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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia A CLÍNICA INFANTIL TRANSPESSOAL: UM OLHAR A PARTIR DOS PROFISSIONAIS Ana Flávia França Bezerra Natal 2019 ii Ana Flávia França Bezerra A CLÍNICA INFANTIL TRANSPESSOAL: UM OLHAR A PARTIR DOS PROFISSIONAIS Dissertação elaborada sob orientação da Profª. Drª. Geórgia Sibele Nogueira da Silva, coorientada pelo Prof. Dr. Marlos Alves Bezerra, e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Psicologia. Natal 2019 iii Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Bezerra, Ana Flávia França. A clínica infantil transpessoal: um olhar a partir dos profissionais / Ana Flávia França Bezerra. - 2019. 132f.: il. Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019. Natal, RN, 2019. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Geórgia Sibele Nogueira da Silva. Coorientador: Prof. Dr. Marlos Alves Bezerra. 1. Psicologia Transpessoal - Dissertação. 2. Psicoterapia Infantil - Dissertação. 3. Psicoterapia - Dissertação. I. Silva, Geórgia Sibele Nogueira da. II. Bezerra, Marlos Alves. III. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.9 Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748 iv v Agradecimentos A presente dissertação de mestrado não seria a mesma sem o apoio precioso de várias pessoas que fizeram parte dessa caminhada. Em primeiro lugar, à minha família, que sempre apoiou minhas escolhas, me dando suporte e incentivando meus objetivos. Vocês são minha fortaleza. Ao meu companheiro de todos os dias, Victor, que me deu suporte e alegrias. Obrigada por dividir comigo todos os momentos. Aos meus amigos, que entenderam minhas ausências e sempre acreditaram em mim. Agradeço ao meu orientador, Marlos, por todo o empenho, paciência e a motivação durante todo o processo da dissertação e que me acompanhou desde antes de ingressar no mestrado, me motivando com esse projeto. À professora Sibele, pela confiança no trabalho. Ao professor Aurino, pelas leituras e sugestões nas qualificações. À professora Symone, por todo aprendizado sobre ludoterapia durante minha formação. À todas as psicólogas que disponibilizaram um momento para compartilhar suas práticas. Sem elas a elaboração desse trabalho não seria possível. Desejo agradecer a todos os colegas de mestrado, pela caminhada compartilhada. À todos os funcionários do PPGPSI, pela disponibilidade em colaborar. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo incentivo financeiro. vi Sumário Agradecimentos .......................................................................................................................... v RESUMO .................................................................................. Erro! Indicador não definido. ABSTRACT .............................................................................. Erro! Indicador não definido. 1. Ciclo 01 – Introdução ao tema de pesquisa ....................................................................... 11 2. Objetivos ........................................................................................................................... 16 2.1 Objetivo geral: ................................................................................................................ 16 2.2 Objetivos específicos: ..................................................................................................... 16 3. Ciclo 02 – Revisão de Literatura ....................................................................................... 17 3.1.A criança em terapia ....................................................................................................... 17 3.2A Psicologia Transpessoal e o olhar para a infância ....................................................... 23 3.2.1.Histórico ....................................................................................................................... 23 3.2.1.1.Histórico no Brasil .................................................................................................... 26 3.2.2.Autores ......................................................................................................................... 29 3.2.2.1.Ken Wilber ................................................................................................................ 30 a)Estados de consciência ...................................................................................................... 32 b)Estágios ou níveis de desenvolvimento ............................................................................. 33 c)Linhas de desenvolvimento ............................................................................................... 39 d)Tipos .................................................................................................................................. 41 e)Quatro Quadrantes ............................................................................................................. 42 3.2.2.1.1. Espiritualidade ...................................................................................................... 44 3.2.2.2.Stanislav Grof ........................................................................................................... 48 3.2.2.2.1. Uma nova compreensão da cartografia e da psique humana ................................ 50 a) Biografia pós-natal e o inconsciente individual ............................................................ 50 b) O nível perinatal ............................................................................................................ 51 c) Nível transpessoal da psique ......................................................................................... 53 3.2.2.2.2 Estratégia de psicoterapia e autodescoberta ........................................................... 54 3.2.2.2.3. O papel da espiritualidade na vida humana .......................................................... 55 3.2.2.2.4. A respiração holotrópica ....................................................................................... 56 3.2.2.2.5. Como essa teoria se organiza na clínica infantil ................................................... 56 3.2.2.3.Vera Saldanha ........................................................................................................... 58 vii 4. Ciclo 03 – Percurso Metodológico .................................................................................... 69 5. Ciclo 04 – Resultados e Discussão .................................................................................... 79 5.1.O que é a Psicologia Transpessoal .................................................................................. 79 5.2.Teóricos e bibliografia .................................................................................................... 84 5.3.Olhar para a criança em terapia ...................................................................................... 93 5.4.Desenvolvimento infantil ................................................................................................ 97 5.5.Conceitos Aplicados .....................................................................................................102 5.6.Recursos utilizados ....................................................................................................... 106 5.7.Diferencial da Psicologia Transpessoal ........................................................................ 113 6. Considerações Finais ....................................................................................................... 117 7. Referências ...................................................................................................................... 122 APÊNDICES .......................................................................................................................... 127 Apêndice A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido............................................. 127 Apêndice B ......................................................................................................................... 131 Apêndice C ......................................................................................................................... 132 viii Lista de Quadros Quadro 1 – Estados nos quatro quadrantes ............................................................................... 33 Quadro 2 - Estrutura básica do desenvolvimento ..................................................................... 36 Quadro 3 - Estágios do Self ...................................................................................................... 38 Quadro 4 - Linhas de desenvolvimento inseridas nos quatro quadrantes................................. 41 Quadro 5 - Tipos nas quatro dimensões ................................................................................... 41 Quadro 6 - Análise temática dos dados .................................................................................... 77 ix Resumo A clínica se constitui como uma tradicional prática na psicologia, em que na atualidade vai se diversificando, seja na prática privada, operacionalizado nas políticas públicas ou nas instituições do terceiro setor. A psicoterapia infantil é uma parcela significativa dessa prática, desafiando os psicólogos a sempre se reinventarem para adentrar o mundo da criança. A discussão se deu por meio da construção teórica de três autores da Psicologia Transpessoal, dois no âmbito internacional Ken Wilber e Stanislav Grof; e Vera Saldanha no âmbito nacional, percebendo como suas teorias contribuem para o atendimento infantil nessa abordagem. Para conhecer como é realizado o atendimento infantil nessa perspectiva teórica, foram entrevistadas seis psicólogas que estavam realizando atendimento infantil no momento da pesquisa dentro da abordagem transpessoal utilizando da entrevista narrativa. O presente estudo se propôs a ser uma pesquisa de cunho qualitativo, em que utilizei a Investigação Intuitiva, método/abordagem caracterizado por ser transpessoal. Para compreender o que emergiu nas entrevistas, utilizer a análise temática dos dados, desenvolvida por Jovchelovitch e Bauer. Emergiram sete categorias de análise a partir das entrevistas, se relacionando com os objetivos do estudo, sendo elas: 1) O que é a Psicologia Transpessoal; 2) Teóricos e bibliografia utilizada; 3) Conceitos aplicados; 4) Recursos utilizados; 5) Olhar para a criança em terapia; 6) Desenvolvimento infantil; 7) Diferencial da Psicologia Transpessoal. A espiritualidade na Psicologia Transpessoal se sobressaiu nos resultados, colocando essa abordagem também como um caminho envolvendo diferentes áreas da vida, resultando em um processo de transformação do terapeuta. A maioria das obras dos autores citados são mais voltados para a teoria como um todo, abordando os processos psíquicos, não havendo uma discussão sobre infância na clínica nem ferramentas criadas especificamente para esse público. Os recursos que as psicólogas utilizam são diversos envolvendo sempre a ludicidade como mediador do processo e a adaptação de recursos e técnicas pensadas inicialmente para o público adulto. Perceber como a criança se insere no espaço psicoterápico e suas demandas são importantes para a terapia. Como diferencial da Psicologia Transpessoal as psicólogas trouxeram as ferramentas disponíveis no campo da fantasia, a possibilidade de vivenciar crenças e fantasias e a mudança que a abordagem faz com o próprio terapeuta. Nesse contexto, os profissionais realizam uma prática clínica com crianças pautada na psicologia transpessoal, entretanto não de forma sistematizada, por não haver essa sistematização teórica, sendo uma construção particular de cada profissional, provenientes de suas bagagens teóricas e do caminho que percorreram na psicologia. Destaca-se que ainda se espera outros estudos voltados para a prática clínica em torno da criança e avançando em trabalhos que ajudem a referenciar estudantes e profissionais a esse respeito, ressaltando a necessidade de mais estudos sobre a criança, a infância e o atendimento infantil na transpessoal. Palavras-chave: Psicologia Transpessoal; Psicoterapia infantil; Psicoterapia x Abstract The clinic is constituted as a traditional practice in psychology, in which, at the present, it is diversifying such as in private practice, as in operationalized in public policies or institutions of the third sector. Child psychotherapy is a significant portion of this practice, challenging psychologists to always reinvent themselves into the child's world. In the present research, the look at the human being was discussed from three theorists of Transpersonal Psychology, two at international ambit Ken Wilber and Stanislav Grof; and Vera Saldanha nationwide and how their theories contribute to child care in this approach. To know how child care is performed in the transpersonal approach, six psychologists who were performing child care at the time of research within the transpersonal approach using the narrative interview were interviewed. The present study was intended to be a qualitative research, in which I used the Intuitive Research, research method / approach characterized by being a transpersonal research. To understand what emerged in the interviews, I used the thematic analysis of the data, developed by Jovchelovitch and Bauer. Seven categories of analysis emerged from the interviews, relating to the objectives of the study, which are: 1) What is Transpersonal Psychology; 2) Theorists and bibliography used; 3) Applied concepts; 4) Resources used; 5) Look at the child in therapy; 6) Child development; 7) Differential of Transpersonal Psychology. With the creation of these categories, it made it possible to better understand how the field of child psychotherapy in the transpersonal is organized. Most of the works of the authors cited are more focused on the theory as a whole, addressing the psychic processes, therefore being no discussion about childhood in the clinic or tools specifically created to attend this audience. Psychologists use many and different resources, always involving playfulness as a mediator of the process and the adaptation of resources and techniques designed for the adult. As a differential of Transpersonal Psychology, psychologists brought the tools available in the field of fantasy, the possibility of experiencing beliefs and fantasies and the change that the approach makes with the therapist himself. In this context, the professionals perform a clinical practice with children based on transpersonal psychology, however not systematically, because there is no such theoretical systematization, being a particular construction of each professional. It is expected to contribute to the field of transpersonal clinic, clarifying the clinical practice around the child and advancing in studies that help refer students and professionalsin this regard, highlighting the need for further studies on children, childhood and child care in the transpersonal. Keywords: Transpersonal Psychology; Child psychotherapy; Psychotherapy 11 1. Ciclo 01 – Introdução ao tema de pesquisa “A infância não é um tempo, não é uma idade, uma coleção de memórias. A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando ainda estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixar encantar.” (Mia Couto) Desde que entrei no curso de psicologia, as questões acerca da criança me fascinavam demasiadamente, fazendo-me pensar nos modos de ter acesso ao mundo infantil. Acredito que esse interesse já emergia antes mesmo da graduação. Da mesma forma, a clínica sempre se manifestava como uma prática na qual me identificava, fazendo-me percorrer um caminho voltado para esses dois temas, deixando desvelar sentido nessa prática de novas descobertas e encontro com o outro. De início, podemos dizer que a psicoterapia infantil tem como característica a utilização de diferentes elementos para a mediação do processo com as crianças. Geralmente são elementos lúdicos, como brincadeiras, jogos, histórias e desenhos que ajudam na expressão de conflitos internos. Fui percebendo esses elementos no trabalho com crianças quando comecei a participar de um projeto de extensão na graduação com crianças e adolescentes, em situação de acolhimento institucional. A partir de então, fui me inserindo em outros campos de atuação do psicólogo, como contexto hospitalar e comunitário, adentrando o mundo infantil. Ainda na graduação tive contato com a Psicologia Transpessoal através de um grupo de estudos que estava se formando, despertando meu interesse em conhecer mais sobre a abordagem. Foi quando fiz o curso de formação em psicologia transpessoal. Dentro da abordagem, fui percebendo que haviam poucos psicólogos que trabalhavam com crianças, surgindo o interesse em buscar compreender mais sobre esse tema, dando início a essa pesquisa. A presente pesquisa busca compreender como a psicoterapia infantil é realizada partindo de um referencial teórico da Psicologia Transpessoal, a partir da compreensão desses 12 profissionais sobre clínica infantil na psicologia. Essa temática se torna pertinente de ser investigada, pois o surgimento da Psicologia Transpessoal é recente, tendo os seus teóricos abordado o tema da infância, mas não sistematizando ou destacando essa temática. Além disso, a produção na área da psicoterapia infantil ainda é escassa, caminhando lentamente nas diferentes perspectivas teóricas (Costa & Dias, 2005; Pajaro, 2015). Podemos perceber um crescimento nas pesquisas relacionadas à psicologia clínica nos últimos anos, devido ao aumento da demanda pela comprovação da psicoterapia, como tratamento efetivo das desordens mentais, levando a um crescimento da produção teórica mundial nesse âmbito (Campezatto, Nunes & Silva, 2014). Entretanto, as pesquisas em psicoterapia ainda enfrentam dificuldades devido as diferentes modalidades de estudo nessa área, que podem envolver a avaliação de resultados ou o processo psicoterapêutico (Brum et al., 2012; Campezatto et al., 2014; Sousa, 2006). Essas modalidades ainda geram outra questão relacionada ao conceito de processo psicoterapêutico, no qual ainda varia, de acordo com o autor, não havendo uma uniformidade nas pesquisas e permanecendo em aberto (Campezatto et al., 2014; Peuker, Habigzang, Koller & Araújo, 2009). Além das dificuldades das realizações de pesquisa no âmbito da psicoterapia, Campezatto et al. (2014) destacam que os psicólogos clínicos não dispõem de horas de trabalho para se dedicarem a pesquisa em psicoterapia. Apesar desses fatores, a produção e, consequentemente, os estudos nessa área vêm aumentando, estreitando os laços entre psicoterapia e pesquisa, aumentando a produção principalmente nos Estados Unidos e Europa (Campezatto, Vieira & Nunes, 2013). A maior parte dos artigos encontrados pelos autores são relacionados aos resultados gerado pela psicoterapia, sendo a concentração maior na abordagem da Teoria Cognitiva-Comportamental, demonstrando necessário os estudos em outras abordagens que não têm a tradição em estudos empíricos como a Teoria Cognitiva-Comportamental. 13 Sobre esse estudo, é importante destacar que se trata de um projeto de pesquisa sobre psicoterapia e sobre psicoterapia com crianças numa abordagem específica da psicoterapia, que é a clínica Transpessoal. Torna-se importante destacar ao leitor que o desenvolvimento de pesquisas em psicoterapia nos últimos anos vem evoluindo, passando por estudos iniciais de eficácia e efetividade, os quais ainda são presentes e predominantes, até o momento atual de pesquisa em psicoterapia, que focam mais no processo psicoterápico (Brum et al., 2012). No que concerne à Psicologia Transpessoal, Ferreira, Silva e Silva, (2015) realizaram um estudo do Estado da Arte (Romanowski & Ens, 2006) sobre a produção de dissertações e teses que abordavam o tema da transpessoalidade no campo brasileiro. Os estudos do Estado da Arte se tornam relevante no meio acadêmico devido ao aumento das produções, sendo esse um caminho para apontar os aspectos que vêm sendo abordados em um determinado tema, em detrimento de outros, podendo se tornar uma contribuição importante para a constituição do campo a ser estudado (Romanowski & Ens, 2006). A busca realizada por Ferreira, Silva e Silva (2015) foi feita na CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), no BDTD (banco nacional de teses e dissertações brasileiras), no site Google Acadêmico e no site das Universidades federais, estaduais e particulares de todos os Estados brasileiros que estavam cadastrados no site do MEC (ministério da Educação e Cultura) e disponibilizavam seu banco de dados próprio no site da instituição. O estudo buscou dissertações e teses que foram defendidos entre o período de 1986 a 2014, os quais continham a palavra “transpessoal” no título, resumo ou palavra-chave. De acordo com os autores, foram encontrados 146 trabalhos, sendo 117 dissertações e 29 teses. No que concerne as dissertações de mestrado, os autores distribuem por campo de conhecimento e também por tema. Nos campos estas estão distribuídas entre a Enfermagem (39), Educação (38), Psicologia (20), ciências das Religiões (11), Educação Física (02), Ciências Sociais (02), Antropologia (01), Ciências da Comunicação (01), Ciências Artísticas 14 (02) e Ciências Médicas (01). O grande quantitativo no campo da enfermagem se explica pelo fato dos trabalhos estarem dentro da categoria do “cuidado transpessoal”, uma teoria desenvolvida por Jean Watson, entretanto, boa parte do quantitativo se refere ao paradigma transpessoal, contribuindo nesse aspecto (Ferreira et al., 2015). Quanto as teses, estas estão distribuídas nos campos da Educação (15), Psicologia (09), Ciências Sociais (01), Enfermagem, (03) e Economia (01). Na divisão por temas, as dissertações estão divididas entre Cuidado Transpessoal (31), Enfoque em Autor (13), Educação Integral (18), Contribuições Paradigma Transpessoal (10), Consciência (09), Espiritualidade (09), Religião (07), Sentido existencial (04), Transdisciplinaridade (04), Relação Corpo-mente (03), Transcendência (03), Temática Morte (02), Psicoterapia Transpessoal (02), EAD (01) e Arte (01). No tocante as teses, estas estão divididas entre Educação Integral (10), Transdisciplinaridade (03), Espiritualidade (03), Consciência (02), Paradigma Transpessoal (02), Enfoque Autor (02), Análise existencial (02), Temática Morte (01), Transcendência (01), Psicoterapia Transpessoal (01), Cuidado Transpessoal (01) e Relações Humanas (01). A partir dessa revisão do Estado da Arte, podemos perceber a escassez nos estudos quando o tema é Psicoterapia Transpessoal, percebendo uma necessidadede estudos que envolvam também esse aspecto. Com o intuito de conhecer mais sobre os recentes temas estudados na Transpessoal, realizei levantamento dos temas abordados nas dissertações e teses pela Transpessoal, a partir do ano de 2014. As bases nas quais foram realizadas a busca são: o Google Acadêmico, os Periódicos CAPES e a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações. As palavras que utilizei para encontrar foram: Transpessoal, transpessoalidade, espiritualidade, Psicologia Integral, integralidade, educação integral, Ken Wilber e Grof. No total foram encontradas 15 dissertações e 12 teses. Os principais campos nas dissertações foram: Educação (9), Enfermagem (5), Gestão de Negócios (1). Já nas teses, os campos foram: Educação (4), Psicologia (2), Enfermagem (2), Ciências Médicas (2), Filosofia (1) e Língua Portuguesa (1). Em relação aos temas nas 15 dissertações, foram encontrados os seguintes: Educação Integral (6), Espiritualidade (4), Cuidado Transpessoal (3), Formação (1) e Relações Humanas (1). No que concerne as teses, os temas foram: Educação Integral (2), Espiritualidade (2), Transdisciplinaridade (1), Cuidado Transpessoal (2), Arte (1), Enfoque Autor (1), Filologia (1), Psicoterapia Transpessoal (1) e Ciências Médicas (1). Em relação aos artigos, foi realizada uma busca utilizando o nome Transpessoal no título, palavra-chave ou resumo nas bases de dados da Scielo, Periódicos CAPES e Google Acadêmico. No total, foram achados 71 artigos publicados em revistas nas áreas de: Enfermagem (41), Psicologia (20), Educação (5), Comunicação (1), Serviço Social (2), Ciências Médicas (1) e Antropologia (1). Os temas dos artigos estavam relacionados a: Cuidado Transpessoal (33), Contribuição Paradigma Transpessoal (13), Espiritualidade (7), Psicoterapia Transpessoal (6), Sentido Existencial (3), Música e terapia (3), Educação Integral (2), História da Transpessoal (2), Temática Morte (1), Sócio-Cultural (1). A partir de então, podemos dizer que os estudos com o tema da Psicoterapia Transpessoal ainda está em crescimento, principalmente no âmbito acadêmico, quando buscamos por artigos em revistas indexadas. Quando o recorte se torna mais específico, como relacionado ao tema da Psicoterapia Infantil Transpessoal, a dificuldade em encontrar estudos se torna ainda maior. Diante disso, a presente pesquisa pretende contribuir com essa área da Psicologia, problematizando o campo da psicoterapia. Neste sentido investigamos como é realizado o trabalho dos Psicólogos que trabalham com psicoterapia infantil, na abordagem da Psicologia Transpessoal. 16 2. Objetivos 2.1 Objetivo geral: Compreender o lugar da clínica infantil na abordagem transpessoal a partir da perspectiva de profissionais da cidade de Natal-RN. 2.2 Objetivos específicos: a) Discutir como se organiza o campo do trabalho da clínica infantil na perspectiva transpessoal; b) Apreender o modo como os entrevistados formulam conceitos e noções relacionando- as à prática da clínica transpessoal com crianças; c) Indicar nas narrativas dos entrevistados a existência ou não de elementos específicos que caracterizem uma clínica infantil na psicologia transpessoal. 17 3. Ciclo 02 – Revisão de Literatura 3.1. A criança em terapia A clínica se constitui como sendo uma prática realizada por muitos psicólogos, como também um modelo de atuação ainda mais disseminado, que na atualidade vai se diversificando, quer na prática privada, seja operacionalizado nas políticas públicas ou brotando nas instituições do terceiro setor. Em sua origem, a palavra clínica, segundo Barbier (1985) provém do grego, kliné, significando “procedimento de observação direta e minuciosa” (p. 45). O termo klin, o qual advém do grego significa “leito”. Partindo assim dá origem do termo, a clínica significa debruçar sobre o leito, sobre o doente que se encontra lá. Assim, a clínica psicológica nasce no modelo médico, em que percebe a necessidade de observar para posteriormente intervir, tratar (Moreira, Romagnoli & Neves, 2007). Para além dos debates a respeito do fazer clínico e da sua importância no contexto da infância, é importante ressaltar que aqui trazemos a infância e a criança como um ser, a qual está em um lugar autêntico de fala e sabedoria (Oliveira, 2017). Oliveira (2017) discute que a infância nas sociedades ocidentais foi pensada como apenas um fato da vida humana, indicando o não instituído ou que resiste as determinações culturais, mas que também compreende a infância como uma “morada, lugar de aprendizado, espanto da linguagem” (Oliveira, 2017, p. 19). Assim, por muito tempo a infância foi tida com essa concepção, entretanto, as filosofias contemporâneas, principalmente na área da educação, estão buscando ampliar suas concepções para além de apenas um período cronológico de experiência, uma infância e um infante no qual está presente em todos, na criança, mas também no adulto, no pai e na mãe que tutela aquela criança, todos temos um infante constituindo nosso ser (Oliveira, 2017). O esforço empreendido por estudiosos com Ariès (1981) e mais contemporaneamente Sarmento (2008) nos ajudam a repensar também a compreensão sobre a infância na psicologia 18 de modo geral e na clínica mais particularmente, pois auxilia a refletirmos sobre o lugar da infância na sociedade e como ela está inserida nos contextos atuais. Até mesmo o modo como foi construída a noção de infância, subsidiando e dando aportes teóricos para compreender o olhar sobre as crianças e como isso influencia em outros aspectos internos. A infância como a percebemos atualmente nem sempre foi tida como infância, pois esta é uma construção social que foi se desenvolvendo com o decorrer da história. A sociologia da infância tem como objeto de estudo as crianças como atores sociais e a infância como uma categoria social do tipo geracional, a qual é socialmente construída (Sarmento, 2008). Nesse sentido, a criança deve ser estudada como uma categoria geracional de modo a articular os elementos de homogeneidade, estando ciente das imagens sociais a que a infância está ligada e a par da geração em que está inserida (Sarmento, 2008). Desse modo, é importante conhecer que a construção social da infância foi erguida sob um viés da negatividade, sobressaindo os pontos negativos e o que a criança não tinha capacidade de realizar (Sarmento, 2008). Fazendo um contraponto com esse olhar, a sociologia da infância nasce com um alicerce no paradigma da competência infantil (Hutchby & Moran- Elis, 1998 citado por Sarmento, 2008) a qual considera todas as crianças competentes no que fazem, sendo consideradas suas experiências e oportunidades de vida, tendo em vista que suas competências são distintas das aptidões desenvolvidas pelo adulto. Nesse viés, a infância não é considerada como uma fase de transição e sim como uma condição social com características próprias e distintas de outras fases etárias, inserido em uma lógica do diferente e não da grandeza, incompletude, imperfeição. A clínica vai se constituindo ao longo da história, se referenciando em uma visão do humano e de mundo particular de cada teoria. Deslocando o olhar para o trabalho com crianças, as abordagens teóricas e seus precursores realizaram uma sistematização para o atendimento infantil a partir das visões coerentes com suas abordagens. Por este ângulo, as principais 19 correntes foram construindo modelos, instrumentos e técnicas para a realização do atendimento infantil, que serão mais detalhadas a seguir. A partir da psicanálise, com Freud, ocorre uma mudança no sentido de que o paciente é detentor do conhecimento, entretanto, um conhecimento inconsciente. Nesse sentido, o papel do psicanalista é de ser um facilitador para que esses conteúdos inconscientes emerjam (Moreira et al., 2007). Assim, a clínicapsicológica vai trilhando outro caminho, se diferenciando da clínica médica, pois esta vai se aperfeiçoando em relação a diagnósticos, enquanto que o caminho da psicanálise vai sendo traçado a partir do sofrimento, enfatizando-o. A Psicanálise teve como precursor Sigmund Freud, dividindo a Psique em três instâncias, que seriam o id, o ego e o superego (Tabuti & Puertas, 2015). Além disso, a partir da corrente Psicanalítica de Freud surgiram os pós-freudianos, que alguns avançaram em alguns conceitos e postulados propostos por Freud e os seus dissidentes, que romperam por discordar de algumas ideias, como a centralidade da libido, na determinação do modo de ser do sujeito, dando início a novas abordagens dentro da psicologia de acordo com seu modo de ver o ser humano e o mundo. O brincar e um olhar para a criança, começou a ser inserido na psicologia, a partir do caso do “Pequeno Hans” (S. Freud, 1909) – uma análise de fobia em um menino de cinco anos, em que o brincar do garoto, relatado por seu pai, aparecia como uma resolução de conflitos intrapsíquicos – ressaltando que esse olhar para a criança é muito mais para a etapa da vida infantil, uma vez que Freud nunca trabalhou diretamente com crianças. Após Sigmund Freud, sua filha, Anna Freud (1965) se torna a pioneira na psicanálise infantil, com algumas teorias, dentre elas, a utilização dos jogos que deveriam ter caráter também educativo, além disso, a visão da criança era de um ser ainda sem maturidade psíquica. Posteriormente, Melanie Klein (1953-1955; 1991), sugere a técnica analítica do brincar, em que o brincar é visto como elemento principal e desprovido de caráter educativo ou moral na brincadeira, utilizando como 20 elemento teórico apenas a psicanálise (Gomes & França, 2012). Assim, a brincadeira surge com o sentido de ser um meio de acesso ao inconsciente, tendo em vista que seria correspondente, em uma terapia do adulto, a associação livre (Gomes & França, 2012). Além do brincar, outros métodos lúdicos foram sendo inseridos, como o desenho. A clínica psicanalítica com adultos se difere da clínica psicanalítica com crianças, por ocorrer uma mudança de paradigma, saindo de uma clínica baseada no significante e na linguagem para se voltar para a questão de contenção/continente (Zornig, 2008). Donald Woods Winnicott, outro autor da psicanálise, traz um olhar diferenciado para o brincar infantil, gerando modificações significativas no pensamento psicanalítico (Felice, 2003). Nesse sentido, as interpretações analíticas ficam em segundo plano, sendo o espaço do brincar mais importante nesse setting (Felice, 2003). A Psicologia Comportamental é embasada nas teorias comportamentais, as quais se desenvolveram no século XX, ganhando grande repercussão com a obra de Skinner na década de 50 (Bahls & Navolar, 2004). Essa corrente se caracteriza como sendo a mais fiel ao modelo científico vigente na época em que surgiu, pois de acordo com Bahls e Navolar (2004), pode conhecer as leis do comportamento, tornando-o mais previsível. Já a teoria cognitiva tem como objeto de estudo o processamento de informações, que seria atribuir significado a algum acontecimento ou algo (Bahls & Navolar, 2004). Ainda dentro dessa corrente, algumas ondas de terapia vão surgindo de acordo com o avanço em pesquisas, como a Psicologia Comportamental Clássica baseada nos experimentos de B. F Skinner, a Terapia Cognitivo- Comportamental que tem a Psicologia Cognitiva de Aaron Beck e a Acceptanceand Commitment Therapy (ACT) de Steven Hayes. Essa perspectiva surge com o pressuposto de que o sofrimento é ocasionado pelo modo como o paciente processa e interpreta as situações, tendo o objetivo a flexibilização e ressignificação dos modos patológicos de processamento da informação (Pureza, Ribeiro, Pureza & Lisboa, 2014). Como abordagem teórica voltada para a 21 psicoterapia, a TCC foi inicialmente evidenciada com adultos, tendo em vista as técnicas utilizadas. Entretanto, desde o behaviorismo clássico com Watson, já haviam teorias sobre o modelo de aprendizagem infantil, realizando estudos com crianças. Um clássico experimento realizado por ele foi com o pequeno Albert, um bebê de 11 meses, que foi submetido a um condicionamento para ter medo de um rato branco que antes não tinha. Essa resposta se generalizou, expandindo o condicionamento a outros estímulos similares a ratos brancos. A partir do trabalho de Watson, teve início a aplicação sistemática de técnicas comportamentais com a população infantil (Ardila, 2013). Atualmente, os princípios que norteiam o trabalho dos psicoterapeutas que seguem a TCC com adultos são similares com crianças, sendo realizadas algumas mudanças em relação as técnicas e a forma como se dá o acesso ao funcionamento cognitivo da criança, utilizando linguagens não-verbais, por exemplo (Pureza et al., 2014). Nessa corrente teórica, apesar de não existir um nome específico, como em outras abordagens, é perceptível os esforços dos autores para pesquisas e estudos nesse contexto. É notório a sistematização da Terapia Comportamental e também da Cognitiva, como em Moura e Venturelli (2004), que sistematizam um modo de se proceder no atendimento infantil, com o intuito de gerar reflexões acerca dessa prática para os profissionais que trabalham com crianças nessa perspectiva. Por este ângulo, dentro desse modelo teórico, são encontrados muitos estudos e pesquisas pensando a aplicação da teoria, como também novos modos de se trabalhar a partir de uma determinada queixa ou problema aparente trazido pelo cliente. A corrente teórica da Psicologia Humanista-Existencial surge, de início, a partir de um movimento humanista (Frota, 2012). Ainda de acordo com Frota (2012), o movimento humanista surgiu em um período de valorização do humano, em que se contrapunha ao pensamento presente na idade média, no qual o humano era desvalorizado em detrimento de uma moral, de algo espiritual e de costumes. Assim, podemos dizer que a Psicologia Humanista 22 defende uma visão que enfatiza a vivência das emoções, da subjetividade, a intuição e as potencialidades (Frota, 2012). Dentre as abordagens que tiveram suas raízes no movimento humanista, a Abordagem Centrada na Pessoa, desenvolvida por Carl Rogers ganhou destaque. Dentro dessa linha teórica, podemos destacar Virginia Mae Axiline com seu trabalho sobre ludoterapia, sistematizando oito princípios para o atendimento infantil a partir de uma psicologia Humanista, em seu livro “Ludoterapia a Dinâmica Interior da Criança” (1972). Com o movimento humanista, ideias anteriores surgiram para agregar a psicologia. O movimento fenomenológico, junto com alguns filósofos existencialistas, fizeram parte desta corrente dando a psicologia suas contribuições. Apesar de diferenças nas concepções filosóficas, o que une os diversos autores do existencialismo, segundo Ewald (2008), é o questionamento do modo de ser do humano no mundo, a relação sujeito-mundo, o ser no mundo questionando o próprio mundo, tendo em vista que esse ser não é dado nem constituído, relacionando como o mundo é percebido pelo humano e como se dá as possibilidades dentro desse mundo. Já a fenomenologia aparece como um método, que ganhou domínio com Husserl em 1910, como um movimento fenomenológico que se contrapunha a ciência positivista da época, sendo como um método de se chegar ao fenômeno (Nascimento, n.d.). A partir do movimento existencialista somos convidados a retornar a Merleau-Ponty, que é uma voz dissonante em relação ao pensamento positivista que vigorava naquela época. Assim, a partir da forma simbólica que a criança tem como modo de se expressar, como proposta por Merleau-Ponty, podemos pensar o modo de ser da criança, partindo assim de um olhar fenomenológico- existencial, mas sendo sempre um olhar perpassado pelo olhar do adulto, o que encerraum limite (Azevedo, 2008). Além desses autores que trabalham com crianças, outra autora que ganhou grande destaque nessa linha, foi Violet Oaklander com seu livro “Descobrindo Crianças” de 1978. 23 Certamente, a discussão apresentada neste item poderia incluir outros cenários e atores das diversas vertentes teóricas que estão presentes na psicologia. Fundamentalmente, nosso argumento principal é que o desafio de olhar para a criança em terapia nos leva também a interrogar o estatuto histórico e social da criança em si mesma. Terapeutas das clássicas abordagens da psicologia clínica tentaram alinhar essa compreensão, com sua prática profissional e o modo como sua perspectiva lhes subsidiava na psicoterapia com crianças. 3.2. A Psicologia Transpessoal e o olhar para a infância 3.2.1. Histórico A Psicologia Transpessoal surgiu a partir da Psicologia Humanista com Abraham Maslow e Anthony Sutich, como sendo uma ampliação dessa corrente, e não uma crítica a ela. A Psicologia Transpessoal aparece no cenário mundial por volta da década de 1960, mas é resultado de um movimento que já vinha acontecendo a partir de escritos de alguns autores, como James, Jung, Assagioli, Moreno e Maslow (Saldanha & Oliveira, 2012). Maslow é tido como um líder do movimento da Transpessoal. Outro significativo nome na Psicologia Transpessoal é Stanislav Grof que desenvolvia pesquisas sobre “estados alterados de consciência”, que outros autores, como Assagioli e Frankl, denominavam como sendo um estado de inconsciente espiritual (Saldanha & Oliveira, 2012). Para compreender a história da Psicologia Transpessoal, o significado do nome transpessoal para a abordagem, utilizarei a compreensão histórica realizada por Ferreira et al. (2015), a qual realiza essa compilação histórica. O termo “transpessoal” foi utilizado pela primeira vez por Willian James, no ano de 1905 (Vich, 1988; Taylor, 1996; Friedman e Hartelius, 2013 citados por Ferreira et al., 2015). A utilização desse termo também pode ser atribuída para Carl Jung, que na tradução de seus escritos o termo “überpersönlich”, utilizado hoje como inconsciente coletivo, levaram aos 24 tradutores ingleses a usarem como sinônimo de “transpessoal” (Ferreira et al., 2015). Ao longo dessa dissertação, vai ser possível perceber a influência de Carl Jung e sua teoria na Psicologia Transpessoal, em que podemos dizer que esse autor se destaca sendo um dos precursores da teoria. A palavra “trans” está atrelada ao significado de transpessoal e vem situada de significados de pesquisas, nas quais assinalavam a dimensão da transcendência humana (Ferreira et al., 2015). No entanto, o termo “trans” ainda carrega grande diversidade de sentidos e significados, necessitando de uma definição mais específica do que estamos nos referindo ao termo transpessoal, levando a uma melhor compreensão do que é a Psicologia Transpessoal (Ferreira et al., 2015). Para esses autores, a utilização do termo transpessoal como algo “além do humano” não condiz com o que a abordagem significa, levando as pessoas a entenderem que a transpessoal não se refere a potencialidades pessoais. Sem incluir aspectos imanentes da vivência, vai ao encontro do que os fundadores dessa perspectiva teórica propuseram, pois para esses autores, a transcendência é uma potencialidade da natureza humana. O trans não é uma categoria dada eternamente nem permanentemente, devendo ser percebido como uma forma de evolução com o tempo, manifestando potenciais políticos também transformadores, em que precisamos considerar a Psicologia Transpessoal em sua integralidade, incluindo aspectos subjetivos e objetivos (Ferreira et al., 2015). O conceito de transcendência transpessoal é atrelado a imanência do ser humano, de forma a realizar uma compreensão mais integral do ser, aceitando toda a incompletude, abertura e amplitude do Ser Humano (Wilber, 2001 citado por Ferreira et al, 2015). Esses autores utilizam o termo transcendente/imanente para expressar a visão de sujeito na Psicologia Transpessoal, que enxerga um sujeito inseparável do mundo e sendo desenvolvido pelas tradições orientais. Configura-se também um marco da fenomenologia e da transpessoal a divergência da dualidade 25 mente/corpo, postulada na tese cartesiana, fazendo uma busca de retorno ao mundo existencial. Dessa forma Ferreira et al. (2015, p. 8) afirma que: A transcendência na perspectiva transpessoal é posta como um convite permanente para olharmos de maneira interdependente o aqui-e-agora do mundo vivido, desafiando-nos a perceber este mundo vivido como solo primeiro dos nossos sentidos, incluindo nossa abertura para o mundo e desafiando a ideia de que a verdade “habita apenas o ‘homem interior’, ou antes não há homem interior, o homem está no mundo e é no mundo que ele se conhece”. O trans “mais pessoal” trata a transcendência como a possibilidade de ser expressa no mundo, mas que conserva sua abertura, sua impossibilidade de fechar- se, seu “ir além”. Rompendo com a lógica de pensamento newtoniana-cartesiana, com a visão não- dualista, surgiram pesquisas no campo da consciência, tendo como principais nomes o de Stanislav Grof e Ken Wilber, dirigindo as pesquisas, as quais possibilitam uma relação mais integral com o mundo e consigo mesmo, surgindo assim a Psicologia Transpessoal (Ferreira et al., 2015). A partir desses estudos e como forma de encontrar respostas para as incongruências no modelo tradicional que domina o Ocidente, a Psicologia Transpessoal foi tomando forma e, em 1969 ela é sistematizada com a formação da Associação de Psicologia Transpessoal. No mesmo ano, também é publicada uma revista de Psicologia Transpessoal, sendo mais um marco que demarca o surgimento dessa abordagem. Em 1971, Anthony Sutich organiza a Associação Americana de Psicologia Transpessoal e em 1978, Stanislav Grof funda a Associação Internacional Transpessoal (Ferreira et al., 2015). Com a sistematização da teoria, surge uma definição do que seria a Psicologia Transpessoal, que se caracteriza por ser um desdobramento das correntes teóricas anteriores, com um interesse nas capacidades potenciais do ser humano, abarcando aspectos mais amplos da vida do ser humano, sendo um caminho de pesquisa e vivência da espiritualidade e multidimensionalidade do ser (Sutich, Matos, 1992, Walsh & Vaughn, 1993, citados por Ferreira et al., 2015). 26 Outro ponto que demarca a transição entre a Psicologia Humanista e a Psicologia Transpessoal é o estudo da espiritualidade, considerada como um elemento da vida cotidiana e da estrutura da consciência (Ferreira et al., 2015). Se observarmos o histórico da Psicologia Transpessoal, poderemos perceber que os fundadores dessa abordagem teórica são os mesmos da Psicologia Humanista, tendo destaque para Abraham Maslow. A inserção da espiritualidade também rompe com um modo de pensar dicotômico, colocando o campo da espiritualidade e o científico em polos opostos, como destaca os autores. Foi a partir do reconhecimento da dimensão espiritual na vida do ser humano que surgiram novos estudos em torno de diferentes aspectos, até o momento eram negligenciados (Ferreira et al., 2015). No corpo teórico da Psicologia Transpessoal, existem as cartografias da consciência, as quais surgem para nortear o processo de compreensão do ser humano. As cartografias da consciência não tem a pretensão de ser uma verdade absoluta, muito menos dar conta de todo o fenômeno humano. Portanto: Numa tentativa de síntese, a Psicologia Transpessoal busca incluir em seu modelo teórico os conhecimentos das escolas psicológicas anteriores, além de realizar um intenso diálogo transdisciplinar com outras áreas do conhecimento no intuito de compor um “paradigma integral”, que apresenta o humano dentro de uma perspectiva multidimensional e integral, no qual as categorias de corpo,emoção, mente e espírito nas suas relações com o subjetivo, com o social e com o cultural expandem o campo da pesquisa psicológica, incluindo áreas da experiência e do comportamento humano associadas à saúde e ao bem-estar. (Ferreira et al., 2015, p. 11) Dessa forma, esses autores destacam que a Psicologia Transpessoal se coloca no campo dos saberes como um paradigma que não se propõe a ser fechado ou uma verdade única, mas como uma forma de expansão do estudo do humano. 3.2.1.1. Histórico no Brasil Quando voltamos a atenção para a história da transpessoal no cenário brasileiro, Ferreira et al. (2015) destaca dois nomes, Pierre Weil e Léo Matos, sendo um grande marco em 1978 27 com a realização do IV Congresso Internacional de Psicologia Transpessoal, em Belo Horizonte. Pierre Weil tem seu destaque no pioneirismo da introdução dessa abordagem no campo acadêmico, percorreu o Brasil anunciando a Transpessoal, criando centros formadores e uma universidade em Brasília (Ferreira et al., 2015). Léo Matos influenciou a formação de psicoterapeutas transpessoais em todo território brasileiro, como também abriu um canal de comunicação com seu curso na Índia (Ferreira et al., 2015). Esses dois nomes de psicólogos transpessoais tiveram grande importância no Brasil e caminharam juntos por muito tempo, entretanto, houve uma cisão na relação deles, acabando por criar dois movimentos diferentes na transpessoal no Brasil, em que, apesar dos esforços, ainda não houve uma integração desse saber (Ferreira et al., 2015). Ao longo desses anos a Psicologia Transpessoal foi se fortalecendo. Alguns marcos se destacam nessa história, os quais foram destacados na obra de Ferreira et al. (2015) com nomes da Psicologia Transpessoal no Brasil, incluindo a inserção dentro do campo acadêmico e a criação de cursos de formações e associações. Os autores, destacam que houveram três vias de entrada da Psicologia Transpessoal no Brasil encontrada no trabalho de doutorado de Ferreira (2007), sendo elas: a) Ação individual ou via dos pioneiros, b) Movimento Popular e comunidades terapêuticas ou via alternativa e c) Oficial ou via acadêmica. A primeira via foi um movimento não sistematizado e individualizado, em que pioneiros emergiram na psicologia tradicional e começaram a introduzir os estudos sobre os estados alterados de consciência e a tentativa de conciliar sua visão de mundo com os modelos da psicologia já existentes. Esse movimento iniciou a partir da vivência individual dos próprios psicólogos e a tentativa de inserir isso na psicologia, mas ainda não havia uma necessidade de que isso fosse compartilhado em grupos. A segunda via foi influenciada por trabalhos em grupos junto a movimentos populares e comunidade terapêuticas, aproveitando também o movimento humanista da década de 60. 28 Essa inserção era realizada por psicólogos ligados a movimentos populares e o caráter informal ainda estava bastante presente, não havendo preocupação em haver uma inserção da transpessoal no campo acadêmico. A terceira via tem seu marco com a realização da Quarta Conferência Transpessoal Internacional em Belo Horizonte, organizada por Pierre Weil e Léo Matos em 1978. A inserção no campo acadêmico acabou se tornando uma necessidade para a legitimação da Psicologia Transpessoal, pois estaria circulando em um espaço paradigmático. Esse esforço teve início com Pierre Weil e vem sendo empregados esforços desde então para que haja esse intercâmbio com a transpessoal, de forma que não fique marginalizada nas abordagens, adquirindo maturidade enquanto teoria. Sobre isso, Ferreira et al. (2015) destaca alguns marcos para a Psicologia Transpessoal no Brasil que são importantes destacar, como a criação da Associação Brasileira de Psicologia Transpessoal (ABPT) em 1985 por Léo Matos; a primeira defesa de dissertação em 1986, de Marcia Tabone; a criação da Universidade Holística Internacional de Brasília (UNIPAZ) tendo Pierre Weil à frente; a criação da Escola Dinâmica Energética do Psiquismo em 1991 por Theda Basso e Aidda Pustilnik oferecendo cursos de formações; o Grof Transpersonal Training (GTT), treinamento oferecido desde 1995 no Brasil; a fundação da Associação Luso-Brasileira de Psicologia Transpessoal (ALUBRAT), em 1995 por Vera Saldanha, Manoel Simões e Pierre Weil, sendo uma das principais instituições formadoras e divulgadora nos últimos anos da Psicologia Transpessoal no Brasil; a criação do GRUPO OMEGA na Bahia com os principais representantes da transpessoal no estado em 1997; o lançamento do curso de especialização em psicologia e psicoterapia transpessoal em Maceió pelo Dr. Gerardo Campana no ano de 1999; seguindo o esforço de Weil, Maria de Fátima Abraham Tavares introduz a psicologia tranpessoal na graduação de psicologia da UFRN em 1989, sendo a segunda no país e a que sustentou por mais tempo disciplinas e estágios de graduação nessa perspectiva; em 2003 houve 29 a criação da Rede Nordestina de Psicologia e Psicoterapia Transpessoal; a criação da turma de especialização em Psicologia e Psicoterapia Transpessoal na Universidade Federal de Sergipe pela Drª Norma Alves de Oliveira em 2004; a fundação Associação Norte Riograndense de Psicologia e Psicoterapia Transpessoal (ANPPT) em 2011; o curso de especialização em psicologia e psicoterapia transpessoal ministrado por Débora Cristina Diógenes Andrade e Marlos Alves Bezerra desde 2002; o I Colóquio Brasileiro de Pesquisa em Psicologia Transpessoal na cidade de Natal/RN proposto pelos professores Aurino Ferreira da UFPE e Marlos Bezerra da UFRN em 2011; a inserção da Psicologia Transpessoal em uma sociedade oficial da Psicologia no Brasil em 2011 pelo Comitê de Psicologia Transpessoal no interior da tradicional Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul. Contudo, a Psicologia Transpessoal inserida no campo acadêmico é resultado de longos anos de pesquisa sobre estados ampliados de consciência, resultando em uma maturidade paradigmática e o esforço de psicólogos para um diálogo não marginalizado, possibilitando a formação e o conhecimento dessa abordagem (Ferreira et al., 2015). 3.2.2. Autores Após revisar a história da Psicologia Transpessoal, no âmbito internacional e nacional, passamos a escolha dos autores que consideramos importante para a discussão na dissertação. Reconhecemos a existência de diversos autores importantes cuja contribuição chegou ao Brasil como: Roberto Assagioli e Leo Matos, em no final do século XX, Roger Woolger, Jean-Yves Leloup, Susan Andrews. Mas optamos pelos dois autores que estavam presentes desde o início do movimento nos Estados Unidos e cujos modelos trouxeram mais influência a outros autores, além das inovações por eles introduzidas. Desse modo, optamos por explorar a teoria de Wilber e Grof devido a inovação em seus modelos teóricos, trazendo outro olhar para a prática psicológica. Do mesmo modo, reconhecemos a importância de cartografias nacionais 30 construídas pelas brasileiras Eliana Bertolucci na PUC-SP no fim dos anos 1980 e fora da academia de uma síntese original entre os trabalhos de Wilber e as contribuições das escolas psicocorporais realizadas por Aidda Pustilnik em colaboração com Theda Basso, no eixo Salvador-São Paulo. Ainda assim, optamos pelo trabalho de Vera Saldanha em função do seu trabalho formativo de psicoterapeutas em todas as regiões do Brasil desde a fundação da ALUBRAT. 3.2.2.1. Ken Wilber Ken Wilber, um importante teórico da Psicologia Transpessoal, tem seu renome como o criador do Movimento Integral e dos estudos integrais, articulando diversas áreas do conhecimento, como componentes da integralidade do ser humano, em que baseia sua teoria. Sua visão teórica dialoga com diferentes áreas, integrando de maneira coerente as verdades parciais de diversas áreas do conhecimento de maneira que, elasse complementam, levando a visão integral do humano (Lima, 2014). Ken Wilber propõe uma psicologia integral considerando e aceitando cada aspecto da consciência humana como sendo legítimo (Wilber, 2009). A filosofia perene, um alicerce filosófico da psicologia integral, tem como premissa a concepção de que a realidade é composta de vários níveis do ser e do conhecer (níveis de existência), onde um nível engloba outro, em uma dimensão maior está contido aspectos de dimensões menores (Wilber, 2009). Essas dimensões são chamadas por Wilber (2009) de “Grande Ninho do Ser”, sendo essa cadeia um elemento fundamental na filosofia perene, portanto, fundamental também para uma psicologia integral. O Grande Ninho do Ser, baseado na filosofia perene, é fruto dos estudos realizados no período pré-moderno. Ken Wilber, para criar a psicologia integral realizou estudos englobando o período pré-moderno, o período moderno e o pós-moderno. O período da modernidade surgiu 31 a psicologia científica, entretanto, com o seu desenvolvimento, aspectos diferentes foram sendo enfatizados. Para a psicologia integral, todos os aspectos que, em algum momento da história foram enfatizados, são importantes para a constituição da consciência do ser humano, sendo necessário um amplo olhar para esses aspectos como um todo. Os níveis presentes no Grande Ninho do Ser são compostos por uma compilação de estudos realizados e produzidos no oriente e ocidente, de diferentes tradições filosóficas, religiosas, espirituais e científica (Arantes, 2014). Wilber (2009) caracterizando o Grande Ninho como sendo uma grande holarquia do ser e do conhecer. Ken Wilber propõe uma cartografia da consciência (1986, 1999a, 1999b), também utilizada na Psicologia Transpessoal, que fala dos níveis de desenvolvimento da consciência, indo desde os níveis mais básicos e primitivos, em que há uma identidade construída em torno da corporeidade, até níveis mais integradores do corpo e da mente com o mundo ao redor. Outrossim, Wilber (2009) continuaria avançando em sua cartografia propondo uma Psicologia Integral abrangendo os “quatro quadrantes do Kosmos”. O Kosmos, para os gregos, era o universo sensível regido pela ordem que explicaria o funcionamento do universo e da natureza (Wilber, 2009). Ken Wilber utiliza este termo relacionando a uma visão integral, integrando diversos aspectos constituintes do ser. Diante disso, podemos dizer que os dois principais objetos de estudo da teoria transpessoal sejam a consciência e a espiritualidade. Buscando uma compreensão que pudesse integrar diferentes verdades teóricas, não de uma maneira eclética, mas percebendo o olhar para diversos aspectos que cada teoria têm sem buscar uma verdade universal. Percebendo essa realidade, Wilber criou um mapa, que chamamos de cartografia da consciência, em que houvesse possibilidade, abertura, para que outros aspectos fossem incluídos. De início, Wilber reuniu diversas teorias de diferentes áreas do conhecimento, com todas as verdades parciais dessas áreas, olhando de um ponto que interliga essas verdades, fazendo dialogar de maneira coerente (Lima, 2014). Ele considera que 32 a integração dessas verdades proeminentes de distintas áreas do conhecimento é mais valiosa que a supervalorização de uma determinada área em detrimento de outra, pois traz as conquistas que os conhecimentos trouxeram para o entendimento da realidade (Lima, 2014). Esse mapa representa um guia para compreender a consciência do ser humano, realizando uma leitura abrangente (Silva, 2016). Com esse intuito de integrar os conhecimentos humanos, foi que se originou o Sistema Operacional Integral, constituído dos elementos das diversas áreas de conhecimento, sendo inicialmente aplicadas ao desenvolvimento do ser humano, mas posteriormente se percebeu que ela pode ser aplicada em diversas áreas de conhecimento, basta ter esse olhar integral. Para a compreensão desse mapa integral, cinco elementos se tornam necessários conhecer, sendo eles: estados de consciência, estágios ou níveis de desenvolvimento, linhas de desenvolvimento, tipos e os quatro quadrantes (Wilber, 2010). a) Estados de consciência Os principais e mais conhecidos estados de consciência são o de vigília, de sonho e de sono profundo, todavia, existem também estados diferentes, como os estados meditativos (induzidos pela ioga, oração, meditação), estados alterados de consciência (os quais podem ser induzidos por drogas), e experiências de pico (induzidas por experiências intensas, como ouvir uma boa música, andar na natureza) (Wilber, 2009, 2010). Esses estados podem não ser determinantes, mas podem ter grande importância. Por isso, é necessário considerar esse fator quando se estiver utilizando um modelo de abordagem integral, de acordo com Wilber (2010). Esses estados estão disponíveis para todos os seres humanos acessarem, independentemente da idade, ou do estágio de desenvolvimento, pois estar acordado, sonhar e dormir está acessível a qualquer pessoa (Wilber, 2009). Como exemplo, Wilber destaca que as experiências de picos (chamadas por Maslow também de experiências platô ou culminantes) 33 podem ser vivenciadas por pessoas em quaisquer estágio de desenvolvimento, todavia, a maneira como isso será interpretado, compreendido e integrado depende de cada sujeito. Quadro 1 – Estados nos quatro quadrantes DIMENSÕES ESTADOS EU Estados emocionais, estados criativos NÓS Estados interpessoais de relacionamento, estados de emoções compartilhadas ISTO Estados cerebrais, estados biológicos ISTOS Estados econômicos, estados políticos, estados climáticos Fonte: Lima, 2014 adaptado de Wilber, 2011 com alterações nossas No quadro acima fica perceptível como os Estados estão presentes nas dimensões do ser humano. Essas dimensões estão relacionadas ao interior e exterior do individual e do coletivo. O “eu” e o “nós” são os aspectos subjetivos do ser humano, como funciona internamente o sujeito e o contexto que está inserido. O “isto” e “istos” se referem ao que é observável na dimensão individual e coletiva, são os aspectos mais objetivos, que podem ser “mensurados”. Explicaremos como isso se estrutura melhor no item “e” dessa sessão. A principal característica desse elemento, para que possamos entender a teoria de Ken Wilber, é de que os estados são transitórios. Independente do momento ou experiência que estamos vivendo, ela vai passar e dar lugar a outro estado que iremos vivenciar. Caso aconteça do estado vir a não ser mais transitório, deixa de ser estado para ser nível ou estágio, que iremos abordar a seguir. b) Estágios ou níveis de desenvolvimento Para Wilber (2010), os estágios se referem as conquistas em termos de crescimento ou desenvolvimento, se tornando uma aquisição permanente, uma vez que você as tenha alcançado. No desenvolvimento, quando se alcança certas aquisições, como a linguagem, o 34 desenvolvimento psicomotor, dificilmente há um retrocesso, são características que se tornam permanentes. No tocante a quantos estágios ou níveis existem, esse é um ponto bastante variável, pois depende para qual esfera você pode estar direcionando sua atenção. Sua ideia não se refere a superioridade, mas a complexidade, cada nível se torna mais complexo que o anterior, cada estágio que compreende a existência do ser humano é fundamental nos níveis subsequentes, um não invalida o outro, e não está certo ou errado, mas cada um contém sua verdade (Lima, 2014). Para pensar a infância e como ocorre seu desenvolvimento, destaco aqui uma construção feita por Wilber para pensar o desenvolvimento a partir de diferentes teóricos. Para a compreensão desses estágios, acredito ser importante explanar um pouco sobre os níveis pré- convencional, convencional e pós-convencional (Wilber, 2009, 2010). Esses estágios estão relacionados aodesenvolvimento moral. Se inicia no egocêntrico, onde o bebê está voltado para si mesmo, mas à medida que vai conseguindo assimilar regras, entendendo a cultura, se inserindo nos grupos sociais, o estágio passa para etnocêntrico. Nesse momento a criança está inserida nesse contexto social e tende a excluir os demais que não estão inseridos, mas quando passa para o próximo estágio, a identidade passa a se expandir, incluindo e considerando outras pessoas, independentemente de estarem no mesmo grupo. Esse é o estágio pós-convencional. Wilber (2009) destaca a importância do desenvolvimento pensado por diversos teóricos e, como o Eu vai se constituindo, como a consciência vai surgindo, desde o mundo material, até uma diferenciação do Eu corporal do ambiente material. Dessa forma, a medida que a mente se desenvolve, o ser se transforma e adquire novas formas de pensar. Assim como o Eu vai se constituindo, a visão de mundo, perspectivas e moral também se desenvolve. Wilber (2009) apresenta um olhar sobre o desenvolvimento, entretanto, embora a discussão sobre infância seja dispersa na obra de Wilber, indiscutivelmente ele aporta uma construção original sobre desenvolvimento infantil para a psicologia transpessoal, numa tentativa de integração entre a 35 visão de desenvolvimento infantil no ocidente e as tradições orientais (Wilber, 1986, 1999a, 1999b, 2009). Ken Wilber (1986) no livro “Transformações da Consciência” propõe um modelo de desenvolvimento psicológico em que as estruturas da psique são divididas em dois tipos gerais, sendo as estruturas básicas e as estruturas de transição, havendo linhas de desenvolvimento em ambas. As estruturas básicas se definem por permanecerem existindo com o avanço do desenvolvimento a partir do momento em que emergem, diferente das estruturas de transição, as quais são estruturas de fase específica e de fase temporária, tendendo a serem substituídas parcialmente ou por completo mediante as fases seguintes (Wilber, 1986). Essa estruturação realizada pelo autor não constitui como uma separação rígida, mas ressaltar as importantes qualidades que emergem nos estágios de desenvolvimento, os aspectos importantes desses fenômenos (Brasil, 2019). O self, ou sistema do self, estaria mediando os desenvolvimentos estruturais e é descrito por Wilber (1986) como sendo o ponto em que processa, realiza a identificação e organização das experiências nos níveis de crescimento e desenvolvimento estrutural. As estruturas básicas do autor foram desenvolvidas a partir de uma análise e comparação das principais escolas psicológicas e religiosas, construindo um modelo que inclui as tradições orientais e ocidentais e tentando preencher as diversas lacunas que são deixadas por ambos os modelos isoladamente (Wilber, 1986). Sobre o desenvolvimento, muitas escolas teóricas abordam de maneira similar alguns aspectos, principalmente as estruturas de 1 a 6, as quais são mais facilmente percebidas (Wilber, 2009). As estruturas da consciência se destacam de estados da consciência por poderem proporcionar maiores informações sobre o indivíduo e como este se encontra no desenvolvimento (Wilber, 2009). São elencadas dez estruturas básicas do desenvolvimento da consciência as quais são desenvolvidas nessa respectiva ordem: 36 sensorifísico; famtasmagórico-emocional; mente-representativa; mente regra/papel; mente formal-reflexiva; visão-lógica; psíquico; sutil; causal; último (Wilber, 1986, 2009). Quadro 2 - Estrutura básica do desenvolvimento Estrutura Básica Característica 1. Sensorifísico Se refere ao reino da matéria, sensação e percepção. É o primeiro estágio desenvolvido no início da vida 2. Fantasmagórico- emocional Caracterizado como o nível emocional-sexual e fantasmagórico, referindo a simples visualização de imagens 3. Mente-rep Significa uma abreviatura para mente representativa. Acontece em dois estágios, o de símbolos (2-4 anos) e o de conceitos (4-7 anos). Essa estrutura se diferencia da anterior pelo fato de um símbolo poder representar a imagem não exatamente como ela é, sendo a representação simbólica uma operação cognitiva mais sofisticada e os conceitos são símbolos que representam objetos ou atos. 4. Mente regra/papel Relaciona-se ao pensamento operacional concreto de Piaget. Pode realizar operações de regras e assumir o papel de outras 5. Mente formal- reflexiva: É o pensamento operacional formal de Piaget. É uma estrutura na qual se caracteriza por poder pensar acerca do pensamento, sendo auto-reflexiva e introspectiva. 6. Visão-lógica Uma estrutura cognitiva além das estruturas descritas por Piaget. Essa estrutura estabelece uma rede dos relacionamentos estabelecidos pela mente formal. Caracterizada como uma estrutura integrativa, pois pode realizar sintetizações, conexões, coordenar ideias. 7. Psíquico Esse nível pode ser percebido como uma culminação do nível anterior, a visão lógica. Assinala o início do desenvolvimento transpessoal. O indivíduo inicia um processo de aprendizado sobre inspecionar as capacidades cognitivas e perceptuais da mente, começando a transcende-la. 37 8. Sutil O nível sutil é caracterizado como o início de uma introvisão transcendental, que seria um estado de ver as coisas de outra forma, dando lugar a arquétipos e com maior abertura para a intuição. 9. Causal Esse é um estado descrito como um self universal e sem forma, comum a todos os seres. 10. Último Esse estágio não é como os outros, sendo uma condição ou essência de todos os níveis anteriores. Fonte: Adaptado de Wilber 1986 Com o intuito de facilitar o entendimento, Wilber dividiu esses estágios em três etapas do desenvolvimento, sendo a fase pré-pessoal, pessoal e transpessoal. A partir desses estágios, podemos dizer que nos níveis 1 ao 6 são estágios de desenvolvimento considerados pré-pessoais e pessoais pelo autor, sendo os níveis 7 a 10 os estágios transpessoais de consciência, sendo representados como os mais importantes. Os últimos estágios, considerados transpessoais são experienciados no sujeito como significado, ou como propósito (Brasil, 2019). São fornecedores de sentido, de uma visão de mundo, de um enraizamento na vida. Wilber (1986) caracteriza esses dez níveis como funcionalmente dominantes, uma vez que amadurecemos e aprofundamos os níveis anteriores. Essas estruturas caracterizadas como transpessoais podem ser conscientemente manifestas nas pessoas ou um potencial dos seres humano, como uma realidade que ainda não foi efetivada, mas potencialmente presente enquanto uma estrutura disponível e que pode ser desenvolvida ao longo da vida (Wilber, 2009). Os níveis de 1 a 6 surgiram em uma grande escala, sendo observados e abordados por muitos teóricos da psicologia e de estudos religiosos, sendo mais facilmente observados (Wilber, 2009). Os Estágios de Transição, denominados também por Estágios do Self, são estruturas que não estão incluídas no estágio de desenvolvimento que se segue, tendendo a serem negadas, dissolvidas ou substituídas no desenvolvimento. Uma metáfora usada por Wilber, para tornar essa discussão mais clara, é sugerir que os estágios ou estruturas são patamares ou níveis de 38 uma montanha. Em cada patamar uma visão nova do mundo ao redor é possível. Os estágios de transição ou de Self são o Alpinista, ou seja, o senso do eu que se modifica a cada novo patamar explorado na montanha. Ou seja, quando uma pessoa ascende de um nível para outro o estágio continua existindo, entretanto, a perspectiva limitada do estágio não, havendo uma integração das novas maneiras de enxergar do novo estágio. Dessa maneira, cada estrutura básica do desenvolvimento apoia vários estágios do self, tais como diferentes necessidades, pesquisadas por Maslow, estudadas por Loevinger e diferentes conjuntos de respostas morais, asquais foram estudadas por Kohlberg (Wilber, 1986). Abaixo, exponho a relação das estruturas básicas de consciência com os três aspectos dos Estágios do Self mencionados anteriormente encontrados em Wilber (1986, p. 28). Quadro 3 - Estágios do Self Estágios do Self Características 1. Sensorifísica Sua necessidade é fisiológica, a sensação de identidade é “autista” e “simbiótico”, e o sentido de moral ainda está em um estágio “pré- moral” 2. Fantasmagórico- emocional Sua necessidade também é fisiológica, a sensação de identidade é impulsivo inicial e o sentido de moral é denominado “desejo mágico” 3. Mente-rep Tem como necessidade a segurança, sua identidade é impulsiva e auto protetora, e o sentido moral está no nível pré-convencional contemplando os estágios de “punição/obediência” e “hedonismo ingênuo” assinalados por Kohlberg. 4. Mente regra/papel Tem como necessidade o pertencimento, a identidade é de conformismo e conformismo consciente, está no estágio convencional do sentido moral, que contempla a “aprovação dos outros” e “lei e ordem”. 5. Formal-reflexiva Sua necessidade é a autoestima, tem como identidade a consciência e o individualismo, sua moral é pós-convencional, que englobaria os “direitos individuais” e os princípios de consciência individual. 39 6. Visão-lógica Sua necessidade é a auto realização, sua identidade é autônomo e integrado, seu sentido de moral continua sendo pós convencional sem se correlacionar com nenhum estágio especificamente. 7. Psíquica Para esses três estágios, as necessidades são a mesma, de auto transcendência, a identidade não foi destacada por Loevinger e como sentido moral, Kohlberg sugeriu um estágio após ter sistematizado os anteriores que seria “universal-espiritual” e contemplaria todos os estágios classificados como “transpessoais 8. Sutil 9. Causal Fonte: Adaptado de Wilber 1986 Dessa maneira, podemos dizer que o Self vai se modificando em conformidade com o nível de consciência que ele mesmo “habita”. Por essa analogia podemos dizer que, em diferentes momentos de vida, é possível termos como protagonista um self ou “eu físico”, “eu emocional” e assim sucessivamente (Wilber, 1986). Após essa identificação com uma estrutura/nível específica ocorre uma busca por consolidar, integrar e organizar os novos aprendizados dessa estrutura. Wilber inspira-se em Jean Piaget para dizer que é necessário haver em cada nível, por parte do Self, uma identificação, uma negação e uma desidentificação para alcançar um novo patamar de desenvolvimento. Wilber destaca que existem diferentes tipos de desenvolvimento e, dependendo de qual esfera do indivíduo esteja em evidência, haverá um olhar para as etapas do desenvolvimento especificamente, o que faz pensar que não existe uma verdade única. O importante é perceber que os estágios são marcos permanentes no caminho, independente de qual desenvolvimento seja ele, podendo ser fases culturais, fases cognitivas, estágios de desenvolvimento moral (Brasil, 2019). c) Linhas de desenvolvimento Um outro elemento importante estudado por Wilber são as linhas de desenvolvimento. Elas são linhas relativamente independentes uma das outras, ou seja, geralmente elas podem se 40 desenvolver sem depender que uma outra se desenvolva, e se referem ao desenvolvimento em diferentes aspectos da vida, como desenvolvimento moral, afetivo, espiritual, cognitivo, interpessoal, dentre outras (Wilber, 2009). Por exemplo, área cognitiva é amplamente estudada pelos psicólogos ocidentais e importante no desenvolvimento do ser humano. Ela se faz significativa para ter a consciência e poder desenvolver as demais linhas de desenvolvimento, mas não suficiente, é preciso outras ferramentas para isso (Wilber, 2009). Essas linhas não são trilhos retos, podem ser como ondas, por isso também são chamadas de correntezas ou correntes do desenvolvimento (Lima, 2014). Esse conceito foi bastante difundido por Howard Gardner com as inteligências múltiplas, pois os seres humanos têm diferentes inteligências, se sobressaindo em uma ou duas delas, mas não em todas (Wilber, 2010). A possibilidade de sermos excepcionais em todas as linhas é quase utópico, mas esse não é o objetivo desse elemento, o intuito é percebermos quais são nossas potencialidades e fraquezas. Essa percepção faz parte do saber integral, pois podemos compreender o que temos de melhor a oferecer no mundo. As linhas de desenvolvimento se desenvolvem por meio dos estágios de desenvolvimento, que foi abordado no tópico anterior, podendo ser os três principais (pré- convencional, convencional e pós convencional). Quando avança nesse estágio, determinada característica ou aprendizado foi conquistada permanentemente, caracterizando o estágio, pois as linhas se desenvolvem de maneira sequencial, incorporando o que está no estágio anterior. Como modo de representar essas inteligências múltiplas, Wilber criou o psicográfico integral, ajudando a identificar os maiores potenciais, refinando esse conhecimento. Ainda auxilia a identificar o modo como todos nós nos desenvolvemos, de maneira desigual, facilitando na compreensão do outro. 41 Quadro 4 - Linhas de desenvolvimento inseridas nos quatro quadrantes DIMENSÕES LINHAS DE DESENVOLVIMENTO SUBJETIVA Cognitiva, emocional, moral OBJETIVA Visões de mundo culturais, relações CULTURAL Desenvolvimento motor, relações culturais SOCIAL Desenvolvimento econômico, político, modos de produção Fonte: retirado de Lima, 2014 adaptado de Wilber, 2011 com adaptações. Nesse quadro acima, podemos perceber como as linhas de desenvolvimento se estruturam nas quatro dimensões presentes na vida do ser humano, pois o desenvolvimento está presente em praticamente tudo que fazemos. Dessa maneira, se torna possível ter consciência de aspectos da vida do indivíduo e como é esse aspecto, possibilitando uma autocompreensão e um autoconhecimento maior, interferindo consequentemente na relação com as outras pessoas. d) Tipos O elemento “Tipos” é caracterizado por Wilber (2010) como aspectos que podem estar presentes em praticamente todos os estágios ou estados, sendo tipologias horizontais, pois não tem esse componente hierárquico. Os tipos se assemelham com uma maneira de descrever o lugar do qual se opera, as estruturas nas quais estamos inseridos no mundo, já construído e conectados com uma estrutura social, histórica, cultural (L. A. C. Silva, 2016). A partir do quadro abaixo podemos perceber como os tipos se organizam dentro das quatro dimensões presentes na vida do ser humano. Quadro 5 - Tipos nas quatro dimensões DIMENSÕES TIPOS EU Tipos de personalidade (extrovertido, intuitivo) NÓS Tipos de relacionamento (amizade, romântico), tipos culturais, tipos de comunicação (direta, indireta) ISTO Tipos sanguíneos, tipos corporais 42 ISTOS Tipos de democracia (parlamentar, bipartidária), tipos de linguagem (idiomas) Fonte: retirado de Lima, 2014, adaptado de Wilber, 2011 com adaptações Se faz importante a compreensão de que esse é um elemento apenas norteador. Nossa preocupação é que os tipos sinalizem categorias estanques e descontextualizadas de um lado e rotuladoras de outro. Usar uma tipologia como introversão e extroversão é um exemplo disso. Algumas crianças podem ser tímidas em determinados contextos, mas bastante extrovertida com seus pares até ao ponto de ser chamada a atenção no colégio. Portanto, o profissional precisa ter cautela nesse aspecto quando for trabalhar com essas grandes referências, para que não se reserve apenas a isso. e) Quatro Quadrantes Chegamos aqui ao quinto elemento proposto por Wilber, que traz o diferencial para sua teoria, pois integra os elementos em um mapa, possibilitando um olhar amplo e que pode ser aplicado em diversas áreas de conhecimento. A modernidade trouxe para
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