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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM DIREITO FABIANE MARIA DANTAS OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS A ÁGUA E AO DESENVOLVIMENTO EM UM CONTEXTO DE ESCASSEZ: O CASO DE CURRAIS NOVOS/RN NATAL-RN 2015 FABIANE MARIA DANTAS OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS A ÁGUA E AO DESENVOLVIMENTO EM UM CONTEXTO DE ESCASSEZ: O CASO DE CURRAIS NOVOS/RN Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Direito. Área de concentração em Constituição e Garantia de Direitos. Linha de pesquisa “Constituição, Regulação Econômica e Desenvolvimento”. Orientadora: Prof.ª Dr.a Patrícia Borba Vilar Guimarães. NATAL-RN 2015 FABIANE MARIA DANTAS OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS A ÁGUA E AO DESENVOLVIMENTO EM UM CONTEXTO DE ESCASSEZ: O CASO DE CURRAIS NOVOS/RN Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Direito. Área de concentração em Constituição e Garantia de Direitos. Linha de pesquisa “Constituição, Regulação Econômica e Desenvolvimento”. Dissertação aprovada em: ___ /___ / 2015 BANCA EXAMINADORA _______________________________________ Prof.ª Dr.ª Patrícia Borba Vilar Guimarães Universidade Federal do Rio Grande do Norte (orientadora) _______________________________________ Prof. Dr. Robson Antão de Medeiros Universidade Federal da Paraíba (examinador externo) _______________________________________ Prof. Dr. Yanko Marcius de Alencar Xavier Universidade Federal do Rio Grande do Norte (examinador interno) AGRADECIMENTOS Agradeço a minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Patrícia Borba Vilar Guimarães, pelo incentivo, pela atenção, por acreditar no meu potencial. Por todas as vezes que seu “[...] e vamos em frente!” foi luz e esperança para esta sertaneja. Agradeço ao meu filho Isaías, ouvinte e crítico leigo quando eu mais precisava de uma palavra e por entender a necessidade da minha ausência. À minha filha Sarah Maria, pelo constante e diário aprendizado. Agradeço aos meus familiares e amigos que verdadeiramente tomaram para si a conclusão desse trabalho. Agradeço ao meu chefe imediato, Dr. André Melo, pelo apoio e entendimento firmado da importância da qualificação do servidor. Aos colegas oficiais de justiça Vanda e Polion pelo auxílio nas minhas ausências. Meus agradecimentos a Lígia, Daniel, Tiago, Igor e demais funcionários da PPGD pelo acolhimento e atenção. Agradeço aos meus colegas de mestrado, em especial, a Hindenburg, Carmen, Victor, Heberto, Sheila e Januário pela convivência e pelas conversas produtivas. Agradeço e dedico esse trabalho a minha mãe Helena e a Deus por tudo. Por me fazerem acreditar que posso ir “Além do Horizonte”. Como um patuá à céu aberto, Um obelisco na serra me faz lembrar Que o seridoense é resistente E na persistência se segue o caminho, Mesmo que não se tenha ouvido Um recíproco “Dó-Ré-Mi”. RESUMO O trabalho em tela tem por objetivo analisar os direitos constitucionais à água e ao desenvolvimento em um cenário de escassez, a partir de uma base mineira – o município de Currais Novos. A cidade foi escolhida como objeto de pesquisa, não de forma aleatória. Currais Novos foi e ainda é referência na extração de scheelita, sendo considerada, no século passado, possuidora de uma das maiores minas do mineral na América Latina. Por outro lado, no começo dos anos 2014, o município em estudo foi palco de manifestação popular denominada SOS Adutora Currais Novos devido a iminência de colapso hídrico na cidade, não havendo planos emergenciais para sanar a falta de água. Logo, a reivindicação pela construção de uma adutora foi a alternativa mais viável para solucionar a escassez. Assim, o estudo se desenrola sob dois ângulos: a água como imprescindível para a manutenção da vida e, também, indispensável à indústria, em particular, à produção mineral. Por outro lado, observa-se que o Governo do Estado do RN mantém projetos que estimulam a industrialização do interior do estado. Uma vez constatada a escassez e a presença de movimentos populares em prol do acesso à água, questiona-se qual o tipo de desenvolvimento pretendido para o município em estudo. Fazendo- se analogia à obra do economista Amartya Sen, a água é considerada como sendo liberdade substantiva e instrumental, ou seja, direito inerente ao ser humano e instrumento capaz de impulsionar outros direitos ou liberdades. Nessa mesma esteira, fala-se em sustentabilidade – liberdade sustentável - como o objetivo a ser alcançado. Assim, o trabalho é desenvolvido na perspectiva de abrir discussões sobre a utilização da água para consumo humano e como meio propulsor de desenvolvimento (como insumo na indústria mineral), sob o prisma da sustentabilidade. Logo, inevitável a inserção do tema na órbita constitucional. Palavras-chave: Água. Mineração. Direito. Desenvolvimento. Sustentabilidade. Currais Novos. ABSTRACT The present work aims to analyze the constitutional rights to water and development in a shortage scenario, from a mining base - the city of Currais Novos. The city was chosen as the object of research, not randomly. Currais Novos was and still is reference in scheelite extraction, being considered in the last century, possessing one of the largest scheelite mine in Latin America. On the other side, in the early 2014, the municipality under study was popular demonstration stage called SOS Aqueduct Currais Novos due to imminent collapse of water in the city, with no contingency plans to remedy the lack of water. Therefore, the claim by building a pipeline was the most viable alternative to solve the shortage. Thus, the study unfolds from two angles: the water as indispensable for the maintenance of life and also essential to industry, in particular, the mineral production. On the other hand, it is observed that the RN State Government maintains projects that stimulate industrialization in the state. Once verified shortages and the presence of popular movements for access to water, wonders what type of proposed development for the municipality under study. Making up the analogy of the economist Amartya Sen work, water is considered to be substantive and instrumental freedom, ie right inherent to human beings and instrument to boost other rights or freedoms. In this same vein, there is talk of sustainability - sustainable freedom - as the goal to be achieved. So the work is developed in the context of opening discussions on the use of water for human consumption and as a means of propelling development (as input in the mining industry), from the perspective of sustainability. Soon, the inevitable topic of inclusion in the constitutional orbit. Keywords: Water. Minning. Right. Development. Sustainable. Currais Novos. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADESE – Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó AESA – Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba ANA – Agência Nacional de Águas ANM – Agência Nacional de Mineração APP – Área de Preservação Permanente BM – Banco Mundial CAERN – Companhia de Águas e Esgotos do Estado do Rio Grande do Norte CBH – Comitê da Bacia Hidrográfica CBHPPA – Comitê da Bacia Hidrográfica Piancó-Piranhas-Açu CDL – Câmara de Dirigentes Lojistas CETEM – Centrode Tecnologia Mineral CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais CNPM – Conselho Nacional de Política Mineral CNRH – Comitê Nacional de Recursos Hídricos CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente DNPM – Departamento Nacional de Política Mineral EIA – Estudo de Impacto Ambiental FIERN – Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte GMI – Global Mining Iniciative IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração ICME – International Council on Metals and the Environment IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte IGARN – Instituto de Gestão das Águas do Estado do Rio Grande do Norte IICA – Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura MMA – Ministério do Meio Ambiente MME – Ministério de Minas e Energia MAC – Mining and Communities MMSD – Mining, Minerals and Sustainable Development MP – Ministério Público OAB – Ordem dos Advogados do Brasil ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PAC – Plano de Aceleração do Crescimento PNMA – Plano Nacional de Meio Ambiente PNRH – Plano Nacional de Recursos Hídricos PRAD – Plano de Recuperação da Área Degradada PROADI – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Industrial PUA – Plano de Utilização da Água na Mineração PNM 2030 – Plano Nacional de Mineração RIMA – Relatório de Impacto Ambiental SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e as Pequenas Empresas SEDEC – Secretaria de Desenvolvimento Econômico SEMARH – Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos SEPLAN – Secretaria de Planejamento SERHID – Secretaria de Recursos Hídricos SNGRH – Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste WBCSD – World Business Council for Sustainable Development WSSD – World Summit on Sustainable Development SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 11 2 A ÁGUA COMO PROTAGONISTA DE LIBERDADES ........................................ 15 2.1 O DIREITO À ÁGUA: A BUSCA PELA AFIRMAÇÃO DE UMA LIBERDADE ..... 16 2.1.1 O cenário internacional ................................................................................................ 16 2.1.2 O cenário nacional ........................................................................................................ 20 2.2 A ÁGUA COMO LIBERDADE INSTRUMENTAL..................................................... 23 2.3 MEIO AMBIENTE, MINERAÇÃO E ÁGUA: A NECESSÁRIA MISCIGENAÇÃO DE ENREDOS ...................................................................................................................... 29 2.4 UMA ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS DA LEI FEDERAL N. 9.433/97 ........................ 34 2.5 OS PRINCÍPIOS DA LEI 9.433/97 SOB O PRISMA DAS LIBERDADES ................ 44 3 OS ATORES E SEUS PAPEIS: A ÁGUA E A MINERAÇÃO NO TABLADO DO DIREITO E DO DESENVOLVIMENTO .................................................................. 48 3.1 OS RECURSOS NATURAIS NO PENSAMENTO ECONÔMICO ............................. 50 3.2 A CONSTITUIÇÃO DO “TABLADO”: CONSIDERAÇÕES SOBRE DIREITO E DESENVOLVIMENTO ................................................................................................. 54 3.2.1 Necessidade ou direito? Qual o papel da água no desenvolvimento? ....................... 58 3.2.2 O papel da mineração “nos cenários” do desenvolvimento ...................................... 61 3.3 A MINERAÇÃO E A ÁGUA NA BUSCA DA LIBERDADE SUSTENTÁVEL ........ 64 3.3.1 A instrumentalidade da água na atividade mineradora ............................................ 71 3.3.2 A preocupação do manejo da água como garantia de liberdade substantiva: o Plano de Utilização da Água na Mineração ........................................................................... 76 4 ESTUDO DE CASO: A ÁGUA E A MINERAÇÃO NO CONTEXTO DA ESCASSEZ EM CURRAIS NOVOS/RN ................................................................... 80 4.1 DEFININDO O CENÁRIO, ATORES E FIGURANTES: O ARRANJO AMBIENTAL, JURÍDICO E INSTITUCIONAL ................................................................................... 83 4.1.1 O cenário e seu arranjo ambiental .............................................................................. 83 4.1.2 O cenário e os protagonistas: o arranjo jurídico ....................................................... 86 4.1.3 O cenário e os figurantes: o arranjo institucional ...................................................... 90 4.2 O MOVIMENTO “SOS” ADUTORA CURRAIS NOVOS .......................................... 93 4.2.1 A situação atual do município de Currais Novos: um ano após o Movimento SOS Adutora .......................................................................................................................... 95 4.2.2 As repercussões do Movimento SOS Adutora Currais Novos e a análise jurídica . 96 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 102 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 109 11 1 INTRODUÇÃO Compartilha-se a ideia de que um dos papeis da Universidade consiste em pesquisar, diagnosticar problemas e encontrar soluções e alternativas que visem a melhorar a sociedade. Sem descartar o valor do direito comparado, as experiências, problemas e soluções alienígenas envolvendo a mudança de concepções, de sistemas jurídicos e de meios alternativos de solução dos litígios, é necessária, sobretudo, a valorização do aspecto regional: a importância de fomentar a pesquisa de modo a contribuir para o desenvolvimento local. Parafraseando Celso Furtado, é de maior importância que as Universidades do Nordeste se mobilizem na busca de soluções para os problemas que assolam a região. É a partir delas que se dispõe dos meios para dar continuidade e profundidade aos dissensos e efetividade aos resultados obtidos, bem como levar ao conhecimento da opinião pública informações retiradas do trabalho acadêmico que, com frequência, os centros de poder mantêm fora de toda visibilidade. Na organização do trabalho escrito, utilizou-se do lúdico, relacionando a dinamicidade do tema ao enredo de uma peça teatral com seus atos, cenários e atores. O teatro tem a possibilidade de utilizar o artífice dos cenários e personagens fictícios para exprimir enredos atuais, despertando o senso crítico através do lúdico, do drama e das várias vertentes que a criatividade humana possa emprestá-lo. No trabalho em tela, os cenários, atores e os enredos são reais. O trabalho, tal qual uma peça teatral, tem por finalidade contribuir para a abertura de diálogos sobre temas relacionados ao cotidiano das pessoas, o que inevitavelmente enseja a análise crítica. De modo particular, pretende-se analisar os direitos fundamentais à água e ao desenvolvimento a partir do cenário de escassez do semiárido nordestino, escolhendo-se para tal a cidade de Currais Novos, município do Seridó Potiguar, cuja história é marcada pela mineração como protagonista do desenvolvimento. O município também foi palco de manifestações pelo direito ao acesso à água no ano de 2014. As terras curraisnovenses também se encontram inseridas na rota da desertificação. No primeiro capítulo, a água é a personagem principal das discussões. Em razão disso, utilizou-se a expressão “protagonista”, para enfatizar o seu papel fundamental enquanto promotor de liberdades substantivas, ou seja, enquanto capacidade básica do ser humano; e como elemento propulsor de desenvolvimento, daí ter sido evidenciado o seu aspecto instrumental. Fala-se de liberdades em uma analogia à obra “Desenvolvimentocomo liberdade” do 12 economista indiano Amartya Sen. A água então é tratada como direito fundamental e como instrumento que aflora outras liberdades ou direitos. A primeira provocação se concretiza na indagação especulativa de se haver um direito à água. Diante de tal instigação, procurou-se mostrar o caminho percorrido no direito alienígena e seus reflexos no direito pátrio no que tange ao reconhecimento do direito à água como direito fundamental. Para tal, são narrados os diversos acontecimentos em âmbito internacional – fóruns, conferências, encontros – e suas posteriores repercussões no Brasil. À medida em que o enredo se desenrola, outros elementos vão adornando o tema como a escassez e a consequente privação de direitos, as migrações forçadas, os conflitos pela água, as desigualdades no seu acesso, buscando entrelaçar temas e acontecimentos de âmbito internacional com os ocorridos no Brasil. Como exemplo, cita-se a “corveia” observada no continente africano e a busca pela água no semiárido brasileiro: dois contextos unidos pela escassez e pela igual necessidade de se percorrer léguas para o acesso ao líquido precioso. A falta de água é frequentemente mencionada no trabalho como sinônimo de privação de liberdades e de oportunidades. Liberdades como sinônimos de direitos fundamentais; privação no sentido de tolher direitos e causar exclusão social, sugerindo evidente afronta a um dos objetivos da República Federativa do Brasil: erradicar a pobreza e a marginalização e diminuir as desigualdades sociais e regionais (art. 3.º, III, CF/88). Antes de adentrar no segundo capítulo, há o cuidado de relacionar o tema “água” com a atividade econômica escolhida – mineração – e o meio ambiente, de modo que o enredo não apresente quebra ou descontinuidade, em contínua evolução de pensamentos. Para tal empreitada, é evidenciada a necessária miscigenação dos temas, uma vez que é impossível falar de legislação hídrica e minerária sem remetê-las às considerações da legislação ambiental. Esta, por sua vez, foi consolidada de forma mais homogênea e sistemática a partir da lei n.º 6.938/81 com a regulamentação da Política Nacional do Meio Ambiente. Além disso, os órgãos administrativos (ANA, DNPM, MMA) se mostram interligados, havendo uma interação institucional inevitável. Na mesma esteira, são destacados dois pontos atuais e polêmicos que envolvem e confirmam tal porosidade: o Código Florestal, intrinsecamente ligado à questão hídrica e ambiental e as expectativas da aprovação do novo marco regulatório da mineração, seus prós e contras, inclusive os prejuízos já visíveis na demora da aprovação e os reflexos no desenvolvimento do setor mineral. Há ainda expectativas, em relação a este último, sobre dispositivos dedicados a uma “mineração sustentável”. No capítulo segundo, a água passa a ser coadjuvante no desenvolvimento. Este, 13 entendido como algo que vai além da mensuração econômica, abarcando a dimensão social. Assim, procura-se demonstrar algumas concepções de desenvolvimento as quais transcendem do mero crescimento econômico para um sentido mais amplo e inclusivo. O direito ao desenvolvimento alcançou o patamar constitucional, sendo ele um dos objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3.º, II, CF/88). Aos poucos o presente trabalho vai modelando o cenário: relaciona o desenvolvimento com a economia, o direito e a sustentabilidade, preparando a discussão para o estudo de caso. É nessa perspectiva que se inicia a análise do papel dos recursos naturais no pensamento econômico, uma vez que foram as notícias sobre escassez dos recursos naturais – leia-se o relatório encomendado pelo Clube de Roma – , que provocou uma completa revolução no âmbito econômico em termos de pensamento. Destaca-se assim, a contribuição do economista Nicholas Georgescu-Roegen, grande expoente da época. Logo, a preocupação com o meio ambiente passa a tomar posição nos grandes encontros mundiais. O conceito de sustentabilidade é preconizado por Ignacy Sachs, assumindo a forma conceitual de “ecodesenvolvimento”. O desenvolvimento sustentável começa a ser disseminado no mundo, refletindo expressamente no Brasil de forma tardia, com a promulgação da Constituição Federal de 1988. O art. 225, caput, previsto em seu bojo, faz com que a Constituição tome para si a responsabilidade de garantir a sustentabilidade inter e intrageracional. A relação entre o desenvolvimento e o direito foi trazida à baila em uma perspectiva simbiótica, ou seja, a possibilidade de ser o direito propulsor de desenvolvimento, contribuindo a lei para gerar determinados comportamentos na economia. Para tal, enfatizou-se a evolução pedagógica de tal disciplina, atentando-se para a ausência de propagação dessa nova perspectiva do direito, já acolhida no bojo da Constituição Federal de 1988, porém pouco divulgada. Discute-se o papel da água e da mineração no cenário do desenvolvimento: aquela, ao se travar a discussão sobre ser, ou não, a água, direito ou necessidade, fato muito importante na análise do tipo de desenvolvimento que se pretende produzir; este, na perspectiva também da sustentabilidade, vez que a mineração é considerada de per si, uma atividade degradante. É com esse propósito que se iniciam os debates sobre a busca pela liberdade sustentável, em uma analogia aplicada às liberdades de Amartya Sen: uma “liberdade sustentável”, traduzida no presente trabalho como desenvolvimento sustentável. O Plano de Utilização da Água na Mineração e as discussões favoráveis à expansão de uma “mineração sustentável” foram tratadas com o objetivo de se vislumbrar novos horizontes para a atividade mineradora em termos de sustentabilidade. Para tal, são trazidas as 14 considerações de Maria Amélia Enríquez sobre desenvolvimento e mineração: ser a atividade geradora de maldição ou dádivas; e sobre os primórdios e avanços das ideias sobre sustentabilidade no campo minerário. No terceiro capítulo, uma vez expostas as teorias que firmaram o presente trabalho: Amartya Sen, Ignacy Sachs, Brian Tamanaha e autores como José Afonso da Silva, Paulo Bonavides e Paulo Affonso Leme Machado, monta-se o cenário na cidade de Currais Novos/RN, identificando os atos, atores e figurantes cujo enredo se desenrola na crise hídrica e na importância de uma atividade econômica sustentável. No estudo de caso, é possível visualizar os fatos e relacioná-los ao enredo proposto: a região é imersa na escassez, cuja população foi protagonista do movimento SOS Adutora Currais Novos com o objetivo de chamar a atenção das autoridades e da sociedade norte-rio- grandense acerca da iminência do colapso hídrico do município; a cidade escolhida foi e ainda é referência na extração de scheelita, matéria prima do tungstênio, minério de utilização estratégica. Tanto a mineração quanto a água são necessários ao desenvolvimento da cidade. O que se propõe é identificar qual o tipo de desenvolvimento se pretende para o município estudado e se os direitos fundamentais a água e ao desenvolvimento são efetivados ou ignorados. Logo, como objetivo geral, o presente estudo pretende analisar a efetividade dos direitos constitucionais à água e ao desenvolvimento no município, objeto da pesquisa. Como objetivos específicos, verificar qual o tipo de desenvolvimento pretendido em Currais Novos, analisando- se o papel das instituições envolvidas neste processo, e se há ações concretas com vistas a promovê-lo. Almeja-se com o presente trabalho, contribuir para o estudo do direito constitucional ambiental, com ênfase para a água e a mineração na esteira do desenvolvimento sustentável. Procura-se assim, despertar na comunidade acadêmica a importância de se produzir pesquisas e trabalhos na área, sobretudo no âmbito regional, de modo a mostrar que a Universidade tem por finalidade última à sociedade, identificando problemas,buscando soluções e questionando os papeis dos atores sociais envolvidos. 15 2 A ÁGUA COMO PROTAGONISTA DE LIBERDADES Água e liberdade. Dois vocábulos formalmente distintos, dois significados diversos. Porém, dependendo do contexto, ambas as palavras podem adquirir tal grau de afinidade a ponto de caminharem juntas, complementando-se mutuamente. Nessa esteira e em um cenário onde há privação de água, a liberdade pode ser visualizada de modo diverso: transcender o significado de mera privação de ir e vir e desdobrar- se na oportunidade de ter acesso à água como direito inerente ao ser humano (sobrevivência) e como meio promotor de desenvolvimento (elemento propulsor de outras liberdades/direitos), sugerindo uma analogia às liberdades substantiva e instrumental, respectivamente, propostas por Amartya Sen (2013). Superar a privação de liberdade em uma paisagem de escassez de água é desafio constante na vida de milhares de pessoas espalhadas pelo mundo, privadas da mais elementar condição de sobrevivência: água potável para saciar a sede e suprir as necessidades básicas de higiene. Mesmo estando entre as Metas do Milênio adotadas pela ONU o compromisso de reduzir pela metade a percentagem de pessoas que não tem acesso a água potável, ou carecem de meios para obtê-la, o que se vê na literatura pertinente é que alguns países preferem dar precedência aos orçamentos militares do que ao investimento em políticas públicas de acesso à água e ao saneamento de suas populações (BARLOW, 2015). Na própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, verificam-se direitos que exaltam a vida, a saúde e a educação (art. 5.º, caput c/c/ art. 6.º caput da CF 88, respectivamente). Apesar de estar ligada a eles de forma indireta, a água não foi expressamente normatizada. A ausência de previsão legal instiga à especulação sobre se, de fato, há um direito humano à água. Diante de um cenário internacional onde a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada em 1948 omitiu o tema, Camdessus (et al, 2005, p. 57) afirma que, “a resposta das Nações Unidas é, no entanto, afirmativa sem a menor ambiguidade. Ela é bjeto [sic] de um texto de observação geral e particularmente detalhado”. O texto em comento foi elaborado pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), quando da sua 29.ª sessão, em Genebra, de 11 a 29 de novembro de 2002. No mesmo contexto, porém em intelecção diversa, Barbosa (2010) adverte que o Comitê Internacional, embora reconheça o direito de águas, não garante de forma jurídico-positiva no 16 documento, que a água é um direito fundamental da pessoa humana. Tal fato, reflete de maneira impositiva porque desestimula investimentos financeiros no âmbito de gestão hídrica, como também a inclusão do termo “água” nas cartas constitucionais dos países. Como explicar, portanto, o paradoxo entre a importância e o descaso? As previsões de escassez e, ao mesmo tempo, os atos que sugerem abundância? A qualidade e a quantidade do “ouro azul”, expressão metafórica utilizada para caracterizar a água sob o prisma econômico, é o novo desafio que se impõe para o século XXI e para as demais gerações que virão: o desenvolvimento aliado à sustentabilidade preconizada nas últimas décadas do século XX e absorvida, de modo particular, na Carta Política Brasileira de 1988 em seu art. 225, caput, e demais incisos. 2.1 O DIREITO À ÁGUA: A BUSCA PELA AFIRMAÇÃO DE UMA LIBERDADE Os chamados direitos fundamentais, como a própria locução sugere, são direitos imprescindíveis ao indivíduo. Confundem-se com a chamada capacidade básica individual do ser humano ou liberdades subjetivas tais quais mencionadas por Amartya Sen em discurso que defende a liberdade como meio e fim do desenvolvimento (SEN, 2013). 2.1.1 O cenário internacional Segundo José Afonso da Silva (2000, p. 177), os direitos inseridos nas Declarações de Direito correspondem a determinadas situações históricas, próprias da evolução da Humanidade, consubstanciados por determinadas condições (objetivas, reais ou históricas/subjetivas), motivos de seu surgimento. Embora seja interessante partir-se do estudo da teoria dos direitos fundamentais para se chegar a existência de um possível elo entre a discussão e o tema proposto – água – não é objeto de estudo um debate mais acurado sobre o tema. Em outras palavras, não se pretende aprofundar a discussão sobre teorias doutrinárias que melhor defina o status de tais direitos, nem tampouco analisar, de forma profunda, as Declarações de Direitos, pensamentos e filosofias que circundaram o assunto no limiar do tempo. Não desprezando a importância da análise histórica, o objetivo é menos pretensioso porém, não de menor valia: refletir sobre a existência de um direito fundamental – direito de acesso à água – que não se encontra elencado no respectivo rol da Constituição de 1988 mas que, por seu valor e características inerentes aos dos direitos chamados de fundamentais, possa 17 ser considerado como tal e, ao mesmo tempo, reconhecido como instrumento de garantia de outros direitos. Portanto, é satisfatório para o estudo em tela compreender que a essência de tais direitos insculpidos nas Declarações são frutos do pensamento político, moral e social do século XVIII. Eles foram refletidos inicialmente nos preâmbulos das Constituições, e, após, inseridos no próprio bojo das Cartas Constitucionais, sendo revestidos de concretude, positivados constitucionalmente, assumindo caráter particular conforme as subjetividades de cada povo (SILVA, 2000, p. 179). É interessante salientar que o caminho percorrido para o reconhecimento dos direitos fundamentais data do século XVIII. Inicialmente, as declarações de direitos assumem uma roupagem solene, sendo proclamados em documentos dotados de abstração e universalidade – caso da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789 – ou concretude e especificidade – caso da Declaração da Colônia Americana de Virgínia, em 1776 – sendo fruto de situações singulares (SILVA, 2000). Na perspectiva de se recordarem fatos pretéritos, porém, sem a intenção de aprofundar o assunto, lembra-se da Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia em 1776. Ela serve como exemplo, ao ser considerada como a precursora das Declarações de Direitos no sentido moderno (SILVA, 2000). A Constituição Americana, datada de 1787, apesar de não incluir uma Carta de Direitos acabou por acolhê-la, sendo a Declaração de Direitos inserida por ocasião das dez primeiras emendas da Constituição de Filadélfia, em 1791. Na mesma esteira, tem-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França em 1789, a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado na Rússia de 1918, até a proclamada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1948, esta considerada, segundo Paulo Bonavides (2013, p. 592), como um marco onde “o humanismo político da liberdade alcançou seu ponto mais alto no século XX”. A intelecção desse percurso é imprescindível para o entendimento da recepção dos direitos fundamentais nas constituições vindouras. Ainda, segundo Paulo Bonavides (2013, p. 593), comete um equívoco aquele que vê no valor das Declarações dos Direitos Humanos uma noção abstrata, metafísica, ideal, fruto de uma ideologia. Na verdade, o valor das Declarações dos Direitos Humanos é fundamental para se explicar a essência das Constituições e dos tratados, os quais compõem as duas faces do direito público: a interna e a externa. Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, observa-se um novo tempo na seara jurídica onde a dignidade da pessoa humana é proclamada como base da 18 liberdade, da justiça e da paz (SILVA, 2000, p.167). Dentre os trinta artigos que reconhecem os direitosfundamentais do homem estão a dignidade, a igualdade, o direito à educação e o direito à vida. Por ora, basta elencá-los para que seja possível construir um elo com a protagonista do enredo proposto – a água – inseri-la na esfera jurídica, e defendê-la como possível integrante dos direitos elevados ao status de “fundamentais”. O problema enfrentado pelas Declarações de Direitos é a garantia de sua eficácia. E, em se tratando de Declaração Universal, as adversidades são mais complexas porque não dispõem de um amparo próprio que a faça ter força normativa, verificando-se um considerável desrespeito às suas normas, sendo sua inobservância, mais regra do que exceção (SILVA, 2000, p. 169; BONAVIDES, 2013, p. 597). Verifica-se que as questões ambientais, sobretudo as que se referem a água, também caminham na mesma direção. Basta enumerar os encontros, fóruns, conferências internacionais, onde a retórica é dominante, porém, as ações escassas. Camdessus (et al, 2005, p. 76) na mesma esteira de discussões mostra que, apesar do grande número de organizações e estruturas que se encontram gravitando na órbita de atuação das Nações Unidas, nenhuma delas é dedicada a água. Todas se interessam pelo assunto, metas são traçadas, papeis definidos, porém ninguém quer ser responsável. A primeira manifestação internacional em torno do assunto “meio ambiente” foi a proporcionada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo nos anos 1972. Embora se tratasse de uma conferência em torno dos recursos naturais, a água evidentemente foi incluída. Assim, o evento representou o ponto de partida para o estabelecimento de discussões sobre a água, sendo ela inserida na agenda dos organismos internacionais. Apesar de incluída nas rodas de negociação de maneira ainda muito tímida, a retórica sobre a água toma mais dimensão e consistência, havendo um capítulo dedicado a ela, na conferência ocorrida nos anos 1977 em Mar Del Plata. Fala-se não somente da importância da preservação das águas doces, mas também da conservação das águas marinhas e seu ecossistema, inclusive da possibilidade de se criar uma simbiose estratégica entre preservação do recurso natural água e as políticas de desenvolvimento social.1 Nos anos 1992 dois eventos internacionais encontraram-se em pauta: a Conferência Internacional sobre a Água e Meio Ambiente em Dublin, na Irlanda, e a ECO 92 (também 1 Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/cap18.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2015. 19 chamado de Rio 92). Em 1997, foi criado pelo Conselho Mundial da Água o I Fórum Mundial da Água em Marrakech, no Marrocos. O objetivo da realização dos Fóruns Mundiais da Água foi despertar a consciência sobre os problemas diretamente relacionados a esse recurso natural (BARBOSA, 2010). Apesar dos debates internacionais acerca do tema, não se observa o propósito de encaminhar a discussão sobre a existência de um direito fundamental humano – direito à água - para o âmbito jurídico. Embora a obviedade seja evidente, o que se verifica inicialmente é a ausência de iniciativa para enfrentar o assunto e buscar uma tutela jurídica para esse recurso natural e ambiental, seja nas entrelinhas dos tratados internacionais, seja no bojo das Constituições dos países (BARBOSA, 2010, p. 42). Os chamados Fóruns de Água Global – Fóruns Mundiais da Água - criados em 1997 assumiram grau de importância significativa, superando até mesmo os encontros promovidos pelas Nações Unidas. Realizados em um intervalo de três anos, são promovidos pelo Conselho de Água Mundial, grupo internacional de estudos sobre políticas relativas à água. Embora à primeira vista a iniciativa e a multiplicação dos Fóruns Mundiais da Água representassem uma iniciativa salutar em despertar a consciência para os problemas da água, Barlow (2015, p. 31) adverte que o Conselho de Água Mundial e promotor desses grandes e influentes encontros mundiais é composto, em sua maioria, por “corporações de engenharia e água, associações da indústria da água e bancos de investimentos”. Na mesma esteira, Freitas (2011, p. 24) traz notícias do IV Fórum Mundial da Água realizado entre os dias 16 a 22 de março de 2006, na cidade do México. Os participantes do evento e membros de ONGs internacionais criticaram a participação das empresas e instituições financeiras no Fórum, alegando que a discussão sobre a água concentrou-se somente na visão empresarial e não como um direito humano fundamental. Ressalta Maude Barlow (2015, p. 32) que “em todos os encontros desde a sua criação em 1997, o Fórum Mundial da Água recusou-se diretamente a reconhecer o direito à água na declaração ministerial que é publicada no último dia”. O caráter privatista com que se revestiram os Fóruns Mundiais da Água forçou o surgimento de iniciativas capazes de focalizar a água como bem público e integrante do patrimônio comum mundial, que deve ser garantido na sua quantidade e qualidade a todas as pessoas sem quaisquer distinções e reconhecido como direito humano. Assim, surgiram fóruns populares alternativos, frutos de movimentos criados dentro dos 20 próprios fóruns oficiais, em meio às críticas da influência corporativa disseminadas nos bastidores dos encontros. Uma vez a água reconhecida como direito humano após a edição de duas resoluções da Organização das Nações Unidas – a resolução de 28.07.2010 e a de 30.09.2010 – e ratificadas com a declaração oficial da Rio+20 – O Futuro Que Queremos – agora o desafio é outro: garantir a implementação do direito à água para todos. 2.1.2 O cenário nacional As Declarações de Direitos no cenário internacional refletiram no direito pátrio. Verifica-se que, no Brasil, a Constituição Imperial de 1824 não só absorveu como foi a primeira do mundo a acolher os ideais alienígenas, promovendo a subjetivação e positivação dos Direitos do Homem, e não à da Bélgica de 1831 como fora defendido (SILVA, 2000, p. 174). Nas demais Constituições que se seguiram, o fenômeno perdurou, promovendo inclusive o surgimento de outros direitos: os direitos de nacionalidade, os direitos políticos, os direitos econômicos e sociais (SILVA, 2000, p. 175). Na Carta Política de 1988, o direito à vida figura como direito fundamental, seguindo a tradição das cartas pretéritas. O que é importante destacar é a inovação trazida pelo artigo 225 e parágrafos, onde se dispõe sobre o direito ao meio ambiente são. Apesar disso, em nenhuma das cartas constitucionais brasileiras observa-se expressamente a menção da água como direito. Em uma interpretação extensiva, poder-se-ia dizer que a água é elemento que se insere na órbita dos direitos proclamados fundamentais, além de instrumento de concretização de outros direitos. Porém, o reconhecimento da viabilidade hermenêutica esbarra na ausência expressa de positivação: O direito positivo internacional e os ordenamentos jurídicos internos de diversos países desconsideram a água como direito fundamental da pessoa humana porque advogam a tese de que esta interpretação extensiva é por demais vaga e desprovida de positivação, ou seja, afirmam que não existe um artigo explícito que considere a água como direito supremo (BARBOSA, 2010, p. 43). Na Constituição Brasileira de 1988, a água encontra-se inclusa nos bens da União e dos Estados (art. 20, inc. III; art. 26, inc. I, respectivamente). Nas Cartas Constitucionais anteriores a de 1988, não se observa a preocupação de se estabelecer uma política voltada para a água, prevendo instrumentos de implementação e gestão hídrica como a trazida pela Lei n.º 9.433/97. Desde a Constituição do Império de 1834 o que se nota é o interesse em regulamentar o direito 21 de uso da água, a competência legislativa, e a determinadas situações que envolviam a propriedade(ANTUNES, 2002). O advento do Código de Águas de 1934 fora justificado porque a legislação já se encontrava inócua, não mais correspondendo às necessidades e os interesses da coletividade nacional. Na época era necessária uma legislação adequada ao controle e incentivo do aproveitamento industrial das águas, em particular, à exploração da energia hidráulica (POMPEU, 2010, p. 138). O Código de Águas representa um marco importante na época, sendo considerado, dentre as leis de água, uma das mais completas. Os princípios que circundam suas normas são invocados em diversos países como paradigmas a serem seguidos. Como exemplo, o princípio poluidor-pagador previsto em seus artigos 111 e 112 foram introduzidos como novidade na Europa, na década de 70 (POMPEU, 2010, p. 143). Por outro lado, o Código de Águas, sob o ponto de vista da eficácia, não obteve o respaldo que merecia devido à falta de interesse político, pois que muitos de seus dispositivos se abrigavam em posteriores regulamentações, as quais não foram concretizadas (POMPEU, 2010, p. 143). Embora o Código de Águas tenha sido apontado como vanguardista (POMPEU, 2010), outros doutrinadores como CARVALHO (1986); GRANZIERA (1993), apud FREITAS (2010, p. 20) enfatizam que a grande importância do referido diploma se deve a inovação trazida sobre o aproveitamento do potencial hidráulico, o que garantiu sua importância, apesar dos “insucessos de ordem material e adjetiva”. Assim, o Código de Águas não previu a possível positivação da água como direito, sendo reflexo de uma política desenvolvimentista que começava a ser implantada no país a qual buscava amparo jurídico para seus interesses (GRANZIERA, 1993 apud FREITAS, 2011, p. 20). Em 1997, ou seja, 63 anos da vigência do Código de Águas é promulgada a lei da Política Nacional de Recursos Hídricos. Não há expressamente um direito à água, mas instrumentos e diretrizes que deverão nortear a gestão hídrica. Diante da exposição dos fatos, muitos questionamentos podem ser formulados. Apesar da importância da água na manutenção da vida, o que se constata é a sua preterição no rol dos direitos fundamentais, sendo ultrapassada por exemplo, pelo direito à vida, à saúde e à educação. Embora seja evidente a ausência de norma que defina o direito à água, há de lembrar que, na seara jurídica, as possibilidades de normatização não se esgotam nas regras insculpidas 22 nos códigos. Para as lacunas verificadas na lei, o próprio Código Civil busca amparo na analogia, nos costumes e nos princípios gerais de direito; estes últimos, elevados ao status constitucional após uma longa trajetória na busca pela força normativa.2 Acolhido aqui o entendimento de Ávila (2014), regras e princípios são igualmente normas. Os dispositivos são objeto da interpretação; as normas, o resultado. As normas são interpretações construídas a partir da intelecção sistemática de textos normativos. Não há necessariamente uma obrigatoriedade que norma e dispositivo devam se corresponder. Portanto, em alguns casos, haverá norma sem que exista um dispositivo que lhe corresponda. Tal assertiva deve ser aplicada ao caso da água: embora não exista dispositivo pátrio que garanta sua positivação, ela encontra-se presente na intelecção sistemática de textos normativos pertinentes, de princípios constitucionais que a acolhe, sobretudo por sua peculiaridade em ser condição para a vida, sendo a vida direito fundamental do ser humano. Por ser elemento da vida e, a vida, devidamente agasalhada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, porque não elevar a água ao mesmo status constitucional? Sabe-se que a água precede à vida, à saúde, à educação. Tais direitos são elencados como fundamentais. Se a água é sine qua non para a manutenção da vida, ela é direito fundamental do ser humano. Tal entendimento deve ser cristalizado na seara jurídica pátria bem como no direito alienígena. Apesar da inexistência de menção sobre o direito à água na Declaração dos Direitos do Homem datado de 1948, as Nações Unidas ratificaram o entendimento da sua existência por ocasião da 29.ª sessão do Comitê dos direitos econômicos, sociais e culturais do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), em Genebra, de 11 a 29 de novembro de 2002 (CAMDESSUS et al, 2005). Ao se falar, por exemplo, da necessidade de uma reserva hídrica capaz de garantir água para as pessoas com menor poder aquisitivo, o direito à água deve ser garantido sob pena de afronta ao princípio da dignidade humana e ao direito à vida. Freitas (2011, p. 25) demonstra preocupação ao afirmar que a privatização da água pode levar a negativa desse bem aos carentes de recursos financeiros. Além de indispensável à sobrevivência, o acesso à água deve ser resguardado sob pena de ofensa ao princípio constitucional da inviolabilidade do direito à vida. Para que exista a devida proteção do acesso à água por todos, os órgãos responsáveis 2 Paulo Bonavides explica bem a trajetória que seguiram os princípios gerais de direito na busca pela normatividade, culminando com a elevação de tais princípios ao status constitucional. 23 pela gestão – Agência Nacional de Águas e suas sucursais espalhadas pelos estados – deverão deixar bem claro tal aspecto, ao concederem direitos de exploração. Para tal, é preciso rever situações em que a quantidade de água utilizada beire à insignificância e nada se cobre por sua utilização (FREITAS, 2011). Logo, a violação do direito à água é violação do direito à vida; e, em um cenário de escassez de água, onde a população vulnerável é aquela menos provida de recursos financeiros, os “órfãos da água” ficam à mercê da boa vontade política e divina.3 2.2 A ÁGUA COMO LIBERDADE INSTRUMENTAL Uma vez ratificada a água como liberdade substantiva, capacidade básica do ser humano e considerada direito fundamental, o que se propõe agora é analisá-la sob outro aspecto: ser a água liberdade instrumental; meio no qual seja possível a expansão de outras liberdades que proporcionarão ao indivíduo a almejada “liberdade global” sugerida por Sen (2013). Debruçando-se sobre os escritos de Sen (2013), há a identificação de cinco liberdades instrumentais as quais não constituem um rol taxativo, mas exemplos dentre muitas outras enfatizadas como meio de expansão das demais liberdades. Assim, as liberdades políticas, as facilidades econômicas, as oportunidades sociais, as garantias de transparência e a segurança protetora são exemplos de liberdades instrumentais que contribuem para o alcance de uma liberdade global, traduzida em capacidade que indivíduo adquire de viver melhor e mais livremente. As liberdades instrumentais não convivem de forma isolada mas se complementam em uma perfeita sinergia. Na análise da Lei n.º 9.433/97 (BRASIL, 1997), que versa sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos, utilizou-se da conveniência de discorrer sobre várias dessas liberdades, associando-as com dispositivos legais. No entanto, poupou-se as chamadas oportunidades sociais – tipo de liberdade instrumental – de forma proposital, com o fim de promover sua afinidade com a água, entendida também como espécie de liberdade: meio e instrumento capaz de promover desenvolvimento humano. Segundo o sentido denotativo do vocábulo, oportunidade significa algo propício, favorável, capaz de trazer benefícios. As oportunidades sociais segundo Sen (2013) são dispostas pela sociedade para influenciar e fazer efetivar as liberdades substantivas. É o caso, por exemplo, da população ter ao seu alcance serviços de saúde e educação de qualidade. Com 3 SERTANEJOS agarram-se a fé. Disponível em: <http://tribunadonorte.com.br/noticia/sertanejos- agarram-se-a-fe/217646>. Acesso em: 14 abr. 2015. 24 as pessoas alfabetizadase com capacidade de desenvolver seu senso crítico é possível melhorar as perspectivas do indivíduo de ser absorvido pelo mercado de trabalho, bem como revelar sua condição de agente, capaz de promover mudanças sociais a partir da comunidade em que vive. Por outro lado, havendo saneamento adequado – oferta de água encanada e tratamento adequado de esgotos – , os reflexos se observarão na melhora da qualidade de vida, porque a saúde encontra-se intimamente ligada à qualidade da água que é oferecida, e ao tratamento satisfatório de esgotos. Não havendo providências que contribuam para a efetivação de tais medidas, dificilmente o cidadão gozará de melhores condições de vida e bem-estar.4 A Constituição de 1988 prevê que o Estado é responsável em promover várias dessas liberdades instrumentais. No capítulo II, que traz em seu bojo os denominados direitos sociais (BRASIL, 1988, art. 6.º), o Estado garante aos cidadãos brasileiros o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, dentre outros. Os direitos sociais são liberdades instrumentais, ou seja, os meios de promoção das chamadas liberdades substantivas. Sabe-se que a água é imprescindível ao bom funcionamento dos serviços públicos e privados; ao desenvolvimento da sociedade. Não desconsiderando a importância da água nos outros setores da sociedade, sobretudo no comércio e na indústria, preferiu-se focar em alguns direitos sociais como saúde, educação, moradia e trabalho porque, além de fazerem parte do rol de liberdades instrumentais capazes de melhorar a chamada capacidade básica do indivíduo, são por ora suficientes para argumentar o raciocínio pretendido. Portanto, como visualizar o funcionamento dos estabelecimentos escolares e das unidades de saúde sem a presença de água? Como pretender residir em conjuntos habitacionais ou estar em ambiente laboral sem que haja o funcionamento adequado das instalações imprescindíveis à higiene e à dessedentação? Analisando a jurisprudência pátria pertinente ao tema, nota-se que em alguns julgados a água assume a condição de liberdade instrumental pois que se configura como meio para a realização de outra liberdade. É o que se observa na decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão5, onde a água foi considerada elemento indispensável à moradia. O entendimento do referido tribunal, no caso em tela, se baseia no princípio da dignidade 4 Camdessus (et al, 2005) alerta que a má qualidade das técnicas de esgotamento e tratamento das águas servidas gera o aparecimento de doenças como a diarreia, vermes intestinais, a cegueira ligada ao tracoma, o cólera e a esquistossomose. 5 Decisão proferida em grau de recurso, cuja ementa é a seguinte: Constitucional e Administrativo. Remessa necessária. Ação Civil Pública. Abastecimento de água de povoado. Direito fundamental à moradia. Dignidade da pessoa humana. Dever do município. Sentença mantida. (TJ – MA – REEX: 0069282014 MA 0000293-10.2012.8.10.0126. Relator: JAMIL DE MIRANDA GEDEON NETO. Data de julgamento: 29/05/2014. TERCEIRA CÂMARA CÍVEL. Data de publicação: 16/06/2014). 25 da pessoa humana. O abastecimento de água se traduz em necessidade básica e deve ser ofertado aos administrados em geral como meio de concretização do direito constitucional à moradia, o qual somente se verifica quando ligado aos benefícios de ordem material, imprescindíveis para assegurar uma moradia digna. Dentre as benesses se inclui a água, cuja presença é garantia de uma infraestrutura mínima de bem-estar. Ao revés, a ausência de água impede a instalação das pessoas em suas casas, configurando-se uma afronta ao direito fundamental à moradia. Logo, o acesso à água na comunidade configurou-se condição para que as pessoas pudessem usufruir sua condição de habitante. Assim, a água reveste-se de instrumentalidade para proporcionar à população do caso particular, o direito fundamental à moradia. Outro julgado, agora em âmbito trabalhista, demonstra igualmente a instrumentalidade da água como imprescindível à realização de liberdades substantivas; no caso, às condições mínimas de trabalho. Segundo o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª região, a ausência de água potável e de condições sanitárias adequadas no ambiente laboral fere os direitos fundamentais do trabalhador: além da violação às normas básicas de higiene e saúde em geral, a ausência de água e de instalações sanitárias no ambiente de trabalho atinge a dignidade e a intimidade do trabalhador, acarretando o pagamento de indenização por danos morais6. A instrumentalidade da água também pode ser observada nas iniciativas de âmbito internacional. Reunidos em setembro de 2000 na cidade de Nova Iorque, na sede das Nações Unidas, 147 chefes de Estado proclamaram como objetivo em comum as Metas do Milênio7, as quais deveriam ser perseguidas até 2015. Camdessus (et al, 2005, p. 129) enfatiza que, apesar da água não constar claramente dentre os objetivos ratificados pelas nações signatárias, ela encontra-se nas entrelinhas, estando cada uma das Metas do Milênio “[...] em estreita dependência em relação aos progressos em matéria de água”. Assim, pode-se afirmar que a democratização do acesso à água é tê-la também como instrumento de concretização de outras liberdades; de concretização das metas a serem 6 Decisão proferida em grau de recurso, cuja ementa é a seguinte: Danos morais. Condições precárias no ambiente de trabalho. (TRT – 3 – RO: 00289201314603009 0000289-20.2013.5.03.0146. Relator: LUIZ RONAN NEVES KOURY. Segunda Turma: Data de Publicação: 29/01/2014 28.01.2014. DEJT. Página 22. Boletim: Não). 7 As Metas do Milênio são: reduzir a extrema pobreza e a fome; assegurar a educação primária para todos; promover a igualdade dos sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater a AIDS, o impaludismo e outras doenças; assegurar um meio ambiente sustentável; estabelecer uma parceria mundial pelo desenvolvimento. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/ODM.aspx>. Acesso em: 14 abr. 2015. 26 perseguidas no milênio que estaria por vir. Como já fora visto, os Fóruns Mundiais de Água se disseminaram a partir de 1997 como uma iniciativa do Conselho Mundial da Água. Dentro desses eventos, foi observado um “movimento internacional de justiça pela água” impulsionado por países do hemisfério sul, particularmente a América do Sul, e por vários países do hemisfério norte. O movimento que se criava e tomava corpo no interior dos Fóruns Mundiais da Água se caracterizou por ir de encontro às ideias disseminadas pelos organizadores do evento. Os argumentos sugeriam que havia grandes influências corporativas que pensavam mais na água como mercadoria do que como direito. O movimento tornou-se forte o bastante para impulsionar o surgimento de fóruns populares alternativos onde se luta para que a água fosse reconhecida como “patrimônio comum, um fundo público e um direito humano” (BARLOW, 2015, p. 34). Maude Barlow (2015, p. 34) afirma que um dos argumentos dos fóruns populares alternativos, o qual competiu com os grandes Fóruns Mundiais da Água, foi a admissão de que a ausência de disponibilidade de água, em termos de quantidade e qualidade, e a falta de saneamento constituem um óbice à realização de outras obrigações de direitos humanos fundamentais já adotadas pela Organização das Nações Unidas. À medida que o direito à água vai se firmando pela sequência de resoluções e declarações internacionais vê-se a confirmação de que a água é liberdade substantiva e instrumental. Prova disso é a consideração do Comentário Geral n.º 15, adotado em 2002 como uma interpretação definitiva do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. “Nele, o direito à água é chamadode um pré-requisito para a realização de todos os outros direitos humanos, ‘e indispensável para se levar uma vida com dignidade’” (BARLOW, 2015, p. 34). Logo, a água é ratificada como liberdade substantiva e instrumental. Havendo escassez de água, há privação de liberdades. Falta de água é falta de instrumentalidade para a realização de outros direitos. Os problemas ocasionados pela escassez de água vão muito além das necessidades domésticas e de higiene humanas. Com a falta de água, serviços essenciais são prejudicados, desde as atividades escolares até a produção industrial. São questões também que invadem a esfera principiológica, pondo em xeque os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, ambos previstos na Carta Magna Brasileira de 1988. A escassez não constitui problema observado em determinada parte do globo terrestre. Ela ultrapassa as fronteiras brasileiras encontrando-se em diversas partes do mundo (BARLOW, 2015). 27 O fenômeno da desertificação constantemente é associado à escassez. Conforme Barlow (2015, p. 25) “a desertificação está avançando rapidamente em mais de cem países por causa da extração excessiva dos rios e da água subterrânea e do avanço da mudança climática, mandando milhões de refugiados em busca dos santuários seguros”. Nem sempre “santuários seguros” são encontrados pelos “refugiados ambientais” ou refugiados da água. Ainda na esteira de Barlow (2015), países como o Brasil e o México estão sofrendo com os efeitos da desertificação. As populações diretamente envolvidas com o fenômeno, principalmente os trabalhadores do campo, são obrigados a migrarem para as periferias das grandes cidades8. Logo, as migrações forçadas pela escassez de água caminham na mesma esteira de exclusão social. Várias são as pessoas levadas a saírem de seu território de origem para buscar a sobrevivência em outros locais onde haja a presença de água, porém nem sempre com melhores perspectivas de vida. As migrações forçadas já constituíram e ainda constituem realidade principalmente no semiárido nordestino, havendo como um dos motivos a escassez de água9. As pessoas são compelidas à abandonarem seus lares, suas terras, por falta do mínimo de condições de sobrevivência10. Em determinadas sociedades africanas onde o costume ancestral impera como regra, às mulheres cabem o abastecimento de água na comunidade. São horas produtivas perdidas ao levar em consideração a possibilidade dessas mesmas mulheres aproveitarem seu tempo em outros afazeres capazes de promover suas liberdades substantivas: 8 Maude Barlow (2015) menciona que, no Brasil, cerca de 600 mil quilômetros quadrados de terra são desertos. No México, todos os anos, 250 mil quilômetros quadrados de terras produtivas são transformadas em deserto. Os refugiados rurais gravitam para as favelas de Buenos Aires, São Paulo e cidade do México. 9 CEARENSES relembram campos de concentração de retirantes da seca. Disponível em: <http://g1.globo.com/ceara/noticia/2015/03/cearenses-relembram-campos-de-concentracao-de- retirantes-da-seca.html>. Acesso em: 14 ab. 2015. 10 MUDANÇAS climáticas devem forçar migração de milhões de pessoas”. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/10/mudancas-climaticas-devem-forcar-migracao-de- milhoes-de-pessoas.html>. Acesso em: 06.04.2015. 28 Basta recorrer ao questionário por meio do qual as mulheres, em um meio semi-urbano no Níger, contam as consequências e os inconvenientes da corveia da água: perda de tempo e insuficiência da água conseguida (para 30% delas), doenças e ferimentos diretamente ligados à corveia, mãos feridas, dores nas costas, fadiga etc. De fato, é um elemento central de uma vida infra- humana e de sua perpetuação na medida em que, muito cedo, com sua concordância ou não, as meninas abandonam a escola para acompanhar a mãe e assim ficam privadas das chances que a educação poderia proporcionar, ao menos para centenas delas, de escapar desse destino (CAMDESSUS et al, 2005, p. 61). Assim, privadas de oportunidades como a chance de estudar ou de se ocupar tarefas que possam ajudar na sua condição econômica, as mulheres africanas seguem na corveia da água, realidade que faz lembrar de situações vivenciadas no semiárido nordestino quanto à busca por esse líquido precioso11. Embora se trate de culturas e personagens diferentes, ambas as realidades comungam um cenário comum de escassez onde é necessário procurar água, embora se percorra léguas para encontrá-la. Diante da exclusão que a escassez proporciona, não raro surgirem conflitos que envolvam a água. Os litígios se instalam em um estágio de “estresse hídrico” onde a “guerra por água” já é cena verídica observada tanto em terras do semiárido nordestino12 quanto no cenário internacional13. A escassez também induziu a valorização da água em termos econômicos. Como já exposto, no bojo da Lei n.º 9.433/97, consta como princípio a dimensão econômica que a água adquiriu (Brasil, 1997, art. 1.º, inc. II). O mercado da água cresce e, segundo Caubet (2011, p. 33), “a exportação da água é um dos negócios mais promissores do início do século XXI”. A ausência de água, portanto, gera exclusão social, contrariando um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil que é erradicar a pobreza, a marginalização e 11 COMUNIDADE cria nova cisterna. Disponível em: <http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/regional/comunidade-cria-nova-cisterna- 1.510601>. Acesso em: 01 abr. 2015. 12 Segundo matéria veiculada no jornal Folha de São Paulo, na cidade de Limoeiro do Norte no estado brasileiro do Ceará, há notícias de que famílias de lavradores invadiram área federal para ter acesso à água de dutos que liga o rio Jaguaribe a plantações de milho, banana e soja. A tensão se instalou haja vista a iminência do fechamento das torneiras do duto e a possibilidade da produção ser prejudicada, induzindo, assim, um possível conflito entre os lavradores acampados e os produtores cujas plantações são beneficiadas com as águas do duto. Segundo o jornal, a área é conhecida por crimes de pistolagem envolvendo questões de terras. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/09/1517676-disputa-por-acesso-a-agua-envolve- ate-jaguncos-no-interior-do-ceara.shtml>. Acesso em: 04 abr. 2015. 13 O livro “Água, oito milhões de mortos por ano. Um escândalo mundial” (CAMDESSUS et all, 2005) enfatiza que as Nações Unidas têm recenseadas mais de 300 situações de conflito envolvendo água no Oriente Médio, ao longo do rio Nilo, do Indo ou do Mekong. Os conflitos se instauram também até entre os Estados Unidos e o Canadá. 29 reduzir as desigualdades sociais e regionais (BRASIL, 1988, art. 3.º, III). Logo, os menos favorecidos são postos à margem da sociedade, enquanto aqueles que detém maior poder aquisitivo podem comprar água para suprir suas necessidades. No contexto de escassez, a privação de água constitui óbice para a realização de outras liberdades, promovendo a marginalização e a exclusão social de pessoas: seja deixando sua região para viver em outras localidades onde exista água, seja permanecendo em sua terra, submetendo-se às consequências da seca. 2.3 MEIO AMBIENTE, MINERAÇÃO E ÁGUA: A NECESSÁRIA MISCIGENAÇÃO DE ENREDOS Segundo o art. 3º, III da Lei n.º 9.433/97, a gestão hídrica se dará em consonância com a gestão ambiental. De acordo com o Plano de Utilização da Água na Mineração – Resolução do CNRH n.º 55/2005, art. 3.º, parágrafo único – além da legislação pertinente à água, deverão ser observadas as legislações ambiental e minerária, não constituindo o PUA, instrumento capaz de eximir o empreendedor minerário das legislações referidas e pertinentes. A água e os bens minerais são recursos naturais. Como entendê-lossem a observância das leis que congregam a matéria ambiental? As questões ambientais em termos de legislação, no Brasil, vieram aflorar a partir dos anos 1980 como reflexos dos fatos ocorridos no âmbito internacional14. Segundo Maria Laura Barreto (2001), a evolução da legislação ambiental brasileira pode ser dividida em quatro fases. A primeira fase remonta ao início do século XX. A legislação produzida no período se mostra dispersa e pontual. Destinada a proteger os recursos naturais renováveis como a água, o solo, a fauna e a flora, além de regulamentar atividades que se baseavam nos recursos naturais – caça, pesca, extração vegetal, – a legislação também previa a proteção de direitos privados em conflitos de vizinhança15 (Barreto, 2001). São dessa fase o Código Florestal (Decreto Lei n.º 23.793 de 1934)16, o Código de Águas (Decreto Lei n.º 24.643 de 1934) e o Código de Pesca (Decreto Lei n.º 794 de 1938)17. Na segunda fase (década de 1960), a legislação brasileira se mostra como reflexo das 14 Pode-se mencionar o Clube de Roma e o relatório encomendado ao MIT; a Conferência de Estocolmo e as que a sucederam. 15 No mesmo sentido, ver José Afonso da Silva, Direito Ambiental Constitucional (2013, p. 38). 16 Encontra-se atualmente em vigor o Novo Código Florestal (12.651 de 25 maio 2012). 17 No que se refere ao Código de Pesca, o Decreto-lei 221, de 28 jan. 1967 instituiu o novo Código de Pesca o qual está atualmente em vigor. 30 influências trazidas do âmbito internacional, como a divulgação do relatório do Clube de Roma e os preparativos para a Conferência sobre o Meio Ambiente em Estocolmo. O conteúdo da legislação é destinado a prevenir e a regular os impactos ambientais e restaurar a qualidade do meio ambiente. Dessa fase destacam-se a Lei n.º 4.505/64 que trata do Estatuto da Terra; a Lei n.º 4.771/65 que substituiu o Código Florestal de 1934; a Lei n.º 5.197/67 que trata da proteção da fauna; o Decreto Lei n.º 221/67 que fala da proteção e estímulos à pesca; o Decreto Lei n.º 50.877/61 que diz respeito ao lançamento de resíduos tóxicos nas águas interiores e litorâneas do país. Segundo Maria Laura Barreto (2001), a Política Nacional de Saneamento Básico (Decreto Lei n.º 248/67 e o Conselho Nacional de Controle da Poluição Ambiental (Decreto Lei n.º 303/67) resumem as linhas gerais da política ambiental da época. Nos anos 1970, a legislação mostrou-se preocupada com a poluição industrial. Vale salientar que o país passava pelo processo recente de industrialização, impulsionado na década de 60. Como exemplo da legislação da época, a qual traduz a política desenvolvimentista do período, tem-se o Decreto Lei n.º 1.413 de 14.08.1975, dispondo sobre o controle da poluição do meio ambiente provocada por atividade industrial; o Decreto 76.389 de 3.10.1975, dispondo sobre medidas de prevenção e controle da poluição industrial; e a Portaria do Ministério do Interior 13, de 15.01.1976, determinando as diretrizes para a classificação das águas interiores nacionais com base nas alternativas de consumo e dispondo sobre o controle da poluição (SILVA, 2013). Na terceira fase (anos de 1980), a visão fragmentada e setorial em termos de legislação ambiental foi substituída por um arcabouço mais integrado e holístico (Barreto, 2001). Assim, em 1981 surge a Política Nacional do Meio Ambiente. Outras leis foram promulgadas nesse período: Criação das Áreas de Proteção Ambiental (Lei n.º 6.902/81); Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (Lei n.º 7.661/88); Fundo Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 7.797/89); Controle de Agrotóxicos (Lei n.º 7.802/89); a previsão da EIA/RIMA na resolução do CONAMA 1 de 1986 para todas as atividades elencadas por essa lei; a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, a bens de valor artístico, estético, históricos, turístico e paisagístico e dá outras providências (Lei n.º 7.347/85); Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente foi elevado a bem jurídico constitucionalmente tutelado. Foi a primeira constituição a tratar deliberadamente da questão ambiental (SILVA, 2013, p. 49). Embora todo o seu texto contenha inferências sobre o tema, ainda que de forma 31 implícita, alguns dispositivos se referem expressamente sobre a matéria ambiental18. De modo particular e também pela pertinência com o presente estudo, destacam-se o artigo 225 e o artigo 170, VI da CF/88. Sobre as Constituições anteriores a de 1988, José Afonso da Silva (2013, p. 49) afirma que “nada traziam especificamente sobre a proteção do meio ambiente natural. Das mais recentes, desde 1946, apenas se extraía orientação protecionista do preceito sobre a proteção da saúde e sobre a competência da União para legislar sobre água, florestas, caça e pesca”. Barreto (2001) ensina que a legislação brasileira se encontra em sua quarta fase desde a década de 1990. Procura-se revisar e aperfeiçoar a legislação, inserindo o conceito de desenvolvimento sustentável nas políticas pública e empresarial e na estrutura administrativa. As matérias ambiental, hídrica e mineral encontram-se inevitavelmente interligadas. Apesar de compartimentalizadas em seus respectivos arcabouços jurídicos e nas leis específicas que tratam de cada matéria, é imprescindível a simbiose porque água e minério são elementos componentes do meio ambiente natural, conforme expressa José Afonso da Silva (2013, p. 21): O meio ambiente natural ou físico é aquele “constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora; enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambiente físico que ocupam”. Na área infraconstitucional por exemplo, várias vezes a atividade mineradora se vê enquadrada na legislação ambiental. Exemplo é a Resolução do CONAMA 1, de 1986 a qual prevê a obrigatoriedade dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), para todas as atividades que se encontram por ela elencadas; a mineração é uma delas. Outro exemplo é o Decreto n.º 97.632/89 que regulamenta o art. 2.º, inc. VIII da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. O Decreto determina que os empreendimentos que têm por finalidade a exploração de recursos minerais devem apresentar, juntamente com o EIA/RIMA, o Plano de Recuperação da Área Degradada (PRAD) os quais devem ser submetidos ao órgão ambiental competente. Em se tratando de matéria hídrica, o Plano de Utilização da Água na Mineração é exemplo de integração das matérias ambiental, hídrica e mineral (art. 3.º, parágrafo único da resolução do CONAMA 55/2005). Na própria lei das Águas (Lei n.º 9.433/97), o art. 3.º, III, V, prevê a gestão integrada dos recursos hídricos e sua relação com o meio ambiente e o uso 18 Sobre as referências implícitas e explícitas ao meio ambiente na Constituição Federal 1988 ver José Afonso da Silva (2013, p. 50-51), Direito Constitucional Ambiental. 32 do solo. Duas discussões que atualmente envolvem a crise hídrica e a legislação mineral é a mudança no Código Florestal e o Novo Marco da Mineração, respectivamente. As polêmicas que envolvem o Novo Código Florestal foram afloradas ainda em 2011, antes de sua aprovação. Um dos principais pontos de controvérsia entre ruralistas, ambientalistas e cientistas é com relação às chamadas Áreas de Preservação Permanente (APP’s) (BBC, 2011). Tais áreas são caracterizadas por serem terrenos situados em propriedades particulares rurais ou urbanas, mais vulneráveis porque mais suscetíveis de deslizamento, erosão ou enchente. Por tais motivos, devem ser protegidas. É o caso das margens de rios e reservatórios, topos de morros, encostas em declive ou matas localizadas em leitos de rios ou nascentes.A polêmica se instaurou porque há a flexibilização da extensão e o uso dessas áreas, especialmente nas margens de rios já ocupados (BBC, 2011). Os ambientalistas criticam o Novo Código porque o mesmo isentaria a recomposição da reserva legal para pequenos produtores. Em contrapartida, os ruralistas defendem boa parte das propostas do texto original. Sem as mudanças, dizem que não conseguirão suprir a crescente demanda de alimentos e o setor agropecuário brasileiro ficaria em desvantagem no cenário mundial. Os ambientalistas, porém, contra – argumentam defendendo a tese de que as terras não precisam ser aumentadas em sua extensão. Basta investir em tecnologia e técnicas sustentáveis com o manejo das lavouras e nos pastos e o uso sustentável na agricultura e pecuária (BBC, 2011). As polêmicas perduram até os dias atuais. Desde que o sistema Cantareira entrou em colapso, o Código Florestal foi alvo de questionamentos e ligado à crise hídrica. Lançado recentemente com o título de “Lei da Água”, o documentário de André D´Elia, produzido pelo cineastra Fernando Meireles, mostra o íntimo relacionamento entre crise hídrica e a degradação dos rios. Segundo a opinião dos entrevistados no filme, medidas previstas no Código Florestal (Lei n.º 12.651/12), como a redução das áreas de preservação em nascentes dos rios e em suas matas ciliares promovem a estiagem. O filme entra em cartaz em um contexto onde tramitam três Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra o Código Florestal, aprovado em 2012 (MENA, 2015). Em relação à mineração, algumas considerações merecem ser mencionadas diante da iminência do novo marco legal do setor, em tramitação já há algum tempo nas casas legislativas do país. 33 Atualmente, o marco legal da mineração é o Código Mineral de 1967 (Decreto lei 227/67). Segundo Feigelson (2012), o Código de Mineração foi concebido em um cenário político e econômico totalmente avesso à situação atual do país, onde a centralidade e a falta de liberdade do regime ditatorial influenciaram, de certa maneira, as leis e o referido diploma legislativo. Na iminência de completar 50 anos, o Código Mineral está prestes a ser modificado mediante a proposta de lei n.º 5.807/13 que tramita nas casas legislativas do país. A argumentação, segundo Feigelson (2012), se sustenta em fatos de natureza econômica, jurídica e política, quais sejam, a evolução da tecnologia, o cenário globalizado, a economia mundial integrada, o avanço no campo da sustentabilidade e do meio ambiente em termos de legislação e o advento de um Estado Regulador na economia. Diante de tais fatos, o advento do novo marco regulatório da mineração surge como oportunidade de rever certas posições, de modo a se adequar com as novas situações e desafios do setor na atualidade. Segundo Feigelson (2012), vários são os objetivos visados pelo novo marco regulatório da mineração, dentre eles, o fortalecimento da ação do Estado no processo regulatório – prevê o surgimento de novos atores como a ANM e o CNPM -, o estímulo para a maximização do aproveitamento das jazidas, a prevenção de questões de saúde, a segurança das minas e o controle ambiental, até o encerramento da atividade de mineração. Além disso, o projeto visa tornar o setor mineral mais atrativo e competitivo, de modo a atrair investimentos e elevar a competitividade entre as empresas de mineração e fomentar a agregação de valor na cadeia produtiva mineral. Por fim, visa incentivar a mineração formal e contribuir para o desenvolvimento sustentável. Por outro lado, Bustamante (2014) afirma que, ao contrário do que o Governo Federal Brasileiro argumenta, o novo marco mineral deverá afugentar os possíveis investidores, seja pela redução do ganho líquido das empresas - com a mudança da base de cálculo da CFEM – elevando a receita dos estados e municípios, seja pelo desestímulo à pesquisa mineral com a extinção do “direito de prioridade”.19 19 Luiz Alberto C. Bustamante (2014) alega que o aumento da arrecadação da CFEM provocará o fechamento de empreendimentos minerais cujos custos já estão próximos às cotações dos minérios, com a consequente perda de empregos, de geração de riqueza e de arrecadação. Por outro lado, em relação à extinção do atual sistema de “direito de prioridade”- ou seja, da mudança radical proposta para o sistema de outorga de títulos minerários – algumas considerações devem ser feitas. Resumidamente, no sistema atual, o direito de prioridade significa quem requer primeiro, atendidos certos requisitos burocráticos, ganha o título minerário. Trata-se de um regime de “autorização e concessão”. O novo marco mineral substitui tal regime pelo sistema de licitação, para as áreas selecionadas pelo Conselho Nacional de Pesquisa Mineral (CNPM), órgão a ser criado, e pela chamada pública, quando o particular formalizar interesse nas áreas restantes. Tal fato vai na 34 O novo marco da mineração é, portanto, alvo de muitos dissensos. O projeto de lei tramita nas casas legislativas desde 2011 e ainda não se sabe quando realmente será aprovado. A demora em concretizar o marco legislativo gera prejuízos no setor, devido ao caráter especulativo que se revestiu. Desde novembro de 2011 as outorgas de autorização para pesquisa mineral (alvará de pesquisa) e liberação de novas concessões para abertura de minas (portaria de lavra) para a exploração de novas jazidas minerais no país estão suspensas. A suspensão trouxe instabilidade e incerteza para a mineração e prejudica investimentos.20 2.4 UMA ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS DA LEI FEDERAL N. 9.433/97 Crise hídrica ou crise de gestão? É com esse questionamento que “O ambientalista cético” (LOMBORG, 2002) instiga o leitor a discernir se o problema da escassez de água no mundo é proveniente da falta de chuvas e das mudanças climáticas ou da ausência de uma governança adequada. A Lei Federal n.º 9.433/1997, diploma que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), é a primeira legislação pós-1988 que trata da gestão hídrica no Brasil.21 Editada nos anos 1997, para que seja possível entendê-la é preciso recordar a legislação pátria referente a água sem desconsiderar os eventos no âmbito internacional ocorridos a partir dos contramão da legislação minerária da maioria dos países mineradores como a Austrália, Canadá, México, Chile, Peru entre outros, devido ao incentivo que representa ao empreendedorismo no setor mineral. O fato é que a prospecção mineral é uma atividade de baixo índice de sucesso - a cada 1.000 trabalhos de prospecção mineral, somente um resulta em uma descoberta comercial - e, antes da empresa solicitar a autorização de pesquisa mineral, geralmente fazem uma sondagem na área de interesse, com o uso de expertises no assunto. Para tal, são investidos tempo e dinheiro para uma atividade de alto risco. E o fazem porque tem garantida a preferência devido a autorização de pesquisa. Com o novo marco mineral, não havendo o chamado “direito de prioridade”, será que as empresas estão dispostas a investir, se não têm a certeza da autorização para pesquisar? Quem exercerá a atividade de prospecção? Extinto o regime de prioridade, segundo o referido autor, haverá o refluxo das empresas privadas de prospecção e pesquisa mineral. Restará ao Serviço Geológico do Brasil, empresa pública, para correr o risco de buscar novas áreas promissoras para a mineração. Outras indagações surgem: Será que a CPRM conseguirá realizar a tarefa sozinha em um país de dimensões continentais? Qual o custo? O Estado assumirá mais um encargo em detrimento de outros investimentos nos setores da educação, saúde e segurança, por exemplo? 20 Segundo a ADIMB (2012), dois grandes projetos de mineração na área de minério de ferro, - o da empresa
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