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Acidente vascular
cerebral isquêmico
As doenças cerebrovasculares, em especial o
acidente vascular cerebral (AVC), apresentam
uma alta incidência e são uma importante
causa de morbidade e mortalidade em todo o
mundo.
De todos os acidentes vasculares cerebrais,
aproximadamente 87% são isquêmicos
(AVCi), causados por uma redução aguda
do suprimento sanguíneo cerebral.
O AVCi é causado por um trombo ou
êmbolo que bloqueia uma artéria
intracraniana, e em cerca de 25-35% dos
casos, tal bloqueio ocorre em um grande vaso.
Os mecanismos fisiopatológicos da lesão
isquêmica são complexos e dependem do
equilíbrio de múltiplos fatores, incluindo a
intensidade de redução do fluxo sanguíneo, o
tempo dessa redução, a vulnerabilidade
específica de cada tipo celular comprometido,
a presença de circulação colateral e as
reações pós-isquêmicas.
A janela terapêutica dos tratamentos
atualmente utilizados na prática clínica é de 4
horas e 30 minutos do início do ictus para
trombólise venosa com r-tPA e de até 6 horas,
preferencialmente para trombólise química ou
mecânica intra-arterial.
➔ Avaliação por imagem do AVCi agudo
É crucial a seleção apropriada dos pacientes
para as terapias de reperfusão, baseada em
achados clínicos e de imagem. Os exames de
imagem do encéfalo são recomendados antes
de se iniciar qualquer tratamento específico
para o AVCi agudo.
A seguir, propomos um algoritmo com quatro
passos-chave para a avaliação por imagem e
seleção dos pacientes com suspeita clínica de
AVCi para as terapias supracitadas.
➔
O principal objetivo da imagem inicial do
encéfalo no paciente com suspeita de AVC é
excluir a presença de hemorragia.
A TC inicial permite ainda excluir outras
condições que se apresentem clinicamente
com déficits neurológicos focais, os chamados
stroke mimics, como tumores ou infecção.
➔ Passo 2: avaliação de sinais precoces
e da extensão do infarto
• Tomografia computadorizada
Embora frequentemente normal nas primeiras
horas, a TC sem contraste pode demonstrar
sinais precoces do insulto isquêmico. A
identificação de artéria hiperdensa se dá
quando há trombo intra-arterial, o que é
mais frequente na artéria cerebral média e
seus ramos.
No parênquima encefálico, as primeiras
alterações são: perda da diferenciação
entre as substâncias branca e cinzenta,
sobretudo nas interfaces do núcleo
lentiforme e da ínsula, hipoatenuação do
parênquima cerebral e edema,
determinando assimetria dos sulcos
corticais.
A TC sem contraste pode também ser
utilizada para avaliar a extensão de
parênquima lesado pela isquemia, de extrema
importância para a definição das demais
opções terapêuticas.
• Ressonância magnética
Ao estudo de RM, a difusão é a sequência
utilizada para a detecção de lesão isquêmica
aguda, sendo muito mais sensível que a TC
(sensibilidade entre 90-100%). A restrição da
movimentação das moléculas de água no
AVCi agudo é decorrente do edema
citotóxico/redução do volume intersticial no
tecido isquêmico, sendo caracterizada por
hipersinal na sequência pesada em difusão
(b1000).
➔ Passo 3: avaliação vascular
Avaliação do trombo alvo e da anatomia
vascular intra e extracraniana
Se a opção do tratamento intra-arterial for
disponível, recomenda-se fortemente a
realização de um estudo vascular
intracraniano não invasivo durante a avaliação
inicial do paciente, para detecção do sítio de
oclusão arterial. Tal conduta não deve, no
entanto, atrasar a administração do
trombolítico endovenoso, se indicado.
Os estudos de ângio-TC atuais são capazes
de fornecer uma avaliação detalhada da
vasculatura extra e intracraniana em menos
de 5 segundos, desde o arco aórtico até o
polígono de Willis, com uma única aquisição e
excelente resolução isotrópica.
Além de detectar o sítio da oclusão arterial,
com avaliação de possível trombo alvo para
terapia intervencionista, acessando sua
localização e tamanho.
➔ Passo 4: perfusão
Os benefícios de imagens adicionais, como a
perfusão por TC ou RM com o intuito de
selecionar pacientes para a terapia intra-
arterial, ainda são desconhecidos.
Existem evidências de que a perfusão por
tomografia computadorizada (PTC) é mais
sensível que a TC sem contraste na
identificação do core isquêmico. Além disso, a
PTC também fornece informações sobre a
chamada área de penumbra, definida como
tecido cerebral isquêmico em risco, ainda não
definitivamente infartado e, portanto,
potencialmente salvável.
As variáveis mais importantes obtidas no
estudo de perfusão, tanto por PTC como por
perfusão por ressonância magnética (PRM)
são o volume sanguíneo cerebral (VSC), fluxo
sanguíneo cerebral (FSC), tempo médio de
trânsito (MTT) e Tmáx (time-to-maximum).
Áreas com Tmáx ou MTT prolongados estão
hemodinamicamente comprometidas.
Paciente com suspeita de AVC.
(A) TC de crânio sem contraste realizada na
admissão foi normal.
(B) ATC mostra uma oclusão de trombo no
segmento M1 da artéria cerebral média
esquerda (seta verde).
(C) PTC com aumento do MTT no território da
artéria cerebral média esquerda.
(D) FSC reduzido no centro desta área.
(E) VSC é quase normal e indicativo de tecido
recuperável ('penumbra').
➔ Avaliação da evolução do AVCi
O AVCi pode ser classificado, de acordo com
seu tempo de evolução, nas seguintes fases:
• Hiperagudo: até 24 horas (sendo
hiperagudo precoce nas primeiras 6
horas)
• Agudo: até 7 dias.
• Subagudo: de 1 a 3 semanas.
• Crônica: mais de 3 semanas.
• Tomografia computadorizada
A partir de 24 horas do ictus, a maior parte
dos infartos em território de grandes
artérias são vistos na TC sem contraste
como hipoatenuação franca,
corticossubcortical, obedecendo ao
território vascular acometido e com
redução dos sulcos corticais adjacentes.
O efeito de massa tende a aumentar nos dias
subsequentes, geralmente com pico em torno
do terceiro ao quarto dia, podendo ser tão
importante que necessite de craniectomia
descompressiva em alguns casos. A partir da
primeira semana, o efeito de massa começa a
se reduzir e evolui, em meses, para redução
volumétrica, muitas vezes com dilatação
compensatória dos espaços liquóricos
adjacentes (ventrículos, cisternas e sulcos
corticais).
• Ressonância magnética
Inicialmente, as lesões isquêmicas não são
identificadas nas sequências pesadas em T1.
A partir de 24 horas, as alterações passam a
ser perceptíveis e são caracterizadas por
hipossinal. Necrose cortical pode ser vista
como hipersinal cortical espontâneo, de
morfologia giral, que aparece a partir de
aproximadamente 2 semanas.
A transformação hemorrágica é mais
frequente após 48 horas, mas, especialmente
em casos de trombólise, pode aparecer na
fase aguda. Os núcleos da base são o local
mais comum de acometimento, mas infartos
muito extensos muitas vezes têm focos
hemorrágicos de permeio.
Na fase crônica de evolução, não mais se
caracteriza restrição à difusão das moléculas
de água, com valores de intensidade acima do
parênquima normal. A lesão evolui para
cavidade com intensidade de sinal
semelhante ao liquor (hipossinal em FLAIR e
hipersinal em T2), margeada por zona de
gliose.
Trombose pós traumática da A. carótida
interna E, com infarto no território da ACM
E (agudo, 12 horas). Paciente enfiou um
cabide na garganta, atingindo a carótida.
Chegou ao PS cerca de 12 horas após o
acidente, já hemiplégico à D. RM após
48hs. O paciente apresentou boa
recuperação do episódio.
2 diasapós o acidente traumático, mostram
que a área de infarto está melhor delimitada e
o efeito de massa está maior. O infarto atinge
todo o lobo temporal, a ínsula, putamen, globo
pálido, e a região parietal (praticamente todo
o território da A. cerebral média E)
• Tem vários outros cortes
Nota: TC sem contraste, mostrando infarto
recente subagudo de parte do território da A.
cerebral média E. Há uma área hipodensa de
limites aproximadamente triangulares,
compromentendo a ínsula, cápsula externa,
córtex do lobo parietal, e nos cortes mais
superiores, parte dos lobos frontal e
parietal. Há perda da delimitação entre a
substância branca e cinzenta. No 1º. corte, ao
lado do scout, observa-se um ponto
hiperdenso, que pode corresponder a um
ramo trombosado da A. cerebral média E.
Nota-se ainda efeito de massa, com discreto
desvio da linha média e apagamento dos
sulcos corticais.
• Feminino 50 anos, convulsões tonico –
clonicas generalizadas
Nota-se área hipodensa comprometendo
substância branca e cinzenta no território de
um ramo temporal da A. cerebral média E. A
lesão está com pouco edema indicando tratar-
se de um infarto mais tardio.
O infarto é indicado pela nítida hipodensidade,
mas não há efeito de massa. O edema atinge
um pico cerca de 1 semana após o infarto.
Após, começa a regredir.
CORTES AXIAIS mostram a lesão temporal
E já com retração e atrofia. Há hipersinal em
T1 no córtex da zona de infarto, que deve
corresponder a macrófagos xantomatosos
(células grânulo-adiposas) e um hiposinal da
substância branca indicando gliose.
➔ Territórios vasculares
O conhecimento dos territórios arteriais é
fundamental para a identificação da natureza
isquêmica de uma lesão.
Necessariamente as lesões vasculares vão
acompanhar o território irrigado pela
respectiva artéria. É importante lembrar que
variações anatômicas são frequentes,
especialmente no polígono de Willis,
determinando territórios muitas vezes
inconstantes.
Propomos a divisão do acometimento arterial
cerebral em dois sistemas: leptomeníngeo
(também conhecido como superficial ou pial)
e perfurante (ou profundo).
➔ Sistema arterial leptomeníngeo
O sistema arterial leptomeníngeo compreende
os ramos terminais das artérias cerebrais e
cerebelares, os quais penetram o córtex e a
substância branca subjacente. Infartos nos
territórios irrigados por essas artérias são
frequentemente descritos como infartos
territoriais, podendo ser divididos em
anteriores (artérias cerebrais médias e
anteriores) e posteriores (artérias cerebrais
posteriores e artérias cerebelares superiores,
posteroinferiores e anteroinferiores).
➔ Sistema arterial perfurante
As artérias perfurantes têm origem no
polígono de Willis, artéria coróidea anterior e
artéria basilar, perfurando o parênquima
encefálico para suprir o diencéfalo (tálamo,
hipotálamo, subtálamo e epitálamo), os
núcleos da base, a cápsula interna e o tronco
encefálico.
• A.basilar
• aa. perfurantes paramedianas
• aa. circunferenciais curtas
• aa. circunferenciais longas
• a. do labirinto
• a. cerebelar inferior anterior
• a. cerebelar superior
• a.a. cerebrais posteriores
Face medial do lobo occipital, parte caudal do
lobo parietal, face inferior do lobo temporal e
esplênio do corpo caloso
➔ Causas
O prognóstico, risco de recorrência,
acompanhamento clínico e as decisões
terapêuticas do paciente são bastante
influenciadas pelo subtipo do AVCi. Dessa
forma, uma classificação precoce do subtipo
de infarto isquêmico tem uma grande
importância na prática clínica. Um dos
métodos mais utilizados para classificação do
AVCi é o chamado método TOAST (Trial of
ORG in Acute Stroke Treatment).
• 1. Aterosclerose de grandes artérias
• 2. Infartos cardioembólicos
• 3. Oclusão de pequenos vasos
(lacunar)
• 4. AVCi de outra etiologia determinada
• 5. AVCi de etiologia indeterminada: