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Artesanato e Cultura Brasileira-1

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ARTESANATO E CULTURA BRASILEIRAARTESANATO E CULTURA BRASILEIRA
CULTURA, ARTE E SOCIEDADECULTURA, ARTE E SOCIEDADE
Márcia MerloMárcia Merlo
OLÁ!
Você está na unidade Cultura,	 Arte	 e
Sociedade. Conheça aqui algumas abordagens
em torno do conceito de cultura, cultura de
massas, cultura erudita e popular. Também
re�letiremos sobre movimentos da cultura
envolvendo discussões sobre arte, design e
sociedade.
Bons estudos!
1 Noções preliminares
Conceituar cultura não é uma tarefa fácil porque a própria cultura é sempre colocada em questão. Falas
comuns como “Fulana tem cultura” ou “Ciclano é tão sem cultura” apresentam, em si, um erro conceitual
uma vez que não existe alguém sem cultura, já que esta é condição para sermos humanos. Portanto, a
abordagem, aqui, seguirá em outra direção. Pensar a cultura é necessário porque, ao realizarmos isso,
também estamos nos conhecendo. Nesta unidade trataremos do conceito de cultura antropológico e
dialogaremos com a arte e o design.
[...] a realidade fı́sica parece recuar em proporção ao avanço da atividade
simbólica do homem. Em vez de lidar com as próprias coisas o homem está,
de certo modo, conversando constantemente consigo mesmo. Envolveu-se
de tal modo em formas lingüı́sticas, imagens artı́sticas, sı́mbolos mı́ticos ou
ritos religiosos que não consegue ver ou conhecer coisa alguma a não ser
pela interposição desse meio arti�icial (o sı́mbolo). (CASSIRER, 2001, pp. 48-
9)
2 Conceito de cultura
A palavra cultura vem do cultivare, do culto. Assim, a partir do momento em que o homem e a mulher
observaram a natureza e compreenderam que poderiam intervir nela a seu favor, iniciou um longo
processo de cultivar o humano em nossa espécie. Cultivar a terra e tirar dela seu sustento foi um grande
salto para o desenvolvimento humano e social, porque logo se percebeu que trabalhar conjuntamente era
mais frutı́fero e exigia uma nova forma de comunicação. O trabalho fez o homem mais humano e a vida em
grupo exigiu dos, primeiros agrupamentos humanos, a criação de uma linguagem que expressasse o que
precisavam, para existir além da coleta do que a natureza mais selvagem oferecia. Assim, e por um longo
perı́odo, o homem criou suas condições de sobrevivência em um ambiente hostil, diante de suas
fragilidades iniciais fı́sicas e/ou sociais. Por isso, absolutamente tudo o que os humanos desenvolveram
para continuarem existindo passou a ser cultura, sendo todo o conhecimento construı́do individual e
coletivamente, assim como a necessidade de agir em grupo para sobreviver as intempéries existenciais
“primitivas”.
Junqueira (1991, p. 17) escreve, de forma objetiva, que
A cultura é o complexo mundo cotidiano que todos encontramos e pelo qual
todos nos movimentamos. A cultura começa no ponto em que os humanos
superam o que quer que seja dado em sua herança natural. O cultivo do
mundo natural, na agricultura e na horticultura, é então um elemento
fundamental de uma cultura. Dessa forma, os dois elementos mais
importantes ou gerais da cultura podem ser a habilidade dos seres humanos
para construir e a habilidade para usar a linguagem (compreendida mais
amplamente, para englobar todas as formas de sistema de signos).
Deste modo, reforça-se a ideia de que cada grupo social ou povo, em determinado lugar e em situações
diversas, elaborou respostas àquilo que vivia e necessitava resolver para sobreviver. Essa resposta
elaborada e o projeto de algo que virá a ser também está dentro do campo da cultura. Dito de outra forma,
“a partir da experiência de cada povo, de cada sociedade, �loresceram culturas próprias. A criatividade
imprimiu rica diversidade aos estilos de vida da humanidade.” (JUNQUEIRA, 1991, p. 18)
A antropóloga Carmen Junqueira (1991) ainda traz uma re�lexão profunda sobre o legado de nossos
antepassados na construção da diversidade cultural ao apontar que não há como reconstruir o percurso de
cada cultura, mas é possı́vel reconhecer os resultados de um longo percurso. Por isso, é importante “se ter
em mente que aquilo que nos é contemporâneo foi longamente trabalhado pela história. Cada cultura que
se conhece é fruto desse longo percurso que originou estilos de vida diferentes” (JUNQUEIRA, 1991, p. 20).
Assim, por cultura, podemos delinear:
Sobre a dimensão	simbólica	da	cultura, como construção coletiva de um existir no mundo, encontramos
na de�inição de símbolo:
Em outras palavras, o símbolo é a chave para a compreensão da produção simbólica e reprodução cultural.
Toda cultura está permeada de sı́mbolos. Nossa existência está repleta de imagens, sı́mbolos, valores,
conceitos. O �ilósofo Cassirer (2001, pp. 48-49) assim de�ine essa relação:
o termo cultura tem muitos signi�icados. O trabalho com a terra, o ato de
cultivar, pode ser chamado de cultura. Cultura serve também para designar
instrução, desenvolvimento intelectual. Em antropologia, convencionou-se
que os padrões de comportamento, as instituições, os valores materiais e
espirituais de um povo são cultura. Assim, toda sociedade possui uma
cultura, elaborada e modi�icada no decorrer da sua história.
relações externas e internas;
aparece em manifestações diversas ligadas à tradição e em rupturas, pois novos sı́mbolos são
criados e recriados ao longo da história
O �ilósofo nos faz re�letir ao expor que o homem não vive em um mundo de fatos nus e crus ou somente
segundo suas necessidades e desejos imediatos. Vive, antes, em meio a emoções imaginárias, em
esperanças e temores, ilusões e desilusões, em suas fantasias e sonhos. “O que perturba e assusta o
homem”, disse Epı́teto, “não são as coisas, mas suas opiniões e fantasias sobre as coisas.” (CASSIRER,
2001, p.49 apud Epı́teto, 55-135)
Daı́, voltarmos ao inı́cio do que apresentamos no tópico sobre a complexidade do conceito de cultura, pois
nela cabem muitos universos. Em Bauman (2012, pp. 227-228), amplia-se a discussão:
O homem não pode fugir à sua própria realização. Não pode senão adotar as
condições de sua própria vida. Não estando mais num universo meramente
fı́sico, o homem vive em universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a
religião são partes desse universo. São os variados �ios que tecem a rede
simbólica, o emaranhado da experiência humana. Todo o progresso humano
em pensamento e experiência é re�inado por essa rede, e a fortalece. [...] A
realidade fı́sica parece recuar em proporção ao avanço da atividade
simbólica do homem. Em vez de lidar com as próprias coisas o homem está,
de certo modo, conversando constantemente consigo mesmo. Envolveu-se
de tal modo em formas lingüı́sticas, imagens artı́sticas, sı́mbolos mı́ticos ou
ritos religiosos que não consegue ver ou conhecer coisa alguma a não ser
pela interposição desse meio arti�icial (o sı́mbolo).”
A cultura, tal como a vemos em termos universais, opera no ponto de
encontro do indivı́duo humano com o mundo que ele percebe como real. Ela
resiste como teimosia a todas as tentativas de associá-la de modo unilateral
a um dos polos do arcabouço experimental.
O conceito de cultura é a subjetividade objeti�icada; é um esforço para
compreender o modo como uma ação individual é capaz de possuir uma
validade supraindividual; e como a realidade dura e consistente existe por
Desta forma, fala-se que o homem criou a cultura e a cultura faz o homem, mas o correto, nesta a�irmação,
seria colocar tudo no plural, pois temos humanidades e culturas diferentes, assunto este que iremos
explorar um pouco mais no próximo tópico.
meio de uma multiplicidade de interações individuais. A ideia de cultura
parece encaixar-se no modelo postulado por C. Wright Mills para a
investigação sociológica centrada na ligação entre biogra�ia individual e
história social. Em suma, o conceito de cultura, quaisquer que sejam suas
elaborações especı́�icas, pertence à famı́lia dos termos que representam a
práxis humana.
2.1 Cultura e Antropologia
Os antropólogos costumam dizer quecompreender	 o	 outro é uma tarefa da antropologia,
enquanto ciência e práxis, mas, para isto, é preciso ser	adulto que pode ser entendido como:
A nossa autopercepção como seres culturais baseia-se nesse
confronto, e, desse modo, o exercı́cio de poder (à medida que
lutamos para sustentar nossos valores contra um ataque de outros).
(EDGAR, A. e SEDGWICK, P., 2003, p.75).
Para Peter Berger (1983), somos socializados desde o nosso nascimento. Isto signi�ica que somos
instituı́dos de linguagem, valores, regras, papeis sociais, leis, moral e ética, e só, aos poucos,
tomamos consciência do que somos e onde estamos. A cultura também molda o nosso ser, a nossa
visão de mundo e interfere na nossa existência. Assim, o tempo todo estamos recebendo
informações, códigos, ideias, valores; criando e repetindo hábitos, costumes, tradições, leis e regras
estabelecidos socialmente.
A questão central que se coloca aqui é o Outro e, mais uma vez, nos apoiaremos na antropologia
para tecermos esse debate. Para estabelecermos essa re�lexão, no entanto, vamos trazer trechos de
pensadores da cultura, iniciando com Franz Boas (2004, p. 47), da antropologia cultural:
Boas foi um dos primeiros a colocar, de forma bastante objetiva, que precisávamos olhar para as
particularidades culturais de cada povo para realmente conhecê-los.
Para conhecer um povo, dizia, tı́nhamos que viver próximo a ele, falar sua lı́ngua, conhecer sua
história. O antropólogo, ao colocar essas questões fundamentais para os estudos da cultura,
colocou à prova o pensamento imperante no século XIX, de que os povos passavam por estágios
evolutivos – da barbárie à civilização e, assim, inaugurou o relativismo cultural. Para conhecer um
povo é preciso estar vivendo o que ele vive.
[..] a história da civilização humana não se nos apresenta
inteiramente determinada por uma necessidade psicológica que leva
a uma evolução uniforme em todo o mundo. Vemos, ao contrário, que
cada grupo cultural tem sua história própria e única, parcialmente
dependente do desenvolvimento interno peculiar ao grupo social e
parcialmente de in�luências exteriores às quais ele tenha estado
submetido. Tanto ocorrem processos de gradual diferenciação quanto
de nivelamento de diferenças entre centros culturais vizinhos. Seria
completamente impossı́vel entender o que aconteceu a qualquer
povo particular com base num único esquema evolucionário.”
Bronislaw Malinowski foi o primeiro pesquisador da Escola Britânica de Antropologia a conviver,
de fato, entre nativos das Ilhas Trobriand, na Melanésia. Viver entre esses nativos, durante quatro
anos, não foi efetivamente uma escolha e, sim, um acaso. Ao estourar a Primeira Guerra Mundial, o
pesquisador não pode retornar para a Inglaterra e, enquanto esteve na Ilha, fez uma imersão,
desenvolvendo o método etnográ�ico – pesquisa de longa duração e profundo mergulho em uma
dada cultura e sociedade, que transformou a noção do que efetivamente se pode realizar por meio
da observação participante. Esse método se transformou em um rico campo do conhecimento das
culturas e instrumento de estudos e pesquisa próprios da antropologia. O etnógrafo escreve:
Após Malinowski, outros estudiosos de povos ditos primitivos ou tradicionais seguiram o caminho
da imersão e muitas páginas passaram a ser escritas para mostrar a existência da diversidade de
culturas e outras humanidades, como, por exemplo, Evans-Pritchard, também da escola inglesa, que
se dedicou a mostrar que os Azande não eram primitivos ou atrasados e, sim, que possuı́am um
sistema racional lógico diferente e não inferior ao das sociedades ditas civilizadas. Ele escreve:
Cada cultura possui seus próprios valores; as pessoas têm suas
próprias ambições, seguem a seus próprios impulsos, desejam
diferentes formas de felicidade. Em cada cultura encontramos
instituições diferentes, nas quais o homem busca seu próprio
interesse vital; costumes diferentes através dos quais ele satisfaz às
suas aspirações; diferentes códigos de lei e moralidade que premiam
suas virtudes ou punem seus defeitos. Estudar as instituições,
costumes e códigos, ou estudar o comportamento e mentalidade do
homem, sem atingir os desejos e sentimentos subjetivos pelos quais
ele vive, e sem o intuito de compreender o que é, para ele, a essência
de sua felicidade, é, em minha opinião, perder a maior recompensa
que se possa esperar do estudo do homem. (MALINOWSKI, 1976,
p.22)
O que esses pesquisadores-pensadores queriam provar é que o evolucionismo social e cultural
tinha um propósito, de inserir uma mentalidade de que existia para um processo de evolução nas
sociedades, semelhante ao biológico, mas, quando se trata da cultura, as regras são outras. O
alcance de nossa visão precisa se ampliar, olhar de novo, aprofundar os estudos, aguçar a
observação e perceber que há dinamismo e que a cultura pode, sim, interferir no plano biológico e
no geográ�ico, senão não terı́amos povos que vivem nos mesmos lugares e com o mesmo clima
apresentando tantas diferenças linguı́sticas, institucionais, morais, éticas e étnicas.
Era preciso entender o que levava os povos a serem tão diferentes uns dos outros e, para isto, era
preciso tecer teorias e métodos de pesquisa cientı́�ica para que isso fosse feito. Mais do que
entender o que torna as culturas universais, era necessário (e ainda é) compreender o que as faziam
ou �izeram ser tão diferentes. Aqui está o mote do debate antropológico da identidade e alteridade,
sendo
Pierre Clastres (2007, p.33) explicou porque o evolucionismo escamoteava as explicações em torno
da diversidade cultural:
Meu objetivo [...] não é descrever exaustivamente todas as situações
sociais nas quais a magia, os oráculos e bruxaria se apresentam, mas
estudar as relações entre essas práticas e crenças entre si, mostrar
como formam um sistema racional e investigar como este sistema
racional se manifesta no comportamento social. (EVANS-
PRITCHARD, 2005, p. 26).
Identidade
Alteridade
Claude Lévi-Strauss, um antropólogo que assumiu a cadeira de Sociologia da USP, nos anos 1930,
estudou sociedades indı́genas no Estado de São Paulo e criou o método estruturalista para entender
o homem de forma elucidativa, uma vez que a visão “evolucionista da evolução das culturas e do
homem em si é falseadora”, o que corrobora com a visão de Clastres exposta anteriormente.
Segundo Lévi-Strauss
[...] um entrave à re�lexão e as suas implicações têm mais
consequências do que se poderia crer. Ele não pode deixar subsistir
as diferenças (cada uma por si) em sua neutralidade, mas quer
compreendê-las como diferenças determinadas a partir do que é mais
familiar, o poder tal como ele é experimentado e pensado na cultura
ocidental. O evolucionismo, velho compadre do etnocentrismo, não
está longe. A atitude nesse nı́vel é dupla: primeiramente recensear as
sociedades segundo a maior ou menor proximidade que o seu tipo de
poder mantém com o nosso; em seguida a�irmar explicitamente
(como outrora) ou implicitamente (como agora)
uma continuidade entre todas essas diversas formas de poder.
[...] trata-se de uma tentativa para suprimir a diversidade das culturas
�ingindo conhecê-la completamente. Porque, se tratarmos os
diferentes estados em que se encontram as sociedades humanas,
tanto antigas como longı́nquas, como estádios ou etapas de um
desenvolvimento único que, partindo do mesmo ponto, deve
convergir para o mesmo �im, vemos bem que a diversidade é apenas
aparente. A humanidade tornar-se uma e idêntica a si mesma, só que
esta unidade e esta identidade não se podem realizar senão
Para tanto, ele próprio se tornou etnólogo, para entender o que é, ou não, universal nas sociedades.
Foi um dos grandes teóricos da antropologia e teceu uma crı́tica contundente à visão reducionista
da cultura, da raça e da vida.
Merleau-Ponty (1984, pp. 199-200) nos convida, em um dos seus escritos, a se deixar aprender poroutra cultura, já que esta seria uma forma de sairmos de um lugar comum e nos colocarmos em um
estado de abertura ao Outro.
Então, o pensamento evolucionista e etnocêntrico não levava ao conhecimento honesto das outras
sociedades, por se tratar de pensamento pseudocientı́�ico que não considerava a diferença como um
fator positivo, gerando preconceitos e racismos.
Assim, começa a aventura antropológica. Era preciso compreender que enxergamos pela ótica da
cultura em que estamos inseridos, mas ser adulto é também viajar por outros mundos e abrir um
leque de possibilidades para encarar novos conhecimentos sem perder o que você é, aprendendo
que, antes de julgar, é preciso conhecer muito mais do que o re�lexo no próprio espelho.
progressivamente e a variedade das culturas ilustra os momentos de
um processo que dissimula uma realidade mais profunda ou retarda
a sua manifestação.
Claro que não é possı́vel, nem necessário, que o mesmo homem
conheça por experiência todas as verdades de que fala. Basta que
tenha, algumas vezes e bem longamente, aprendido a deixar-se
ensinar por uma outra cultura pois, doravante, possui um novo órgão
de conhecimento, voltou a se apoderar da região selvagem de si
mesmo, que não é investida por sua própria cultura e por onde se
comunica com as outras.
Para o conceito de cultura, sugere-se a leitura de LARAIA, Roque de Barros. Cultura:
um conceito antropológico, 21º edição. Zahar: Rio de Janeiro, 2007. O autor, de uma
maneira, objetiva e a partir de sua vivência em sociedades indı́genas no Brasil, nos traz
o caminho e os motivos pelos quais a cultura virou um conceito antropológico.
2.2 Igual, diverso ou diferente?
De modo simplista, a resposta à pergunta que abre esse tópico seria tudo junto e misturado, de
acordo com sua história e interações sociais. Em Claude Lévi-Strauss, a diversidade ocorre não
somente em sociedades diferentes entre si e, sim, dentro de cada sociedade. Escreve em Raça e
História (2003, p. 15):
Não existe a�irmação identitária sem rede�inição das relações de
alteridade, como não há cultura sem criação cultural. A própria
referência do passado é um ato de criação e, pode-se dizer, de
mobilização. (AUGE, 1998, p.28)
Assim, Lévi-Strauss aponta que a diversidade das culturas é resultante das relações diretas e
indiretas entre as sociedades, assim como é um fenômeno universal o etnocentrismo: toda e
qualquer sociedade se acha, em algum aspecto, ou em geral, melhor que as demais. Essa visão de si
pode levar o outro a querer modi�icar ou intensi�icar aspectos de sua cultura, sem necessariamente
desejar dominar ou liquidar seu vizinho, mas, levado às últimas consequências, o etnocentrismo
pode se tornar uma ideologia de superioridade social ou até racial, daı́ estaremos diante de um
grande problema, como já presenciamos na Segunda Guerra Mundial e, mais recentemente, em
con�litos étnicos.
O que nos interessa aqui é compreender que há movimentos internos e externos a uma dada
cultura e sociedade que marcam suas diferenças. As variáveis a serem analisadas são de
ordens objetivas e subjetivas. O que os antropólogos apontam é que, não basta deduzir, é preciso
ir além do que se lê, é preciso vivenciar para entender o que não se vê e ouvir o que não se diz.
Assim, como o que é lembrado, o não-dito e o silêncios dizem muito das sociedades. A cultura é
negociada o tempo todo. A própria noção de cultura erudita e cultura popular é uma construção de
acordo com a sociedade de classes e a visão de cultura a partir de uma ideologia dominante e uma
cultura de massas. Mas, onde �ica o indivı́duo e suas escolhas? Continuaremos a discutir isso nos
próximos tópicos, ao analisar a arte, o artesanato, a contracultura, a cultura de rua, popular e de
massas.
Com efeito, o problema da diversidade não se põe apenas a propósito
das culturas encaradas nas suas relações recı́procas, existe no seio de
cada sociedade, em todos os grupos que a constituem: classes, meios
pro�issionais ou confessionais etc., desenvolvem determinadas
diferenças às quais cada uma delas atribui uma extrema importância.
[...] ao lado das diferenças devidas ao isolamento, existem aquelas,
também importantes, devidas à proximidade: desejo de oposição, de
se distinguirem, de serem elas próprias. Muitos costumes nasceram,
mas apenas da vontade de não permanecer atrasado em relação a um
grupo vizinho que submetia a um uso preciso um domı́nio em que
nem sequer se havia sonhado estabelecer leis.
3 Arte e cultura
Nada escapa do crivo da valorização cultural, que pode ser tanto positivo como negativo. Os hábitos,
costumes e leis são determinados pelas tradições criadas pelos grupos sociais, em seu tempo e espaço. As
próprias técnicas são construções histórico-sociais, assim como as artes e qualquer forma de expressão
verbal ou não.
O imaginário é a criação incessante e essencialmente indeterminada de �iguras/formas/imagens, por meio
do qual se torna possı́vel imaginar/deduzir ou até mesmo falar de alguma coisa. Aquilo que denominamos
de realidade e de racionalidade são seus produtos. Se pensarmos assim, e estivermos atentos às
diversas dimensões do real – visível e invisível -, avançamos muito na compreensão da vida social e,
neste sentido, a arte atua na criação de expressividades.
Quando associamos arte e cultura, estamos falando de dimensões que se entrelaçam entre essas
manifestações do humano, pois a arte está dentro da cultura e compreendendo a sociedade em que estamos
inseridos, com sua diversidade e adversidade. Estaremos, também, entendendo o lugar da arte na cultura.
Ou seja, a arte será um instrumento para nos expressarmos dentro da cultura, uma maneira de nos
sensibilizarmos, sentirmos, nos posicionarmos também dentro de dada cultura, além de proporcionar
ampliação de repertório, mais conhecimento ou autoconhecimento. A arte nos propicia aprender com o
outro, aprender olhando e, também, realizando.
A ideia de transcendência cultural e histórica da arte é nossa; sem nós, ela
não existe. Criamos a perenidade, a eternidade, o “em si” da arte, que são
apenas instrumentos com os quais dispomos, para nós mesmos, uma
con�iguração de objetos. O absoluto da arte é relativo à nossa cultura. (COLI,
J., O	que	é	arte, 1989, p. 66)
3.1 Arte e cultura ocidental
Quem faz a arte? O que é e o que não é arte? Como arte e cultura entrelaçam-se? Coli (1989, p. 63) nos
apresenta o conceito de arte, as relações entre diferentes percepções sobre o assunto e qual é o lugar da
arte, a�inal. Contudo, alerta que a concepção de arte muda de cultura para cultura e, também, a partir de
quem observa e de�ine e para qual �inalidade.
Coli a�irma que carregamos uma ideia de arte própria da nossa sociedade, e ela traduz a forma como
concebemos o objeto artı́stico e estabelecemos relações objetivas e subjetivas com ele. Além disso,
apresenta um raciocı́nio que é fundamental para pensarmos essa relação entre arte e cultura e, no trecho,
apresenta uma discussão relevante para o tema arte e artesanato.
História da arte, crı́tica, museu, teatro, cinema de arte, salas de concerto,
revistas especializadas: instrumentos da instauração da arte em nosso
mundo. Eles selecionam o objeto artı́stico, apresentam-no ou tentam
compreendê-lo – através deles a arte existe. São, como também a arte,
especı́�icos e indissociáveis de nossa cultura.
A noção de arte que hoje possuı́mos – leiga, enciclopédica – não teria sentido
para o artesão-artista que esculpia os portais românicos ou fabricava os
vitrais góticos. Nem para o escultor que realizava Apolo no mármore ou
Poseidon no bronze. Nem para o pintor que decorava as grutas de Altamira
ou Lascaux.
Desse modo, o “em si” da obra de arte, ao qual nos referimos, não é a
imanência, é uma projeção. Somos nós que enunciamos o “em si” da arte,
aquilo que nos objetos é, para nós, arte.
Ao re�letirmos sobre o que o autor nos apresentouno trecho, observamos que os objetos estão carregados
das nossas subjetividades. Eles, em si, já são constituı́dos de elementos materiais e imateriais, ou seja, dos
valores e crivos de cada cultura. Assim, o objeto de uso e o objeto de contemplação são de�inidos pela
sociedade.
O que podemos identi�icar, ao pesquisar outras culturas, é o que elas guardam, o que elas vendem, o que
elas doam, ou seja, qual é a base da troca simbólica de cada local e grupo social. Portanto, o que pode ter
muito valor monetário e simbólico para alguns, podem não ter nenhum valor para outros, e assim por
diante.
#PraCegoVer:	A arte e o artesanato estão imbricados. A técnica é associada a um fazer manual e saber
ancestral, mas no meio está o artesão e ele imprime o que é e como quer a sua arte também.
A imagem acima representa um fazer manual. O artesão ou artesã manipula técnicas ancestrais para
realizar o pote de cerâmica, mas, ali, nesse ato de realizar, ele é atual e, entre ele e o passado, há muitas
histórias. Enquanto a imagem abaixo é uma rua de uma cidade, em algum lugar do mundo, decorada por
guarda-chuvas. Aparentemente simples, mas não. Guarda-chuvas intrinsecamente não foram feitos para
decorar e, sim, para proteger da chuva ou até mesmo do sol quente. Aqui, ele virou um objeto decorativo,
sem a sua função primordial, ganhando um novo status, algo próprio da arte.
Figura 1 - Artesão ou artesão produzindo um pote de cerâmica.
Fonte: Shutterstock, 2020
Clique para abrir a imagem no tamanho original
#PraCegoVer:	 Para pensar a mudança de status do objeto de proteção pessoal para decoração de rua,
embelezamento e chamada de atenção.
No próximo tópico, trataremos um pouco mais da cultura popular, de sua de�inição, usos e constante
reinvenção.
Figura 2 - Uma rua de Madri, Espanha, decorada com guarda-chuvas coloridos.
Fonte: Shutterstock, 2020
3.2 Cultura popular: tradição ou reinvenção?
Nas sociedades industriais, sobretudo nas capitalistas, o trabalho
manual e o trabalho intelectual são pensados e vivenciados como
realidades profundamente distintas e distantes uma da outra.
Clique para abrir a imagem no tamanho original
Com essa questão, da estrati�icação encontrada no próprio conceito de cultura, voltamos para a
ambiguidade intrı́nseca às sociedades, que possuem estratos sociais e econômicos distintos e recai,
também, a separação cultural entre esses estratos. Pensar desta forma colabora para esconder, ou
não se fazer perceber, a diversidade cultural existente em qualquer sociedade e até mesmo dentro
dos seus grupos sócio culturais.
Geralmente, à cultura popular está associado o “fazer sem sabedoria”, algo que se encontra no senso
comum sem conhecimento devido ou cientı́�ico. A� cultura popular, o que é do povo ou feito por ele,
recai a noção de folclore, superstição ou pensamento mágico, a cultura feita na rua, o pop.
Enquanto, a “melhor” cultura produz a arte, o saber, a ciência, os bons modos e é exibida nos
museus, nas galerias, nos grandes salões, nos teatros, nas universidades etc. A própria ideia de
nação colocou que há uma identidade e cultura nacional única em dado território, enquanto, na
verdade, observamos várias etnias formando as nações modernas. Porém, essa diversidade foi
silenciada em prol de uma forma única de se identi�icar e se portar em uma comunidade nacional
imaginada.
Hoje, não é mais possı́vel pensar a cultura popular como uma cultura tradicional estática ou só
como “coisa do passado”. A cultura é dinâmica e a tradição também passa por transformações,
também assimila novos elementos e se atualiza. Por isso, a tradição é intrı́nseca a qualquer cultura,
porque todas têm permanências culturais e, também, impermanências, incertezas e modi�icações.
Então, a cultura está entre a tradição e a ruptura.
Re�letimos um minuto, por exemplo, sobre as diferenças sociais que
há entre um engenheiro e um eletricista, ou entre um arquiteto e um
mestre-de-obras. (ARANTES, 1983, p. 14)
O	saber
#PraCegoVer:	O Carnaval é uma festa popular aonde quer que aconteça, ligada ao mito do Baco –
festas e folias, orgias - o carpe	diem. Cada lugar, contudo, tem suas particularidades no seu preparo
e festejar. O que todos os carnavais têm em comum é o escape social, o momento de se festejar e de
romper com determinadas regras e imposições.
De qualquer modo, uma coisa é a cultura da rua, outra é a reprodução dela nos palcos. Uma coisa é
o folclore como um feito da cultura do povo, outro é o show folclórico que é feito para turistas ou
algo comercial do gênero. A cultura da rua é tradição e improviso ao mesmo tempo, enquanto a arte
popular utiliza de elementos das manifestações da cultura popular para criar obras ou objetos
referenciados nesse saber-fazer.
Figura 3 - Máscaras do Carnaval de Veneza.
Fonte: Shutterstock, 2020
A produção empresarial da arte “popular” – qualquer que seja a
orientação ideológica e polı́tica de seus responsáveis – retira-lhe
duas dimensões sociais fundamentais. Alterando data, local de
apresentação e a própria organização do grupo artı́stico, ela
transforma em produto terminal, evento isolado ou coisa, aquilo que,
em seu contexto de ocorrência, é o ponto culminante de
um processo	 que parte de um grupo social e a ele retorna, sendo
indissociável da vida desse grupo. Os gestos, os movimentos e
palavras, em que pese todo o aperfeiçoamento técnico possı́vel,
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Exemplo tı́pico da industrialização do artesanato e da arte popular são os souvenirs dos lugares
turı́sticos ou a procura do artesanato do lugar visitado para levar um pouco da cultura local para
casa. A máscara do carnaval de Veneza usada em seu contexto principal, como o esconder as faces
para a diversão ser secreta, vira um enfeite em nossas paredes, fora do seu contexto original. No
contexto da cultura de rua, pode ser observado a festa do bumba meu boi, dentro do contexto do
grupo que tradicionalmente o realiza para atrair os turistas e mostrar a cultura do lugar - um é a
manifestação da identidade de um grupo, o outro é teatro. Mas, em ambos, há a recriação, a
reinvenção reiterando que nada é estático, tudo está em movimento.
#PraCegoVer: Na imagem vemos uma festa de rua, no meio de construções, com pessoas
tradicionalmente vestidas e bonecos de bois, de diferentes cores.
Não há saber sem o humano e não há saberes sem trocas culturais, pois nenhum saber é puro. Todo
saber, por natureza, é diverso, múltiplo, misturado. Com essa visão, é possı́vel estabelecermos
interconexões entre os saberes particulares e o mundo a sua volta.
tendem a perder o seu signi�icado primordial. Eles deixam de ser
signos de uma determinada cultura para se tornarem
“representações” que “outros” se fazem dela.
Figura 4 - Cultura de rua. Bumba meu boi no Pelourinho, Salvador, Bahia
Fonte: Shutterstock, 2020
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4 Cultura de massas
Trazer o sociólogo Zygmunt Bauman em uma epı́grafe que introduz o tópico sobre cultura de massas não é
inocente. O Homem está dotado da capacidade de cultura e está fadado a isso. Seja qualquer homem e
mulher, em qualquer sociedade, ou, ainda, em qualquer estrato social que estiver inserido ou alcance
econômico que tiver alcançado ou introduzido pela condição familiar. Assim, há um movimento
incessante de criar, recriar e tentar satisfazer o que não é para ser satisfeito e, continuamente, mover esse
mecanismo do desejo de ter e possuir algo em busca de uma felicidade instantânea ou plena. Esse debate é
antigo, porém, com a industrialização e processo crescente de urbanização, ela tomou novas proporções. E�
o que veremos a partir de um conceito de cultura de massas e na contemporaneidade.
A agonia da cultura, portanto, está fadada a uma eterna continuidade; no
mesmo sentido, o homem, uma vez dotado da capacidade de cultura, está
fadado a explorar, a sentir-seinsatisfeito com seu mundo, a destruir e a criar.
(BAUMAN, 2012, p. 154)
4.1 Conceito
A cultura sempre contribuiu para domar os instintos revolucionários
bem como os costumes bárbaros. A cultura industrializada dá algo a
mais. Ela ensina e infunde a condição em que a vida desumana pode
ser tolerada. (ADORNO, T.	Indústria	cultural	e	sociedade, 2002, p.
#PraCegoVer:	Na imagem, vemos uma pessoa, em escala maior, com uma televisão no lugar da
cabeça, enquanto sua sombra representa um homem com a cabeça normal e segurando linhas que,
por sua vez, estão conectadas a cabeças de várias pessoas, em escala menor.
Os séculos XIX, XX e XXI inauguraram uma corrida, em todos os sentidos, em torno da produção, na
colocação de novos valores, na introdução de uma cultura também industrial e industrializada,
mecânica, automatizada, analógica e, agora, digital. A cultura não é só o que adquirimos e passamos
a ser, mas aquilo que passamos a ter, a consumir – esse é um fato consumado e independente da
sociedade em questão. Os seres humanos sempre lidaram com as coisas e os seus pertences
sempre foram a extensão de seu corpo e os identi�icavam. A diferença está na abrangência e nas
dimensões que tomaram antes e agora. Por isso, a cultura desses últimos séculos passou a adquirir
outros status e, sobretudo, o de cultura de massas, por vivermos uma massi�icação da cultura.
Dito de outra forma, a cultura	 de	 massa é vista como um produto da indústria	 cultural na
sociedade capitalista moderna e consumista, por sua natureza mercadológica.
Adorno (2002, p. 29-30) a�irma que
53)
Figura 5 - TV e manipulação social.
Fonte: Shutterstock, 2020
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O que observaremos, a partir do exposto por Theodor Adorno e os teóricos da comunicação da
Escola de Frankfurt, nas primeiras décadas do século XX, assim como olhando para o presente, é
que o desenvolvimento dos meios de comunicação (jornais, Rádio, TV, cinema, música, teatro,
esportes, parques de diversão, moda, design, arte pop, arte urbana e espetáculos de rua, internet),
com a ampliação das redes de informação e redes sociais no meio digital, criou outros tipos de
acessos a essa informação rápida e direcionada àquilo que se intenciona atingir entre os grupos
populares e na sociedade em geral, mas sem conseguir estabelecer total controle, como antes. A
rapidez com que a notı́cia chega e o imediatismo com que ela é consumida apresenta-se como algo
sedutor e, ao mesmo tempo, preocupante. A disseminação da informação pelos meios de
comunicação e novas redes de conexões digitais são elementos da cultura dita de massa e próprias
na nossa era globalizada e globalizante.
Mas, também, outro aspecto é aprofundado pelo �ilósofo Lipovetsky (1989, pp. 222-223), que
merece foco para entendermos não só como é conceituada a cultura de massas, mas o seu efeito na
sociedade contemporânea. Entre as linhas que debruça sobre o tema, escreve:
[...] a indústria cultural permanece a indústria do divertimento. O seu
poder sobre os consumidores é mediado pela diversão que, a�inal, é
eliminada não por um mero diktat, mas sim pela hostilidade, inerente
ao próprio princı́pio do divertimento, diante de tudo que poderia ser
mais do que divertimento.
a cultura de massa teve uma função histórica determinante:
reorientar as atitudes individuais e coletivas, difundir novos padrões
de vida. Impossı́vel compreender a atração da cultura de massa sem
levar em consideração os novos referentes ideológicos, os novos
modelos existenciais que ela conseguiu difundir em todas as
camadas sociais.
Não é à toa que a pop art satiriza a cultura massi�icadora e enlatada da sociedade industrial
moderna, utilizando os mesmos ı́cones, criados nesse contexto, para tirar daı́ uma possı́vel crı́tica a
esse estado de coisas e de excessos que hipnotizam as mentes. Também, as vanguardas artı́sticas e
contracultura começaram a mostrar outras vertentes da arte, do pop e da massa. Ou seja, a massa
não é uniforme, nem totalmente modulada, acrı́tica e pacı́�ica. Seu modo e intensidade se apropriam
dos objetos culturais e das ideologias para se colocarem no mundo. Talvez, então, a re�lexão mais
profunda a ser feita é a respeito do mundo que vivemos, compreendendo do que estamos
signi�icados e como podemos mudar para sermos mais inteiros e felizes, de fato.
[...] Os padrões de vida exibidos pela cultura midiática são aqueles
mesmos que estão em vigor no cotidiano: con�lito do casal, drama
familiar, droga, problemas da idade, da segurança, da violência – as
�iguras do imaginário industrial não propõem mais nada de
absolutamente novo. No máximo aumentam o que vemos todo dia à
nossa volta.
4.2 Cultura de massas ou popular, afinal?
Algo se faz necessário: entender as conexões apresentadas entre os temas e a problemática de
tipi�icar a cultura. Tal estrati�icação é duvidosa e a nomenclatura é axiológica, ou seja, passa por um
sistema de valores e julgamentos que não corresponde necessariamente em como se dá a cultura ou
a identidade cultural e ideológica na realidade social e até mesmo no imaginário coletivo. Um dos
fatores é que a cultura popular esteve atrelada à ideia de cultura de massa em função da sociedade
industrial e de consumo. A cultura popular seria o antônimo da cultura erudita, do que é letrado,
pensado e diferenciado. No entanto, o que se observou foi outro movimento, conforme explicitado
por teóricos da cultura:
Os artefatos da cultura popular servem para articular a diferenciação
da sociedade no que diz respeito ao gênero, à idade ou à raça e para
constituir a autocompreensão dos grupos. A música popular, por
exemplo, tem um papel-chave na articulação das identidades de
gênero, classe e etnia dos adolescentes (e, na verdade, em constituir o
“adolescente” como um grupo etário distinto). Porém, exatamente
porque muito da cultura popular continua a depender de recursos
do capitalismo industrial para a sua produção e distribuição,
Se somos uma sociedade de consumidores, conforme nos apresenta Bauman (2001, 1999) em suas
análises da modernidade lı́quida e da globalização e suas consequências humanas, o que
consumimos parece nos de�inir, assim como o que não consumimos. Se o fato de deixar de
consumir hoje algo passa a ser sinal de alerta, então o consumidor deixou de ser esse sujeito
pacı́�ico e massi�icado e passou a expressar-se por meio do seu comportamento do consumo. O
design e a moda estão intrı́nsecos a esse movimento e, hoje, estar consciente dessa condição faz
com o designer e o consumidor tenham papeis mais ativos na de�inição dos objetos a serem
criados, produzidos e postos em circulação. A proposta dessa unidade é que tudo isso seja pensado
de forma a se olhar para o cotidiano e, dele, tirar proveito, para pensar uma sociedade mais
sustentável hoje e no futuro já próximo.
permanece a tensão na seleção de produtos da cultura popular que
contrapõe os interesses do capitalismo (mesmo que sejam interesses
puramente comerciais da maximização dos lucros) aos interesses
polı́ticos e culturais dos consumidores. (EDGAR e SEDGWICK, 2003,
p. 78)
É ISSO AÍ!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
identificar a complexidade em conceituar cultura e entendê-la, um pouco mais, pela luz da
Antropologia cultural;
ter acesso à bibliografia básica e trechos de pensadores relevantes para o debate das teorias
e conceitos da cultura e seus desdobramentos;
de maneira complementar, compreender como o método etnográfico pode contribuir para a
pesquisa de qualquer área do conhecimento, em específico, e para a compreensão do
cotidiano, em geral;
estabelecer uma relação entre arte e cultura, mostrando como estão imbricadas ao contexto
histórico e cultural das sociedades;
refletir como estamos inseridos como consumidores e profissionais no contexto da cultura,
incluindo o debate sobre erudito e popular, e como o olhar crítico sobre a realidade sociale
cultural pode nos orientar sobre o saber-fazer cotidianos.
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AUGE� , M. A	guerra	dos	sonhos: exercı́cios de etno�icção. Campinas, SP: Papirus, 1998.
BAUMAN, Z. Ensaios	 sobre	o	 conceito	de	 cultura. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Zahar, 2012.
BAUMAN, Z. Modernidade	Líquida. Tradução: Plı́nio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BAUMAN, Z. Globalização: as consequências humanas. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar,
1999.
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CLASTRES, P. A	sociedade	contra	o	Estado. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
COLI, J. O	que	é	arte. 10 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. (coleção primeiros passos)
EDGAR, A., SEDGWICK, P. (editores). Teoria	 Cultura	 de	A	 a	 Z: conceitos-chave para entender o mundo
contemporâneo. Tradução Marcelo Rollemberg. São Paulo: Contexto, 2003.
EVANS-PRITCHARD, E.E. Bruxaria,	 oráculos	 e	 magia	 entre	 os	 Azande. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
(Versão condensada por Eva Gillies, traduzida por Eduardo Viveiros de Castro).
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LEVI-STRAUSS, C. Raça	e	história. 7 ed. Tradução de Inácia Canelas. Lisboa, Portugal: Editorial Presença,
2003.
MALINOWSKI, B. Argonautas	do	Pací�ico	Ocidental. Um relato do empreendimento e da aventura dos
nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. Tradução de Anton P. Carr, Lı́gia Aparecida Cardieri
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MERLEAU-PONTY, M. De Mauss a Claude Lévi-Strauss. In: MERLEAU- PONTY, M. Textos	selecionados. São
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URIARTE, U. M. O que é fazer etnogra�ia para os antropólogos, Ponto	 Urbe	 [Online], Disponı́vel
em: http://pontourbe.revues.org/300. Acesso em 07 abr. 2020.
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