Buscar

DireitosConstitucionaisAgua-Dantas-2015

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO 
CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
FABIANE MARIA DANTAS 
 
 
 
 
 
OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS A ÁGUA E AO DESENVOLVIMENTO 
EM UM CONTEXTO DE ESCASSEZ: O CASO DE CURRAIS NOVOS/RN 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL-RN 
2015 
FABIANE MARIA DANTAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS A ÁGUA E AO DESENVOLVIMENTO 
EM UM CONTEXTO DE ESCASSEZ: O CASO DE CURRAIS NOVOS/RN 
 
 
 
 
Dissertação apresentada como requisito para 
obtenção do título de Mestre em Direito. 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 
Programa de Pós-Graduação em Direito. Área 
de concentração em Constituição e Garantia de 
Direitos. Linha de pesquisa “Constituição, 
Regulação Econômica e Desenvolvimento”. 
 
Orientadora: Prof.ª Dr.a Patrícia Borba Vilar 
Guimarães. 
 
 
 
 
NATAL-RN 
2015 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FABIANE MARIA DANTAS 
 
 
OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS A ÁGUA E AO DESENVOLVIMENTO 
EM UM CONTEXTO DE ESCASSEZ: O CASO DE CURRAIS NOVOS/RN 
 
 
Dissertação apresentada como requisito para 
obtenção do título de Mestre em Direito. 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 
Programa de Pós-Graduação em Direito. Área 
de concentração em Constituição e Garantia de 
Direitos. Linha de pesquisa “Constituição, 
Regulação Econômica e Desenvolvimento”. 
 
 
Dissertação aprovada em: ___ /___ / 2015 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
_______________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Patrícia Borba Vilar Guimarães 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
(orientadora) 
 
_______________________________________ 
Prof. Dr. Robson Antão de Medeiros 
Universidade Federal da Paraíba 
(examinador externo) 
 
_______________________________________ 
Prof. Dr. Yanko Marcius de Alencar Xavier 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
(examinador interno) 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço a minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Patrícia Borba Vilar Guimarães, pelo 
incentivo, pela atenção, por acreditar no meu potencial. Por todas as vezes que seu “[...] e vamos 
em frente!” foi luz e esperança para esta sertaneja. 
Agradeço ao meu filho Isaías, ouvinte e crítico leigo quando eu mais precisava de uma 
palavra e por entender a necessidade da minha ausência. À minha filha Sarah Maria, pelo 
constante e diário aprendizado. 
Agradeço aos meus familiares e amigos que verdadeiramente tomaram para si a 
conclusão desse trabalho. Agradeço ao meu chefe imediato, Dr. André Melo, pelo apoio e 
entendimento firmado da importância da qualificação do servidor. Aos colegas oficiais de 
justiça Vanda e Polion pelo auxílio nas minhas ausências. 
Meus agradecimentos a Lígia, Daniel, Tiago, Igor e demais funcionários da PPGD pelo 
acolhimento e atenção. Agradeço aos meus colegas de mestrado, em especial, a Hindenburg, 
Carmen, Victor, Heberto, Sheila e Januário pela convivência e pelas conversas produtivas. 
Agradeço e dedico esse trabalho a minha mãe Helena e a Deus por tudo. Por me fazerem 
acreditar que posso ir “Além do Horizonte”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Como um patuá à céu aberto, 
Um obelisco na serra me faz lembrar 
Que o seridoense é resistente 
E na persistência se segue o caminho, 
Mesmo que não se tenha ouvido 
Um recíproco “Dó-Ré-Mi”. 
 
RESUMO 
 
O trabalho em tela tem por objetivo analisar os direitos constitucionais à água e ao 
desenvolvimento em um cenário de escassez, a partir de uma base mineira – o município de 
Currais Novos. A cidade foi escolhida como objeto de pesquisa, não de forma aleatória. Currais 
Novos foi e ainda é referência na extração de scheelita, sendo considerada, no século passado, 
possuidora de uma das maiores minas do mineral na América Latina. Por outro lado, no começo 
dos anos 2014, o município em estudo foi palco de manifestação popular denominada SOS 
Adutora Currais Novos devido a iminência de colapso hídrico na cidade, não havendo planos 
emergenciais para sanar a falta de água. Logo, a reivindicação pela construção de uma adutora 
foi a alternativa mais viável para solucionar a escassez. Assim, o estudo se desenrola sob dois 
ângulos: a água como imprescindível para a manutenção da vida e, também, indispensável à 
indústria, em particular, à produção mineral. Por outro lado, observa-se que o Governo do 
Estado do RN mantém projetos que estimulam a industrialização do interior do estado. Uma 
vez constatada a escassez e a presença de movimentos populares em prol do acesso à água, 
questiona-se qual o tipo de desenvolvimento pretendido para o município em estudo. Fazendo-
se analogia à obra do economista Amartya Sen, a água é considerada como sendo liberdade 
substantiva e instrumental, ou seja, direito inerente ao ser humano e instrumento capaz de 
impulsionar outros direitos ou liberdades. Nessa mesma esteira, fala-se em sustentabilidade – 
liberdade sustentável - como o objetivo a ser alcançado. Assim, o trabalho é desenvolvido na 
perspectiva de abrir discussões sobre a utilização da água para consumo humano e como meio 
propulsor de desenvolvimento (como insumo na indústria mineral), sob o prisma da 
sustentabilidade. Logo, inevitável a inserção do tema na órbita constitucional. 
 
Palavras-chave: Água. Mineração. Direito. Desenvolvimento. Sustentabilidade. Currais Novos. 
 
 
ABSTRACT 
 
The present work aims to analyze the constitutional rights to water and development in a 
shortage scenario, from a mining base - the city of Currais Novos. The city was chosen as the 
object of research, not randomly. Currais Novos was and still is reference in scheelite 
extraction, being considered in the last century, possessing one of the largest scheelite mine in 
Latin America. On the other side, in the early 2014, the municipality under study was popular 
demonstration stage called SOS Aqueduct Currais Novos due to imminent collapse of water in 
the city, with no contingency plans to remedy the lack of water. Therefore, the claim by building 
a pipeline was the most viable alternative to solve the shortage. Thus, the study unfolds from 
two angles: the water as indispensable for the maintenance of life and also essential to industry, 
in particular, the mineral production. On the other hand, it is observed that the RN State 
Government maintains projects that stimulate industrialization in the state. Once verified 
shortages and the presence of popular movements for access to water, wonders what type of 
proposed development for the municipality under study. Making up the analogy of the 
economist Amartya Sen work, water is considered to be substantive and instrumental freedom, 
ie right inherent to human beings and instrument to boost other rights or freedoms. In this same 
vein, there is talk of sustainability - sustainable freedom - as the goal to be achieved. So the 
work is developed in the context of opening discussions on the use of water for human 
consumption and as a means of propelling development (as input in the mining industry), from 
the perspective of sustainability. Soon, the inevitable topic of inclusion in the constitutional 
orbit. 
 
Keywords: Water. Minning. Right. Development. Sustainable. Currais Novos. 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
ADESE – Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó 
AESA – Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba 
ANA – Agência Nacional de Águas 
ANM – Agência Nacional de Mineração 
APP – Área de Preservação Permanente 
BM – Banco Mundial 
CAERN – Companhia de Águas e Esgotos do Estado do Rio Grande do Norte 
CBH – Comitê da Bacia Hidrográfica 
CBHPPA – Comitê da Bacia Hidrográfica Piancó-Piranhas-Açu 
CDL – Câmara de Dirigentes Lojistas 
CETEM – Centrode Tecnologia Mineral 
CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais 
CNPM – Conselho Nacional de Política Mineral 
CNRH – Comitê Nacional de Recursos Hídricos 
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente 
DNPM – Departamento Nacional de Política Mineral 
EIA – Estudo de Impacto Ambiental 
FIERN – Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte 
GMI – Global Mining Iniciative 
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração 
ICME – International Council on Metals and the Environment 
IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do 
 Norte 
IGARN – Instituto de Gestão das Águas do Estado do Rio Grande do Norte 
IICA – Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura 
MMA – Ministério do Meio Ambiente 
MME – Ministério de Minas e Energia 
MAC – Mining and Communities 
MMSD – Mining, Minerals and Sustainable Development 
MP – Ministério Público 
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil 
ONG – Organização Não Governamental 
ONU – Organização das Nações Unidas 
PAC – Plano de Aceleração do Crescimento 
PNMA – Plano Nacional de Meio Ambiente 
PNRH – Plano Nacional de Recursos Hídricos 
PRAD – Plano de Recuperação da Área Degradada 
PROADI – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Industrial 
PUA – Plano de Utilização da Água na Mineração 
PNM 2030 – Plano Nacional de Mineração 
RIMA – Relatório de Impacto Ambiental 
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e as Pequenas Empresas 
SEDEC – Secretaria de Desenvolvimento Econômico 
SEMARH – Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos 
SEPLAN – Secretaria de Planejamento 
SERHID – Secretaria de Recursos Hídricos 
SNGRH – Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos 
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste 
WBCSD – World Business Council for Sustainable Development 
WSSD – World Summit on Sustainable Development 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 11 
2 A ÁGUA COMO PROTAGONISTA DE LIBERDADES ........................................ 15 
2.1 O DIREITO À ÁGUA: A BUSCA PELA AFIRMAÇÃO DE UMA LIBERDADE ..... 16 
2.1.1 O cenário internacional ................................................................................................ 16 
2.1.2 O cenário nacional ........................................................................................................ 20 
2.2 A ÁGUA COMO LIBERDADE INSTRUMENTAL..................................................... 23 
2.3 MEIO AMBIENTE, MINERAÇÃO E ÁGUA: A NECESSÁRIA MISCIGENAÇÃO DE 
ENREDOS ...................................................................................................................... 29 
2.4 UMA ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS DA LEI FEDERAL N. 9.433/97 ........................ 34 
2.5 OS PRINCÍPIOS DA LEI 9.433/97 SOB O PRISMA DAS LIBERDADES ................ 44 
3 OS ATORES E SEUS PAPEIS: A ÁGUA E A MINERAÇÃO NO TABLADO DO 
DIREITO E DO DESENVOLVIMENTO .................................................................. 48 
3.1 OS RECURSOS NATURAIS NO PENSAMENTO ECONÔMICO ............................. 50 
3.2 A CONSTITUIÇÃO DO “TABLADO”: CONSIDERAÇÕES SOBRE DIREITO E 
DESENVOLVIMENTO ................................................................................................. 54 
3.2.1 Necessidade ou direito? Qual o papel da água no desenvolvimento? ....................... 58 
3.2.2 O papel da mineração “nos cenários” do desenvolvimento ...................................... 61 
3.3 A MINERAÇÃO E A ÁGUA NA BUSCA DA LIBERDADE SUSTENTÁVEL ........ 64 
3.3.1 A instrumentalidade da água na atividade mineradora ............................................ 71 
3.3.2 A preocupação do manejo da água como garantia de liberdade substantiva: o Plano 
de Utilização da Água na Mineração ........................................................................... 76 
4 ESTUDO DE CASO: A ÁGUA E A MINERAÇÃO NO CONTEXTO DA 
ESCASSEZ EM CURRAIS NOVOS/RN ................................................................... 80 
4.1 DEFININDO O CENÁRIO, ATORES E FIGURANTES: O ARRANJO AMBIENTAL, 
JURÍDICO E INSTITUCIONAL ................................................................................... 83 
4.1.1 O cenário e seu arranjo ambiental .............................................................................. 83 
4.1.2 O cenário e os protagonistas: o arranjo jurídico ....................................................... 86 
4.1.3 O cenário e os figurantes: o arranjo institucional ...................................................... 90 
4.2 O MOVIMENTO “SOS” ADUTORA CURRAIS NOVOS .......................................... 93 
4.2.1 A situação atual do município de Currais Novos: um ano após o Movimento SOS 
Adutora .......................................................................................................................... 95 
4.2.2 As repercussões do Movimento SOS Adutora Currais Novos e a análise jurídica . 96 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 102 
 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 109 
 
 
 
11 
1 INTRODUÇÃO 
 
Compartilha-se a ideia de que um dos papeis da Universidade consiste em pesquisar, 
diagnosticar problemas e encontrar soluções e alternativas que visem a melhorar a sociedade. 
Sem descartar o valor do direito comparado, as experiências, problemas e soluções alienígenas 
envolvendo a mudança de concepções, de sistemas jurídicos e de meios alternativos de solução 
dos litígios, é necessária, sobretudo, a valorização do aspecto regional: a importância de 
fomentar a pesquisa de modo a contribuir para o desenvolvimento local. 
Parafraseando Celso Furtado, é de maior importância que as Universidades do Nordeste 
se mobilizem na busca de soluções para os problemas que assolam a região. É a partir delas que 
se dispõe dos meios para dar continuidade e profundidade aos dissensos e efetividade aos 
resultados obtidos, bem como levar ao conhecimento da opinião pública informações retiradas 
do trabalho acadêmico que, com frequência, os centros de poder mantêm fora de toda 
visibilidade. 
Na organização do trabalho escrito, utilizou-se do lúdico, relacionando a dinamicidade 
do tema ao enredo de uma peça teatral com seus atos, cenários e atores. O teatro tem a 
possibilidade de utilizar o artífice dos cenários e personagens fictícios para exprimir enredos 
atuais, despertando o senso crítico através do lúdico, do drama e das várias vertentes que a 
criatividade humana possa emprestá-lo. 
No trabalho em tela, os cenários, atores e os enredos são reais. O trabalho, tal qual uma 
peça teatral, tem por finalidade contribuir para a abertura de diálogos sobre temas relacionados 
ao cotidiano das pessoas, o que inevitavelmente enseja a análise crítica. 
De modo particular, pretende-se analisar os direitos fundamentais à água e ao 
desenvolvimento a partir do cenário de escassez do semiárido nordestino, escolhendo-se para 
tal a cidade de Currais Novos, município do Seridó Potiguar, cuja história é marcada pela 
mineração como protagonista do desenvolvimento. O município também foi palco de 
manifestações pelo direito ao acesso à água no ano de 2014. As terras curraisnovenses também 
se encontram inseridas na rota da desertificação. 
No primeiro capítulo, a água é a personagem principal das discussões. Em razão disso, 
utilizou-se a expressão “protagonista”, para enfatizar o seu papel fundamental enquanto 
promotor de liberdades substantivas, ou seja, enquanto capacidade básica do ser humano; e 
como elemento propulsor de desenvolvimento, daí ter sido evidenciado o seu aspecto 
instrumental. 
Fala-se de liberdades em uma analogia à obra “Desenvolvimentocomo liberdade” do 
12 
economista indiano Amartya Sen. A água então é tratada como direito fundamental e como 
instrumento que aflora outras liberdades ou direitos. 
A primeira provocação se concretiza na indagação especulativa de se haver um direito 
à água. Diante de tal instigação, procurou-se mostrar o caminho percorrido no direito alienígena 
e seus reflexos no direito pátrio no que tange ao reconhecimento do direito à água como direito 
fundamental. Para tal, são narrados os diversos acontecimentos em âmbito internacional – 
fóruns, conferências, encontros – e suas posteriores repercussões no Brasil. 
À medida em que o enredo se desenrola, outros elementos vão adornando o tema como 
a escassez e a consequente privação de direitos, as migrações forçadas, os conflitos pela água, 
as desigualdades no seu acesso, buscando entrelaçar temas e acontecimentos de âmbito 
internacional com os ocorridos no Brasil. Como exemplo, cita-se a “corveia” observada no 
continente africano e a busca pela água no semiárido brasileiro: dois contextos unidos pela 
escassez e pela igual necessidade de se percorrer léguas para o acesso ao líquido precioso. 
A falta de água é frequentemente mencionada no trabalho como sinônimo de privação 
de liberdades e de oportunidades. Liberdades como sinônimos de direitos fundamentais; 
privação no sentido de tolher direitos e causar exclusão social, sugerindo evidente afronta a um 
dos objetivos da República Federativa do Brasil: erradicar a pobreza e a marginalização e 
diminuir as desigualdades sociais e regionais (art. 3.º, III, CF/88). 
Antes de adentrar no segundo capítulo, há o cuidado de relacionar o tema “água” com a 
atividade econômica escolhida – mineração – e o meio ambiente, de modo que o enredo não 
apresente quebra ou descontinuidade, em contínua evolução de pensamentos. 
Para tal empreitada, é evidenciada a necessária miscigenação dos temas, uma vez que é 
impossível falar de legislação hídrica e minerária sem remetê-las às considerações da legislação 
ambiental. Esta, por sua vez, foi consolidada de forma mais homogênea e sistemática a partir 
da lei n.º 6.938/81 com a regulamentação da Política Nacional do Meio Ambiente. Além disso, 
os órgãos administrativos (ANA, DNPM, MMA) se mostram interligados, havendo uma 
interação institucional inevitável. 
Na mesma esteira, são destacados dois pontos atuais e polêmicos que envolvem e 
confirmam tal porosidade: o Código Florestal, intrinsecamente ligado à questão hídrica e 
ambiental e as expectativas da aprovação do novo marco regulatório da mineração, seus prós e 
contras, inclusive os prejuízos já visíveis na demora da aprovação e os reflexos no 
desenvolvimento do setor mineral. Há ainda expectativas, em relação a este último, sobre 
dispositivos dedicados a uma “mineração sustentável”. 
No capítulo segundo, a água passa a ser coadjuvante no desenvolvimento. Este, 
13 
entendido como algo que vai além da mensuração econômica, abarcando a dimensão social. 
Assim, procura-se demonstrar algumas concepções de desenvolvimento as quais transcendem 
do mero crescimento econômico para um sentido mais amplo e inclusivo. O direito ao 
desenvolvimento alcançou o patamar constitucional, sendo ele um dos objetivos da República 
Federativa do Brasil (art. 3.º, II, CF/88). 
Aos poucos o presente trabalho vai modelando o cenário: relaciona o desenvolvimento 
com a economia, o direito e a sustentabilidade, preparando a discussão para o estudo de caso. 
É nessa perspectiva que se inicia a análise do papel dos recursos naturais no pensamento 
econômico, uma vez que foram as notícias sobre escassez dos recursos naturais – leia-se o 
relatório encomendado pelo Clube de Roma – , que provocou uma completa revolução no 
âmbito econômico em termos de pensamento. Destaca-se assim, a contribuição do economista 
Nicholas Georgescu-Roegen, grande expoente da época. 
Logo, a preocupação com o meio ambiente passa a tomar posição nos grandes encontros 
mundiais. O conceito de sustentabilidade é preconizado por Ignacy Sachs, assumindo a forma 
conceitual de “ecodesenvolvimento”. O desenvolvimento sustentável começa a ser disseminado 
no mundo, refletindo expressamente no Brasil de forma tardia, com a promulgação da 
Constituição Federal de 1988. O art. 225, caput, previsto em seu bojo, faz com que a 
Constituição tome para si a responsabilidade de garantir a sustentabilidade inter e 
intrageracional. 
A relação entre o desenvolvimento e o direito foi trazida à baila em uma perspectiva 
simbiótica, ou seja, a possibilidade de ser o direito propulsor de desenvolvimento, contribuindo 
a lei para gerar determinados comportamentos na economia. Para tal, enfatizou-se a evolução 
pedagógica de tal disciplina, atentando-se para a ausência de propagação dessa nova perspectiva 
do direito, já acolhida no bojo da Constituição Federal de 1988, porém pouco divulgada. 
Discute-se o papel da água e da mineração no cenário do desenvolvimento: aquela, ao 
se travar a discussão sobre ser, ou não, a água, direito ou necessidade, fato muito importante na 
análise do tipo de desenvolvimento que se pretende produzir; este, na perspectiva também da 
sustentabilidade, vez que a mineração é considerada de per si, uma atividade degradante. 
É com esse propósito que se iniciam os debates sobre a busca pela liberdade sustentável, 
em uma analogia aplicada às liberdades de Amartya Sen: uma “liberdade sustentável”, 
traduzida no presente trabalho como desenvolvimento sustentável. 
O Plano de Utilização da Água na Mineração e as discussões favoráveis à expansão de 
uma “mineração sustentável” foram tratadas com o objetivo de se vislumbrar novos horizontes 
para a atividade mineradora em termos de sustentabilidade. Para tal, são trazidas as 
14 
considerações de Maria Amélia Enríquez sobre desenvolvimento e mineração: ser a atividade 
geradora de maldição ou dádivas; e sobre os primórdios e avanços das ideias sobre 
sustentabilidade no campo minerário. 
No terceiro capítulo, uma vez expostas as teorias que firmaram o presente trabalho: 
Amartya Sen, Ignacy Sachs, Brian Tamanaha e autores como José Afonso da Silva, Paulo 
Bonavides e Paulo Affonso Leme Machado, monta-se o cenário na cidade de Currais 
Novos/RN, identificando os atos, atores e figurantes cujo enredo se desenrola na crise hídrica 
e na importância de uma atividade econômica sustentável. 
No estudo de caso, é possível visualizar os fatos e relacioná-los ao enredo proposto: a 
região é imersa na escassez, cuja população foi protagonista do movimento SOS Adutora 
Currais Novos com o objetivo de chamar a atenção das autoridades e da sociedade norte-rio-
grandense acerca da iminência do colapso hídrico do município; a cidade escolhida foi e ainda 
é referência na extração de scheelita, matéria prima do tungstênio, minério de utilização 
estratégica. 
Tanto a mineração quanto a água são necessários ao desenvolvimento da cidade. O que 
se propõe é identificar qual o tipo de desenvolvimento se pretende para o município estudado e 
se os direitos fundamentais a água e ao desenvolvimento são efetivados ou ignorados. 
Logo, como objetivo geral, o presente estudo pretende analisar a efetividade dos direitos 
constitucionais à água e ao desenvolvimento no município, objeto da pesquisa. Como objetivos 
específicos, verificar qual o tipo de desenvolvimento pretendido em Currais Novos, analisando-
se o papel das instituições envolvidas neste processo, e se há ações concretas com vistas a 
promovê-lo. 
Almeja-se com o presente trabalho, contribuir para o estudo do direito constitucional 
ambiental, com ênfase para a água e a mineração na esteira do desenvolvimento sustentável. 
Procura-se assim, despertar na comunidade acadêmica a importância de se produzir pesquisas 
e trabalhos na área, sobretudo no âmbito regional, de modo a mostrar que a Universidade tem 
por finalidade última à sociedade, identificando problemas,buscando soluções e questionando 
os papeis dos atores sociais envolvidos. 
 
 
 
15 
2 A ÁGUA COMO PROTAGONISTA DE LIBERDADES 
 
Água e liberdade. Dois vocábulos formalmente distintos, dois significados diversos. 
Porém, dependendo do contexto, ambas as palavras podem adquirir tal grau de afinidade a ponto 
de caminharem juntas, complementando-se mutuamente. 
Nessa esteira e em um cenário onde há privação de água, a liberdade pode ser 
visualizada de modo diverso: transcender o significado de mera privação de ir e vir e desdobrar-
se na oportunidade de ter acesso à água como direito inerente ao ser humano (sobrevivência) e 
como meio promotor de desenvolvimento (elemento propulsor de outras liberdades/direitos), 
sugerindo uma analogia às liberdades substantiva e instrumental, respectivamente, propostas 
por Amartya Sen (2013). 
Superar a privação de liberdade em uma paisagem de escassez de água é desafio 
constante na vida de milhares de pessoas espalhadas pelo mundo, privadas da mais elementar 
condição de sobrevivência: água potável para saciar a sede e suprir as necessidades básicas de 
higiene. 
Mesmo estando entre as Metas do Milênio adotadas pela ONU o compromisso de 
reduzir pela metade a percentagem de pessoas que não tem acesso a água potável, ou carecem 
de meios para obtê-la, o que se vê na literatura pertinente é que alguns países preferem dar 
precedência aos orçamentos militares do que ao investimento em políticas públicas de acesso à 
água e ao saneamento de suas populações (BARLOW, 2015). 
Na própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, verificam-se 
direitos que exaltam a vida, a saúde e a educação (art. 5.º, caput c/c/ art. 6.º caput da CF 88, 
respectivamente). Apesar de estar ligada a eles de forma indireta, a água não foi expressamente 
normatizada. 
A ausência de previsão legal instiga à especulação sobre se, de fato, há um direito 
humano à água. Diante de um cenário internacional onde a Declaração Universal dos Direitos 
do Homem e do Cidadão proclamada em 1948 omitiu o tema, Camdessus (et al, 2005, p. 57) 
afirma que, “a resposta das Nações Unidas é, no entanto, afirmativa sem a menor ambiguidade. 
Ela é bjeto [sic] de um texto de observação geral e particularmente detalhado”. O texto em 
comento foi elaborado pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Conselho 
Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), quando da sua 29.ª sessão, em Genebra, 
de 11 a 29 de novembro de 2002. 
No mesmo contexto, porém em intelecção diversa, Barbosa (2010) adverte que o Comitê 
Internacional, embora reconheça o direito de águas, não garante de forma jurídico-positiva no 
16 
documento, que a água é um direito fundamental da pessoa humana. Tal fato, reflete de maneira 
impositiva porque desestimula investimentos financeiros no âmbito de gestão hídrica, como 
também a inclusão do termo “água” nas cartas constitucionais dos países. 
Como explicar, portanto, o paradoxo entre a importância e o descaso? As previsões de 
escassez e, ao mesmo tempo, os atos que sugerem abundância? 
A qualidade e a quantidade do “ouro azul”, expressão metafórica utilizada para 
caracterizar a água sob o prisma econômico, é o novo desafio que se impõe para o século XXI 
e para as demais gerações que virão: o desenvolvimento aliado à sustentabilidade preconizada 
nas últimas décadas do século XX e absorvida, de modo particular, na Carta Política Brasileira 
de 1988 em seu art. 225, caput, e demais incisos. 
 
2.1 O DIREITO À ÁGUA: A BUSCA PELA AFIRMAÇÃO DE UMA LIBERDADE 
 
Os chamados direitos fundamentais, como a própria locução sugere, são direitos 
imprescindíveis ao indivíduo. Confundem-se com a chamada capacidade básica individual do 
ser humano ou liberdades subjetivas tais quais mencionadas por Amartya Sen em discurso que 
defende a liberdade como meio e fim do desenvolvimento (SEN, 2013). 
 
2.1.1 O cenário internacional 
 
Segundo José Afonso da Silva (2000, p. 177), os direitos inseridos nas Declarações de 
Direito correspondem a determinadas situações históricas, próprias da evolução da 
Humanidade, consubstanciados por determinadas condições (objetivas, reais ou 
históricas/subjetivas), motivos de seu surgimento. 
Embora seja interessante partir-se do estudo da teoria dos direitos fundamentais para se 
chegar a existência de um possível elo entre a discussão e o tema proposto – água – não é objeto 
de estudo um debate mais acurado sobre o tema. Em outras palavras, não se pretende aprofundar 
a discussão sobre teorias doutrinárias que melhor defina o status de tais direitos, nem tampouco 
analisar, de forma profunda, as Declarações de Direitos, pensamentos e filosofias que 
circundaram o assunto no limiar do tempo. 
Não desprezando a importância da análise histórica, o objetivo é menos pretensioso 
porém, não de menor valia: refletir sobre a existência de um direito fundamental – direito de 
acesso à água – que não se encontra elencado no respectivo rol da Constituição de 1988 mas 
que, por seu valor e características inerentes aos dos direitos chamados de fundamentais, possa 
17 
ser considerado como tal e, ao mesmo tempo, reconhecido como instrumento de garantia de 
outros direitos. 
Portanto, é satisfatório para o estudo em tela compreender que a essência de tais direitos 
insculpidos nas Declarações são frutos do pensamento político, moral e social do século XVIII. 
Eles foram refletidos inicialmente nos preâmbulos das Constituições, e, após, inseridos no 
próprio bojo das Cartas Constitucionais, sendo revestidos de concretude, positivados 
constitucionalmente, assumindo caráter particular conforme as subjetividades de cada povo 
(SILVA, 2000, p. 179). 
É interessante salientar que o caminho percorrido para o reconhecimento dos direitos 
fundamentais data do século XVIII. Inicialmente, as declarações de direitos assumem uma 
roupagem solene, sendo proclamados em documentos dotados de abstração e universalidade – 
caso da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789 – ou concretude 
e especificidade – caso da Declaração da Colônia Americana de Virgínia, em 1776 – sendo 
fruto de situações singulares (SILVA, 2000). 
 Na perspectiva de se recordarem fatos pretéritos, porém, sem a intenção de aprofundar 
o assunto, lembra-se da Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia em 1776. Ela serve 
como exemplo, ao ser considerada como a precursora das Declarações de Direitos no sentido 
moderno (SILVA, 2000). A Constituição Americana, datada de 1787, apesar de não incluir 
uma Carta de Direitos acabou por acolhê-la, sendo a Declaração de Direitos inserida por ocasião 
das dez primeiras emendas da Constituição de Filadélfia, em 1791. 
Na mesma esteira, tem-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França 
em 1789, a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado na Rússia de 1918, até a 
proclamada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1948, esta considerada, 
segundo Paulo Bonavides (2013, p. 592), como um marco onde “o humanismo político da 
liberdade alcançou seu ponto mais alto no século XX”. A intelecção desse percurso é 
imprescindível para o entendimento da recepção dos direitos fundamentais nas constituições 
vindouras. 
Ainda, segundo Paulo Bonavides (2013, p. 593), comete um equívoco aquele que vê no 
valor das Declarações dos Direitos Humanos uma noção abstrata, metafísica, ideal, fruto de 
uma ideologia. Na verdade, o valor das Declarações dos Direitos Humanos é fundamental para 
se explicar a essência das Constituições e dos tratados, os quais compõem as duas faces do 
direito público: a interna e a externa. 
Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, observa-se um novo 
tempo na seara jurídica onde a dignidade da pessoa humana é proclamada como base da 
18 
liberdade, da justiça e da paz (SILVA, 2000, p.167). Dentre os trinta artigos que reconhecem 
os direitosfundamentais do homem estão a dignidade, a igualdade, o direito à educação e o 
direito à vida. Por ora, basta elencá-los para que seja possível construir um elo com a 
protagonista do enredo proposto – a água – inseri-la na esfera jurídica, e defendê-la como 
possível integrante dos direitos elevados ao status de “fundamentais”. 
O problema enfrentado pelas Declarações de Direitos é a garantia de sua eficácia. E, em 
se tratando de Declaração Universal, as adversidades são mais complexas porque não dispõem 
de um amparo próprio que a faça ter força normativa, verificando-se um considerável 
desrespeito às suas normas, sendo sua inobservância, mais regra do que exceção (SILVA, 2000, 
p. 169; BONAVIDES, 2013, p. 597). 
Verifica-se que as questões ambientais, sobretudo as que se referem a água, também 
caminham na mesma direção. Basta enumerar os encontros, fóruns, conferências internacionais, 
onde a retórica é dominante, porém, as ações escassas. Camdessus (et al, 2005, p. 76) na mesma 
esteira de discussões mostra que, apesar do grande número de organizações e estruturas que se 
encontram gravitando na órbita de atuação das Nações Unidas, nenhuma delas é dedicada a 
água. Todas se interessam pelo assunto, metas são traçadas, papeis definidos, porém ninguém 
quer ser responsável. 
A primeira manifestação internacional em torno do assunto “meio ambiente” foi a 
proporcionada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada 
em Estocolmo nos anos 1972. Embora se tratasse de uma conferência em torno dos recursos 
naturais, a água evidentemente foi incluída. Assim, o evento representou o ponto de partida 
para o estabelecimento de discussões sobre a água, sendo ela inserida na agenda dos organismos 
internacionais. 
Apesar de incluída nas rodas de negociação de maneira ainda muito tímida, a retórica 
sobre a água toma mais dimensão e consistência, havendo um capítulo dedicado a ela, na 
conferência ocorrida nos anos 1977 em Mar Del Plata. Fala-se não somente da importância da 
preservação das águas doces, mas também da conservação das águas marinhas e seu 
ecossistema, inclusive da possibilidade de se criar uma simbiose estratégica entre preservação 
do recurso natural água e as políticas de desenvolvimento social.1 
Nos anos 1992 dois eventos internacionais encontraram-se em pauta: a Conferência 
Internacional sobre a Água e Meio Ambiente em Dublin, na Irlanda, e a ECO 92 (também 
 
1 Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/cap18.pdf>. Acesso em: 
24 abr. 2015. 
19 
chamado de Rio 92). Em 1997, foi criado pelo Conselho Mundial da Água o I Fórum Mundial 
da Água em Marrakech, no Marrocos. O objetivo da realização dos Fóruns Mundiais da Água 
foi despertar a consciência sobre os problemas diretamente relacionados a esse recurso natural 
(BARBOSA, 2010). 
Apesar dos debates internacionais acerca do tema, não se observa o propósito de 
encaminhar a discussão sobre a existência de um direito fundamental humano – direito à água 
- para o âmbito jurídico. Embora a obviedade seja evidente, o que se verifica inicialmente é a 
ausência de iniciativa para enfrentar o assunto e buscar uma tutela jurídica para esse recurso 
natural e ambiental, seja nas entrelinhas dos tratados internacionais, seja no bojo das 
Constituições dos países (BARBOSA, 2010, p. 42). 
Os chamados Fóruns de Água Global – Fóruns Mundiais da Água - criados em 1997 
assumiram grau de importância significativa, superando até mesmo os encontros promovidos 
pelas Nações Unidas. Realizados em um intervalo de três anos, são promovidos pelo Conselho 
de Água Mundial, grupo internacional de estudos sobre políticas relativas à água. 
Embora à primeira vista a iniciativa e a multiplicação dos Fóruns Mundiais da Água 
representassem uma iniciativa salutar em despertar a consciência para os problemas da água, 
Barlow (2015, p. 31) adverte que o Conselho de Água Mundial e promotor desses grandes e 
influentes encontros mundiais é composto, em sua maioria, por “corporações de engenharia e 
água, associações da indústria da água e bancos de investimentos”. 
Na mesma esteira, Freitas (2011, p. 24) traz notícias do IV Fórum Mundial da Água 
realizado entre os dias 16 a 22 de março de 2006, na cidade do México. 
 
Os participantes do evento e membros de ONGs internacionais criticaram a 
participação das empresas e instituições financeiras no Fórum, alegando que 
a discussão sobre a água concentrou-se somente na visão empresarial e não 
como um direito humano fundamental. 
 
Ressalta Maude Barlow (2015, p. 32) que “em todos os encontros desde a sua criação 
em 1997, o Fórum Mundial da Água recusou-se diretamente a reconhecer o direito à água na 
declaração ministerial que é publicada no último dia”. 
O caráter privatista com que se revestiram os Fóruns Mundiais da Água forçou o 
surgimento de iniciativas capazes de focalizar a água como bem público e integrante do 
patrimônio comum mundial, que deve ser garantido na sua quantidade e qualidade a todas as 
pessoas sem quaisquer distinções e reconhecido como direito humano. 
Assim, surgiram fóruns populares alternativos, frutos de movimentos criados dentro dos 
20 
próprios fóruns oficiais, em meio às críticas da influência corporativa disseminadas nos 
bastidores dos encontros. Uma vez a água reconhecida como direito humano após a edição de 
duas resoluções da Organização das Nações Unidas – a resolução de 28.07.2010 e a de 
30.09.2010 – e ratificadas com a declaração oficial da Rio+20 – O Futuro Que Queremos – 
agora o desafio é outro: garantir a implementação do direito à água para todos. 
 
2.1.2 O cenário nacional 
 
As Declarações de Direitos no cenário internacional refletiram no direito pátrio. 
Verifica-se que, no Brasil, a Constituição Imperial de 1824 não só absorveu como foi a primeira 
do mundo a acolher os ideais alienígenas, promovendo a subjetivação e positivação dos Direitos 
do Homem, e não à da Bélgica de 1831 como fora defendido (SILVA, 2000, p. 174). Nas demais 
Constituições que se seguiram, o fenômeno perdurou, promovendo inclusive o surgimento de 
outros direitos: os direitos de nacionalidade, os direitos políticos, os direitos econômicos e 
sociais (SILVA, 2000, p. 175). 
Na Carta Política de 1988, o direito à vida figura como direito fundamental, seguindo a 
tradição das cartas pretéritas. O que é importante destacar é a inovação trazida pelo artigo 225 
e parágrafos, onde se dispõe sobre o direito ao meio ambiente são. 
Apesar disso, em nenhuma das cartas constitucionais brasileiras observa-se 
expressamente a menção da água como direito. Em uma interpretação extensiva, poder-se-ia 
dizer que a água é elemento que se insere na órbita dos direitos proclamados fundamentais, 
além de instrumento de concretização de outros direitos. Porém, o reconhecimento da 
viabilidade hermenêutica esbarra na ausência expressa de positivação: 
 
O direito positivo internacional e os ordenamentos jurídicos internos de 
diversos países desconsideram a água como direito fundamental da pessoa 
humana porque advogam a tese de que esta interpretação extensiva é por 
demais vaga e desprovida de positivação, ou seja, afirmam que não existe um 
artigo explícito que considere a água como direito supremo (BARBOSA, 
2010, p. 43). 
 
Na Constituição Brasileira de 1988, a água encontra-se inclusa nos bens da União e dos 
Estados (art. 20, inc. III; art. 26, inc. I, respectivamente). Nas Cartas Constitucionais anteriores 
a de 1988, não se observa a preocupação de se estabelecer uma política voltada para a água, 
prevendo instrumentos de implementação e gestão hídrica como a trazida pela Lei n.º 9.433/97. 
Desde a Constituição do Império de 1834 o que se nota é o interesse em regulamentar o direito 
21 
de uso da água, a competência legislativa, e a determinadas situações que envolviam a 
propriedade(ANTUNES, 2002). 
O advento do Código de Águas de 1934 fora justificado porque a legislação já se 
encontrava inócua, não mais correspondendo às necessidades e os interesses da coletividade 
nacional. Na época era necessária uma legislação adequada ao controle e incentivo do 
aproveitamento industrial das águas, em particular, à exploração da energia hidráulica 
(POMPEU, 2010, p. 138). 
O Código de Águas representa um marco importante na época, sendo considerado, 
dentre as leis de água, uma das mais completas. Os princípios que circundam suas normas são 
invocados em diversos países como paradigmas a serem seguidos. Como exemplo, o princípio 
poluidor-pagador previsto em seus artigos 111 e 112 foram introduzidos como novidade na 
Europa, na década de 70 (POMPEU, 2010, p. 143). 
Por outro lado, o Código de Águas, sob o ponto de vista da eficácia, não obteve o 
respaldo que merecia devido à falta de interesse político, pois que muitos de seus dispositivos 
se abrigavam em posteriores regulamentações, as quais não foram concretizadas (POMPEU, 
2010, p. 143). 
Embora o Código de Águas tenha sido apontado como vanguardista (POMPEU, 2010), 
outros doutrinadores como CARVALHO (1986); GRANZIERA (1993), apud FREITAS (2010, 
p. 20) enfatizam que a grande importância do referido diploma se deve a inovação trazida sobre 
o aproveitamento do potencial hidráulico, o que garantiu sua importância, apesar dos 
“insucessos de ordem material e adjetiva”. 
Assim, o Código de Águas não previu a possível positivação da água como direito, 
sendo reflexo de uma política desenvolvimentista que começava a ser implantada no país a qual 
buscava amparo jurídico para seus interesses (GRANZIERA, 1993 apud FREITAS, 2011, p. 
20). 
Em 1997, ou seja, 63 anos da vigência do Código de Águas é promulgada a lei da 
Política Nacional de Recursos Hídricos. Não há expressamente um direito à água, mas 
instrumentos e diretrizes que deverão nortear a gestão hídrica. 
Diante da exposição dos fatos, muitos questionamentos podem ser formulados. Apesar 
da importância da água na manutenção da vida, o que se constata é a sua preterição no rol dos 
direitos fundamentais, sendo ultrapassada por exemplo, pelo direito à vida, à saúde e à 
educação. 
Embora seja evidente a ausência de norma que defina o direito à água, há de lembrar 
que, na seara jurídica, as possibilidades de normatização não se esgotam nas regras insculpidas 
22 
nos códigos. Para as lacunas verificadas na lei, o próprio Código Civil busca amparo na 
analogia, nos costumes e nos princípios gerais de direito; estes últimos, elevados ao status 
constitucional após uma longa trajetória na busca pela força normativa.2 
Acolhido aqui o entendimento de Ávila (2014), regras e princípios são igualmente 
normas. Os dispositivos são objeto da interpretação; as normas, o resultado. As normas são 
interpretações construídas a partir da intelecção sistemática de textos normativos. Não há 
necessariamente uma obrigatoriedade que norma e dispositivo devam se corresponder. 
Portanto, em alguns casos, haverá norma sem que exista um dispositivo que lhe corresponda. 
Tal assertiva deve ser aplicada ao caso da água: embora não exista dispositivo pátrio 
que garanta sua positivação, ela encontra-se presente na intelecção sistemática de textos 
normativos pertinentes, de princípios constitucionais que a acolhe, sobretudo por sua 
peculiaridade em ser condição para a vida, sendo a vida direito fundamental do ser humano. 
Por ser elemento da vida e, a vida, devidamente agasalhada pela Constituição da República 
Federativa do Brasil de 1988, porque não elevar a água ao mesmo status constitucional? 
Sabe-se que a água precede à vida, à saúde, à educação. Tais direitos são elencados 
como fundamentais. Se a água é sine qua non para a manutenção da vida, ela é direito 
fundamental do ser humano. Tal entendimento deve ser cristalizado na seara jurídica pátria bem 
como no direito alienígena. 
Apesar da inexistência de menção sobre o direito à água na Declaração dos Direitos do 
Homem datado de 1948, as Nações Unidas ratificaram o entendimento da sua existência por 
ocasião da 29.ª sessão do Comitê dos direitos econômicos, sociais e culturais do Conselho 
Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), em Genebra, de 11 a 29 de novembro de 
2002 (CAMDESSUS et al, 2005). 
Ao se falar, por exemplo, da necessidade de uma reserva hídrica capaz de garantir água 
para as pessoas com menor poder aquisitivo, o direito à água deve ser garantido sob pena de 
afronta ao princípio da dignidade humana e ao direito à vida. 
Freitas (2011, p. 25) demonstra preocupação ao afirmar que a privatização da água pode 
levar a negativa desse bem aos carentes de recursos financeiros. Além de indispensável à 
sobrevivência, o acesso à água deve ser resguardado sob pena de ofensa ao princípio 
constitucional da inviolabilidade do direito à vida. 
Para que exista a devida proteção do acesso à água por todos, os órgãos responsáveis 
 
2 Paulo Bonavides explica bem a trajetória que seguiram os princípios gerais de direito na busca pela 
normatividade, culminando com a elevação de tais princípios ao status constitucional. 
23 
pela gestão – Agência Nacional de Águas e suas sucursais espalhadas pelos estados – deverão 
deixar bem claro tal aspecto, ao concederem direitos de exploração. Para tal, é preciso rever 
situações em que a quantidade de água utilizada beire à insignificância e nada se cobre por sua 
utilização (FREITAS, 2011). 
Logo, a violação do direito à água é violação do direito à vida; e, em um cenário de 
escassez de água, onde a população vulnerável é aquela menos provida de recursos financeiros, 
os “órfãos da água” ficam à mercê da boa vontade política e divina.3 
 
2.2 A ÁGUA COMO LIBERDADE INSTRUMENTAL 
 
Uma vez ratificada a água como liberdade substantiva, capacidade básica do ser humano 
e considerada direito fundamental, o que se propõe agora é analisá-la sob outro aspecto: ser a 
água liberdade instrumental; meio no qual seja possível a expansão de outras liberdades que 
proporcionarão ao indivíduo a almejada “liberdade global” sugerida por Sen (2013). 
Debruçando-se sobre os escritos de Sen (2013), há a identificação de cinco liberdades 
instrumentais as quais não constituem um rol taxativo, mas exemplos dentre muitas outras 
enfatizadas como meio de expansão das demais liberdades. 
Assim, as liberdades políticas, as facilidades econômicas, as oportunidades sociais, as 
garantias de transparência e a segurança protetora são exemplos de liberdades instrumentais 
que contribuem para o alcance de uma liberdade global, traduzida em capacidade que indivíduo 
adquire de viver melhor e mais livremente. As liberdades instrumentais não convivem de forma 
isolada mas se complementam em uma perfeita sinergia. 
Na análise da Lei n.º 9.433/97 (BRASIL, 1997), que versa sobre a Política Nacional de 
Recursos Hídricos, utilizou-se da conveniência de discorrer sobre várias dessas liberdades, 
associando-as com dispositivos legais. No entanto, poupou-se as chamadas oportunidades 
sociais – tipo de liberdade instrumental – de forma proposital, com o fim de promover sua 
afinidade com a água, entendida também como espécie de liberdade: meio e instrumento capaz 
de promover desenvolvimento humano. 
Segundo o sentido denotativo do vocábulo, oportunidade significa algo propício, 
favorável, capaz de trazer benefícios. As oportunidades sociais segundo Sen (2013) são 
dispostas pela sociedade para influenciar e fazer efetivar as liberdades substantivas. É o caso, 
por exemplo, da população ter ao seu alcance serviços de saúde e educação de qualidade. Com 
 
3 SERTANEJOS agarram-se a fé. Disponível em: <http://tribunadonorte.com.br/noticia/sertanejos-
agarram-se-a-fe/217646>. Acesso em: 14 abr. 2015. 
24 
as pessoas alfabetizadase com capacidade de desenvolver seu senso crítico é possível melhorar 
as perspectivas do indivíduo de ser absorvido pelo mercado de trabalho, bem como revelar sua 
condição de agente, capaz de promover mudanças sociais a partir da comunidade em que vive. 
Por outro lado, havendo saneamento adequado – oferta de água encanada e tratamento 
adequado de esgotos – , os reflexos se observarão na melhora da qualidade de vida, porque a 
saúde encontra-se intimamente ligada à qualidade da água que é oferecida, e ao tratamento 
satisfatório de esgotos. Não havendo providências que contribuam para a efetivação de tais 
medidas, dificilmente o cidadão gozará de melhores condições de vida e bem-estar.4 
A Constituição de 1988 prevê que o Estado é responsável em promover várias dessas 
liberdades instrumentais. No capítulo II, que traz em seu bojo os denominados direitos sociais 
(BRASIL, 1988, art. 6.º), o Estado garante aos cidadãos brasileiros o direito à educação, à 
saúde, ao trabalho, à moradia, dentre outros. Os direitos sociais são liberdades instrumentais, 
ou seja, os meios de promoção das chamadas liberdades substantivas. 
Sabe-se que a água é imprescindível ao bom funcionamento dos serviços públicos e 
privados; ao desenvolvimento da sociedade. Não desconsiderando a importância da água nos 
outros setores da sociedade, sobretudo no comércio e na indústria, preferiu-se focar em alguns 
direitos sociais como saúde, educação, moradia e trabalho porque, além de fazerem parte do rol 
de liberdades instrumentais capazes de melhorar a chamada capacidade básica do indivíduo, 
são por ora suficientes para argumentar o raciocínio pretendido. 
Portanto, como visualizar o funcionamento dos estabelecimentos escolares e das 
unidades de saúde sem a presença de água? Como pretender residir em conjuntos habitacionais 
ou estar em ambiente laboral sem que haja o funcionamento adequado das instalações 
imprescindíveis à higiene e à dessedentação? 
Analisando a jurisprudência pátria pertinente ao tema, nota-se que em alguns julgados 
a água assume a condição de liberdade instrumental pois que se configura como meio para a 
realização de outra liberdade. É o que se observa na decisão proferida pelo Tribunal de Justiça 
do Estado do Maranhão5, onde a água foi considerada elemento indispensável à moradia. 
O entendimento do referido tribunal, no caso em tela, se baseia no princípio da dignidade 
 
4 Camdessus (et al, 2005) alerta que a má qualidade das técnicas de esgotamento e tratamento das 
águas servidas gera o aparecimento de doenças como a diarreia, vermes intestinais, a cegueira ligada 
ao tracoma, o cólera e a esquistossomose. 
5 Decisão proferida em grau de recurso, cuja ementa é a seguinte: Constitucional e Administrativo. 
Remessa necessária. Ação Civil Pública. Abastecimento de água de povoado. Direito fundamental à 
moradia. Dignidade da pessoa humana. Dever do município. Sentença mantida. (TJ – MA – REEX: 
0069282014 MA 0000293-10.2012.8.10.0126. Relator: JAMIL DE MIRANDA GEDEON NETO. 
Data de julgamento: 29/05/2014. TERCEIRA CÂMARA CÍVEL. Data de publicação: 16/06/2014). 
25 
da pessoa humana. O abastecimento de água se traduz em necessidade básica e deve ser ofertado 
aos administrados em geral como meio de concretização do direito constitucional à moradia, o 
qual somente se verifica quando ligado aos benefícios de ordem material, imprescindíveis para 
assegurar uma moradia digna. Dentre as benesses se inclui a água, cuja presença é garantia de 
uma infraestrutura mínima de bem-estar. Ao revés, a ausência de água impede a instalação das 
pessoas em suas casas, configurando-se uma afronta ao direito fundamental à moradia. 
Logo, o acesso à água na comunidade configurou-se condição para que as pessoas 
pudessem usufruir sua condição de habitante. Assim, a água reveste-se de instrumentalidade 
para proporcionar à população do caso particular, o direito fundamental à moradia. 
Outro julgado, agora em âmbito trabalhista, demonstra igualmente a instrumentalidade 
da água como imprescindível à realização de liberdades substantivas; no caso, às condições 
mínimas de trabalho. 
Segundo o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª região, a ausência de 
água potável e de condições sanitárias adequadas no ambiente laboral fere os direitos 
fundamentais do trabalhador: além da violação às normas básicas de higiene e saúde em geral, 
a ausência de água e de instalações sanitárias no ambiente de trabalho atinge a dignidade e a 
intimidade do trabalhador, acarretando o pagamento de indenização por danos morais6. 
A instrumentalidade da água também pode ser observada nas iniciativas de âmbito 
internacional. Reunidos em setembro de 2000 na cidade de Nova Iorque, na sede das Nações 
Unidas, 147 chefes de Estado proclamaram como objetivo em comum as Metas do Milênio7, as 
quais deveriam ser perseguidas até 2015. 
Camdessus (et al, 2005, p. 129) enfatiza que, apesar da água não constar claramente 
dentre os objetivos ratificados pelas nações signatárias, ela encontra-se nas entrelinhas, estando 
cada uma das Metas do Milênio “[...] em estreita dependência em relação aos progressos em 
matéria de água”. 
Assim, pode-se afirmar que a democratização do acesso à água é tê-la também como 
instrumento de concretização de outras liberdades; de concretização das metas a serem 
 
6 Decisão proferida em grau de recurso, cuja ementa é a seguinte: Danos morais. Condições precárias 
no ambiente de trabalho. (TRT – 3 – RO: 00289201314603009 0000289-20.2013.5.03.0146. Relator: 
LUIZ RONAN NEVES KOURY. Segunda Turma: Data de Publicação: 29/01/2014 28.01.2014. 
DEJT. Página 22. Boletim: Não). 
7 As Metas do Milênio são: reduzir a extrema pobreza e a fome; assegurar a educação primária para 
todos; promover a igualdade dos sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; 
melhorar a saúde materna; combater a AIDS, o impaludismo e outras doenças; assegurar um meio 
ambiente sustentável; estabelecer uma parceria mundial pelo desenvolvimento. Disponível em: 
<http://www.pnud.org.br/ODM.aspx>. Acesso em: 14 abr. 2015. 
26 
perseguidas no milênio que estaria por vir. 
Como já fora visto, os Fóruns Mundiais de Água se disseminaram a partir de 1997 como 
uma iniciativa do Conselho Mundial da Água. Dentro desses eventos, foi observado um 
“movimento internacional de justiça pela água” impulsionado por países do hemisfério sul, 
particularmente a América do Sul, e por vários países do hemisfério norte. 
O movimento que se criava e tomava corpo no interior dos Fóruns Mundiais da Água 
se caracterizou por ir de encontro às ideias disseminadas pelos organizadores do evento. Os 
argumentos sugeriam que havia grandes influências corporativas que pensavam mais na água 
como mercadoria do que como direito. O movimento tornou-se forte o bastante para 
impulsionar o surgimento de fóruns populares alternativos onde se luta para que a água fosse 
reconhecida como “patrimônio comum, um fundo público e um direito humano” (BARLOW, 
2015, p. 34). 
Maude Barlow (2015, p. 34) afirma que um dos argumentos dos fóruns populares 
alternativos, o qual competiu com os grandes Fóruns Mundiais da Água, foi a admissão de que 
a ausência de disponibilidade de água, em termos de quantidade e qualidade, e a falta de 
saneamento constituem um óbice à realização de outras obrigações de direitos humanos 
fundamentais já adotadas pela Organização das Nações Unidas. 
À medida que o direito à água vai se firmando pela sequência de resoluções e 
declarações internacionais vê-se a confirmação de que a água é liberdade substantiva e 
instrumental. Prova disso é a consideração do Comentário Geral n.º 15, adotado em 2002 como 
uma interpretação definitiva do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e 
Culturais. “Nele, o direito à água é chamadode um pré-requisito para a realização de todos os 
outros direitos humanos, ‘e indispensável para se levar uma vida com dignidade’” (BARLOW, 
2015, p. 34). Logo, a água é ratificada como liberdade substantiva e instrumental. 
Havendo escassez de água, há privação de liberdades. Falta de água é falta de 
instrumentalidade para a realização de outros direitos. Os problemas ocasionados pela escassez 
de água vão muito além das necessidades domésticas e de higiene humanas. Com a falta de 
água, serviços essenciais são prejudicados, desde as atividades escolares até a produção 
industrial. São questões também que invadem a esfera principiológica, pondo em xeque os 
princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, ambos previstos na Carta Magna 
Brasileira de 1988. 
A escassez não constitui problema observado em determinada parte do globo terrestre. 
Ela ultrapassa as fronteiras brasileiras encontrando-se em diversas partes do mundo 
(BARLOW, 2015). 
27 
O fenômeno da desertificação constantemente é associado à escassez. Conforme Barlow 
(2015, p. 25) “a desertificação está avançando rapidamente em mais de cem países por causa 
da extração excessiva dos rios e da água subterrânea e do avanço da mudança climática, 
mandando milhões de refugiados em busca dos santuários seguros”. 
Nem sempre “santuários seguros” são encontrados pelos “refugiados ambientais” ou 
refugiados da água. Ainda na esteira de Barlow (2015), países como o Brasil e o México estão 
sofrendo com os efeitos da desertificação. As populações diretamente envolvidas com o 
fenômeno, principalmente os trabalhadores do campo, são obrigados a migrarem para as 
periferias das grandes cidades8. 
Logo, as migrações forçadas pela escassez de água caminham na mesma esteira de 
exclusão social. Várias são as pessoas levadas a saírem de seu território de origem para buscar 
a sobrevivência em outros locais onde haja a presença de água, porém nem sempre com 
melhores perspectivas de vida. 
As migrações forçadas já constituíram e ainda constituem realidade principalmente no 
semiárido nordestino, havendo como um dos motivos a escassez de água9. As pessoas são 
compelidas à abandonarem seus lares, suas terras, por falta do mínimo de condições de 
sobrevivência10. 
Em determinadas sociedades africanas onde o costume ancestral impera como regra, às 
mulheres cabem o abastecimento de água na comunidade. São horas produtivas perdidas ao 
levar em consideração a possibilidade dessas mesmas mulheres aproveitarem seu tempo em 
outros afazeres capazes de promover suas liberdades substantivas: 
 
 
8 Maude Barlow (2015) menciona que, no Brasil, cerca de 600 mil quilômetros quadrados de terra são 
desertos. No México, todos os anos, 250 mil quilômetros quadrados de terras produtivas são 
transformadas em deserto. Os refugiados rurais gravitam para as favelas de Buenos Aires, São Paulo 
e cidade do México. 
9 CEARENSES relembram campos de concentração de retirantes da seca. Disponível em: 
<http://g1.globo.com/ceara/noticia/2015/03/cearenses-relembram-campos-de-concentracao-de-
retirantes-da-seca.html>. Acesso em: 14 ab. 2015. 
10 MUDANÇAS climáticas devem forçar migração de milhões de pessoas”. Disponível em: 
<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/10/mudancas-climaticas-devem-forcar-migracao-de-
milhoes-de-pessoas.html>. Acesso em: 06.04.2015. 
28 
Basta recorrer ao questionário por meio do qual as mulheres, em um meio 
semi-urbano no Níger, contam as consequências e os inconvenientes da 
corveia da água: perda de tempo e insuficiência da água conseguida (para 30% 
delas), doenças e ferimentos diretamente ligados à corveia, mãos feridas, 
dores nas costas, fadiga etc. De fato, é um elemento central de uma vida infra-
humana e de sua perpetuação na medida em que, muito cedo, com sua 
concordância ou não, as meninas abandonam a escola para acompanhar a mãe 
e assim ficam privadas das chances que a educação poderia proporcionar, ao 
menos para centenas delas, de escapar desse destino (CAMDESSUS et al, 
2005, p. 61). 
 
Assim, privadas de oportunidades como a chance de estudar ou de se ocupar tarefas que 
possam ajudar na sua condição econômica, as mulheres africanas seguem na corveia da água, 
realidade que faz lembrar de situações vivenciadas no semiárido nordestino quanto à busca por 
esse líquido precioso11. Embora se trate de culturas e personagens diferentes, ambas as 
realidades comungam um cenário comum de escassez onde é necessário procurar água, embora 
se percorra léguas para encontrá-la. 
Diante da exclusão que a escassez proporciona, não raro surgirem conflitos que 
envolvam a água. Os litígios se instalam em um estágio de “estresse hídrico” onde a “guerra 
por água” já é cena verídica observada tanto em terras do semiárido nordestino12 quanto no 
cenário internacional13. 
A escassez também induziu a valorização da água em termos econômicos. Como já 
exposto, no bojo da Lei n.º 9.433/97, consta como princípio a dimensão econômica que a água 
adquiriu (Brasil, 1997, art. 1.º, inc. II). O mercado da água cresce e, segundo Caubet (2011, p. 
33), “a exportação da água é um dos negócios mais promissores do início do século XXI”. 
A ausência de água, portanto, gera exclusão social, contrariando um dos objetivos 
fundamentais da República Federativa do Brasil que é erradicar a pobreza, a marginalização e 
 
11 COMUNIDADE cria nova cisterna. Disponível em: 
<http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/regional/comunidade-cria-nova-cisterna-
1.510601>. Acesso em: 01 abr. 2015. 
12 Segundo matéria veiculada no jornal Folha de São Paulo, na cidade de Limoeiro do Norte no estado 
brasileiro do Ceará, há notícias de que famílias de lavradores invadiram área federal para ter acesso 
à água de dutos que liga o rio Jaguaribe a plantações de milho, banana e soja. A tensão se instalou 
haja vista a iminência do fechamento das torneiras do duto e a possibilidade da produção ser 
prejudicada, induzindo, assim, um possível conflito entre os lavradores acampados e os produtores 
cujas plantações são beneficiadas com as águas do duto. Segundo o jornal, a área é conhecida por 
crimes de pistolagem envolvendo questões de terras. Disponível em: 
<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/09/1517676-disputa-por-acesso-a-agua-envolve-
ate-jaguncos-no-interior-do-ceara.shtml>. Acesso em: 04 abr. 2015. 
13 O livro “Água, oito milhões de mortos por ano. Um escândalo mundial” (CAMDESSUS et all, 2005) 
enfatiza que as Nações Unidas têm recenseadas mais de 300 situações de conflito envolvendo água 
no Oriente Médio, ao longo do rio Nilo, do Indo ou do Mekong. Os conflitos se instauram também 
até entre os Estados Unidos e o Canadá. 
29 
reduzir as desigualdades sociais e regionais (BRASIL, 1988, art. 3.º, III). Logo, os menos 
favorecidos são postos à margem da sociedade, enquanto aqueles que detém maior poder 
aquisitivo podem comprar água para suprir suas necessidades. 
No contexto de escassez, a privação de água constitui óbice para a realização de outras 
liberdades, promovendo a marginalização e a exclusão social de pessoas: seja deixando sua 
região para viver em outras localidades onde exista água, seja permanecendo em sua terra, 
submetendo-se às consequências da seca. 
 
2.3 MEIO AMBIENTE, MINERAÇÃO E ÁGUA: A NECESSÁRIA MISCIGENAÇÃO DE 
ENREDOS 
 
Segundo o art. 3º, III da Lei n.º 9.433/97, a gestão hídrica se dará em consonância com 
a gestão ambiental. De acordo com o Plano de Utilização da Água na Mineração – Resolução 
do CNRH n.º 55/2005, art. 3.º, parágrafo único – além da legislação pertinente à água, deverão 
ser observadas as legislações ambiental e minerária, não constituindo o PUA, instrumento capaz 
de eximir o empreendedor minerário das legislações referidas e pertinentes. 
A água e os bens minerais são recursos naturais. Como entendê-lossem a observância 
das leis que congregam a matéria ambiental? 
As questões ambientais em termos de legislação, no Brasil, vieram aflorar a partir dos 
anos 1980 como reflexos dos fatos ocorridos no âmbito internacional14. Segundo Maria Laura 
Barreto (2001), a evolução da legislação ambiental brasileira pode ser dividida em quatro fases. 
A primeira fase remonta ao início do século XX. A legislação produzida no período se 
mostra dispersa e pontual. Destinada a proteger os recursos naturais renováveis como a água, o 
solo, a fauna e a flora, além de regulamentar atividades que se baseavam nos recursos naturais 
– caça, pesca, extração vegetal, – a legislação também previa a proteção de direitos privados 
em conflitos de vizinhança15 (Barreto, 2001). 
São dessa fase o Código Florestal (Decreto Lei n.º 23.793 de 1934)16, o Código de Águas 
(Decreto Lei n.º 24.643 de 1934) e o Código de Pesca (Decreto Lei n.º 794 de 1938)17. 
Na segunda fase (década de 1960), a legislação brasileira se mostra como reflexo das 
 
14 Pode-se mencionar o Clube de Roma e o relatório encomendado ao MIT; a Conferência de Estocolmo 
e as que a sucederam. 
15 No mesmo sentido, ver José Afonso da Silva, Direito Ambiental Constitucional (2013, p. 38). 
16 Encontra-se atualmente em vigor o Novo Código Florestal (12.651 de 25 maio 2012). 
17 No que se refere ao Código de Pesca, o Decreto-lei 221, de 28 jan. 1967 instituiu o novo Código de 
Pesca o qual está atualmente em vigor. 
30 
influências trazidas do âmbito internacional, como a divulgação do relatório do Clube de Roma 
e os preparativos para a Conferência sobre o Meio Ambiente em Estocolmo. 
O conteúdo da legislação é destinado a prevenir e a regular os impactos ambientais e 
restaurar a qualidade do meio ambiente. Dessa fase destacam-se a Lei n.º 4.505/64 que trata do 
Estatuto da Terra; a Lei n.º 4.771/65 que substituiu o Código Florestal de 1934; a Lei n.º 
5.197/67 que trata da proteção da fauna; o Decreto Lei n.º 221/67 que fala da proteção e 
estímulos à pesca; o Decreto Lei n.º 50.877/61 que diz respeito ao lançamento de resíduos 
tóxicos nas águas interiores e litorâneas do país. 
Segundo Maria Laura Barreto (2001), a Política Nacional de Saneamento Básico 
(Decreto Lei n.º 248/67 e o Conselho Nacional de Controle da Poluição Ambiental (Decreto 
Lei n.º 303/67) resumem as linhas gerais da política ambiental da época. 
Nos anos 1970, a legislação mostrou-se preocupada com a poluição industrial. Vale 
salientar que o país passava pelo processo recente de industrialização, impulsionado na década 
de 60. Como exemplo da legislação da época, a qual traduz a política desenvolvimentista do 
período, tem-se o Decreto Lei n.º 1.413 de 14.08.1975, dispondo sobre o controle da poluição 
do meio ambiente provocada por atividade industrial; o Decreto 76.389 de 3.10.1975, dispondo 
sobre medidas de prevenção e controle da poluição industrial; e a Portaria do Ministério do 
Interior 13, de 15.01.1976, determinando as diretrizes para a classificação das águas interiores 
nacionais com base nas alternativas de consumo e dispondo sobre o controle da poluição 
(SILVA, 2013). 
Na terceira fase (anos de 1980), a visão fragmentada e setorial em termos de legislação 
ambiental foi substituída por um arcabouço mais integrado e holístico (Barreto, 2001). Assim, 
em 1981 surge a Política Nacional do Meio Ambiente. Outras leis foram promulgadas nesse 
período: Criação das Áreas de Proteção Ambiental (Lei n.º 6.902/81); Plano Nacional de 
Gerenciamento Costeiro (Lei n.º 7.661/88); Fundo Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 
7.797/89); Controle de Agrotóxicos (Lei n.º 7.802/89); a previsão da EIA/RIMA na resolução 
do CONAMA 1 de 1986 para todas as atividades elencadas por essa lei; a Ação Civil Pública 
de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, a bens de valor artístico, estético, 
históricos, turístico e paisagístico e dá outras providências (Lei n.º 7.347/85); 
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente foi elevado a 
bem jurídico constitucionalmente tutelado. Foi a primeira constituição a tratar deliberadamente 
da questão ambiental (SILVA, 2013, p. 49). 
Embora todo o seu texto contenha inferências sobre o tema, ainda que de forma 
31 
implícita, alguns dispositivos se referem expressamente sobre a matéria ambiental18. De modo 
particular e também pela pertinência com o presente estudo, destacam-se o artigo 225 e o artigo 
170, VI da CF/88. 
Sobre as Constituições anteriores a de 1988, José Afonso da Silva (2013, p. 49) afirma 
que “nada traziam especificamente sobre a proteção do meio ambiente natural. Das mais 
recentes, desde 1946, apenas se extraía orientação protecionista do preceito sobre a proteção da 
saúde e sobre a competência da União para legislar sobre água, florestas, caça e pesca”. 
Barreto (2001) ensina que a legislação brasileira se encontra em sua quarta fase desde a 
década de 1990. Procura-se revisar e aperfeiçoar a legislação, inserindo o conceito de 
desenvolvimento sustentável nas políticas pública e empresarial e na estrutura administrativa. 
As matérias ambiental, hídrica e mineral encontram-se inevitavelmente interligadas. 
Apesar de compartimentalizadas em seus respectivos arcabouços jurídicos e nas leis específicas 
que tratam de cada matéria, é imprescindível a simbiose porque água e minério são elementos 
componentes do meio ambiente natural, conforme expressa José Afonso da Silva (2013, p. 21): 
O meio ambiente natural ou físico é aquele “constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a 
flora; enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação recíproca entre 
as espécies e as relações destas com o ambiente físico que ocupam”. 
Na área infraconstitucional por exemplo, várias vezes a atividade mineradora se vê 
enquadrada na legislação ambiental. Exemplo é a Resolução do CONAMA 1, de 1986 a qual 
prevê a obrigatoriedade dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de 
Impacto Ambiental (RIMA), para todas as atividades que se encontram por ela elencadas; a 
mineração é uma delas. 
Outro exemplo é o Decreto n.º 97.632/89 que regulamenta o art. 2.º, inc. VIII da Lei de 
Política Nacional do Meio Ambiente. O Decreto determina que os empreendimentos que têm 
por finalidade a exploração de recursos minerais devem apresentar, juntamente com o 
EIA/RIMA, o Plano de Recuperação da Área Degradada (PRAD) os quais devem ser 
submetidos ao órgão ambiental competente. 
Em se tratando de matéria hídrica, o Plano de Utilização da Água na Mineração é 
exemplo de integração das matérias ambiental, hídrica e mineral (art. 3.º, parágrafo único da 
resolução do CONAMA 55/2005). Na própria lei das Águas (Lei n.º 9.433/97), o art. 3.º, III, 
V, prevê a gestão integrada dos recursos hídricos e sua relação com o meio ambiente e o uso 
 
18 Sobre as referências implícitas e explícitas ao meio ambiente na Constituição Federal 1988 ver José 
Afonso da Silva (2013, p. 50-51), Direito Constitucional Ambiental. 
32 
do solo. 
Duas discussões que atualmente envolvem a crise hídrica e a legislação mineral é a 
mudança no Código Florestal e o Novo Marco da Mineração, respectivamente. 
As polêmicas que envolvem o Novo Código Florestal foram afloradas ainda em 2011, 
antes de sua aprovação. Um dos principais pontos de controvérsia entre ruralistas, 
ambientalistas e cientistas é com relação às chamadas Áreas de Preservação Permanente 
(APP’s) (BBC, 2011). 
Tais áreas são caracterizadas por serem terrenos situados em propriedades particulares 
rurais ou urbanas, mais vulneráveis porque mais suscetíveis de deslizamento, erosão ou 
enchente. Por tais motivos, devem ser protegidas. É o caso das margens de rios e reservatórios, 
topos de morros, encostas em declive ou matas localizadas em leitos de rios ou nascentes.A 
polêmica se instaurou porque há a flexibilização da extensão e o uso dessas áreas, especialmente 
nas margens de rios já ocupados (BBC, 2011). 
 Os ambientalistas criticam o Novo Código porque o mesmo isentaria a recomposição 
da reserva legal para pequenos produtores. Em contrapartida, os ruralistas defendem boa parte 
das propostas do texto original. Sem as mudanças, dizem que não conseguirão suprir a crescente 
demanda de alimentos e o setor agropecuário brasileiro ficaria em desvantagem no cenário 
mundial. Os ambientalistas, porém, contra – argumentam defendendo a tese de que as terras 
não precisam ser aumentadas em sua extensão. Basta investir em tecnologia e técnicas 
sustentáveis com o manejo das lavouras e nos pastos e o uso sustentável na agricultura e 
pecuária (BBC, 2011). 
As polêmicas perduram até os dias atuais. Desde que o sistema Cantareira entrou em 
colapso, o Código Florestal foi alvo de questionamentos e ligado à crise hídrica. 
Lançado recentemente com o título de “Lei da Água”, o documentário de André D´Elia, 
produzido pelo cineastra Fernando Meireles, mostra o íntimo relacionamento entre crise hídrica 
e a degradação dos rios. 
Segundo a opinião dos entrevistados no filme, medidas previstas no Código Florestal 
(Lei n.º 12.651/12), como a redução das áreas de preservação em nascentes dos rios e em suas 
matas ciliares promovem a estiagem. O filme entra em cartaz em um contexto onde tramitam 
três Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra o Código 
Florestal, aprovado em 2012 (MENA, 2015). 
Em relação à mineração, algumas considerações merecem ser mencionadas diante da 
iminência do novo marco legal do setor, em tramitação já há algum tempo nas casas legislativas 
do país. 
33 
Atualmente, o marco legal da mineração é o Código Mineral de 1967 (Decreto lei 
227/67). Segundo Feigelson (2012), o Código de Mineração foi concebido em um cenário 
político e econômico totalmente avesso à situação atual do país, onde a centralidade e a falta de 
liberdade do regime ditatorial influenciaram, de certa maneira, as leis e o referido diploma 
legislativo. 
Na iminência de completar 50 anos, o Código Mineral está prestes a ser modificado 
mediante a proposta de lei n.º 5.807/13 que tramita nas casas legislativas do país. A 
argumentação, segundo Feigelson (2012), se sustenta em fatos de natureza econômica, jurídica 
e política, quais sejam, a evolução da tecnologia, o cenário globalizado, a economia mundial 
integrada, o avanço no campo da sustentabilidade e do meio ambiente em termos de legislação 
e o advento de um Estado Regulador na economia. Diante de tais fatos, o advento do novo 
marco regulatório da mineração surge como oportunidade de rever certas posições, de modo a 
se adequar com as novas situações e desafios do setor na atualidade. 
Segundo Feigelson (2012), vários são os objetivos visados pelo novo marco regulatório 
da mineração, dentre eles, o fortalecimento da ação do Estado no processo regulatório – prevê 
o surgimento de novos atores como a ANM e o CNPM -, o estímulo para a maximização do 
aproveitamento das jazidas, a prevenção de questões de saúde, a segurança das minas e o 
controle ambiental, até o encerramento da atividade de mineração. Além disso, o projeto visa 
tornar o setor mineral mais atrativo e competitivo, de modo a atrair investimentos e elevar a 
competitividade entre as empresas de mineração e fomentar a agregação de valor na cadeia 
produtiva mineral. Por fim, visa incentivar a mineração formal e contribuir para o 
desenvolvimento sustentável. 
Por outro lado, Bustamante (2014) afirma que, ao contrário do que o Governo Federal 
Brasileiro argumenta, o novo marco mineral deverá afugentar os possíveis investidores, seja 
pela redução do ganho líquido das empresas - com a mudança da base de cálculo da CFEM – 
elevando a receita dos estados e municípios, seja pelo desestímulo à pesquisa mineral com a 
extinção do “direito de prioridade”.19 
 
19 Luiz Alberto C. Bustamante (2014) alega que o aumento da arrecadação da CFEM provocará o 
fechamento de empreendimentos minerais cujos custos já estão próximos às cotações dos minérios, 
com a consequente perda de empregos, de geração de riqueza e de arrecadação. Por outro lado, em 
relação à extinção do atual sistema de “direito de prioridade”- ou seja, da mudança radical proposta 
para o sistema de outorga de títulos minerários – algumas considerações devem ser feitas. 
Resumidamente, no sistema atual, o direito de prioridade significa quem requer primeiro, atendidos 
certos requisitos burocráticos, ganha o título minerário. Trata-se de um regime de “autorização e 
concessão”. O novo marco mineral substitui tal regime pelo sistema de licitação, para as áreas 
selecionadas pelo Conselho Nacional de Pesquisa Mineral (CNPM), órgão a ser criado, e pela 
chamada pública, quando o particular formalizar interesse nas áreas restantes. Tal fato vai na 
34 
O novo marco da mineração é, portanto, alvo de muitos dissensos. O projeto de lei 
tramita nas casas legislativas desde 2011 e ainda não se sabe quando realmente será aprovado. 
A demora em concretizar o marco legislativo gera prejuízos no setor, devido ao caráter 
especulativo que se revestiu. 
Desde novembro de 2011 as outorgas de autorização para pesquisa mineral (alvará de 
pesquisa) e liberação de novas concessões para abertura de minas (portaria de lavra) para a 
exploração de novas jazidas minerais no país estão suspensas. A suspensão trouxe instabilidade 
e incerteza para a mineração e prejudica investimentos.20 
 
2.4 UMA ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS DA LEI FEDERAL N. 9.433/97 
 
Crise hídrica ou crise de gestão? É com esse questionamento que “O ambientalista 
cético” (LOMBORG, 2002) instiga o leitor a discernir se o problema da escassez de água no 
mundo é proveniente da falta de chuvas e das mudanças climáticas ou da ausência de uma 
governança adequada. 
A Lei Federal n.º 9.433/1997, diploma que institui a Política Nacional de Recursos 
Hídricos (PNRH), é a primeira legislação pós-1988 que trata da gestão hídrica no Brasil.21 
Editada nos anos 1997, para que seja possível entendê-la é preciso recordar a legislação pátria 
referente a água sem desconsiderar os eventos no âmbito internacional ocorridos a partir dos 
 
contramão da legislação minerária da maioria dos países mineradores como a Austrália, Canadá, 
México, Chile, Peru entre outros, devido ao incentivo que representa ao empreendedorismo no setor 
mineral. O fato é que a prospecção mineral é uma atividade de baixo índice de sucesso - a cada 1.000 
trabalhos de prospecção mineral, somente um resulta em uma descoberta comercial - e, antes da 
empresa solicitar a autorização de pesquisa mineral, geralmente fazem uma sondagem na área de 
interesse, com o uso de expertises no assunto. Para tal, são investidos tempo e dinheiro para uma 
atividade de alto risco. E o fazem porque tem garantida a preferência devido a autorização de 
pesquisa. Com o novo marco mineral, não havendo o chamado “direito de prioridade”, será que as 
empresas estão dispostas a investir, se não têm a certeza da autorização para pesquisar? Quem 
exercerá a atividade de prospecção? Extinto o regime de prioridade, segundo o referido autor, haverá 
o refluxo das empresas privadas de prospecção e pesquisa mineral. Restará ao Serviço Geológico do 
Brasil, empresa pública, para correr o risco de buscar novas áreas promissoras para a mineração. 
Outras indagações surgem: Será que a CPRM conseguirá realizar a tarefa sozinha em um país de 
dimensões continentais? Qual o custo? O Estado assumirá mais um encargo em detrimento de outros 
investimentos nos setores da educação, saúde e segurança, por exemplo? 
20 Segundo a ADIMB (2012), dois grandes projetos de mineração na área de minério de ferro, - o da 
empresa

Continue navegando