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S U M Á R I O Apresentação Seção I – Textos das conferências Produção contemporânea do conhecimento Francesco GOSTOLI A produção acadêmica na área de Exatas: um panorama recente e relações com a Educação C. A. M. de MELO Lugar das Humanidades na ideia de universidade crítica Paulo Denisar FRAGA Reflexo da ausência de uma formação crítica na escrita de alunos da graduação em Letras Sulemi FABIANO Seção II – Trabalhos completos 1. Ciências Humanas Onde está a criança e a infância? Estudos sobre o brincar, o brinquedo e a brinquedoteca: a presença/ausência da cultura lúdica infantil na produção acadêmica Tatiani Rabelo LAPA; Claudia PANIZZOLO A escrita da criança Mariana da Costa de SOUZA; Silmara de Fátima HIPÓLITO A Folia de Reis: cultura popular e educação Maria José Marcos de OLIVEIRA; Daniela Aparecida EUFRÁSIO; Geovânia Lúcia dos SANTOS Breve análise da formação de professores no século XX sob o olhar de Anísio Teixeira Regina Aparecida CORREA Sociologia do conhecimento na historiografia do Ensino Profissional Marcelo Rodrigues CONCEIÇÃO Literatura infantil clássica e formação do leitor Juliane Maria da COSTA; Daniela Aparecida EUFRÁSIO; Fernanda Vilhena Mafra BAZON O Serviço Social e a manutenção da sociedade de classes: uma análise dos Projetos Sociais de qualificação profissional para jovens Amanda EUFRÁSIO; Maria Beatriz Costa ABRAMIDES Revistas infantis do inicio do século XX: uma representação de Infância Marissa Rezende ANDRADE et al. Um estudo sobre a creche: caracterização das profissionais do município de Alfenas/MG Vanusa Correa LOURENÇO Agricultura familiar e pluriatividade nos bairros rurais Canta Galo e Barro Branco do Município de Areado/MG: análises preliminares Vanderléia Correa LOURENÇO; Ana Rute do VALE Material didático adaptado para alunos com deficiência visual: estratégias de aprendizagem José Murilo Calixto VAZ et al. A utilização de jogos didáticos como estratégia para a aprendizagem de Química Orgânica e sua adaptação para alunos com deficiência visual Bruna da SILVA et al. Edição e reedição de textos infantis Carla DAMAS; Simone Pereira NOGUEIRA 2. Ciências Exatas, Biológicas e da Saúde Estabelecimento do diagnóstico clínico-citogenético de Síndrome Down e determinação da prevalência de anemia em crianças e adolescentes da APAE-Alfenas Juliana Cristina GOMES et al. Produção de biodiesel a partir da gordura presente no soro de leite: ensaios preliminares Bruno Eduardo S. MACENA et al. Extrato aquoso das folhas de Plinia edulis apresenta alta citotoxicidade em células de adenocarcinoma mamário humano MCF-7 Ailton José da Silveira de CARVALHO et al. Engenharia ambiental: perspectivas atuais e futuras Gabriela CONSOLINI; Patrícia Neves MENDES; Sylma Carvalho MAESTRELLI Estudo da obesidade e hipovitaminose A em crianças e adolescentes assistidos pela APAE de Alfenas-MG Isabela de Siqueira CARVALHO et al. Análise espacial baseada em modelo do risco familiar no município de Alfenas-MG Cintia Fonseca de SOUZA et al. Germinação de sementes de palmeira triângulo submetidas a duas condições ambientais Stéphanie de Fátima PEREIRA; Marcelo POLO Atividade antagônica in vitro de fungos endofíticos de manguezais a fungos fitopatogênicos Priscilla Oliveira AMARAL et al. Estudo da ação citotóxica de complexos de paládio (II) para células de adenocarcinoma mamário humano Nathália Cristina CAMPANELLA et al. Seção III – Resumos de comunicações A construção do texto por crianças do 5º ano do Ensino Fundamental Ana Paula; Maicon Fabio GARCIA A resistência à leitura: o papel do professor na formação do leitor literário Geane Cristine LEITE; Giovana Carine LEITE; Marcela Martins de OLIVEIRA A vivência dos pais em uma Brinquedoteca Hospitalar Samantha Rosa de PAULA et al. Articulação entre formação universitária e prática de ensino em concursos públicos Adriana Santos BATISTA Avaliação em saúde: O processo de trabalho na atenção primária de Alfenas sob a ótica do usuário Lidiege Terra Souza GOMES; Miriam Monteiro de Castro GRACIANO Como o trabalho de consciência fonológica pode favorecer o processo de aquisição da escrita? Ana Caroline de Brito EVANGELISTA; Carolina de Araújo Maia LOPES De uma escrita responsável: efeitos das intervenções de um orientador Suelen Gregatti da IGREJA Educação léxico-gramatical e práticas de linguagem nos anos iniciais do Ensino Fundamenta Ana Carolina Oliveira GOMES Estudo da aplicação de argilas não plásticas da região de Poços de Caldas Ana Gabriele Pereira NUNES et al. Iniciação à docência de futuros pedagogos: a constituição do saber docente Geane Cristine LEITE; Tatiana Vilela Alvarenga THIERS O ensino e a Formação de Professores de Tétum no Timor Leste Francisca Maria Soares dos REIS O ensino de língua portuguesa constitui uma disciplina? Daniela A. EUFRÁSIO; Fabiana de OLIVEIRA; Pricila Oliveira SILVÉRIO O que é o ato de ler para os mediadores de leitura? Adriana FERNANDES; Dulciene Silva OLIVEIRA O trabalho com reconto de textos infantis Patrícia Abreu Cassette PAIVA; Patrik Raquel PEREIRA Produção de etanol a partir da lactose presente no soro de leite: ensaios preliminares Caroline da Costa GONÇALVES et al. Professores alfabetizadores e o uso dos subsídios didáticos Maria Eliete Cassiano MOREIRA; Ana Cristina Gonçalves de Abreu SOUZA Projeto “Rio Machado”: a interdisciplinaridade como campo de leitura e produção Geane Cristine LEITE et al. Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 Apresentação Estes Anais compilam os debates e as pesquisas apresentados no decorrer do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior, realizado na Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG – entre os dias 15 e 17 de setembro de 2010. Esta sétima edição foi inovadora e desafiante. Inovadora porque, pela primeira vez, o evento ocorreu fora do âmbito do Congresso de Leitura do Brasil – COLE, o qual o Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior integra desde 1999. Quanto ao desafio que representou a realização deste evento para a Comissão Organizadora, destaca-se a necessidade de agregar áreas de produção do conhecimento muito distintas, sem ter focalizado, como nas edições anteriores, áreas como Letras e Educação, que vêm assumindo, num processo crescente, o objetivo de refletir sobre o que a universidade tem atualmente produzido enquanto conhecimento. O resultado desta empreitada encontra-se delineada nestes Anais. Neles estão algumas das conferências proferidas no decorrer do Seminário, nas quais se poderá perceber o intuito de pensar a produção acadêmica, tanto em âmbito nacional quanto internacional, e também os pontos divergentes que tal proposta de reflexão propulsiona. Os resumos das comunicações e os trabalhos completos que compõem o presente CD dão mostras dos temas, métodos e resultados que têm orientado os trabalhos de pesquisadores e alunos de graduação e pós- graduação. Este conjunto de textos parece interessante de ser analisado, se compreendido como um breve panorama de quais são as investigações científicas que têm sido privilegiadas na produção acadêmica e que relações de continuidade, ruptura e/ou transformação estão em voga quando acompanhamos as produções científicas que estão ocorrendo da graduação à pesquisa de professores universitários. Cabe ressaltar que o Seminário contou também com a apresentação de trabalhos de docentes do Ensino Básico e de licenciandos que estão em período de estágio, que divulgaram os seus projetos e resultados de pesquisa na modalidade “comunicação oral”, os quais podem ser lidos nestes Anais no formato de resumo e/ou texto completo. Sendo assim, quando citamos a importância de que as produções científicas sejam analisadas nos seus diversos níveis, fica subentendido que estas pesquisas não ocorrem, como se podepensar num primeiro momento, somente no espaço legitimado da universidade, pois, conforme se fortifica o movimento de que a pesquisa ocorra em todos os níveis de ensino, as produções de caráter investigativo ampliam-se e ultrapassam os limites dos muros universitários. 4 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 A organização das várias edições do Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior centra-se exatamente na ideia de que a pesquisa deve estar presente em todos os níveis de ensino e é em torno dela que o ideal de formação dos diversos profissionais pode dar-se com excelência. Disso advém a importância da temática proposta pelo Seminário, haja vista que, se a pesquisa é entendida como central para a formação em seus diversos níveis de escolaridade, é importante que ela seja interrogada sobre a qualidade do que tem produzido e oferecido. Esta não é uma tarefa fácil e a realização do VII Seminário, entremeada por dificuldades e superações, procurou contribuir para os avanços nas discussões em torno desta temática. No ano de 2011, o Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior acontecerá na UNICAMP, durante o COLE, e em 2012, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o que nos proporciona a certeza de que as discussões propostas pelo evento já têm um caminho longo e profícuo a ser percorrido. Por fim, agradecemos a todos aqueles que participaram do Seminário, como palestrantes, comunicadores e ouvintes, e que o tornaram cenário de variados e importantes debates. Desejamos compartilhar o sucesso da sétima edição do Seminário com todos aqueles que colaboraram para a organização do evento: professores, alunos, técnicos e funcionários da UNIFAL-MG. Nosso agradecimento especial a toda equipe de mídia e edição e ao Prof. Dr. Fábio de Barros Silva, responsáveis pela organização destes Anais, que vêm fechar com chave de ouro os trabalhos do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior. Profª. Mª. Daniela Eufrásio Profª. Drª. Fabiana de Oliveira Retornar ao sumário 5 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 Produção contemporânea do conhecimento* Francesco Gostoli Universidade de Veneza Há alguns meses recebi um e-mail convidando-me para esse seminário e nele estava escrito que o assunto a ser tratado era a produção contemporânea do conhecimento na Universidade. Como arquiteto, tratei do tema do ponto de vista da arquitetura. No e-mail, o tema vinha acompanhado de algumas perguntas, dentre as quais: o que se entende por produção contemporânea do conhecimento? Esta pergunta é o motivo pelo qual estou aqui. Considero-a estratégica para os tempos que estamos vivendo. O tema do vosso seminário propõe a relação entre o conhecimento adquirido e legitimado na Universidade e a produção de um conhecimento contemporâneo. Ou seja, propõe três questões cruciais: quais mudanças estão ocorrendo na comunidade dos homens que habitam o planeta? Qual instrumento é necessário elaborar para compreender tais mudanças e para estar incluído nesse meio? Que lugar é ocupado pelas Universidades nas mudanças que estão ocorrendo? Essencialmente, vós estais dizendo que é necessário produzir instrumentos de conhecimento diferentes daqueles que utilizamos outrora, porque a sociedade mudou e está mudando continuamente. Estou de acordo com vós. Gostaria de acrescentar que a nossa mente deve ser capaz de capturar as novidades que estão acontecendo e não podem permanecer entrincheiradas em rotinas cotidianas. Em alguns campos, como no meu, estão acontecendo mudanças radicais. A partir de 2007, a maioria da população da terra tem habitado nas cidades e as migrações do campo para os centros urbanos continuam. Isso nunca havia acontecido na história da humanidade. Existem regiões urbanas com 120 milhões de habitantes (Hong Kong-Shenhzen-Guangzhou na China). O Fórum Urbano Mundial ocorrido em março passado no Rio de Janeiro terminou com uma frase de advertência para os governantes: o direito à cidade. Derrubando as cercas que dividem as zonas urbanas, é dado a todos a chance de viver na cidade dignamente. A cidade que não tem mais fim, com determinadas regiões urbanas no Japão nas quais se prevê que se alcancem os 60 milhões de habitantes, ou aqui no Brasil, os 43 milhões de habitantes previstos nas regiões do Rio de Janeiro e São Paulo. As expansões das cidades em curso não são controladas. É necessário inventar instrumentos adequados para salvaguardar o nosso habitat natural, para projetar novas cidades que tenham forma-limite para as expansões que não acabam mais, para construir novos edifícios, para compreender as novas características úteis às pessoas, para produção de novas utopias. Atenção, porém, não se parte do nada, deve-se considerar a história e a sua herança. A estrutura do homem é ainda aquela de quando subia sobre árvores, mesmo que a sua dimensão mental seja mais complexa em termos de eficácia. Sou um arquiteto que desenvolve a sua atividade no meio da multidão e que considera a Universidade um laboratório de confronto cultural para o próprio trabalho. Irei lhes falar, portanto, como arquiteto e tentarei responder às vossas questões do meu ponto de vista, esperando trazer uma contribuição útil. Começamos por perguntar o que entendemos por produção do conhecimento. O adjetivo contemporâneo será usado sucessivamente. Em que sentido podemos falar de produção do conhecimento? * Texto traduzido do italiano pelos professores Dr. Marcos Roberto de Faria (ICHL/UNIFAL-MG) e Dr. Paulo César de Oliveira (DFIME/UFSJ). 6 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 Um lápis é produzido, um automóvel é produzido, o vinho é produzido. O primeiro é um objeto sólido, pensado e construído para desenhar ou escrever. O segundo é um carro: um conjunto de peças montadas que formam um objeto mecânico feito para nos movermos mais rápido ou para transportar produtos. O terceiro é um líquido fornecido pela natureza e que me dá felicidade todas as vezes que o bebo. O conhecimento é um objeto: tem o seu estado físico, ou seja, é um sólido, ou um líquido, ou um gás? Podemos considerá-lo um bem de consumo como um lápis, ou um carro, ou uma coca-cola? Eu creio que em termos simples podemos dizer que cada um de nós pensa ou age de acordo com um conjunto de experiências que pertencem a nós ou que herdamos de outros. Experiências mais ou menos recentes, ou tão antigas que fazem parte do nosso DNA de seres humanos. Tais experiências constituem a base do nosso existir individual ou coletivo. Elas formam o ponto de partida para a compreensão de qualquer fenômeno que e são úteis. O conhecimento é, portanto, um processo mental e, ao mesmo tempo, um conjunto de ações coerentes que conduzem a resultados úteis que nos fazem viver melhor, como pessoas e como coletividade. Ele não é um objeto. Não possui um tempo como os objetos, uma duração ligada à utilidade, nem possui um espaço como os objetos, na verdade não é mensurável com um metro. Não tem lugares específicos onde é produzido, nem se quebra, ou pode ser ajustado. Talvez é uma onda, ou um conjunto de ondas que cada indivíduo possui no cérebro e transmite aos outros indivíduos. Um trabalho contínuo do nosso existir no mundo físico ao qual pertencemos, onde presente e passado são co-presentes nas ações que fazemos, nas respostas que queremos obter, nos objetivos que queremos alcançar, nas coisas que queremos construir. Um trabalho contínuo baseado na relação constante entre aquilo que aconteceu eaquilo que está acontecendo, ou que prevemos possa acontecer num futuro imediato. Gostaria agora de focar sobre duas características que considero específicas do ato de conhecer: Exatidão e Casualidade. Os significados que nós hoje damos a estes dois termos são diferentes daqueles que os mesmos termos tiveram no século passado. O sentido de Exatidão e Casualidade, deduzidos das descobertas do início do século XX, hoje se torna perturbador em relação ao contexto mundial determinado pela internet. Essa última se tornou acessível para as massas populares a um custo mais político do que real, através do computador. Uma “tabuleta” ligeira que qualquer um pode carregar consigo, em toda parte, e que possui um custo de material e de montagem irrisório, mas que possui um alto valor político-social. De fato, ele é a chave de acesso às informações que são produção de conhecimento e bens de consumo ao mesmo tempo, uma parcela importante das economias dos estados contemporâneos. As pessoas que possuem um computador têm a possibilidade de se enriquecerem e do seu lugar podem produzir conhecimento. As pessoas que não o possuem são pobres, não têm possibilidade de escolha e o seu lugar está sujeito à decadência. Retornemos à Exatidão e Casualidade. Considero que o novo significado destes dois termos seja determinado, sobretudo, pelos resultados do trabalho de três homens: Albert Eistein, Kurt Godel e Werner Heisemberg. Trabalhos tornados públicos na primeira metade do século XX: a teoria da relatividade restrita e alargada (Einstein) – 1905 e 1915 –, os teoremas de incompletude (Godel) – 1931 – e o princípio de indeterminação (Heisemberg) – 1927. Resultados de difícil compreensão, que colocam sob dura prova não somente a capacidade de seguir-lhe as formulações e as demonstrações, mas a própria intuição das suas afirmações a respeito das convicções consolidadas na nossa cultura. Resultados que se movem em medidas não apreciáveis pelo homem na sua vida cotidiana, mas que na realidade representam as linhas de fronteira do raciocínio contemporâneo, os instrumentos necessários para a compreensão dos fenômenos dos quais fazemos parte. Resultados que nos representam 7 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 e que causam importantes impactos sobre nosso imaginário e sobre as coisas que estão à nossa frente. Eles vão além das disciplinas nas quais foram formuladas, a física e a matemática, possuem conteúdos gerais que incidem sobre a atitude desejável para a produção do conhecimento contemporâneo. Por exemplo, a nível intuitivo, o espaço euclideano – juntamente com as relações geométricas que desde séculos foram a referência para o nosso conhecimento e construção dos espaços nos quais vivemos – possui rapidamente uma potente aceleração inovadora com a afirmação que na realidade nós vivemos em um espaço-tempo retorcido. Inevitavelmente, a atitude no confrontos do significado do espaço tornou-se mais complexa. Não por acaso falo de espaço-tempo como unidade de referência do lugar onde ocorrem os fenômenos. Com relação a isso, gostaria de fazer uma observação. Geralmente, quando se fala de arquitetura, referimo-nos aos elementos que constróem um edifício: as pilastras ou as colunas, os muros ou as escadas, os pisos, as janelas, etc. Na realidade, a característica fundamental de uma arquitetura é o seu espaço; é o próprio espaço a primeira coisa que pensa um arquiteto quando projeta; o vazio do ar e da luz onde as pessoas vivem e desenvolvem as suas funções. Vazio que é dimensionado, isto é, controlado construtivamente, pelos elementos da construção que um arquiteto usa para edificá-lo, os quais, segundo suas medidas, dão dimensões aos espaços de um edificio. Medidas que constituem as referências necessárias para as pessoas usarem aqueles espaços e para vivermos no melhor modo possível. Quando, de consequência, falo de um espaço complexo, não me refiro a formas artificiais que podem assumir os particulares elementos construção, mas à complexidade das medidas e das relações que as medem. O sentido do espaço-tempo retorcido que devemos a Einstein, como a relação entre energia e matéria, levam-nos a encontrar instrumentos mais adequados também em outros campos além da física, por exemplo, na arquitetura, solicitando-nos à pesquisa de espaços não redutíveis a geometrias bidimensionais, ou mesmo à investigação de sistemas estruturais contínuos que indagam o espaço e não mais somente distintos rigidamente em estruturas de fundação, telas centrais e teto, como acontece na grande parte de edifícios que se continua a construir. Pensem nas grandes diferenças que existem entre os projetos de dois aquitetos que consideram a pedra ou o cimento armado, o primerio como matéria inerte, o segundo como energia viva a plasmar. Não é somente uma questão estética, nem estou falando de descobertas que atendem a uma disciplina apenas; são aspectos científicios que nos fazem compreender melhor as questões que a sociedade contemporânea apresenta. Os teoremas de Godel demonstram que a coerência da aritmética não pode ser demonstrada a partir de raciocínio matemático representado no âmbito da própria aritimética. Douglas Hofstadter no seu livro Godel, Escher, Bach: an Golden Braid, para explicar o sentido da descoberta de Godel, usa o diálogo entre Aquiles e a sua amiga tartaruga que, falando de gramofones e discos, chega à conclusão que existirá sempre, todavia, um disco cuja música não poderá ser tocada daquele gramofone: não existe fonógrafo perfeito. Em Godel, a complexidade rompe o raciocínio consequencial que parte de axiomas definitivos e atinge resultados absolutos para buscar outras verdades que estão em âmbitos diferentes em relação àqueles dos quais se partiu. Verdades nunca exaustivas mesmo se todas logicamente exatas. Pensem qual instrumento potente para nos fazer compreender as outras culturas, as outras realidades que a internet e os fenômenos migradores que se fizeram presentes na nossa socidade e, portanto, necessários ao nosso viver cotidiano. Estou falando de sinergia das disciplinas, de interdisciplinariedade: uma caracterísitica da produção cultural contemporânea em oposição à especialização levantada que foi, ao contrário, a marca da cultura novecentesca. 8 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 O princípio de indeterminação de Wernwe Heisemberg refere-se ao comportamento da matéria em escala atômica. Uma escala muito pequena. Imaginem se crescer como uma maçã. Dimensões que não nos pertencem intuitivamente. Mesmo neste caso, leva a inovação da afirmação que deve nos interessar. Heisemberg sustentou e demonstrou que as leis da natureza, os nossos instrumentos para conhecer os fenômemos, conseguem ter coerência, ser eficazes, somente se aceitam a limitação que é impossível projetar um aparato instrumental que nos mostre como se movem os elétrons sem interferir nos seus movimentos. É impossível um aparato que compreenda e torne cada coisa visível. Como escreveu Richard Feyman, a teoria da mecânica quântica que usamos para descrever o comportamento da matéria depende “da exatidão do princípio de indeterminação”!!! Podemos afirmar, portanto, que a exatidão contemporânea possui referências diferentes daquelas euclidianas, é incompleta e indeterminada. Em outras palavras, usa espaços curvos, as suas verdades encontram fundamento fora dele e isso que é determinado pode fazer-lhe parte. Pensem na desconfiança das civilizações do passado, mas também recente sobre o zero e o infinito. Isto não significa que a exatidão contemporânea é genérica,mas complexa. Não indemonstrável, mas demonstrável; com o pacto de aceitar a pluralidade dos fatores que entram em jogo, que podem estar fora dela. É precisa se a considero mentalmente, no momento em que a examino, sem que a análise esgote o fenômeno que estou considerando. Se vejo um caminhão que entra em um túnel em alta velocidade, presuponho que ele continua a mover-se na mesma condição dentro do túnel mesmo se eu não vejo o seu movimento. “O infinito” de Giacomo Leopardi, uma escrita lírica do poeta italino em 1819, interpreta bem a condição do homem contemporâneo em relação ao processo do conhecimento que lhe é próprio. “E esta margem, que de muitas partes/Do último horizonte o olhar exclui./Mas sentando e olhando/indeterminados espaços além daquela, e sobre humanos/Silêncios, e profundos silêncios/Eu no pensar finjo; onde por pouco/o coração não se encoraja.” Não obstante a margem limitar a minha vista, eu imagino o mundo que está além, isto é, supero o obstáculo com a minha imaginação, com a minha fantasia. No que se refere à causalidade, faço referências também ao princípio do axioma da desordem formulado por Richard Mises, segundo o qual, assim como nos jogos de azar, o requisito essencial para que uma sequência (por exemplo de números ou de objetos) possa definir-se casual, consiste na completa ausência de regras aplicadas com sucesso para melhorar as previsões acerca do próximo número. É verdade que “Deus não joga dados”, mas é também verdade que conhecemos muito pouco o universo no qual vivemos. Considero que processo de conhecimento às vezes seja gerado por eventos completamente casuais sem por isso tornar menos brilhante o resultado. Penso que o processo de conhecimento de cada um de nós seja um work in progress no qual a causalidade pode ser um fator importante. Como arquiteto, penso que o encontro físico casual entre as pessoas seja essencial para a troca de informações e à imprevisibilidade de seu desenvolvimento. Em consequência, considero que os espaços físicos usados para os encontros entre pessoas sejam de igual importância àqueles onde as pessoas desenvolvem as funções para a qual um edifício foi construído. Eles representam os verdadeiros espaços contemporâneos ( as funções são álibes, mudam rapidamente, algumas são inventadas pelas pessoas no instante em que usam um edifício). Os espaços contemporâneos mudam de forma em relação ao tempo no qual as simples funções, precisas e divididas umas das outras, determinavam a forma dos edifícios e das cidades. A tomada de consciência coletiva, refletida ou intuitiva, dos significados de 9 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 exatidão e casualidade e as redes onde se movem os fluxos das noções definem os instrumentos e o contexto da produção contemporânea da cultura. Agora consideremos as Universidades. Elas foram, por sua história e vocação, lugares físicos de confronto das melhores inteligências, onde se desenvolveram teorias que têm modificado o nosso modo de viver. As Universidades não só foram os lugares de produção de grande parte da nossa cultura moderna, mas também os locais onde esta cultura foi transmitida. Locais de privilégio, onde ocorreu a formação de pessoas que tinham condições de frequentá-los, por terem tempo e dinheiro. Creio que nestes anos está em jogo uma partida crucial sobre os processos de conhecimento e sobre os locais onde estes processos amadurecem e se difundem; isto é, sobre seu controle. Uma questão tão antiga quanto o homem: o controle da formação e difusão do saber. Prometeu roubou o fogo dos Deuses e os homens, que o possuíram, tinham em mãos o poder de decidir também pelos outros. Uma partida que sempre esteve em jogo, mas hoje possui números tais que a configuram sem precedentes, porque com a internet é o planeta que está em jogo: não uma cidade, uma região, um estado, ou um continente. Não uma única sociedade, mas a inteira comunidade humana: o conjunto de raças e culturas, até mesmo aquelas que não conhecemos. E ainda há mais: os instrumentos que organizam as informações não têm limities físicos, confins ou territórios delimitados. Nações e territórios historicamente em forte conflito podem construir um mesmo sistema de informações e tentar superar ali mesmo suas diferenças. É o que eu espero que esteja por acontecer entre Israelitas e Palestinos. Pensemos no recente confronto entre Google e o Estado Chinês, ou a Wikipedia, a enciclopédia livre, como se autodenomina. Enquanto eu estou escrevendo este texto, as mídias reportam sobre o acordo Google-Verizon que será levado ao conhecimento do Congresso dos Estados Unidos. De fato, na América é o Congresso que decide em matéria de informações. A neutralidade da rede sobre a qual se baseia a internet via cabo é colocada em discussão pelo acordo firmado pela internet wireless que, ao contrário, passará os custos para o usuário. Isto significa que o procedimento-internet se configura como uma infra-estrutura produtiva não mais a custo zero. Disso deverão se ocupar Governos e Universidades. A democracia hoje significa que qualquer pessoa deve estar potencialmente em situação autônoma de ascender às noções básicas da cultura contemporânea, isto é, a uma cultura altamente sofisticada. Para fazer isto é necessário um meio, um computador com acesso à internet e um suporte suficiente. Computador e suporte representam a diferenciação entre o que está dentro ou o que está fora na sociedade moderna: entre aquele que pode ser rico e se tornará cada vez mais rico e o que é pobre e se tornará cada vez mais pobre. As regiões degradadas serão aquelas nas quais a população não possuirá computadores, isto é, tecnologia e suporte e, consequentemente, informações necessárias às normas planetárias. Aqui se encontra uma das formas de discriminação contemporânea. O conhecimento e a capacidade de elaboração e de colocar em circulação as informações úteis são a riqueza da sociedade contemporânea. Não o petróleo, nem os motores, mas conhecimento e rede, unida ao ambiente, estão determinando os novos modelos de desenvolvimento da Humanidade. No modelo de desenvolvimento consumista do qual viemos, era democrático um país que consumia o mais rapidamente possível. Neste que estamos construindo, é democrático o país no qual será alto o nível de produção de informações úteis. Isto significa que qualquer pessoa pode ser um recurso para o seu país. Isto nunca havia acontecido na história dos povos. Enquanto que no trajeto de uma pessoa curiosa em uma favela de São Paulo, por exemplo Heliópolis, poderei encontrar uma pessoa que me pergunta: “Quem é Michelângelo?”, por que não?! Um amigo de um bairro rico lhe deu um velho computador que funciona mal e ele começou a procurar e encontrou um nome estranho: Michelângelo. Eu não posso responder-lhe que Michelângelo foi um escultor, pintor e arquiteto do 10 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 Renascimento italiano, porque aquela pessoa poderá não conhecer o renascimento italiano e eu não posso sustentar por isso que aquela é uma pessoa ignorante. Nem posso responder apelando para o uso da Arte perspectiva, o instrumento de representação espacial que os artistas renascentistas inventaram. Devo primeiro compreender os instrumentos da sua cultura, depois fazê-lo ver e narrar as obras feitas por Michelângelo. Pode ser que ele fará o mesmo comigo mostrando-me um mural que está à nossa frente. Ao fazer isso, eu e esta pessoa inventamosnovos instrumentos de crítica figurativa que colocaremos em rede e que podem ser usados para o desenvolvimento de outros. Pode ser que consigamos o sucesso e também um pouco de dinheiro. Pois bem, eu e aquela pessoa produzimos um instrumento da cultura contemporânea. A classe média que tem determinado a sociedade industrial revolucionando os meios de produção e a própria produção com bens de consumo de curta duração para poderem ser produzidos em intervalos sempre mais breves, tem considerado a produção cultural como um acaso em relação à essência produtiva da fábrica. Ela tem desenvolvido a pesquisa cultural somente em sintonia com a sua lógica produtiva. Nos séculos XIX e XX, é central a questão da energia como combustível para a produção e para o consumo social dos bens produzidos. Hoje a questão é diferente. O desenvolvimento é baseado sobre um equilíbrio sinérgico entre Energia, Ambiente, Informação. Isto está mudando a produção e a sociedade na qual vivemos. A produção cultural, em todos os setores tradicionais ou de novas invenções, casuais ou programadas, configuram-se como produção econômica estratégica. Uma produção interdisciplinar. Uma produção que, tendo como lugar necessário a rede, tende a desvincular-se de qualquer tentativa de condicionamento que limite seus resultados. Eis a primeira novidade. A partida, neste momento, é jogada entre aqueles que defendem os privilégios adquiridos, fornecidos por um sistema inadequado – Energia – Máquina – Consumo rápido, e aqueles que possuem grande potencial em matéria de energia, ambiente e recursos para investir em tecnologia e informação. Esses, certamente, pretendem ser os interlocutores para delinear as estratégias futuras da sociedade que habitam o planeta. Neste contexto, as Universidades, lugares históricos da produção e difusão do conhecimento, transformam-se em lugares de trocas culturais, de encontro casual entre informações e ideias que possam gerar resultados úteis à comunidade dos homens, lugares de elaborações e experimentações. Não mais lugares de hegemonia cultural localizados em uma área física sob sua proteção, como frequentemente ainda acontece. Esta, é a segunda novidade. O computador não tem lugar, eu o coloco na bolsa, eu posso carregá-lo por toda parte, a ligação concreta com o lugar específico é representado por mim. O computador pode conectar-me com qualquer ponto ou pessoa do planeta no instante que eu quiser. Ele nos permite uma nova dimensão espaço-temporal. O esforço social, econômico, político destes tempos é colocar em rede as informações que são aquelas de fronteira do conhecimento. É um esforço que encontra resistência. Aqui está, eu creio, a linha que divide progressistas e conservadores. A Universidade pode ser a minha casa, a árvore de um campo, o barco no mar, o topo de uma montanha. Sou livre, com os meus teclados, dos condicionamentos do lugar. Livre para falar com qualquer um que aceita o diálogo, desde que ambos estejam equipados com tecnologia e suporte. É esta liberdade que é adquirida pelas pessoas que produzem conhecimento, é esta liberdade que assusta aqueles que usam o conhecimento como ferramenta para a supremacia de uma cidade, de uma região, de um estado sobre outras cidades, regiões, estados. As Universidades tornam-se lugares de trocas elevadas, onde a produção cultural pode ter múltiplas oportunidades. 11 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 Em resumo, o meu esforço foi o de comunicar-lhes aquilo que vocês já sabiam: docentes, pesquisadores e estudantes continuam a desenvolver o seu trabalho de artesãos da cultura e do progresso científico dos povos, mas o fazem em um ambiente que muda radicalmente a natureza dos seus trabalhos. Os números de multiplicidade, a complexidade dos interesses, a autonomia da individualidade, o valor do próprio ambiente, a diversificação energética que deriva daí, a possibilidade de saber com facilidade o que está acontecendo no mundo sobre um tópico específico, aperfeiçoa o trabalho de produção cultural em relação aos resultados úteis. Considero a arquitetura a arte de construir edifícios e espaços para a cidade das mulheres e dos homens. Ela nos faz compreender o grau de conhecimento científico aplicado às pessoas que habitaram ou habitam um cidade. Construir um edifício é vencer a força da gravidade. Usar com elegância o material mínimo necessário para uma construção significa vencer a força da gravidade com inteligência. As formas que admiramos e recordamos são formas inteligentes. Recordamos um lugar natural por uma árvore, por uma curva de um curso d’água, pela forma de uma colina ou por uma montanha. Recordamos uma cidade pelos seus edifícios, suas praças, suas ruas, sua forma. Os edifícios representam a ordem e a verificação de qualquer projeto arquitetônico. Um projeto é apenas uma intenção espacial, a sua realização é a sua realidade. A produção do conhecimento arquitetônico é baseada nos edifícios: o espaço e as cidades dos homens para os homens. As cidades são os laboratórios reais da arquitetura. Toda cidade, por mais modesta, é um fenômeno complexo que é necessário compreender o melhor possível quando se deve construir sobre seu território, ainda que seja uma simples casa. No início de Shadow cities Robert Neuwirth, descrevendo a Rocinha no Rio de Janeiro, escreve: “(...) atravessei a rua princinpal, em São Conrado, o ritmo é sereno e lento. Chegar aqui, (...) no luxuoso shopping Fashion Mall, é como entrar em uma cidade-modelo de autônomos onde todos mostram uma idêntica ausência de paixões. Por outro lado... na Rocinha, a vida é exatamente o oposto. Centenas de pessoas se movem em todas as direções (...). Isto, para mim, foi a primeira revelação: que a comunidade extravagante era mais desorganizada que a comunidade localizada ao seu lado. Que ali existia mais vida”. Uma vida que está faltando em algumas partes da cidade que não tem fim. Regiões onde se faz somente turismo (os centros históricos europeus são mortos), ou se frequenta somente para consumir cultura, ou somente para fazer compras, ou nos bairros residenciais luxuosos e tranquilos, onde à noite se apaga a luz antes de ir para a cama. A cidade contemporânea é cidade de relações e seus habitantes dão forma e organização aos seus lugares. Nisto, Rocinha me lembra as cidades medievais da Europa, a sua forma dependia do lugar e dos habitantes que as construiam, organizavam-nas e habitavam-nas. Devemos recuperar o sentido da Rocinha – pedaço de cidade que possui as sementes da cidade contemporânea, mesmo sendo uma favela marginalizada – para subverter a lógica de partes urbanas esquematizadas como confinamentos, não integradas, utilizadas pela cidade sem limite dos nossos continentes. Hoje as coisas são complicadas, na verdade pode acontecer a obrigação de construir casas para europeus e africanos no mesmo bairro. Sistematizar um bairro onde possam viver felizes europeus e africanos significa inventar novas formas urbanas, novos tipos de casas. Para fazer isso não é suficiente conhecer somente engenharia, ou somente design, ou somente composições das capacidades de um recipiente, ou somente urbanística. Hoje também a guerra condiciona a cidade contemporânea. Eyal Weizman em Hollow land escreve: “A despeito de alguns milhares de soldados israelitas e centenas de guerrilheiros palestinos contemporaneamente levando avante manobras militares na cidade, eles se encontram imersos nas suas bases a tal ponto que da perspectiva aérea eram constantemente invisíveis. (...). Movendo-se entre os muros de suas casas, esta manobra transformou o espaço12 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 interno em espaço externo e os espaços privados em vias de trânsito. (...) Não foi tanto a geometria do espaço a governar o movimento, quanto o movimento mesmo a produzir o espaço ao seu redor. Este movimento tridimensional, atravessando o corpo da cidade – paredes, sótãos e pisos – reinterpretou, colocou em curto-circuito e recompôs a sintaxe e a arquitetura urbana”. As disciplinas que no âmbito das Universidades ocidentais se tornam sempre mais especializadas com a finalidade de assumir interesses específicos e autônomos mostram a sua impotência. Eu acredito que quando se projeta um edifício, as disciplinas que elenco devem saber trabalhar sinergicamente. Como acontece em qualquer outro campo de pesquisa, as disciplinas singulares estão mudando as suas especificidades tradicionais, ou algumas desaparecem completamente, no processo de contaminação com outras. As pessoas vivem bem na cidade onde os edifícios possuem espaços racionalizados com as medidas dos homens. Edificar uma casa que proporcione felicidade a um europeu ou a um africano significa pensar em uma casa e em uma cidade que até hoje não existe. A pior coisa que podemos fazer contra nós mesmos é continuar a desperdiçar os recursos da natureza. Aqueles relacionados com o nosso Habitat. Nós estamos compreendendo, ainda que muito lentamente. Conhecer é alargar os confins da nossa ignorância sem preconceitos. Um processo de aproximação com relação às certezas que mudam. A Natureza está sempre muito a frente de nós, mas estamos compreendendo alguma coisa a mais. Eis porque está em decadência a era do consumismo e do egoísmo. Veneza, 25 de agosto de 2010. Francesco Gostoli é doutor pela Università La Sapienza di Roma na cátedra de Ponti e Grandi Strutture. Foi professor de Progettazione Urbana no Instituto de Arquitetura de Veneza. Ensinou Caratteristiche Meccaniche dei Materiali no Centro Europeu de Formação para Artesãos; Architettura degli Interni e Esegesi degli Spazi Culturali na Universidade Cà Foscari de Veneza. Frequentou a Academia de Belas Artes de Roma e a Faculdade de Engenharia de Roma. Escreveu Le due Città (Arsenale Editrice); Spazi guida per la progettazione di un museo contemporaneo (Libreria Editrice Cafoscarina) e vários artigos em revistas especializadas. Dentre suas obras mais importantes estão: Casa Comune - Edifício residencial para anciãos com sala de leitura e cinema (Veneza); Nuova Urbanistica - Edifício residencial (Padova); La Nuova Biblioteca Bertoliana (Vicenza). Recentemente projetou para a Bienal de Veneza o Nuovo Ingresso del Padiglione Italiano e o interior da Biblioteca da Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade Cà Foscari em Veneza. Retornar ao sumário 13 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 A produção acadêmica na área de Exatas: um panorama recente e relações com a Educação* C. A. M. de Melo UNIFAL-MG/Campus de Poços de Caldas RESUMO: Apresentamos um panorama da situação da educação no Brasil e correlacionamos esse panorama com a produtividade acadêmica brasileira na área de exatas. Por fim, apresentamos um quadro em que novas metodologias aplicadas ao ensino superior e a integração entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão podem contribuir significativamente para a melhoria da produtividade acadêmica brasileira. Introdução A produção acadêmica na área de exatas no Brasil sempre foi uma das maiores dentre todas as áreas do conhecimento. Há várias razões para isto, mas as principais são históricas. A área das ciências exatas se desenvolveu, no Brasil e no mundo, com forte apoio militar, dadas as suas implicações tecnológicas que implicam não apenas em supremacia bélica mas também em soberania nacional. No Brasil, o próprio desenvolvimento das agências nacionais de apoio à pesquisa, como CAPES e CNPq tiveram forte influência dos cientistas das áreas de exatas em sua época. Em termos contemporâneos, o governo tem estimulado fortemente o desenvolvimento das áreas tecnológicas, dado que somente a sua ampliação poderá tornar o desenvolvimento do país sustentável alongo prazo, tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico. Atrelada à questão do crescimento da produtividade acadêmica na área de exatas está a questão da educação básica, em geral, e da educação científica em particular. Nosso intuito aqui é discutir como melhorias no ensino médio e fundamental poderiam contribuir, ainda que de maneira indireta, sobre a produtividade acadêmica no ensino superior. Para tanto, comecemos por discutir o que é “educação científica”. Educação em ciências e educação científica O termo "educação em ciências" pode significar muitas coisas, desde a difusão de conhecimentos gerais sobre a ciência e a tecnologia como fenômenos sociais e econômicos até a formação nos conteúdos específicos de determinadas disciplinas, passando pelo que se costuma denominar de "atitude" ou "método científico" de uma maneira geral; e desde a educação inicial até a educação superior de alto nível. Alguns autores buscam diferenciar, em inglês, science education de scientific education, reservando o primeiro termo para a formação geral sobre ciências e o segundo para a formação nas ciências específicas.** Assim como o objetivo principal da educação física nas escolas não é formar atletas campeões, e sim difundir os valores da atividade em equipe e de mens sana in corpore sano para todas as pessoas, o objetivo principal da educação em ciências nas escolas não é a * Este texto foi apresentado em mesa redonda intitulada “A produção científica nas áreas de Exatas e de Saúde”, realizada no dia 16 de setembro de 2010, dentro da programação do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior. ** Um outro uso do termo scientific education é o da educação cujos métodos e procedimentos são fundamentados em pesquisas científicas que testam a validade e eficácias das diferentes abordagens pedagógicas (evidence-based education), seja no ensino de ciências, seja no ensino de língua, matemática e outras disciplinas. 14 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 formação de cientistas e pesquisadores, mas a difusão das atitudes e valores associados à postura indagativa e crítica própria das ciências. No entanto, é importante também identificar e formar talentos, tanto em uma atividade quando na outra, e neste sentido a experiência brasileira de formação de pesquisadores e cientistas de alto nível não é das melhores, embora tenha aparentemente progredido bastante. A necessidade de introduzir ou melhorar a educação em ciências desde os primeiros anos da escola é hoje reconhecida inclusive nos países mais desenvolvidos, que vêem com preocupação o número reduzido de jovens que se orientam para as carreiras de natureza científica e tecnológica, assim como o pouco entendimento sobre a natureza e a importância do conhecimento científico mesmo entre pessoas formalmente mais educadas. Uma sucessão de documentos e iniciativas neste sentido tem sido produzida e empreendida pelas Academias de Ciência e instituições de pesquisa e educação desde o fim da década de 1950 em várias partes do mundo, desde o relatório do Comitê Consultivo de Ciências da Presidência dos Estados Unidos [1], elaborado a pedido do presidente Eisenhower após o advento do satélite Sputnik e o início da corrida espacial, até o recente documento da Comissão Rocard da União Européia [2], passando por Beforeit is Too Late, o relatório da Comissão Nacional sobre o Ensino de Matemática e de Ciências do ano 2000 [3], que foi redigido pelo senador e ex- astronauta John Glenn. A idéia de que a educação em ciências deveria ter como foco inicial o desenvolvimento de atitudes mais gerais de curiosidade, observação dos fatos e busca de relações causais, e não o ensino formal das disciplinas específicas, é mais recente, e seu início tem sido atribuído à iniciativa de Leon Lederman, Prêmio Nobel de Física de 1988, que depois se espalhou para outros países e levou ao envolvimento crescente das academias de ciência e sociedades científicas de vários países com o tema. Esta abordagem, conhecida nos Estados como hands on, foi levada posteriormente para a França através do projeto La Main à la Pâte, de onde veio para o Brasil com o nome de “Mão na Massa”. A metodologia do La Main à la Pâte baseia-se em dez princípios, que começam com o estímulo à curiosidade infantil, a partir de uma indagação extraída do cotidiano das crianças, conduzindo ao questionamento científico, através da observação, pesquisa, formulação de hipóteses, testes e experiências, verificação, notação individual e coletiva, síntese e conclusões. Esta metodologia pretende articular a aprendizagem científica ao domínio da linguagem e à educação para a cidadania. O trabalho é desenvolvido por tema-desafio. Espera-se que com este percurso os alunos se apropriem dos conceitos científicos e das técnicas de investigação, consolidando sua expressão oral e escrita. O projeto está bem documentado, com livros, artigos e informações disponíveis no site http://lamap.inrp.fr. Ao longo dos anos, uma equipe multidisciplinar, com professores, pedagogos, engenheiros, cientistas, estudantes de ciências entre outros, desenvolveu uma variedade de materiais, como instrumentos de acompanhamento e avaliação, módulos para uso em sala de aula, relatórios e artigos analíticos para fundamentação e continuidade da proposta. Independentemente do método adotado, a educação em ciências deve ser parte fundamental da educação geral por pelo menos três razões principais. A primeira é a necessidade de começar a formar, desde cedo, aqueles que serão os futuros pesquisadores e cientistas, cujas vocações geralmente se estabelecem desde muito cedo. A segunda é fazer com que todos os cidadãos de uma sociedade moderna, independentemente de suas ocupações e interesses, entendam as implicações mais gerais, positivas e problemáticas, daquilo que hoje se denomina "sociedade do conhecimento", e que impacta a vida de todas as pessoas e países. Terceiro, fazer com que todas as pessoas adquiram os métodos e atitudes típicas das ciências modernas, caracterizadas pela curiosidade intelectual, dúvida metódica, observação dos fatos e busca de relações causais, que, desde Descartes, são reconhecidas como fazendo parte do desenvolvimento do espírito crítico e autonomia intelectual dos cidadãos. 15 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 Educação: retrato do Brasil Muito já foi escrito sobre o cenário da Educação no Brasil. Em lugar de repetir várias dessas análises e discussões, optaremos aqui por fazer um mero quadro comparativo, deixando ao leitor a incumbência de uma reflexão sobre o que estes dados refletem. No entanto, para se fazer qualquer tipo de comparação, é necessários que os objetos da medição sejam comparáveis. Embora possível, é de pouca valia comparar o tamanho de uma formiga com o de um elefante. Assim, precisamos nos ater a países que sejam similares ao Brasil em ao menos alguns aspectos sócio-econômicos. Usualmente, compara-se o Brasil com os demais países do grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) tomados como similares, e à Coréia, geralmente tomada como modelo. Faremos aqui a opção de usar somente países de configuração sócio-econômica semelhante à nossa, trocando apenas a Índia pelo México, de modo a permitir também comparações com base na realidade geopolítica local. Usando dados do INEP, podemos montar os seguintes quadros comparativos: Taxa de analfabetismo Brasil China México Rússia 12% 9% 8% 0,5% Melhor do mundo: Canadá com 0% de analfabetos. Média de anos de escolaridade da população Brasil China México Rússia 5 anos 6 anos 7 anos 10 anos Melhor do mundo: Estados Unidos, com 12 anos de escolaridade Participação de mão-de-obra especializada na força de trabalho Brasil China México Rússia 9% Não declara 14% 31% Melhor do mundo: Suécia, com 38% da força de trabalho especializada Repetência no ensino fundamental Brasil China México Rússia 21% 0,3% 5% 0,8% Melhor do mundo: Coréia, com 0,2% de repetência Se nos focarmos apenas nas áreas de ensino diretamente relacionadas à área de exatas e utilizarmos dados do PISA [4], podemos formular ainda o seguinte quadro comparativo: Qualidade do ensino de ciências e de matemática Brasil China México Rússia 2,9 4,2 3,0 5,1 Melhor do mundo: Cingapura, com 6,5 pontos Podemos agora nos perguntar se tais quadros desfavoráveis não seriam fruto do déficit de professores qualificados nas escolas brasileiras. Para analisar essa possibilidade, coletamos novamente dados do INEP sobre os cursos de licenciatura no Brasil e construímos a tabela a seguir: 16 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 • Formação de professor de matérias específicas 3.418 • Desenho 1 • Estatística 2 • Psicologia 2 • Sociologia 5 • Matérias pedagógicas 6 • Educação religiosa 10 • Estudos sociais 15 • Ciências sociais 28 • Língua/literatura estrangeira moderna 32 • Língua/literatura vernácula e língua estrangeira moderna 39 • Língua/literatura vernácula (português) 58 • Filosofia 80 • Física 139 • Química 161 • Ciências 193 • Geografia 316 • Biologia 384 • História 468 • Matemática 567 • Letras 912 Se fizermos um comparativo por área do conhecimento, o resultado é o seguinte gráfico: Podemos ver claramente que a quantidade relativa de cursos de licenciatura nas áreas de exatas é muito menor que nas áreas de humanas, porém o leitor deve levar em séria conta que é muito mais preocupante que o número total de cursos de licenciatura seja tão baixo. Mesmo a área com o maior número de cursos de formação de professores (Letras), possui apenas 912 cursos em todo o país. Apenas a título de comparação, há 3.207 cursos de Administração em todo o Brasil, o que é quase to total de cursos de formação de professores considerando-se todas as áreas do conhecimento juntas. Portanto, vemos que o principal fator determinante da falta de professores qualificados no mercado de trabalho é, de fato, o reduzido número de cursos de licenciatura oferecidos no Cursos de G raduação p/ Professores História 14% Matemática 17% Língua/literatura vernácula e língua estrangeira moderna 1% Língua/literatura vernácula (português) 2% Língua/literatura estrangeira moderna 1% Matérias pedagógicas 0% Ciências sociais 1% Estudos sociais 0% Educação religiosa 0% Sociologia 0% Psicologia 0% Estatística 0% Filosofia 2% Física 4% Química 5% Biologia 11% Geografia 9% Ciências 6% Letras 27% Desenho 0% 17 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 Brasil. Entretanto, é preciso levar-se em conta que mesmo dobrando o número de vagas nos cursos isso não dobraria o número de professores disponíveis no mercado. A razão para tanto é simples: a valorização do profissional. O professor é hoje uma das categorias profissionais com o menor salário-base do país. Assim, é natural que egressos de bons cursos de licenciatura e treinadosem diferentes competências e habilidades além daquelas imediatamente relacionadas à sala de aula, acabem procurando colocação profissional distinta daquela que planejaram originalmente ao ingressar na universidade. Caso o leitor não se sinta convencido, com estes simples argumentos, da desvalorização sofrida pelo profissional professor, podemos fazer uso novamente do artifício de fazer quadros comparativos. Desta vez, no entanto, optaremos por fazer comparações primordialmente com países modelo, de modo a destacar a distância que nos separa do quadro ideal, incluindo apenas um país semelhante ao Brasil para efeito de comparação local. Os gráficos acima mostram que, mesmo quando comparados com um país de situação social similar (mas de situação econômica bem inferior), os gastos brasileiros com educação são bastante modestos. Mudar o ensino superior para mudar a produção acadêmica Falamos até aqui dos conceitos de educação em ciências e educação científica e dos problemas que acometem, principalmente, o ensino básico no Brasil. Agora, nos focamos em como essas informações podem ser usadas para melhorar o ensino superior e qual o impacto disto sobre a produção acadêmica na área de exatas. Apesar de produtividade acadêmica iniciar-se, tipicamente, a partir do nível da pós-graduação, acreditamos que a educação preliminar (fundamental, média e superior) tem um impacto profundo na formação dos futuros pesquisadores, sobretudo no que diz respeito à sua cultura científica. Mudanças profundas estão acontecendo, fruto dos avanços tecnológicos e de empresas que enfrentam mercados globalizados e competitivos. Surgem também novas exigências em ENSINO INFANTIL e m dólare s por aluno(1) 930 2000 2600 7700 Brasil México Coréia EUA (1) Gasto anual por alunos na rede pública, de acordo com a paridade do poder de compra em dólar Fonte: OCDE ENSINO FUNDAMENTAL e m d ólar e s po r alun o(1) 870 1600 4000 8300 Brasil México Coréia EUA ENSINO MÉDIO e m dólare s por aluno(1) 1100 1900 6400 9600 Brasil México Coréia EUA (1) Gasto anual por alunos na rede pública, de acordo com a paridade do poder de compra em dólar Fonte: OCDE ENSINO SUPERIOR e m dó lare s p or alu no(1) 10000 5700 7000 24000 Brasil México Coréia EUA (1) Gasto anual por alunos na rede pública, de acordo com a paridade do poder de compra em dólar Fonte: OCDE 18 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 relação ao desempenho dos profissionais: ter uma sólida formação geral e uma boa educação profissional. Um dos maiores desafios da educação têm sido encontrar formas de aliar o ensino à tecnologia presente na sociedade e possibilitar vivências contextualizadas aos alunos para que o ensino seja significativo. Na era da informação e do conhecimento, com as tecnologias cada vez mais presentes nas atividades humanas, fazem-se necessárias pessoas capazes de utilizá- las de forma crítica e de criar novas soluções. Acreditamos que a extensão universitária pode ter um papel importante na formação de indivíduos com competências e habilidades para viver na sociedade atual, e que a educação é um campo fértil para o uso da tecnologia, tendo em vista a gama de possibilidades que apresenta, tornando a aprendizagem mais dinâmica e motivadora. O sistema de ensino atual, como se verifica nos Parâmetros Curriculares Nacionais, inclui a tecnologia como aplicação imediata da ciência, não só para despertar o interesse do aluno como também para integrá-lo mais facilmente ao mundo real que o cerca, bem como lhe dar elementos para escolher sua profissão. A educação deve acompanhar o desenvolvimento das tecnologias, criticando e adaptando os conhecimentos às necessidades da produção, porém a educação técnico-profissional não deve permanecer a reboque do desenvolvimento tecnológico, mas procurar situar-se em posições de vanguarda, face às mudanças e transformações que acontecem no mundo. Essa é uma premissa básica dos novos cursos universitários propostos pela Universidade Nova e implementados pelo projeto REUNI. Assim, vivemos hoje um momento histórico em que urge tirar de cena a idéia de um ensino meramente propedêutico, exigindo novas orientações teóricas e metodológicas, tanto no que tange os conteúdos específicos, quanto aos procedimentos didático-pedagógicos. Particularmente naqueles aspectos referentes ao ensino das Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias, novas competências e habilidades deverão ser desenvolvidas visando um desvelamento das implicações da Ciência e da Tecnologia nos modos de produção social, com conseqüências diretas nas modificações ambientais. Com um currículo diversificado e rico em possibilidades, utilizando recursos que tornam a aprendizagem mais significativa e motivadora, os alunos estarão preparados para serem cidadãos do mundo, com domínio das tecnologias modernas, capazes de tomar decisões cada vez mais complexas e aprendendo a trabalhar em equipe. Assim, estarão preparados para os desafios de sua vida pessoal e profissional. Acreditamos que essas mudanças, junto com uma atuação integrada entre ensino, pesquisa e extensão por parte dos docentes universitários, serão de importância primordial para uma mudança significativa no quadro atual da produtividade acadêmica brasileira, sobretudo no contexto das ciências exatas. Em primeiro lugar, porque com uma cultura científica mais bem consolidada será mais fácil para o estudante de pós-graduação encarar a produtividade acadêmica como conseqüência natural do seu trabalho na universidade. Em segundo lugar porque o amadurecimento dessa cultura científica lhe permitirá perceber mais facilmente que a produção acadêmica não se restringe aos artigos científicos, mas abrange às três áreas fundamentais que compõem o tripé fundamental da universidade: o ensino, a pesquisa, e a extensão. Tradicionalmente, a produtividade acadêmica é sempre associada à produção de conhecimento científico novo. Embora reconhecida como tal, a produtividade na área de ensino ainda é pouco valorizada. Tome-se como exemplo a dificuldade em se produzir um livro didático e a baixa pontuação atribuída a esta produção em todas as formas de avaliação aplicada ao docente universitário. Por fim, raramente reconhecida como tal, a produtividade acadêmica em extensão universitária é uma das que tem maior potencial para disseminar mudanças sociais significativas. Projetos de extensão em interface com a pesquisa têm o potencial de levar rapidamente à sociedade os benefícios das novas pesquisas 19 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 desenvolvidas dentro da universidade; projetos de extensão em interface com o ensino têm o potencial de mudar a forma de se ensinar e de propagar boas práticas e novas metodologias de ensino, com forte impacto imediato sobre a qualidade de ensino nas escolas de nível fundamental e médio. Acreditamos que o caminho para o aumento da produtividade acadêmica de qualidade passa, necessariamente, pela melhoria do ensino de ciências e da educação científica em todos os níveis e pela integração entre ensino, pesquisa e extensão no nível superior. Esperamos ter convencido o leitor da importância dessas inter-relações e que ele se julgue disposto a colocar essas novas idéias em prática. Referências [1] President's Science Advisory Committee. Education for the age of science. Washington, DC: The White House (1959). [2] M. Rocard, P. Csermely, D. Jorde,D. Lenzen, H. Walwerg-Henriksson, e V. Hemmo. Science education now: A renewed pedagogy for the future of Europe. Report of the European Commission (2007). [3] J. Glenn, Before It's Too Late: A Report to the Nation from the National Commission on Mathematics and Science Teaching for the 21st Century. Education Publications Center (2000). [4] OECD. PISA 2006 Science Competencies for Tomorrow's World. Paris: Organisation for Economic Co-operation and Development (2007). Cassius Anderson Miquele de Melo é bacharel em Física pela Universidade de São Paulo (USP), mestre, doutor e pós-doutor em Física pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, professor adjunto da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG/Campus de Poços de Caldas e professor voluntário/colaborador da Unesp. Retornar ao sumário 20 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 Lugar das Humanidades na ideia de Universidade crítica* Paulo Denisar Fraga ICHL/UNIFAL-MG I. Hipótese norteadora e modo de exposição Iniciemos por esclarecer sobre como pensamos poder tratar do tema desta mesa, “A responsabilidade da Universidade na formação do sujeito crítico”. Parece óbvio que se deva responder com um sim à ideia de que a Universidade tem uma responsabilidade, inclusive especial, na formação do sujeito crítico. Embora seja necessário dizer que tal propriedade não é uma exclusividade da Universidade. Afinal, no mundo todo, foram os movimentos sociais progressistas que cumpriram grandemente essa função. Afinal, depois de Weber, Adorno e Foucault, não podemos mais ignorar o entrelaçamento entre o conhecimento e a dominação. E ao dizermos isso deixamos implícito que não devemos nos bastar a um conceito meramente técnico de senso crítico. Isto posto, perguntemo-nos: seria a tarefa da formação do sujeito crítico na Universidade apenas uma obra de novos métodos e didáticas de ensino, ou um fazer meramente individual, ou mesmo de um certo coletivo de professores dados como metodológica e/ou conteudisticamente excelentes? Pensamos que não! Reservado o respeito aos que se dedicam, com honesto interesse, ao estudo dos meios de viabilidade dessa questão nas disciplinas internas às várias áreas, nossa hipótese percorre perspectiva distinta, qual seja, a de que a efetivação de tal responsabilidade depende primeiramente da própria concepção de Universidade que tivermos. E mais, do papel que no interior dela possam cumprir as Humanidades, retomando essa questão mais ou menos sob a influência do que Wilhelm von Humboldt levantou no seu tempo, no projeto de criação da Universidade de Berlim. Justificamos esse corte analítico pelo intuito de uma visão dialética e mais universal, bem representada numa passagem do livro de Marilena Chauí, Escritos sobre a universidade: devemos “tomar a questão do ensino não como técnica de transmissão de conhecimentos e de consumo passivo dos saberes, mas como parte constitutiva da aparição de sujeitos do conhecimento, de tal modo que o ensino e a instituição universitários sejam simultaneamente agentes e produtos da ação de conhecimento que engendra esse sujeito” (2001, p. 171). Mas que lugar teriam ainda as Humanidades depois que Marcuse afirmou, já há mais de 40 anos, que a Ciência e a Técnica foram alçadas à condição de uma ideologia mascaradora da dominação? Ou, mais presentemente, estaríamos numa era pós-industrial, em que também o papel interdisciplinar das Humanidades estaria perdido, como uma iguaria ingênua e inútil frente à fragmentação do mundo do trabalho e da cultura, ou frente àquilo que Fredric Jameson chamou de Pós-modernismo, lógica cultural do capitalismo tardio? Vamos iniciar a resposta a essas questões de um modo não-sistemático, talvez meio benjaminiano, recorrendo a algumas imagens ou passagens tópicas que possam ilustrar com certa potência tanto a necessidade como a viabilidade da mediação reflexiva entre as Ciências Empíricas e as Humanidades, escovando, assim, a contrapelo das tendências acima, tal como Walter Benjamin recomendou ao materialismo crítico. * Este texto foi apresentado em mesa redonda intitulada “A responsabilidade da universidade na formação do sujeito crítico”, realizada no dia 16 de setembro de 2010, dentro da programação do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior. 21 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 II. Passagens sobre Ciência e reflexão humanística 1. Considerando a observação de Sérgio Paulo Rouanet, em As razões do iluminismo, de que o setor industrial pode ter diminuído, mas que o complexo do sistema industrial se ampliou enormemente, podemos dar como legítima a lembrança de um texto de Franklin Leopoldo e Silva, intitulado “O papel das Humanidades no contexto tecnológico”. Nesse texto, o autor se pergunta por que a crise da Universidade e do seu ensino pode ser vista, em grande medida, como perda da centralidade das Humanidades no processo da produção do conhecimento acadêmico? Ao discuti-lo, observa que geralmente as Humanidades aparecem ao senso mais geral como algo de “arcaico”, ao passo que a Ciência insinua-se como algo “moderno”. Mas antes de criticar tal classificação, o autor procura compreendê-la como expressão razoavelmente natural decorrente dos modos de proceder na produção do conhecimento entre as Ciências mais técnicas e as Humanidades. Por exemplo, para desenvolver um novo software, o pesquisador não precisa recorrer a toda a história da informação eletrônica. Basta-lhe o conhecimento do software mais avançado que existe, para dali seguir adiante. Já para o tratamento fundamentado de temas como a liberdade ou a política, o pesquisador precisa recorrer aos clássicos, muitas vezes até aos gregos, que estão no começo do pensamento ocidental. Leopoldo e Silva atribui a supremacia paradigmática da Ciência e da técnica nos parâmetros da produção do saber, ao papel civilizatório desempenhado historicamente pelo desenvolvimento científico desde a Renascença. Por outro lado, argumenta que a progressiva centralidade da tecnologia científica promoveu a perda da unidade reflexiva e interdisciplinar do saber e, portanto, o comprometimento da própria ideia da Universidade enquanto unidade da multiplicidade. Frente a isso, afirma que, se não é mais possível uma universalidade do saber como a que havia antes do Renascimento – ou nos tempos em que Pitágoras respondia que era um amigo da sabedoria (philos-sophos), para com isso representar a unidade de todo o conhecimento, o que a Filosofia expressou por séculos –, é preciso, em contrapartida, que as Humanidades retomem o seu lugar articulador do saber fragmentado para que a Universidade possa sustentar a sua própria razão de ser. E conclui que as Humanidades precisam se livrar de sua má-consciência do “arcaico” e assumir o que de autêntico existe nessa característica, pois o contato com a origem, com a totalidade perdida, é a condição para haver consciência histórica nas próprias Ciências, e representa a única possibilidade atual de uma universalidade crítico-reflexiva do conhecimento na Universidade. 2. Corrobora, neste sentido, a ilustração de Gaston Bachelard, em A poética do espaço, que se refere à metáfora da casa, do porão e do sótão, que o filósofo, matemático e físico teórico Gérard Fourez, em seu livro A construção das ciências, compara com o apartamento, segundo uma entrevista de Bachelard. A leitura que Fourez faz dessa imagem é excelente. Contudo, vamos nos apropriar dela num sentido bastante livre aqui, relacionando-a a outras expressões igualmente muito significativas.A grosso modo, resumindo poderíamos considerar que o apartamento significa viver em um único plano, com uma única visada das coisas do mundo. Já a casa, o porão e o sótão permitem olhares múltiplos, a partir de planos diversos. O sótão permite olhar as coisas de um outro ângulo, mais filosófico, poético, ou projetivo, para fora. De certo modo, aqui, poderíamos lembrar de uma cena altamente representativa do filme Sociedade dos poetas mortos, quando o professor, disposto a incentivar o senso crítico dos alunos numa escola de disciplina extremamente conservadora e autoritária, solicita a eles que subam em sua classe e olhem para o fundo da aula. Os alunos inicialmente receiam, temendo alguma punição. Já o porão permite o olhar em profundidade, 22 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 mais introspectivo, dos fundamentos psicológicos ou sociais que condicionam as coisas, o que também é importante para o pensamento reflexivo. De certa forma, a figura do porão faz lembrar a fórmula de Humboldt, “solidão e liberdade”, que, como explica Volker Gerhardt, não significava necessariamente isolamento, mas autonomia do indivíduo para se retirar à sua interioridade como condição para a observação precisa e o juízo sóbrio. Contudo, Bachelard observa que o problema reside em que muitas pessoas nunca vão ao sótão ou ao porão, vivendo num único plano, como num apartamento, sem a chance de ver as coisas de um ponto de vista novo e diferente. Fourez, por sua vez, lê o significado da metáfora bachelardiana associando-a às noções de “código restrito” e “código elaborado”, que retoma do sociólogo inglês Basil Bernstein. Na aplicação conceitual de Fourez, o código restrito é o código técnico da Ciência, assim como para Bernstein era o da linguagem ordinária, com fins práticos e partindo das mesmas pressuposições de base. Já o código elaborado é, para Fourez, o código reflexivo das Humanidades, partindo de pressuposições de base diferentes. O primeiro se preocupa em descrever o “como” das coisas; o segundo visa o seu “sentido” ou o seu “porquê”. Por isso, diz Fourez, num universo de aproximação dialógica entre os dois códigos, “a noção que se tem da Ciência será ligada, graças a uma linguagem elaborada, a outros conceitos, tais como a felicidade dos humanos, o progresso, a verdade, etc. Essa linguagem elaborada – essa Filosofia da Ciência – permitirá uma interpretação daquilo que a linguagem restrita diz a respeito da Ciência”. Com isso o autor visa superar a ideia de que, “uma vez que se falou de cientificidade, não há nada mais a fazer senão se submeter a ela, sem dizer ou pensar mais nada a respeito” (1995, p. 21). Fica claro, portanto, o papel das Humanidades na autoreflexão científica, fazendo lembrar da afirmação de Merleau-Ponty de que a propriedade essencial da “verdadeira Filosofia é reaprender a ver o mundo”. 3. De fato, Aristóteles, na primeira frase de um dos livros mais importantes da história da humanidade, a Metafísica, escreveu que “todos os homens desejam naturalmente saber”. Mas a questão está em se a busca do conhecimento é algo preso a cadeias que impõem uma limitação objetivista na Ciência, ou se é algo aberto à condição crítica e autocrítica. Isso nos faz lembrar que após a época determinista dos mitos, na qual a subjetividade humana não desempenhava papel algum por não haver espaço para o livre arbítrio, os primeiros filósofos, conhecidos como pensadores cosmológicos, ainda completamente impressionados pelo imenso poder da natureza frente à debilidade da ação humana, buscaram explicar as coisas gerais do mundo pelo ordenamento da natureza. Foi o período no qual teve lugar a famosa afirmação de Tales de Mileto de que “tudo é água”, e a teoria dos quatro elementos de Empédocles, para a qual o universo é formado por água, fogo, terra e ar. Nessa tentativa de decifrar a arché ou o princípio ordenador do cosmos, destacaram- se, ainda, os filósofos atomistas, especialmente Demócrito, que defendeu a muito significativa e duradoura tese de que o átomo é o elemento último da matéria, indivisível e incorruptível. Em sua tese de doutorado defendida na Universidade de Iena em 1841, intitulada Diferença das filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro, Karl Marx tratou do atomismo grego. E é muito interessante compreendermos por que ele preferiu defender a Epicuro frente a Demócrito, que era reconhecido como um dos fundadores do atomismo grego. Simplificando bastante o assunto da tese, que é muito mais complexo do que o ponto que destacaremos aqui, a questão residiu em que Marx notou que em Demócrito os átomos caem em linha reta no vazio, repelindo-se por entrechoques, segundo uma lei sempre necessária, numa lógica restritiva que termina por afirmar o determinismo natural, ao passo que em Epicuro, seguindo Lucrécio, Marx destacou a teoria do clinamen, ou seja, de que os átomos caem também em diagonal, desviando-se espontaneamente da linha reta, abrindo espaço para o acaso e novas formas. E Marx entendeu que essa ideia, no plano da Física, abria o caminho para a liberdade, uma vez que ela favorecia, de modo equivalente, no plano moral, 23 Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior Seção I: Conferências Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010 a autodeterminação da consciência frente aos ditames e apetites da natureza. Ademais, Epicuro excluía qualquer interferência divina sobre o movimento dos átomos, porque ele prezava o ideal da ataraxia, que significava que os deuses não devem perturbar a tranquilidade da autoconsciência humana. Independente da origem da teoria da declinação dos átomos, importa notar que as objeções do jovem Marx à Física de Demócrito em favor da de Epicuro revelavam, já sobre a Ciência ou Filosofia da Natureza dos antigos, que não pode haver sujeito crítico se o processo do conhecimento não permitir abertura para que a ação reflexiva da subjetividade humana possa desabrochar. 4. Um exemplo emblemático da necessidade de uma Ciência com consciência não mais na palavra de um filósofo, mas na figura de um físico, é o que integra a biografia de Albert Einstein, o nome contemporâneo mais popular da história da Ciência. Para entendermos do que se trata, convém fazermos um questionamento: se a Ciência se basta por si própria, por que Einstein, o maior cientista do século XX, se dedicou cada vez mais a assuntos polêmicos, situados mais no universo das Ciências Humanas do que no estrito da produção científica pura? Dentre outros, podemos lembrar, por exemplo, do seu livro Como vejo o mundo, dos seus textos em defesa da paz e mesmo do seu artigo em favor do socialismo. Já antes da II Guerra, convidado para uma conferência em 1932, e para tentar compreender tal irracionalidade humana, Einstein escreveu a Freud, o fundador da Psicanálise, para saber dele, que era versado nos assuntos da “alma”, ou da psique humana, por que os homens fazem a guerra e de como poderiam se ver livres dela. A resposta de Freud é extensa, numa parte pessimista e noutra otimista frente às possibilidades dos instintos ou pulsões humanos. Contudo, o sentido mais de fundo de sua carta deixa também uma questão a Einstein que, como observou Jurandir Freire Costa no seu livro Violência e psicanálise, sugere que talvez seria mais fácil, para se encontrar uma resposta promissora, que ao invés de se perguntar por que os homens fazem a guerra, se perguntasse por que eles deveriam desejar a paz. Nisto, talvez possamos nos referir a algo que descreveremos como a “tragédia de Einstein”. Como visto, há mais de dois mil anos os gregos haviam determinado que o átomo era uno,
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