestinal mais lento podem apresentar melena. Pode haver sinais de hipovolemia, sendo a taquicardia indicador de hi- povolemia leve a moderada; enquan- to hipotensão ortostática indica perda de ao menos 15% da volemia. Hipo- tensão arterial ou choque indica per- da de 40%. Perdas acima de 800mL podem desencadear sintomas como fraqueza, hipotensão ortostática, dispneia e palpitações. Pele úmida e mal perfundida, bem como tempo de enchimento capilar diminuído, são si- nais mais precoces de hipovolemia. Achados no exame físico como tele- angiectasias podem sugerir doença hepática como possível causa. Já púr- puras e petéquias podem indicar co- agulopatias, que também podem ser secundárias a hepatopatia. Ao exa- me abdominal, pode haver palpação, massas, ascite ou visceromegalia. Ausência de dor e de sensibilidade abdominal indica causas vasculares. Distúrbios intestinais inflamatórios mais comumente cursam com dor e hipersensibilidade. Perda de peso não-intencional e alteração do ritmo intestinal sugerem causas malignas. 19HEMORRAGIA DIGESTIVA Diagnóstico Do paciente com HDB, deve-se co- lher a história investigando o início e a duração dos sintomas, além de doen- ças associadas ou sintomas prévios. Importante determinar se já houve episódio de hemorragia digestiva antes, além do histórico de dor, trau- ma, ingestão ou inserção de corpos estranhos e recentes colonoscopias MAPA MENTAL MANIFESTAÇÕES MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA HDB Dispneia Hipovolemia Exame físico Hematoquezia Enterorragia MelenaTaquicardia Palpitações Hipotensão ortostática Choque Massas Ascites Visceromegalia Petéquias Púrpuras Dor/sensibilidade abdominal Teleangiectasias 20HEMORRAGIA DIGESTIVA (hemorragia tardia pode ocorrer até 3 semanas pós-polipectomia). Histó- rico de cirurgias, investigando a pos- sibilidade de fístula aorto-entérica após enxerto aórtico, bem como uso de medicamentos, dado que alguns podem predispor ao sangramento (anti-inflamatórios não esteroidais e salicilatos). O exame minucioso da região anal pode revelar fonte de sangramento, massas, tumores, fissuras ou hemor- roidas externas. O toque retal deve ser realizado em todos os pacien- tes. A anuscopia deve ser utilizada e, principalmente em mulheres, usada para avaliar também região uretral e genitália externa para possíveis fon- tes externas de sangramento nessas áreas. Exames complementares necessá- rios incluem hemograma, coagulo- grama, tipagem sanguínea, função renal, sódio, potássio, glicose e função hepática. A ureia pode ser elevada por fontes de sangramento digestivo superiores, através da digestão e ab- sorção da hemoglobina. Além disso, atentar-se para o coagulograma, que nem sempre demonstrará queda da hemoglobina e refletir a real perda de sangue, principalmente nas primeiras 24h. Deve-se obter um eletrocardio- grama em pacientes com doença ar- terial coronariana. A tomografia computadorizada do abdome é o exame inicial na suspeita de perfuração intestinal. No entanto, a endoscopia é o melhor método diag- nóstico, com capacidade de identifi- car a etiologia em 70 a 90% dos ca- sos, devendo ser realizada em todos os pacientes. Pacientes com sangramento maciço podem ainda ser candidatos a uma endoscopia digestiva alta (EDA), de- vido à probabilidade razoável de se tratar de uma HDA. Se a colonoscopia não for possível, a angiografia, cintilografia ou angioto- mografia costumam ser utilizados a depender do serviço. A angiotomo- grafia com multidetectores, particu- larmente, tem acurácia de 93% e re- presenta uma boa opção. A arteriografia pode orientar e iden- tificar o local de sangramento e defi- nir o planejamento cirúrgico, além de permitir opções terapêuticas quan- do possível – como a embolização arterial percutânea ou a infusão de vasoconstritores. No entanto, o diag- nóstico e o tratamento por esses métodos requerem uma hemorragia mais volumosa. A cintilografia por hemácias marca- das com tecnécio, embora apresente melhor capacidade de detectar san- gramentos menores, não é um bom exame para localização da lesão. 21HEMORRAGIA DIGESTIVA MAPA MENTAL DIAGNÓSTICO EXAMES PARA IDENTIFICAR CAUSAS DE HDB Angiotomografia Colonoscopia Angiografia Cintilografia com tecnécio Sensível se sangramento ativo Localiza o sangramento Possibilidade terapêutica com embolização Alto índice de complicações sérias com tromboses/ sangramentos Exame de escolha Diagnóstico preciso Sensibilidade >80% Abordagem terapêutica Risco da sedação Preparo necessário Precisa de endoscopista Alta sensibilidade se sangramento ativo Exame seguro e poucos efeitos adversos Pouco invasivo Baixa sensibilidade Não localiza bem a lesão Não é terapêutico Pouco invasivo Localiza a fonte Precisa de sangramento ativo Exposição a radiação Não é terapêutico 22HEMORRAGIA DIGESTIVA Tratamento O tratamento da HDB depende di- retamente da causa subjacente. A princípio, devemos investigar o es- tado hemodinâmico do paciente e, caso haja instabilidade hemodinâmi- ca, iniciar ressuscitação volêmica com acesso calibroso de duas veias peri- féricas, objetivando pressão sistólica acima de 80mmHg. Oxigenação su- plementar até pelo menos o resultado da oximetria, bem como monitoriza- ção cardíaca, são também imperati- vas no tratamento inicial. Para reposição volêmica, o fluido de escolha é o cristaloide. Coagulopatias devem ser corrigidas. Se INR > 1,5 ou plaquetas <50.000 céls/µL, transfundir plasma fresco para o primeiro caso ou plaquetas, no segundo caso. Concentrado de he- mácias é reservado para casos de Hb <7g/dL, devendo o limiar ser maior em idosos. No entanto, deve-se recordar que os valores do hematócrito podem de- morar horas para diminuir. Logo, pa- cientes com sangramento ativo que não respondem à ressuscitação de- vem receber transfusão de hemácias. Além disso, o sangramento é frequen- temente associado a coagulopatias de consumo. Logo, muitos autores recomendam a realização de trans- fusão em proporções de unidade de plasma, plaquetas e concentrado de hemácias de 1:1:1 ou 1:1:2. Se a hemorragia for de grande mon- ta, outra medida a ser considerada é a passagem de sonda nasogástrica. Sangue no espirado nasogástrico in- dica uma hemorragia digestiva alta como causa. A colonoscopia é capaz de identificar várias fontes de sangramento e ainda prover a abordagem terapêutica em alguns casos, por meio de métodos de homeostasia endoscópica (esclerote- rapia por injeção, eletrocoagulação, terapia com sonda de aquecimento, bandagem e clipagem). Deve ser re- alizada idealmente dentro de 12h a 24h de internação, embora pacientes mais estáveis possam realizá-la am- bulatorialmente. Se a colonoscopianão determinar a fonte, deve-se par- tir para a EDA. Cirurgia de emergência é a última op- ção em casos de sangramento san- guíneo e refratariedade à hemos- tasia endoscópica. Dentro de 5% a 25% dos pacientes precisarão dessa abordagem. 23HEMORRAGIA DIGESTIVA MAPA MENTAL TRATAMENTO Sangramento identificado Sangramento não-identificado Sim Não Sangramento identificado Sangramento não-identificado Sangramento identificado Sangramento não-identificado Paciente com hematoquezia Tratamento específico Episódio limitado? Colonoscopia Reposição volêmica Hemodinamicamente estável Hemodinamicamente instável Tratamento específico Colonoscopia Endoscopia Observação Endoscopia Tratamento específico Angiografia 24HEMORRAGIA DIGESTIVA MAPA MENTAL GERAL Proximal Distal Hemograma com hematócrito e hemoglobina seriados, coagulograma, função hepática, função renal e eletrólitos Sangramento no trato gastrointestinal Ligamento de Treitz Hemorragia digestiva Exames adicionais Instabilidade hemodinâmica Hemorragia digestiva alta (HDA) Hemorragia digestiva baixa (HDB) Transfusão sanguínea se Hb <7 a 8g/dL Ressuscitação = prioridade Colonoscopia Atentar para HDA Se Blatchford ≥2, realizar EDA Mais comuns: lesões agudas erosivas da mucosa gastroduodenal e a doença ulcerosa péptica Forrest I e II Tratamento endoscópico 25HEMORRAGIA DIGESTIVA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Medicina de Emergência – Usp. 13ª ed. 2019. Editora Manole. Clínica Cirúrgica – USP. Volume 1. Editora Manole. Barkun AN, Almadi M, Kuipers EJ, et al. Management of Nonvariceal Upper Gas- trointestinal Bleeding: Guideline Recommendations From the International Con- sensus Group. Ann Intern Med. 2019;171:805–822. [Epub ahead of print 22 October 2019]. doi: https://doi.org/10.7326/M19-1795 Forrest JA, Finlayson ND, Shearman DJ. Endoscopy in gastrointestinal bleeding. Lancet 1974;2:394-7. 10.1016/S0140- 6736(74)91770-X pmid:4136718. Aoki T et al. Management for acute lower gastrointestinal bleeding. World J Gastroenterol 2019 January 7; 25(1): 69-84 26HEMORRAGIA DIGESTIVA
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