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1 EDUCAÇÃO DO CAMPO NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA: ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES Camila Casteliano Pereira Rosana Aparecida Da Cruz Regina Bonat Pianovski Introdução Esta pesquisa problematiza as organizações coletivas dos trabalhadores do campo na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), acerca do seu papel político na perspectiva da Educação do Campo. Este estudo faz parte das ações desenvolvidas por um grupo de pesquisadores integrantes num Projeto do Observatório da Educação- MEC/INEP. O referido projeto tem como objetivo a reestruturação dos projetos político-pedagógicos das escolas localizadas no campo, discutindo a aderência destes à realidade dos sujeitos do campo. As intervenções realizadas nos 24 municípios, articulados ao projeto, estão ancoradas nos princípios defendidos pela Educação do Campo que “tem em sua gênese a materialidade das relações sociais que se passam no campo, a organização dos movimentos sociais, suas experiências, lutas e demandas” (SOUZA, 2015, p. 8). Esta investigação foi desenvolvida por meio de entrevistas, as quais retratam elementos importantes para compreender a estrutura agrária na RMC, o fomento para o pequeno agricultor, e a visão dos trabalhadores e líderes destas intuições sobre o trabalho no campo. Os registros das entrevistas subsidiaram a análise dos dados com relação às dificuldades e limitações enfrentadas pelos trabalhadores, em se constituírem enquanto uma organização coletiva atuante. Educação do Campo A Educação do Campo é oriunda da luta dos trabalhadores do campo e está “pautada pela ideia da autoemancipação do trabalho em relação à subordinação ao capital, colocando a intencionalidade de articular educação e trabalho em um projeto emancipador” (MOLINA, 2015, p. 381). Na RMC constatamos a presença da concepção da Educação Rural, concepção que surgiu como pauta do combate do analfabetismo na área rural, e como modo de fixar o homem no campo. Na atualidade a educação rural pode ser observada a partir da incorporação 2 de projetos e programas neoliberais, que defendem a visão do campo como um lugar de atraso, da fragmentação do trabalho do professor (a), da formação inicial e continuada fragilizada, da presença de materiais didáticos descontextualizados e do caráter mandatório no desenvolvimento escolar, o qual desconsidera a realidade na qual a escola insere. Souza (2011, p. 31) aponta que “a Educação Rural caracteriza-se por práticas educativas isoladas e marcadas por ideologias do Brasil urbano, enquanto a Educação do campo é voltada em função da força da sociedade civil organizada nos planos nacionais e estaduais, e das experiências coletivas dentro e fora da escola”. Desta forma a Educação do Campo surge em contraponto à Educação Rural com o I Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária – I ENERA, em 1997. Esse encontro teve como objetivo, problematizar a realidade das escolas localizadas no campo. Ao unir esforços a partir da luta pela Reforma Agrária Popular com a luta pela escola pública, estes coletivos observaram que a real transformação social só seria efetivada com a garantia de direitos sociais, dentre os quais o acesso e a permanência à escola pública estavam como pauta principal. E para tanto, era imprescindível que a escola dialogasse com a comunidade do seu entorno, de modo que representasse os trabalhadores do campo. Todavia, é necessário observar que “a Educação do campo tem se centrado na escola e luta para que a concepção de educação que oriente suas práticas se descentre da escola, não fique refém de sua lógica constitutiva, exatamente para poder ir bem além dela enquanto projeto educativo” (CALDART, 2009 p.38). Neste sentido a Educação do campo tem no seu cerne um projeto mais amplo, que não cabe apenas na escola, mas esta consiste num importante espaço a ser incorporado como mecanismo de resistência à uma sociedade dominada pelo modo de produção capitalista. Resultados preliminares Constatamos que nos municípios da RMC, não há a presença de movimentos sociais, com exceção do município da Lapa, onde está localizado o Assentamento do Contestado. O principal mecanismo de organização dos trabalhadores é vinculado à entidade, tais como: igrejas, associações, sindicatos e outros coletivos que não incorporam a dimensão política, as lutas e mobilizações construídas pela Educação do Campo. Destarte, nossa questão de pesquisa consistiu em investigar que instituições atuam nesta região, bem como os principais pressupostos em relação à sua dimensão organizativa para superar as principais fragilidades 3 postas no campo, principalmente aquelas ligadas ao acesso e permanência à escola pública localizada no campo. O trabalho de campo foi realizado na Federação dos trabalhadores na agricultura do estado do Paraná Federação Nacional dos trabalhadores e trabalhadoras na agricultura familiar, Sindicato do município de Almirante Tamandaré, Sindicato de São José dos Pinhais, Sindicato do município de Mandirituba, Sindicato patronal de Campo Largo, Sindicato do município de Araucária, EMATER do município de Piraquara, setor de Legalização Fundiária do município de Piraquara, Secretaria de Agricultura do município de Piraquara, organizações coletivas de Município de Tijucas do Sul, Sindicato de Bocaiúva do Sul. Dentre as discussões suscitadas nas entrevistas, destacamos que foram realizadas algumas provocações sobre o embate histórico de cada entidade, sobre as pessoas que a integram, quais são as principais reivindicações e demandas, quem são os povos do campo e os limites e as possibilidades para o trabalhador. Em relação aos sindicatos, foi possível perceber, também, sua estrutura, formação política e as conquistas efetivadas para o campo. Conforme o quadro a seguir, optamos em apresentar os dados coletados em três municípios da RMC, sobre os sindicatos e associações que dialogam com o trabalhador rural. MUNICÍPIOS DA RMC DEMANDAS DOS TRABALHADORES BOCAIÚVA DO SUL (SINDICATO) As famílias são trabalhadores em regime de economia familiar, comercializam os produtos no Ceasa. Há falta de incentivo à agricultura, as pessoas estão saindo do campo e indo para cidade. O reflorestamento (pinus e eucalipto) tirou o incentivo à apicultura, à plantação de milho e feijão e o agronegócio ocupou este espaço. As famílias são carentes e recebem até um salário mínimo. A Cooperativa de frango que havia no município fechou, por ser distante para a entrega. Havia participação dos agricultores no PAA (Plano Aquisição de Alimentos), mas desistiram por falta de pagamento. Nem todos os trabalhadores rurais tem a nota do produtor rural e isto dificulta acesso às políticas públicas, principalmente à aposentadoria. Há quilombolas na comunidade Areia Branca (divisa de Bocaiúva do Sul com o Estado de São Paulo) e estes produzem alimentos orgânicos e vendem na feira do passeio público em Curitiba. Todas as terças- feiras um caminhão busca os alimentos, porém quando chove dificulta o acesso. Não há escola no quilombo, as pessoas se deslocam para São Paulo cuja distância é de 30 km. TIJUCAS DO SUL (ORGANIZAÇÕES COLETIVAS DO MUNICÍPIO) Naquele momento de debate os trabalhadores rurais residentes na comunidade de Postinho reivindicavam a falta de água. Há invisibilidade de comunidades no mapa em que constam apenas 42 comunidades e, no entanto foi debatido sobre a 4 construção de um mapa social, pois segundo pesquisas existem mais de 70 comunidades. Falta apoio do governo do estado. Outra demanda é sobre a agricultura, ela é sazonal. Não existe mais festas que valorizavam a agricultura no Município como a festa da batata-salsa e do carneiro. A maioria dos agricultores atuam na informalidade. Há fragilidade na legalização fundiária, dificultandoo financiamento para os agricultores. O predomínio do agronegócio na região vem se acentuando. Há luta do coletivo por um município sustentável. As desigualdades étnicas, raciais ainda são presentes, há invisibilidade do quilombo de Barreiros, as pessoas vivem em situação precária com relação ao saneamento básico, saúde e moradia digna. Não há incentivo à agricultura familiar. A Associação de cultivo de cogumelos foi essencial para os trabalhadores e, aos poucos a plantação de fumo está se extinguindo. Ressalta- se que a evasão escolar no Ensino Médio é acentuada e o índice de analfabetismo ainda é alto ultrapassando 10% da população. As pessoas se deslocam para trabalhar nas áreas urbanas por falta de emprego no campo. Como mecanismo de resistência há mobilização de ações por meio das associações de moradores para melhoria das comunidades e incentivo a agricultura familiar. ARAUCÁRIA (SINDICATOS) No município de Araucária existem dois sindicatos da área rural, um que é o patronal e outro que é o dos trabalhadores. Os filhos dos agricultores não querem ficar no campo, a agricultura ficou muito mecanizada. Aqueles que não têm condição de arrendar a terra colocam-se numa condição de fragilidades econômicas. A compra do maquinário tem um alto custo, além da compra do trator, que é feita através de financiamento, há o custo dos equipamentos, mais os juros e ainda o pagamento do seguro. O trabalho é exaustivo, tendo que se dedicar em tempo integral, e devido às circunstâncias, os mais jovens preferem trabalhar em algum lugar com horário fixo de 8 horas diárias, do que ficar no campo. O governo deixa a desejar no tocante ao auxílio do transporte das mercadorias, que muitas vezes ficam encalhadas nas estradas, como exemplo os engarrafamentos formados por caminhões, deixando os alimentos parados e até estragar. Faltam atenção e investimentos na área do transporte do alimento. De acordo com os levantamentos realizados, atualmente quase 80% dos alimentos produzidos pela agricultura familiar são consumidos pelas pessoas, e levantou-se que a agricultura familiar gera mais renda para as famílias do que o próprio agronegócio. Organização: Autoras, 2016. As questões apontadas pelos trabalhadores, a partir dos seus relatos, denunciam a falta de incentivo à agricultura familiar e a invisibilidade dos direitos negados aos sujeitos do 5 campo. Percebemos também a entrada do agronegócio nos municípios interferindo na cultura e identidade dos camponeses. Considerações Finais Constatamos a necessidade de superação do paradigma da educação rural, com vistas a construção de outra concepção de educação que valorize as experiências dos trabalhadores do campo, e isso só será possível por meio da construção coletiva, por meio da luta e do enfrentamento ao modo de produção capitalista. Os relatos dos trabalhadores evidenciaram que há negligências por parte do Poder Público, mas em contrapartida apontam para iniciativas da própria população e das organizações coletivas que buscam seus direitos negados. É notório o avanço do agronegócio nos municípios da RMC, extinguindo a cultura e a preservação do campesinato, pois há uma disputa entre o modo de produção capitalista com um projeto de formação humana. Entendemos que “a Educação do campo não nasceu como uma crítica apenas de denúncia: já surgiu como contraponto de práticas, construção de alternativas, de políticas, ou seja, como crítica projetiva de transformações” (CALDART, 2009 p. 39-40). Constituindo-se, portanto em uma concepção emancipadora. No âmbito do projeto as intervenções realizadas resultam na problematização acerca do lugar dos povos do campo, provocando a construção de uma consciência crítica e uma educação transformadora. Referências CALDART, R. Educação do campo: notas para uma análise de percurso. Rev. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 35-64, mar./jun.2009. MOLINA, M. A educação do campo e o enfrentamento das tendências das atuais políticas públicas. Rev. Educação em Perspectiva, Viçosa, v. 6, n. 2, p. 378-400, jul./dez. 2015. SOUZA. M. A. A Educação do campo no Brasil. Texto impresso. Curitiba, setembro de 2015. 18fls. ___. A Educação é do campo no estado do Paraná? In: SOUZA, M. A. (org.). Práticas educativas do/no campo. Ponta Grossa UEPG, 2011.