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EsterCSA-DISSERT

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
DEPARTAMENTO DE LETRAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ESTER CAVALCANTI DA SILVA ARAÚJO 
 
 
 
 
 
 
 
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE LEITOR EM MEMÓRIAS DE LEITURA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL – RN 
2013
 
 
 
ESTER CAVALCANTI DA SILVA ARAÚJO 
 
 
 
 
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE LEITOR EM MEMÓRIAS DE LEITURA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Orientadora: Profa. Dra. Maria da Penha Casado 
Alves. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL – RN 
2013 
Dissertação apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação de Estudos da Linguagem, 
da Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte, como requisito parcial para a 
obtenção do título de Mestre em Letras. 
Área de concentração: Linguística Aplicada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Catalogação da Publicação na Fonte. 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). 
 
 
 Araújo, Ester Cavalcanti da Silva. 
 A construção da imagem de leitor em memórias de leitura / Ester 
Cavalcanti da Silva Araújo. – 2013. 
 000 f. 
 
 Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Letras. 
Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem, 2013. 
 Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria da Penha Casado Alves. 
 
 1. Leitura. 2. Professores. 3. Educação permanente. I. Alves, Maria da 
Penha Casado. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. 
 
 
 RN/BSE-CCHLA CDU 028 
 
 
 
 
 
ESTER CAVALCANTI DA SILVA ARAÚJO 
 
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE LEITOR EM MEMÓRIAS DE LEITURA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aprovada em ____ de ________ de 2013 
 
 
 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 
________________________________________________________ 
 Profa. Dra. Maria da Penha Casado Alves (Orientadora) 
 Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
 
 
__________________________________________________________ 
Profa. Dra. Araceli Sobreira Benevides (Examinador Externo) 
 Universidade do Estado do Rio Grande do Norte 
 
 
___________________________________________________________ 
 Profa. Dra. Tatyana Mabel Nobre Barbosa (Examinador Interno) 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
Dissertação apresentada ao Programa 
de Pós-Graduação de Estudos da 
Linguagem, da Universidade Federal do 
Rio Grande do Norte, como requisito 
parcial para a obtenção do título de 
Mestre em Letras. Área de 
concentração: Linguística Aplicada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O que vejo predominantemente no outro em mim mesmo só o 
outro vê (BAKHTIN, 2003, 2010b). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À minha mãe e ao meu pai (in memorian), amores preciosos. À 
minha eterna princesa, minha filha, e ao meu amado esposo, 
participantes e incentivadores da minha caminhada da vida. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado força e coragem nesses 
dois últimos anos para seguir adiante, mesmo com todas as agruras da vida. 
Durante esse período, pensei muitas vezes que não conseguiria concluir este 
trabalho, pois no período de escrita perdi uma das pessoas que mais amo nesta 
vida, meu painho Damião Amaro da Silva, e sem ele a caminhada da vida se tornou 
mais dura, mais difícil. Agradeço à minha amada mãe, Vastir Cavalcanti da Silva, 
pelo amor, pelo consolo, pelos ensinamentos da vida e por ser minha amiga. 
Ao meu amado esposo, Renato Samuel Barbosa de Araújo, meu amigo de 
todas as horas, que tem me ajudado com muito amor, carinho e paciência a seguir 
nessa jornada da vida, pelo seu companheirismo, incentivo, orientações e apoio. 
Sem a sua colaboração, eu não teria chegado até aqui. À minha princesa, Renata 
Sophia Cavalcanti Araújo, pelo amor, carinho e por ser uma filha maravilhosa. Foi 
por sua causa que cheguei até aqui. Quando olho para você, vejo a mão de Deus, 
vejo um milagre da vida, e isso me motiva a prosseguir, a lutar por dias melhores. 
Aos meus familiares que direta ou indiretamente contribuíram nessa 
caminhada: Danielle Cavalcanti da Silva Borja, Marizinha Alves de Souza e tia Neide 
Cavalcanti, principalmente. Aos meus irmãos, Neide Cavalcanti da Silva Santos, 
Daniel Cavalcanti da Silva e Dário Cavalcanti da Silva. 
Aos meus amigos, Danielle de Paula, Janaína Moreno, Breno, Willame Sales, 
Fernanda Moura, Carmela, RhenaRaize, KássiaKamila Moura, Renata Moraes, 
Angélica Albuquerque, Rosa e Japonaíra, pelo apoio, incentivo, colaboração, ombro 
amigo, amor e carinho. 
À professora Maria da Penha Casado Alves, que tem me encaminhado para o 
mundo da pesquisa científica desde a graduação. Com ela, aprendi sobre pesquisa, 
teorias e, também, sobre a vida, com as suas atitudes de extrema humanidade e 
respeito pelo outro. Agradeço por sua paciência, por sua palavra amiga e por sua 
generosidade. 
 
Às professoras Tatyana Mabel Nobre Barbosa e Araceli Sobreira Benevides 
por aceitarem a participar da banca examinadora e por contribuírem com as suas 
considerações a respeito da dissertação. 
Às professoras Tatyana Mabel Nobre Barbosa eClaudianny Amorim Noronha, 
coordenadoras institucionais do projeto “Leitura/escrita: recortes inter e 
multidisciplinares no ensino da matemática e da língua portuguesa”� 
(Capes/OBEDUC – PPGED/PPGEL/PPGECNM – DPEC/DLET/DMAT) –, pela 
oportunidade de participar deste projeto. 
 
 
 
RESUMO 
 
 
Neste trabalho, analisamos as “memórias de leitura” de professores de língua 
materna, produzidas em contexto de formação continuada. Tivemos como objetivo 
compreender o modo como cada sujeito construiu a sua imagem de leitor. Nossa 
abordagem teórica sobre a construção da imagem de si foi fundamentada na 
concepção de ethos discursivo, percebendo-o com Charaudeau (2006) como algo 
construído no entrecruzamento de olhares (de si e do outro). Para compreender o 
modo como cada professor construiu a sua imagem de leitor nesse entrecruzamento 
de olhares (de si e do outro), baseamo-nos nas contribuições de Bakhtin (2003, 
2010b) sobre o olhar exotópico ou o olhar distanciado/olhar externo. Portanto, na 
análise, procuramos flagrar o olhar exotópico dos professores sobre si, nas várias 
fases da sua formação de leitor, e, a partir do nosso olhar exotópico de 
pesquisadora, demos um acabamento provisório na imagem de leitor que os 
professores construíram de si. Para a análise, adotamos outros pressupostos 
teóricos, quais sejam: sobre gêneros discursivos, tema, composição e estilo, 
enunciado e vozes sociais, baseamos-nos em Bakhtin (1997, 2003, 2010a, 2010b); 
sobre a noção de ethos discursivo nos ancoramos nos estudos realizados por 
Maingueneau (2008a, 2008b); sobre a leitura, adotamos os referenciais teóricos de 
Rojo (2005, 2008, 2009a, 2009b, 2009c, 2009d), Garcez (2002), Freire (2008) e 
Silva Neto (2007). Pelo fato de o gênero discursivo “memórias de leitura” fazer 
remissão à temática memória e estar relacionado ao contexto de formação de 
professores, respaldamo-nos teoricamente em Aragão (1992) e Nóvoa (2007). 
Situada na área da Linguística Aplicada, a pesquisa se alinha à abordagem 
qualitativo-interpretativista de base sócio-histórica. Por fim, a partir da análise do 
corpus, dos dados que emergiram dos enunciados, concluímos afirmando que os 
leitores construíram imagens de si de leitores ativos, de leituras valorizadas e 
desvalorizadas pela cultura oficial. 
 
Palavras-chave: Leitura. Gêneros discursivos. Ethos discursivo.ABSTRACT 
 
 
In this work, we analyzed reading memories of mother language teachers in 
continuing education context. Our objective was to understand how each individual 
has built his/her reader image. Our theoretical approach to the construction of self-
image was based on the concept of discursive ethos, understanding it with 
Charaudeau (2006) as something constructed in the intersection of glances (of the 
self and the other). To understand how each teacher has built his/her reader image in 
that intertwining of glances (of the self and the other) we are on the contributions of 
Bakhtin (2003, 2010b) on exotopic glance or distant/external glance. Therefore, in 
the analysis, we tried to capture the exotopic glance of the teachers about 
themselves in the various stages of their reader formation and from our exotopic look 
of researcher; we gave provisional finish of the reader image that teachers built of 
themselves. For the analysis, we adopted other theoretical assumptions: about 
genres, theme, composition and style, statement and social voices we based on 
Bakhtin (1997, 2003, 2010a, 2010b); on the notion of the discursive ethos we 
anchored in studies conducted by Maingueneau (2008a, 2008b); about reading, we 
adopted the theoretical references of Rojo (2005, 2008, 2009a, 2009b, 2009c, 
2009d), Garcez (2002), Freire (2008) and Silva Neto (2007). For the discursive genre 
reading memories makes reference to the theme memory as well as is related to the 
context of teacher training, the study was supported in Aragão (1992) and Nóvoa's 
(2007) theory. Situated in the area of Applied Linguistics, the research aligns with 
qualitative-interpretative approach of socio-historical basis. Finally, from the analysis 
of the corpus, data that emerged from the findings, we conclude by stating that 
readers have created images of themselves as active readers, readers interested in 
both readings, the ones respected and the ones unappreciated by the official culture. 
 
 
 
Keywords: Reading. Discursive genres. Discursive ethos. 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 11 
1.1 JUSTIFICATIVA ......................................................................................... 16 
1.2 QUESTÕES DE PESQUISA ...................................................................... 17 
1.3 OBJETIVOS ............................................................................................... 17 
1.3.1 Objetivo geral.................................................................................................. 17 
1.3.2 Objetivos específicos ..................................................................................... 18 
1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO .................................................................. 18 
2 ESTADO DA ARTE....................................................................................... 19 
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................... 22 
3.1 GÊNEROS DISCURSIVOS ....................................................................... 23 
3.2 O TEMA, A COMPOSIÇÃO E O ESTILO DOS GÊNEROS DISCURSIVOS25 
3.3 O ENUNCIADO CONCRETO: A UNIDADE REAL DA COMUNICAÇÃO 
DISCURSIVA ................................................................................................... 31 
3.4 AS VOZES SOCIAIS E AS RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE ELAS ...... 37 
3.5 O OLHAR EXOTÓPICO: O OLHAR EXTERNO/DISTANCIADO ............... 43 
3.6 O CONCEITO DE ETHOS DE ARISTÓTELES E O CONCEITO DE ETHOS 
DISCURSIVO DE DOMINIQUE MAINGUENEAU: DA PERSPECTIVA DA 
PERSUASÃO À DA ADESÃO DOS SUJEITOS A UM CERTO DISCURSO ... 46 
3.7 A LEITURA EM PERSPECTIVA DIALÓGICA ............................................ 51 
4 O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DO GÊNERO DISCURSIVO “MEMÓRIAS 
DE LEITURA” .................................................................................................. 64 
5 METODOLOGIA ........................................................................................ 71 
5.1 SOBRE O CORPUS .................................................................................. 75 
5.2 PERFIL DOS SUJEITOS-COLABORADORES DA PESQUISA ................ 76 
5.3 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ............................................................. 76 
 
5.4 CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA A SELEÇÃO DO CORPUS ................... 77 
6 ANÁLISE DOS DADOS: A CONSTRUÇÃO ARQUITETÔNICA DAS 
“MEMÓRIAS DE LEITURA” ............................................................................ 78 
6.1 O TEMA, O ESTILO E A COMPOSIÇÃO DOS ENUNCIADOS ................. 78 
6.1.1 O tema dos enunciados ................................................................................. 78 
6.1.2 O estilo nos enunciados ................................................................................ 86 
6.1.3 A composição dos enunciados ..................................................................... 94 
6.2 AS VOZES SOCIAIS SOBRE LEITURA QUE EMERGIRAM DAS “MEMÓRIAS 
DE LEITURA” ................................................................................................... 98 
6.2.1 As vozes sociais sobre leitura que emergiram do enunciado 1................. 98 
6.2.2 As vozes sociais sobre leitura que emergiram do enunciado 2............... 104 
6.2.3 As vozes sociais sobre leitura que emergiram do enunciado 3............... 112 
6.3 Os ethe de leitor construídos nas “memórias de leitura” .......................... 117 
6.3.1 Os ethe de leitor construídos no enunciado 1 ........................................... 118 
6.3.2 Os ethe de leitor construídos no enunciado 2 ........................................... 124 
6.3.3 Os ethe de leitor construídos no enunciado 3 ........................................... 127 
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 133 
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 136 
ANEXOS ........................................................................................................ 141 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
 
O nosso interesse pelo estudo do gênero discursivo “memórias de leitura” 
ocorreu, inicialmente, na nossa formação inicial, no curso de Letras da Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte. 
Iniciamos o estudo de tal gênero discursivo no período em que participamos 
como monitora da disciplina “Leitura e produção de textos I”. Uma das nossas 
atribuições, nessa função, era a de publicar artigos em eventos científicos. 
A escolha por esse gênero discursivo para construir os artigos científicos foi 
feita por meio da sugestão da nossa orientadora de monitoria, Profa. Dra. Maria da 
Penha Casado Alves. Ela possuía um acervo documental composto pelo gênero 
discursivo “memórias de leitura”, que foi produzido por uma turma de alunos de um 
curso de formação continuada, na UFRN. 
Nos artigos que produzimos nesse período, direcionamos o nosso olhar para 
a temática “leitura” – já bastante discutida, mas ainda com muitas lacunas a serem 
preenchidas –, o que suscitou em nós inquietações diversas, como, por exemplo, 
com relação ao discurso propagado por alguns grupos da sociedade sobre a “crise 
da leitura” no Brasil, os quais afirmam que o “brasileiro não lê”. Entendemos que 
esses discursos estão atrelados diretamente a algumas falas de determinados 
segmentos da sociedade, que ressoam ao longo do tempo e que têm como 
consequência um ensino de leitura e escrita preconceituoso, segregador, de 
exclusão social. 
Em relação à discussão sobre a “crise da leitura”, Abreu (2003, p. 42) afirma: 
 
 
Pensa-se que o bom leitor é um devorador ávido de alta literatura, é 
alguém que transita com facilidade pela produção intelectual de 
ponta, que tem os livros como elemento fundamentalde sua 
concepção de mundo. Quem partilha dessa imagem de leitor não se 
animará muito com casas cheias de cartilhas e livros didáticos, com 
multidões de leitores de Bíblia na mão. 
 
 
É com base na perspectiva de leitor de “livros que formam a tradição erudita 
nacional e internacional” (ROJO, 2009d, p. 50), leitura privilegiada pela escola, que 
12 
 
 
diversos programas/sistemas de avaliação, possivelmente, concluem que os alunos 
avaliados não leem, a partir do que diversos segmentos da sociedade constroem o 
discurso da “crise da leitura” no Brasil. A realidade da leitura no Brasil é outra, 
conforme mostra a autora. A leitura no cotidiano de muitos brasileiros é composta 
por textos privilegiados ou não pela escola e pela sociedade, porém, os 
programas/sistemas de avaliação parecem esperar que haja somente uma prática 
da leitura privilegiada pela escola e pela sociedade. 
Sobre o discurso de que “o brasileiro não lê”, Marucci (2009, p. 184), em sua 
pesquisa de doutorado, mostra de quais lugares ele provém: 
 
 
Mas quais seriam os processos de produção que suportam os 
discursos de que “o brasileiro não lê”? Esta pesquisa relacionou 
alguns discursos que sustentam esses processos de produção, como 
o discurso sobre o brasileiro, o discurso neoliberal, o discurso da 
escolarização e o discurso jurídico. Cada um desses lugares de 
produção de sentido afeta o que se diz sobre a leitura no Brasil. 
 
 
Destacamos, assim, um desses lugares de produção de sentido: o discurso 
neoliberal, que foi por um longo tempo ─ e atualmente ainda ressoam suas ações ─ 
um forte propagador da exclusão social, apontando a leitura de livros como único 
meio, único instrumento para definir um sujeito leitor. Conforme concluiu Marucci 
(2009, p. 182) em sua pesquisa, 
 
 
Na região de sentidos em que se inscreve a leitura, o discurso 
neoliberal ocupa seu lugar, representado pelo mercado de livros, 
que, por um lado, colabora para a leitura, ao apoiar projetos e 
programas de incentivo, por outro, leva sua parte dos lucros quando 
consegue elevar o número de “consumidores de livros”, ou promover 
“mega-feiras-bienais do livro” de dois em dois anos. 
 
 
Portanto, o sistema político neoliberal, representado pelo mercado de livros, é 
um forte propagador do falso discurso de que o “brasileiro não lê”, utilizando-o para 
garantir o seu lucro. O sistema político citado faz uso de projetos e programas para 
promover o incentivo à leitura (de livros), no entanto, o seu único objetivo é o de 
13 
 
 
lucrar com a venda de livros. É a partir do segmento político que o restante dos 
grupos sociais, como, por exemplo, as escolas ─ que são controlados pelo 
segmento político ─, (re)criam e colocam em prática seus discursos, entre eles, o de 
que “o brasileiro não lê”. 
Algumas ações têm sido promovidas a partir de teorias que pesquisadores da 
área da linguagem utilizam para ampliar o conceito de leitura e de leitor, as quais 
têm o objetivo de democratizar a leitura, indo de encontro ao conceito de 
alfabetização. Dentre elas, Marucci (2009, p. 184-185) apresenta a seguinte: 
 
 
[...] apesar da crença em que o brasileiro não é leitor, outras formas 
de conceber o ato de ler ganharam espaço. As correntes de prática 
de inserção às letras, que têm sido chamadas Letramento, a nosso 
ver, configuram um acontecimento discursivo, já que trazem uma 
outra maneira de conceber a leitura, que promove a ampliação dessa 
prática, no sentido de democratizá-la e de valorizar diversos 
materiais de leitura. O Letramento constitui uma ruptura com o 
mesmo, e convive com a tradição de se alfabetizar, na qual se 
inscreve a afirmação de que “ler é decodificar sinais gráficos”. 
 
 
Portanto, o Letramento1, contrário aos programas de alfabetização ─ que 
têm como objetivo a decodificação de sinais gráficos e que possuem, 
historicamente, o livro como objeto para a decodificação ─, pretende democratizar a 
escrita e a leitura, valorizando, para tanto, diversos materiais de leitura, além do 
livro. 
Mafra (2003, p. 1), em um estudo sobre as práticas de leituras não 
escolarizadas (romances de banca, animes, textos de autoajuda etc.), afirma: 
 
 
Em “Literatura, dentro, fora e à revelia da escola” (MAFRA, 2003), o 
então professor de Língua Portuguesa de ensino fundamental e 
médio de Minas e do Estado do Rio detectava, não obstante, o 
desinteresse dos alunos pelos textos escolares tradicionais, a 
presença nas conversas e mochilas daqueles alunos – tidos como 
mal ou não leitores – de práticas de leitura desprezadas e/ou 
rechaçadas pela escola, na forma de literatura de massa: best-
sellers, romances de banca etc. 
 
 
1 Compreendemos a importância dos estudos do Letramento, porém, neste trabalho, não iremos 
entrar em detalhes sobre a teoria. Para mais detalhes, conferir Rojo (2009c). 
14 
 
 
 
Compreendemos que essa realidade é comum em todos os estados do 
Brasil. Talvez isso ocorra porque os alunos não conseguem ver uma relação entre 
os textos escolares tradicionais e a sua realidade social, com as suas práticas de 
leitura e escrita do cotidiano. Ademais, no dia a dia, fora da escola, estão imersos 
em práticas de leitura desprezadas por ela, como, por exemplo: best-sellers, 
romances de banca, revistas etc. Assim, entendemos que os alunos leem, sim, só 
não o que as instituições escolares esperam que eles leiam. 
Sobre a leitura no espaço escolar, Marucci (2009, p. 185) afirma que 
 
 
[...] o discurso da escolarização, muitas vezes, enforma a atividade 
de leitura, reduzindo-a ao espaço escolar e afastando-a de se tornar 
prática cultural naturalizada. A escola sustenta que somente algumas 
obras devem ser lidas por seu valor “inconteste”. Enquanto rejeitar a 
participação da cultura de leitura provinda da comunidade escolar o 
distanciamento entre o brasileiro e a leitura permanecerá. 
 
 
O problema do privilégio da leitura de textos literários valorizados pela cultura 
oficial dentro do espaço escolar, relacionado ao ensino da gramática normativa, é 
um ponto fundamental para compreendermos as prováveis causas de insucesso 
escolar no Brasil ─ no que se refere à leitura e à escrita de textos ─, pois o texto 
literário valorizado pela cultura oficial é, frequentemente, utilizado na escola como 
um meio para o ensino das normas gramaticais da variedade da língua padrão, da 
norma culta; o texto literário valorizado pela cultura oficial é considerado pela escola 
como modelo de escrita, em detrimento de uma enorme variedade de textos que 
circulam na sociedade e que também são importantes para a formação do aluno, 
para que ele possa agir na sociedade. Ademais, entendemos que é importante a 
escola levar em consideração a leitura para além dos muros escolares, das salas de 
aula, não se restringindo às obras valorizadas pela cultura oficial, de livros literários, 
pois os alunos são sujeitos sociais que têm as suas singularidades, seus gostos de 
leitura e necessidades que devem ser respeitados para que o discurso de que os 
“brasileiros não leem” ─ livros valorizados pela cultura oficial ─ não exerça mais 
influência na definição de projetos/programas de leitura e, consequentemente, em 
resultados estatísticos (negativos) da educação brasileira, no que concerne à leitura. 
15 
 
 
Rojo (2009a), em um estudo sobre as prováveis causas do insucesso escolar 
no Brasil no século XXI, utilizou dados que mostram as capacidades de leitura, 
escrita e letramentos escolares dos alunos brasileiros avaliados em exames, entre 
eles, PISA, ENEM e SAEB. Concluiu, então, que os resultados são negativos, que 
configuram, em geral, problemas e que 
 
 
isso vem demonstrar que a escola ─ tanto pública como privada, 
neste caso ─ parece estar ensinando mais regras, normas e 
obediência a padrões linguísticos que o uso flexível e relacional de 
conceitos, a interpretação crítica e posicionadasobre fatos e 
opiniões, a capacidade de defender posições e de protagonizar 
soluções, apesar de a “nova” LDB já ter doze anos (ROJO, 2009a, p. 
33). 
 
 
Em pleno século XXI, é frustrante ver que o ensino de leitura e escrita é 
pautado prioritariamente (ou unicamente) em regras, normas e obediência a padrões 
linguísticos. Enquanto isso, na vida cotidiana, as práticas sociais exigem dos alunos, 
sujeitos-cidadãos, capacidades e competências para além das normas linguísticas 
bem como posicionamentos, opiniões e soluções sobre fatos concretos, os quais a 
escola e as instituições de ensino superior estão, por motivos diversos, sonegando. 
Rojo (2009a, p. 35-36), ainda, faz uma reflexão a respeito da ineficácia das 
práticas didáticas: 
 
 
Para além de nossa experiência cotidiana das salas de aula e da 
impressão de desinteresse, desânimo e resistência dos alunos das 
camadas populares em relação a propostas de ensino e letramento 
oferecidas pelas práticas escolares, resultados concretos e 
mensuráveis como esses configuram um quadro de ineficácia das 
práticas didáticas que nos leva a perguntar: como alunos de 
relativamente longa duração de escolaridade puderam desenvolver 
capacidades leitoras tão limitadas? A que práticas de leitura e 
propostas de letramento estiveram submetidos por cerca de dez 
anos? A que textos e gêneros tiveram acesso? Trata-se de ineficácia 
das propostas? De desinteresse e enfado dos alunos? De ambos? 
Que fazer para constituir letramentos mais compatíveis com a 
cidadania protagonista? 
 
 
16 
 
 
Nesse fragmento, a autora mostra que o desinteresse, o desânimo e a 
resistência dos alunos das camadas populares estão relacionados às propostas de 
ensino e letramento oferecidas pelas práticas escolares, propostas estas que estão 
desvinculadas das suas necessidades cotidianas, da sua realidade social. Por fim, 
Rojo (2009a) questiona aspectos importantes acerca da prática de leitura em sala de 
aula, os quais dizem respeito a uma realidade atual e comum, em todo o território 
brasileiro, sobre a qual todo docente de língua materna deveria refletir. 
Portanto, neste trabalho, tentamos amenizar as nossas inquietações 
relacionadas às práticas de ensino-aprendizagem de leitura por meio de um 
determinado grupo de sujeitos, em um determinado espaço e em um determinado 
tempo. Por fim, em concordância com Benevides (2005), afirmamos que 
 
 
[...] pretendemos olhar as práticas de leitura dos/as alunos/as, numa 
perspectiva despida de preconceitos e de uma postura elitista, que 
só entende a leitura a partir de textos pré-selecionados ou escolhidos 
como clássicos ou modelos. Com isso, procuramos as práticas 
silenciadas, ocultadas ou pertencentes ao senso comum. 
 
 
É com esse olhar que pretendemos nos posicionar no tocante às práticas de 
leitura dos/as alunos/as neste trabalho. 
 
 
1.1 JUSTIFICATIVA 
 
 
O gênero discursivo que selecionamos para a pesquisa foi “memórias de 
leitura”, que tem sido uma fonte para a investigação de aspectos relacionados à 
leitura de discentes e sobre questões discursivas diversas. 
Optamos pelas “memórias de leitura” porque compreendemos que estas se 
constituem como um meio eficaz de os docentes refletirem a respeito das suas 
práticas de sala de aula. Ademais, o momento atual de mudanças ─ sociais, 
econômicas, tecnológicas, no comportamento dos discentes, nos gostos dos 
discentes bem como na exigência de um sujeito mais ativo na sociedade ─ requer 
um docente atualizado com as novas teorias que balizam a sua prática educacional, 
17 
 
 
e esse gênero pode propiciar a ele uma reflexão e possíveis mudanças em sua 
prática de sala de aula. 
Já em relação ao estudo do ethos discursivo, neste trabalho, consideramos 
como relevante, pois os ethe2 discursivos que emergiram podem proporcionar aos 
docentes ─ possíveis leitores desta pesquisa ─ uma reflexão sobre a sua prática de 
formação de leitores e sobre a sua própria formação de leitor, percebendo que 
existem variados leitores e, inclusive, que eles se encaixam em um ou mais dos ethe 
discursivos de leitor que emergiram na análise, o que proporciona uma reflexão 
sobre a sua prática de ensino de leitura. 
Portanto, com este trabalho, pretendemos contribuir com reflexões teóricas a 
respeito da leitura, do gênero discursivo “memórias de leitura” e, também, do ethos 
discursivo. 
 
 
1.2 QUESTÕES DE PESQUISA 
 
 
 Como foram construídas as “memórias de leitura” nos aspectos 
composicionais, temáticos e estilísticos? 
 Que vozes sociais emergiram no processo de escrita sobre suas experiências 
de leitura? 
 Que marcas linguístico-discursivas foram mobilizadas na escrita sobre o 
percurso de leitura para a construção do ethos discursivo de leitor? 
 
 
1.3 OBJETIVOS 
 
 
1.3.1 Objetivo geral 
 
 
Compreender o modo como cada sujeito construiu a sua imagem de leitor nas 
“memórias de leitura” produzidas no “Curso de Especialização em Língua 
 
2 Termo referente ao plural de ethos. 
18 
 
 
Portuguesa: Leitura, Produção de Textos e Gramática”, da UFRN, realizado no ano 
de 2007. 
 
 
1.3.2 Objetivos específicos 
 
 
 Delinear os aspectos composicionais, temáticos e estilísticos do gênero 
discursivo “memórias de leitura”. 
 Identificar as vozes sociais que se relacionam para a formação de leitor. 
 Explicitar, com base nas marcas linguístico-discursivas, o modo como 
cada sujeito construiu a sua imagem de leitor. 
 
 
1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO 
 
 
Este trabalho encontra-se organizado em sete capítulos. A introdução 
apresenta algumas questões referentes ao ensino de língua materna, 
especificamente ao ensino de leitura. Está dividida em três seções: a justificativa da 
escolha das “memórias de leitura” para a realização da pesquisa, as questões de 
pesquisa e os objetivos da pesquisa. 
O capítulo 2 apresenta o estado da arte dos temas “memórias de leitura”, que 
foi o enunciado que selecionamos para esta pesquisa, e ethos discursivo. 
O capítulo 3 expõe a fundamentação teórica que serviu de base para o 
diálogo na análise. Está dividido em sete seções: gêneros discursivos; o tema, a 
composição e o estilo dos gêneros discursivos; o enunciado concreto: a unidade real 
da comunicação discursiva; as vozes sociais e as relações dialógicas entre elas; o 
olhar exotópico: o olhar externo/distanciado; o conceito de ethos de Aristóteles e o 
conceito de ethos de Dominique Maingueneau: da perspectiva da persuasão à da 
adesão dos sujeitos a um certo discurso, que fizemos uma relação com o conceito 
de exotopia; e a leitura em perspectiva dialógica. 
O capítulo 4 destaca o contexto sócio-histórico do gênero discursivo 
“memórias de leitura”. 
19 
 
 
O capítulo 5 traz a metodologia da pesquisa. Está dividido em quatro seções: 
sobre o corpus; perfil dos sujeitos colaboradores da pesquisa; procedimentos de 
análise; e critérios utilizados para a seleção do corpus. 
O capítulo 6 apresenta a análise realizada, em que as questões de pesquisa 
foram integralmente, embora provisoriamente, respondidas. 
O capítulo 7 conclui a dissertação, mostrando a reflexão sobre o ensino-
aprendizagem de língua materna e destacando a formação de leitura a partir da 
compreensão das categorias que emergiram dos enunciados dos leitores. 
Afirmamos, assim, que essa organização do trabalho foi construída mediante 
muitas leituras, escritas, reescritas e apagamentos necessários para alcançarmos o 
objetivo deste trabalho, o qual, provisoriamente, foi bem-sucedido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 ESTADO DA ARTE 
 
20 
 
 
 
Docentes da graduação e da pós-graduação, de áreas diversas do 
conhecimento, têm adotado alguns gêneros discursivos na sua prática de ensino em 
sala de aula, com fins variados, como memória, autobiografia, história de vida, 
memorial, entre outros. É notório, dentre eles,o uso de memoriais de leitura ou, com 
outra nomenclatura, de “memórias de leitura”. Tais trabalhos têm suscitado interesse 
em pesquisadores das mais diversas áreas e bases teórico-metodológicas. 
Embora não trate do gênero discursivo “memórias de leitura”, destacamos 
inicialmente um dos estudos pioneiros no Brasil com base na temática memória, que 
desencadeou uma série de outras pesquisas sobre gêneros discursivos diversos, 
realizado por Bosi (1994) e intitulado Memória e sociedade: lembranças de velhos. A 
seguir, iremos apresentar alguns trabalhos que versam sobre “memórias de leitura”. 
Benevides (2008) realizou um estudo utilizando o gênero discursivo memorial 
de leitura, em 2002, com uma turma de formação inicial do 6º período do curso de 
Letras da UERN. O trabalho tinha o objetivo de analisar os memoriais, observando o 
percurso de leitura dos alunos e refletindo sobre o modo como esses sujeitos se 
tornaram leitores. Constatamos que tal estudo teve a finalidade de “[...] conhecer o 
que é dito sobre essas leituras e como são experenciadas para perceber quais os 
caminhos que o/a professor/a-formador/a pode tomar para a preparação de uma 
prática reflexiva da atividade de ler [...]” (BENEVIDES, 2008, p. 90). A autora 
defende que esses futuros docentes deveriam ter uma formação de leituras 
diversas, podendo “ler para compreender, refletir, assumir novas posturas; ler para 
dialogar, ensinar, encenar, recitar, rememorar; ler para ensinar a ler, provocar, 
resistir, etc.” (BENEVIDES, 2008, p. 101). 
Outro estudo a respeito do gênero discursivo “memórias de leitura” foi 
realizado por Barreiros (2007), com duas turmas do 1º e 4º anos da UNIOESTE, em 
Cascavel/PR. Os dados analisados foram coletados por meio de depoimentos sobre 
práticas e preferências de leitura no curso de Letras, em 2007, no início do ano 
letivo. Para analisar as memórias, a pesquisadora utilizou os pressupostos teóricos 
da Análise do Discurso (AD). De acordo com ela, 
 
 
esse procedimento vem sendo realizado no primeiro ano do curso de 
Letras há dois anos com o objetivo de compreender se as 
21 
 
 
representações e memórias de leitura trazidas pelos acadêmicos 
para o primeiro ano do curso de Letras interferem (ou não) no 
processo de formação em leitura no curso superior. Para o quarto 
ano, nossos objetivos estão voltados, especialmente, para as 
referências sobre o papel da universidade – Curso de Letras – na 
formação do leitor/docente (BARREIROS, 2007, p. 1). 
 
 
Nesse estudo, a autora buscou relacionar a prática de leitura dos acadêmicos 
antes do ingresso na universidade, durante o processo de formação, verificando se 
essas leituras anteriores interferiam, ou não, na prática da leitura no curso superior, 
e no quarto ano da turma, refletindo sobre o papel da universidade na formação 
desses alunos. 
Um terceiro estudo sobre “memórias de leitura” foi desenvolvido por um grupo 
de pesquisadoras da área de Educação, juntamente com pesquisadores da área de 
Linguística Aplicada: Ana Lúcia Guedes Pinto, Geisa Genaro Gomes e Leila Cristina 
Borges (2008), que integram um projeto de pesquisa denominado “Formação do 
professor: processos de retextualização e práticas de letramento”. A pesquisa foi 
realizada com estudantes de Pedagogia e tinha como objetivo refletir sobre seus 
percursos como sujeitos leitores. Segundo os autores, “a metodologia segue os 
pressupostos da História Oral e dos estudos das ciências da linguagem” (GUEDES-
PINTO; BORGES; GOMES, 2008, p. 74). 
Em relação aos estudos sobre ethos discursivo, destacamos um livro que tem 
como título Ethos discursivo, organizado pelas pesquisadoras Motta e Salgado 
(2008). Essa obra apresenta vários trabalhos, de autores diferentes, com reflexões 
diversas, embora todos tratem do ethos discursivo. 
Nos estudos a respeito do ethos discursivo, também verificamos o artigo de 
Trouche (2010), que faz uma correlação com o gênero discursivo carta do leitor. 
Segundo a autora, esse trabalho tem como objetivo abordar o ethos discursivo sob o 
ponto de vista da encenação discursiva no gênero carta de leitor, seguindo os 
pressupostos teóricos de Charaudeau (2006), com apoio nos princípios da 
linguística da enunciação de Koch (2012), relacionados às questões de construção 
do ethos, focalizadas por Maingueneau (2008a). O estudo foi realizado com uma 
“carta de leitor” do jornal O Globo, publicada na seção fixa “Dos leitores”. 
Outro trabalho que pesquisamos sobre ethos discursivo foi uma dissertação 
em que o autor (CRISTÓVÃO, 2010) teve como objetivo observar práticas 
22 
 
 
identitárias de professores de espanhol a partir de uma abordagem discursiva, 
fundamentada pela noção de ethos discursivo baseada nos estudos de 
Maingueneau. Na pesquisa, é proposta uma perspectiva de análise que relaciona 
conceitos da Análise do Discurso de linha francesa (AD) e dos Estudos Culturais, o 
que dá ao trabalho um caráter interdisciplinar. 
Por último, fazemos referência a um estudo que Maingueneau (2010, p. 47) 
realizou acerca do ethos discursivo, correlacionando-o a sites de relacionamento. 
Nesse trabalho, o autor analisou como as pessoas que participam desses sites 
faziam a apresentação de si, afirmando que o ethos se manifesta em quatro planos: 
 
1) “através do pseudônimo que cada anunciante deve adotar”; 
2) “como ethos dito: o anunciante pode, de fato, dar informações sobre si 
mesmo que contribuirão para ativar o seu ethos não discursivo”; 
3) “como o ethos propriamente discursivo, mostrado, é construído pelo 
destinatário a partir de índices que são dados pela enunciação” e; 
4) “como o ethos é construído a partir da ou das fotos do anunciante”. 
 
No decorrer da pesquisa, ao formularmos o estado da arte, percebemos 
trabalhos bastante expressivos voltados para as temáticas “memórias de leitura” e 
“ethos discursivo”, os quais podem contribuir para a reflexão tanto do percurso de 
leitor, questões relacionadas à leitura, quanto para compreendermos o processo de 
construção da imagem de si. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 
 
 
23 
 
 
Para a realização deste trabalho, recorremos aos referenciais teóricos de 
gêneros discursivos, enunciado, vozes sociais e olhar exotópico, baseados em 
Bakhtin (1997, 2003, 2010a, 2010b); para a concepção de leitura nos voltamos aos 
estudos de Garcez (2002), Freire (2008) e Rojo (2009a), que compartilham da visão 
de que a leitura vai além da decodificação; para a leitura em sala de aula, adotamos 
a visão, principalmente, de Silva Neto (2007), que defende uma leitura de textos 
variados em sala de aula. Na formulação teórica de “memórias de leitura”, 
respaldamo-nos em Aragão (1992), que faz um estudo histórico sobre as memórias, 
e Nóvoa (2007), que trata de dispositivos que procuram rememorar as práticas dos 
professores através de várias estratégias (narrativas orais, relatos escritos etc.). 
Além dos referenciais teóricos citados, adotamos outros que foram basilares para 
atingirmos os nossos objetivos nesta pesquisa, quais sejam: a noção de ethos 
discursivo apresentada por Maingueneau (2008a, 2008b) e Charaudeau (2006) e as 
formulações teóricas de Bakhtin (2003, 2010b) sobre o olhar exotópico. Por fim, 
afirmamos que compreendemos ethos discursivo, concordando com Charaudeau 
(2006), como algo construído no cruzamento de olhares e, para ampliar essa visão, 
utilizamos as postulações feitas por Bakhtin (2003, 2010b) sobre o olhar exotópico 
ou o olhar distanciado. 
 
 
3.1 GÊNEROS DISCURSIVOS 
 
 
O filósofo russo Mikhail Bakhtin (2003, 2010b), ao refletir sobre a linguagem e 
seu uso, renovou o conceito de gêneros do discurso, trazendo novos 
direcionamentos para os estudos linguístico-discursivos. Estudavam-se antes os 
gêneros literários, os gêneros retóricos (jurídicos, políticos) e os gêneros discursivos 
do cotidiano (principalmente as réplicas do diálogo cotidiano). Porém, osgêneros 
literários eram analisados, desde a Antiguidade, de acordo com Bakhtin (2010b, p. 
263), sob a perspectiva artístico-literária e não como “determinados tipos de 
enunciados, que são diferentes de outros tipos mas têm com estes uma natureza 
verbal (linguística) comum”. Ele afirma que os gêneros retóricos, também desde a 
Antiguidade, tinham uma relação com a natureza verbal desses gêneros enquanto 
enunciados, que levava em consideração o ouvinte e sua influência sobre o 
24 
 
 
enunciado. Os gêneros discursivos do cotidiano eram estudados sob a perspectiva 
da linguística geral, como um diálogo simples, sem considerar os autores dos 
enunciados, seus posicionamentos axiológicos, ideológicos, o papel ativo do outro 
no processo de comunicação discursiva, entre outros aspectos contemplados nos 
enunciados pelo filósofo russo. 
O autor russo, ao construir a sua teoria sobre os gêneros do discurso, explica: 
 
 
Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso 
da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as 
formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da 
atividade humana [...]. O emprego da língua efetua-se em forma de 
enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos 
integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses 
enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de 
cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo 
de linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, 
fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua 
construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo 
temático, o estilo, a construção composicional – estão 
indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente 
determinados pela especificidade de um determinado campo da 
comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, 
mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos 
relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos 
gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2010b, p. 262, grifos do autor). 
 
 
Na sua teoria, a linguagem tem um papel fundamental. Ele inicia esse 
fragmento relacionando o uso da linguagem aos diversos campos da atividade 
humana, até apresentar o conceito de gêneros do discurso. Ressalta que os três 
elementos do enunciado, “o conteúdo temático”, “o estilo” e “a construção 
composicional”, estão diretamente e na mesma proporção ligados ao enunciado e 
são determinados pela especificidade de cada campo da comunicação. Conclui 
conceituando o que são os gêneros do discurso: “tipos relativamente estáveis de 
enunciados”. 
Sobre a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso, o autor afirma: 
 
[...] são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da 
multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa 
atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e 
se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um 
determinado campo. Cabe salientar em especial a extrema 
25 
 
 
heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos) [...]. 
(BAKHTIN, 2010b, p. 262). 
 
 
Portanto, compreendemos que os gêneros do discurso são tão variados que 
não temos como enumerar. Eles crescem em número na medida em que 
determinados campos da comunicação discursiva se complexificam. 
O autor mostra, ainda, que os gêneros do discurso são divididos em primário 
e secundário, apresentando a diferença entre eles: 
 
 
Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances, 
dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros 
publicísticos, etc.) surgem nas condições de um convívio cultural 
mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado 
(predominantemente o escrito) – artístico, científico, sociopolítico, 
etc. No processo de formação eles incorporam e reelaboram diversos 
gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da 
comunicação discursiva imediata (BAKHTIN, 2010b, p. 263). 
 
 
A diferença entre os gêneros do discurso secundários e primários, conforme o 
autor, é que o primeiro é mais complexo, está ligado a atividades culturais mais 
complexas, e aparece, geralmente, na modalidade escrita; já o segundo é mais 
simples, sendo formado “nas condições da comunicação discursiva imediata”. O 
autor mostra como os gêneros secundários são formados, por exemplo, romances, 
dramas, pesquisas científicas e os grandes gêneros publicísticos: no processo de 
convívio cultural mais complexo, como o científico, sociopolítico e artístico ─ “eles 
incorporam e reelaboram diversos gêneros primários”, ou seja, eles são formados 
por vários gêneros primários. 
A seguir, iremos apresentar os três elementos que estão diretamente ligados 
ao todo do enunciado: o conteúdo temático (o tema), a construção composicional e o 
estilo. 
 
3.2 O TEMA, A COMPOSIÇÃO E O ESTILO DOS GÊNEROS DISCURSIVOS 
 
 
26 
 
 
O tema do enunciado/da enunciação é um termo sujeito a dúvidas, pois 
muitas vezes se confunde com o tema de uma obra de arte 
(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010a, p. 133) ou o assunto tratado em um enunciado, 
por exemplo. Em seus estudos sobre a língua, Bakhtin/Volochínov (2010a, p. 133) 
apresentam a definição de tema: 
 
 
Um sentido definido e único, uma significação unitária, é uma 
propriedade que pertence a cada enunciação como um todo. Vamos 
chamar o sentido da enunciação completa o seu tema. O tema deve 
ser único. Caso contrário, não teríamos nenhuma base para definir a 
enunciação. O tema da enunciação é na verdade, assim como a 
própria enunciação, individual e não reiterável. 
 
 
A partir dessa definição, podemos compreender que em cada 
enunciado/enunciação existe um tema que é único, individual, irrepetível, 
diferentemente do assunto, por exemplo, que pode ser repetido em 
enunciados/enunciações diferentes. Na sequência, Bakhtin/Volochínov (2010a, p. 
133) mostram como o tema se apresenta: 
 
 
Ele se apresenta como a expressão de uma situação histórica 
concreta que deu origem à enunciação. A enunciação: “Que horas 
são?” tem um sentido diferente cada vez que é usada e também, 
consequentemente, na nossa terminologia, um outro tema, que 
depende da situação histórica concreta (histórica, numa escala 
microscópica) em que é pronunciada e da qual constitui na verdade 
um elemento. 
 
 
Compreendemos, então, que o tema é condicionado a uma situação histórica 
concreta, a um contexto histórico. Por isso, um mesmo enunciado concreto ou uma 
mesma enunciação completa, pronunciado(a) em momentos diversos, ganha 
sentidos diferentes e, em consequência, apresenta temas diferentes, pois não temos 
como concretizar um enunciado/uma enunciação da mesma forma em situações 
distintas, mesmo que ele(a) seja pronunciado(a) por um mesmo sujeito. O exemplo 
nos mostra que o tema pode ser depreendido de uma oração, desde que ela se 
27 
 
 
apresente como um enunciado concreto/uma enunciação completa, isto é, seja fruto 
de uma situação histórica concreta, pronunciada por algum sujeito. 
Para Bakhtin/Volochínov (2010a, p. 133-134), 
 
 
[...] o tema da enunciação é determinado não só pelas formas 
linguísticas que entram na composição (as palavras, as formas 
morfológicas ou sintáticas, os sons, as entoações), mas igualmente 
pelos elementos não verbais da situação. Se perdermos de vista os 
elementos da situação, estaremos tampouco aptos a compreender a 
enunciação como se perdêssemos suas palavras mais importantes. 
O tema da enunciação é concreto, tão concreto como o instante 
histórico ao qual ela pertence. Somente a enunciação tomada em 
toda a sua amplitude concreta, como fenômeno histórico, possui um 
tema. Isto é o que se entende por tema da enunciação. 
 
 
Nesse excerto, compreendemos que o tema do enunciado 
concreto/enunciação completa é depreendido não somente por meio das formas 
linguísticas, mas, também, pelo contexto extraverbal que “[...] compreende o 
compartilhamentopelos interlocutores do horizonte espaço-temporal, do 
conhecimento da situação e de avaliações e julgamentos” (GEGE, 2009, p. 99). 
Ao tratar sobre o tema em conexão com o problema da compreensão, 
Bakhtin/Volochínov (2010a, p. 136-137) afirmam que “qualquer tipo genuíno de 
compreensão deve ser ativo, deve conter já o germe de uma resposta. Só a 
compreensão ativa nos permite apreender o tema [...]”. 
Em relação ao estilo, Bakhtin (2010b) compreende que o estilo individual é 
construído a partir de, no mínimo, duas consciências: eu-outro, mesmo que o “outro” 
seja a consciência do próprio sujeito, como podemos ver no exemplo em que 
Bakhtin (1997, p. 75) cita a personagem Raskólnikov, a qual trava um diálogo 
consigo mesma (“o monólogo interior dialogado”), como se conversasse com outra 
pessoa. Mesmo assim, seu discurso interior está cheio de palavras, enunciados de 
“outros”, pois o consciente e o discurso interior são formados socialmente pela 
pluralidade de vozes. Portanto, apesar de o estilo individual ser construído dessa 
forma, pela alteridade, ele é singular, pois cada sujeito é único, irrepetível. 
Bakhtin (2010b, p. 265), ao realizar o estudo sobre os gêneros do discurso, 
trouxe para a discussão a questão do estilo, afirmando, inicialmente: 
 
28 
 
 
 
Todo estilo está indissoluvelmente ligado ao enunciado e às formas 
típicas de enunciados, ou seja, aos gêneros do discurso. Todo 
enunciado ─ oral e escrito, primário e secundário e também em 
qualquer campo da comunicação discursiva [...] ─ é individual e por 
isso pode refletir a individualidade do falante (ou de quem escreve), 
isto é, pode ter estilo individual. 
 
 
Portanto, para compreender o estudo bakhtiniano acerca de estilo, é 
necessário o entendimento de que o estilo não se dissocia do gênero do discurso, 
aquele é um dos componentes deste, em qualquer esfera da comunicação 
discursiva, no gênero oral ou escrito, ou, ainda, primário ou secundário, podendo 
ter como característica o posicionamento individual do falante/escrevente. 
Compreendemos também que o auditório do falante define o seu estilo. 
Nesse sentido, concordamos com o filósofo russo quando ele afirma que “o mundo 
interior e a reflexão de cada indivíduo têm um auditório social próprio bem 
estabelecido, em cuja atmosfera se constrói suas deduções interiores, suas 
motivações, apreciações, etc.” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010a, p. 117). 
Porém, não é em todos os gêneros do discurso que o estilo individual se 
manifesta, conforme o autor chama a atenção: 
 
 
Entretanto, nem todos os gêneros são igualmente propícios a tal 
reflexo da individualidade do falante na linguagem do enunciado, ou 
seja, ao estilo individual. 
Na imensa maioria dos gêneros discursivos (exceto nos artísticos-
literários), o estilo individual não faz parte do plano do enunciado, 
não serve como um objetivo seu, mas é, por assim dizer, um 
epifenômeno do enunciado, seu produto complementar (BAKHTIN, 
2010b, p. 265). 
 
 
Após informar que nem todo gênero discursivo é propício à emergência do 
estilo individual, o autor apresenta os gêneros do discurso mais favoráveis a essa 
ocorrência: 
 
 
Os gêneros mais favoráveis da literatura de ficção: aqui o estilo 
individual integra diretamente o próprio edifício do enunciado, é um 
29 
 
 
dos seus objetivos principais (contudo, no âmbito da literatura de 
ficção, os diferentes gêneros são diferentes possibilidades para a 
expressão da individualidade da linguagem através de diferentes 
aspectos da individualidade) (BAKHTIN, 2010b, p. 265). 
 
 
Ele declara que os gêneros mais propícios para a presença do estilo 
individual são os da literatura de ficção, campo de investigação que muito apreciava 
e utilizou em seus estudos para tratar de questões relacionadas à linguagem, em 
sua concepção dialógica. Porém, esse traço de individualidade pode ser observado 
em gêneros discursivos diversos, pois, além de estudos de gêneros discursivos 
pertencentes ao campo da literatura, Bakhtin contemplou os estudos de outros 
gêneros do discurso, não literários, que circulam nas variadas esferas da sociedade. 
A seguir, apresenta os gêneros do discurso menos propícios para a expressão da 
individualidade da linguagem: 
 
 
As condições menos propícias para o reflexo da individualidade na 
linguagem estão presentes naqueles gêneros do discurso que 
requerem uma forma padronizada, por exemplo, em muitas 
modalidades de documentos oficiais, de ordens militares [...] 
(BAKHTIN, 2010b, p. 265). 
 
 
Nesses documentos oficiais, o efeito de individualidade é menos propício 
porque a sua construção composicional, o seu conteúdo temático, geralmente, são 
fixos, rígidos, não havendo, dessa forma, espaço para marcas de individualidade, 
diferentemente de outros gêneros do discurso, pertencentes tanto às camadas 
literárias quanto às camadas não literárias, que não têm uma estrutura fixa, rígida, 
portanto, são mais propícios à presença das marcas de individualidade. 
Além do estilo individual, Bakhtin (2010b, p. 266) estudou o estilo funcional, 
ou seja, o estilo do gênero do discurso de determinadas esferas da atividade 
humana e da comunicação, conforme afirma: 
 
 
A relação orgânica e indissolúvel do estilo com o gênero se revela 
nitidamente também na questão dos estilos de linguagem ou 
funcionais. No fundo, os estilos de linguagem ou funcionais não são 
30 
 
 
outra coisa senão estilos de gênero de determinadas esferas da 
atividade humana e da comunicação. Em cada campo existem e são 
empregados gêneros que correspondem às condições específicas de 
dado campo; é a esses gêneros que correspondem determinados 
estilos. Uma determinada função (científica, técnica, publicística, 
oficial, cotidiana) e determinadas condições de comunicação 
discursiva, específicas de cada campo, geram determinados 
gêneros. 
 
 
Esse estilo é condicionado por alguns fatores, como enfatiza o filósofo: 
“determinada função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e 
determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo”. 
Portanto, quando construímos enunciados, os concretizamos por meio de gêneros e, 
de acordo com os nossos objetivos, utilizamos determinados gêneros, que são 
próprios de cada campo discursivo. 
Os gêneros do discurso, de acordo com Bakhtin (2010b, p. 262), são “tipos 
relativamente estáveis de enunciados”, pois são passíveis de renovações, 
mudanças. Nesse sentido, “[...] à medida que se desenvolve e se complexifica um 
determinado campo” (BAKHTIN, 2010b, p. 262), os usuários da língua vão fixando 
as suas particularidades nos gêneros. Bakhtin (2010b, p. 268) afirma: 
 
 
Em cada época de evolução da linguagem literária, o tom é dado por 
determinados gêneros do discurso, e não só gêneros secundários 
(literários, publicísticos, científicos), mas também primários 
(determinados tipos de diálogo oral- de salão, íntimo, de círculo, 
familiar-cotidiano, sociopolítico, filosófico, etc.). Toda ampliação da 
linguagem literária à custa das diversas camadas extraliterárias da 
língua nacional está intimamente ligada à penetração da linguagem 
literária em todos os gêneros (literários, científicos, publicísticos, de 
conversação, etc.), em maior ou menor grau, também dos novos 
procedimentos de gênero de construção do todo discursivo, do seu 
acabamento, da inclusão do ouvinte ou parceiro, etc., o que acarreta 
uma reconstrução e uma renovação mais ou menos substancial dos 
gêneros do discurso. 
A passagem do estilo de um gênero para outro não só modifica o 
som do estilo nas condições do gênero que não lhe é próprio como 
destrói ou renova tal gênero. 
 
 
Desse modo, quando o estilo de um gênero penetra em outro, ocorrem 
mudanças de ordens diversas: eles podem ser reconstruídos, renovados, estando 
31 
 
 
em constante modificação. Em relação às modificações dos gêneros, Alves (2008, p. 
139-140), em concordância com Bakhtin(2010b), afirma que 
 
 
[...] os gêneros apresentam um caráter sócio-histórico, uma vez que 
estão diretamente relacionados a diferentes situações sociais. Dado 
esse caráter, os gêneros não são estáticos, imutáveis ou formas 
desprovidas de dinamicidade. Relativamente estáveis, eles mudam 
com as práticas sociais, alteram-se com a aplicação de novos 
procedimentos de organização e de acabamento do todo verbal e de 
uma modificação do lugar atribuído ao ouvinte. 
 
 
Portanto, é devido ao fato de os gêneros apresentarem, na sua essência, um 
caráter sócio-histórico e cultural e serem expostos a diferentes situações 
comunicativas que eles se caracterizam como formas passíveis de mudanças, pois, 
como afirmam Bakhtin/Volochínov (2010a, p. 118), “a situação e os participantes 
mais imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação”. 
 
 
3.3 O ENUNCIADO CONCRETO: A UNIDADE REAL DA COMUNICAÇÃO 
DISCURSIVA 
 
 
A discussão sobre enunciado (unidade real da comunicação discursiva) é 
apresentada por Bakhtin/ Volochínov (2010a) e Bakhtin (2010b) a partir dos seus 
estudos críticos sobre a denominada corrente filosófico-linguística “objetivismo 
abstrato”. 
No centro dos estudos de Bakhtin/ Volochínov (2010a) está a linguagem, na 
perspectiva dialógica ─ seja ela pensada como língua, seja como 
discurso/linguagem ─, em suas várias manifestações nas relações humanas, voltada 
para os contextos histórico-social e cultural. Nesse sentido, o filósofo apresenta a 
sua posição em relação à língua e à linguagem, que se diferencia da do pensamento 
filosófico-linguístico do objetivismo abstrato. O representante maior desse 
pensamento filosófico-linguístico foi Ferdinand de Saussure, conforme afirmam 
Bakhtin/Volochínov (2010a, p. 86): “A chamada escola de Genebra, com Ferdinand 
32 
 
 
de Saussure, mostra-se como a mais brilhante expressão do objetivismo abstrato em 
nosso tempo”. 
Bakhtin/Volochínov (2010a, p. 87) mostram que Saussure, em seus estudos, 
parte do princípio da tríplice distinção: le langage (a linguagem), la langue (a língua) 
e la parole (a fala), em que a língua e a fala são os elementos constitutivos da 
linguagem ─ “compreendida como a totalidade (sem exceção) de todas as 
manifestações ─ físicas, fisiológicas e psíquicas ─ que entram em jogo na 
comunicação linguística”, importando para ele o estudo da língua. Segundo 
Bakhtin/Volochínov (2010a, p. 85, grifo dos autores), essa orientação de estudo está 
nas raízes do racionalismo dos séculos XVII e XVIII: 
 
 
É preciso procurar as raízes desta orientação no racionalismo dos 
séculos XVII e XVIII. Tais raízes mergulham no solo fértil do 
cartesianismo. Foi Leibniz quem exprimiu, pela primeira vez, estas 
ideias de forma clara, na sua teoria da gramática universal. 
A ideia de uma língua convencional, arbitrária, é característica de 
toda corrente racionalista, bem como o paralelo estabelecido entre o 
código linguístico e o código matemático. Ao espírito orientado para a 
matemática, dos racionalistas, o que interessa não é a relação do 
signo com a realidade por ele refletida ou com o indivíduo que o 
engendra, mas a relação de signo para signo no interior de um 
sistema fechado, e não obstante aceito e integrado. Em outras 
palavras, só lhes interessa a lógica interna do próprio sistema de 
signos, este é considerado, assim como na lógica, 
independentemente por completo das significações ideológicas que a 
ele se ligam. 
 
 
Os autores mostram as raízes da orientação dos estudos saussureanos: “no 
racionalismo dos séculos XVII e XVIII. Tais raízes mergulham no solo fértil do 
cartesianismo”; criticam a escolha de Saussure, pois foi baseada em um sistema 
fechado, puramente racional, orientado para o estudo matemático, que não 
contempla o contexto do uso da língua e os variados sujeitos-usuários dela; 
ademais, “só lhes interessa a lógica interna do próprio sistema de signos”, deixando 
de lado a ideologia, privilegiando a lógica. Portanto, para Bakhtin/Volochínov 
(2010a), o signo é por natureza ideológico e indissociável de um contexto histórico-
social-cultural e da relação social de interação entre os sujeitos na comunicação 
verbal. Sobre tal discussão, eles afirmam que 
 
33 
 
 
 
[...] o que falta à linguística contemporânea é uma abordagem da 
enunciação em si. Sua análise não ultrapassa a segmentação em 
constituintes imediatos. E, no entanto, as unidades reais da cadeia 
verbal são as enunciações. Mas, justamente, para estudar as formas 
dessas unidades, convém não separá-las do curso histórico das 
enunciações. Enquanto um todo, a enunciação só se realiza no curso 
da comunicação verbal, pois o todo é determinado pelos seus limites, 
que se configuram pelos pontos de contato de uma determinada 
enunciação com o meio extraverbal e verbal (isto é, as outras 
enunciações) (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010a, p. 129). 
 
 
Já em outro estudo empreendido por Bakhtin (2010b), a respeito do 
enunciado, a discussão gira em torno da distinção entre enunciado e oração 
gramatical. Para o referido autor, o estudo do enunciado parte do princípio de que no 
processo da comunicação discursiva é necessário reconhecer o papel ativo do 
“outro”, enquanto que na oração gramatical o “outro” é apagado, silenciado, 
desconhece o papel ativo do “outro”. 
Bakhtin (2010b, p. 272-273) faz críticas aos estudos que se baseiam na 
oração gramatical para descrever uma língua e moldar o seu uso: 
 
 
O ouvinte com sua compreensão passiva, que é representado como 
parceiro do falante nos desenhos esquemáticos das linguísticas 
gerais, não corresponde ao participante real da comunicação 
discursiva. Aquilo que o esquema representa é apenas um momento 
abstrato do ato pleno e real da compreensão ativamente responsiva, 
que gera a resposta (a que precisamente visa o falante). […] Como 
resultado, o esquema deforma o quadro real da comunicação 
discursiva, suprimindo dela precisamente os momentos mais 
substanciais. Desse modo, o papel ativo do outro no processo de 
comunicação discursiva sai extremamente enfraquecido. 
 
 
Nesse trecho, percebemos que as críticas partem dos seus estudos sobre a 
corrente filosófico-linguística denominada de objetivismo abstrato, que se diferencia 
da concepção dialógica da linguagem, empreendida por ele. Nessa última 
perspectiva, a língua é compreendida como signo ideológico e o sujeito como 
indivíduo falante, respondente, posicionado, diferentemente da concepção de 
objetivismo abstrato, que vê a língua como um sistema neutro, desprovido de 
conteúdo ideológico, em que uma mesma palavra utilizada em variados contextos 
34 
 
 
terá sempre um único significado. Mostra que o sujeito/ouvinte nos desenhos 
esquemáticos das linguísticas gerais é passivo, não corresponde ao participante da 
unidade real da comunicação discursiva, o que ocorre, certamente, porque “[…] se é 
indefinido e vago o que dividem e decompõem em unidades da língua, nestas 
também se introduzem a indefinição e a confusão” (BAKHTIN, 2010b, p. 274). 
O autor mostra outro problema das linguísticas gerais: a vagueza da 
decomposição das orações em unidades mínimas e de forma descontextualizada da 
realidade do sujeito participante da sua construção, afirmando que 
 
 
[…] o discurso só pode existir de fato na forma de enunciações 
concretas de determinados falantes, sujeitos do discurso. O discurso 
sempre está fundido em forma de enunciado pertencente a um 
determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma não pode existir. 
O falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou 
dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva. O enunciado 
não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, 
precisamente delimitada da alternância dos sujeitos do discurso, a 
qual termina com a transmissão da palavra ao outro, por mais 
silencioso seja o “dixi” percebido pelos ouvintes [como sinal] de que o 
falante terminou (BAKHTIN, 2010b, p. 274-275).O filósofo russo mostra que o discurso somente pode existir na forma de 
enunciações concretas de determinados falantes. Inclui, ainda, na sua perspectiva, o 
sujeito na sua posição ativa responsiva, além de apresentar a perspectiva “clássica 
de comunicação discursiva”, que é o diálogo, configurado na alternância dos sujeitos 
no discurso ─ denominados por Bakhtin (2010b, p. 275) de “parceiros do diálogo” ─, 
pois todo discurso pressupõe uma resposta, mesmo que esta seja em forma de 
silêncio, o que indica que o falante concluiu o diálogo ou está se preparando para 
responder. 
Para Bakhtin (2003, p. 300), 
 
 
o falante não é um Adão, e por isso o próprio objeto do seu discurso 
se torna inevitavelmente um palco de encontro com opiniões de 
interlocutores imediatos (na conversa ou na discussão sobre algum 
acontecimento do dia a dia) ou com pontos de vista, visões de 
mundo, correntes, teorias, etc. (no campo da comunicação cultural). 
Uma visão de mundo, uma corrente, um ponto de vista, uma opinião 
35 
 
 
sempre têm uma expressão verbalizada. Tudo isso é discurso do 
outro (em forma pessoal ou impessoal), e este não pode deixar de 
refletir-se no enunciado. O enunciado está voltado não só para o seu 
objeto, mas também para o discurso do outro sobre ele. 
 
 
Dessa forma, o autor nos informa que, na perspectiva dialógica do discurso, 
além da existência da opinião do falante/escrevente em relação ao seu objeto 
discursivo, há pontos de vista de interlocutores imediatos sobre o seu objeto de 
discurso, que são configurados como discurso do outro, refletindo-se no enunciado. 
Um traço essencial, constitutivo do enunciado, de acordo com Bakhtin (2003), 
é o direcionamento do enunciado a alguém, o seu endereçamento. A respeito de tal 
traço, ele afirma: 
 
 
 À diferença das unidades significativas da língua ─ palavras e 
orações ─, que são impessoais, de ninguém e a ninguém estão 
endereçadas, o enunciado tem autor [...] e destinatário. Esse 
destinatário pode ser um participante-interlocutor direto do diálogo 
cotidiano, pode ser uma coletividade diferenciada de especialistas de 
algum campo especial da comunicação cultural, pode ser um público 
mais ou menos diferenciado, um povo, os contemporâneos, os 
correligionários, os adversários e inimigos, o subordinado, o chefe, 
um inferior, um superior, uma pessoa íntima, um estranho, etc. [...] 
(BAKHTIN, 2003, p. 301). 
 
 
Nesse fragmento, ele faz uma diferenciação básica entre as características 
das unidades significativas da língua (palavras e orações) e o enunciado. Enquanto 
as palavras e as orações apresentam a característica da impessoalidade ─ não têm 
autor, nem destinatário ─, o enunciado, ao contrário, possui autor e destinatário. 
Em outro fragmento, ainda sobre o destinatário, Bakhtin (2003, p. 302, grifo 
do autor) apresenta seu ponto de vista: 
 
 
Ao falar, sempre levo em conta o fundo aperceptível da percepção do 
meu discurso pelo destinatário: até que ponto ele está a par da 
situação, dispõe de conhecimentos especiais de um dado campo 
cultural da comunicação; levo em conta as suas concepções e 
convicções, os seus preconceitos (do meu ponto de vista), as suas 
simpatias e antipatias – tudo isso irá determinar a ativa compreensão 
responsiva do meu enunciado por ele. Essa consideração irá 
36 
 
 
determinar também a escolha do gênero do enunciado e a escolha 
dos procedimentos composicionais e, por último, dos meios 
linguísticos, isto é, o estilo do enunciado. 
 
 
Para ele, o destinatário é um elemento fundamental na construção de todo 
enunciado, de qualquer esfera da comunicação discursiva. O autor fala/escreve o 
seu enunciado de maneira tal que o seu destinatário possa ter uma compreensão 
responsiva. Além disso, o destinatário influencia a escolha do gênero do discurso, os 
procedimentos composicionais e o estilo do enunciado que o autor fará para colocar 
em prática e alcançar os seus objetivos no seu projeto de dizer algo a alguém. 
Conforme Bakhtin (2010b), os três fatores definidores do enunciado são: a 
exauribilidade do objeto e do sentido; o projeto de discurso ou vontade de discurso 
do falante; e as formas típicas composicionais e de gênero do acabamento. 
O primeiro fator diz respeito ao que é possível dizer no momento que alguém 
produz um texto, são os limites da conclusibilidade. O segundo está diretamente 
ligado ao primeiro pela conclusibilidade, diz respeito à vontade discursiva do falante 
e esta irá determinar o todo do enunciado, desde o volume até a escolha do gênero 
discursivo. Por fim, o terceiro fator trata das escolhas dos gêneros discursivos que 
fazemos para construirmos nossos enunciados. 
Bakhtin (2010b, p. 282) afirma que “a vontade discursiva do falante se realiza 
antes de tudo na escolha de um certo gênero do discurso” e ressalta que “falamos 
apenas através de determinados gêneros de discurso, isto é, todos os nossos 
enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do 
todo”. 
Outra questão importante relacionada ao enunciado é sobre a análise 
estilística. Bakhtin (2010b, p. 306) ressalta: 
 
 
A análise estilística, que abrange todos os aspectos do estilo, só é 
possível como análise de um enunciado pleno e só naquela cadeia 
da comunicação discursiva da qual esse enunciado é um elo 
inseparável. 
 
 
37 
 
 
Dessa forma, somente é possível fazer uma análise estilística se for 
considerado o enunciado pleno, pois quando se analisa uma oração isolada, fora de 
um contexto, se perdem muitas informações que podem alterar a análise. 
A seguir, iremos apresentar alguns enfoques para a compreensão das vozes 
sociais no discurso. 
 
 
3.4 AS VOZES SOCIAIS E AS RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE ELAS 
 
 
A unicidade do sujeito, construída por meio da alteridade, e o signo ideológico 
são questões fundamentais para a compreensão da constituição das vozes no 
enunciado, segundo estudos de Bakhtin. Vale ressaltar que essas questões não 
foram contempladas na teoria linguística de Saussure, que concebia a língua como 
um signo estável, homogêneo, abstrato, neutro e como um fenômeno social. 
Ademais, Saussure rejeitou o estudo da fala porque a compreendia como um objeto 
instável, um ato individual, efêmero, condicionado à vontade do indivíduo. 
Sinteticamente, ele explica a sua visão de língua e fala: “Separando-se a língua da 
fala, separa-se ao mesmo tempo: em primeiro lugar, o que é social do que é 
individual; em segundo lugar, o que é essencial do que é acessório e relativamente 
acidental” (SAUSSURE apud BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010a, p. 89). 
Bakhtin/Volochínov (2010a), ao analisarem tais postulações, tecem críticas ao 
pensamento do linguista em relação à língua e à fala e apresentam a concepção de 
língua como um fato social, como signo ideológico, concreto, cuja função é atender 
às necessidades de comunicação dos sujeitos, em contexto determinado, que leva 
em consideração os aspectos espaço-temporais. Diante disso, eles afirmam que 
 
 
[...] toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo 
fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para 
alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e 
do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao 
outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em 
última análise, em relação à coletividade (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 
2010a, p. 117). 
 
 
38 
 
 
Ampliando o conceito de palavra, Bakhtin/ Volochínov (2010a) argumentam 
que a palavra veicula a ideologia e define a língua, conforme ressalta Yaguello 
(2010), como expressão das relações e lutas sociais, veiculando e sofrendo o efeito 
dessa luta, ou seja, a palavra não é neutra, ela é por natureza ideológica. 
A interação do eu com o outro é um fenômeno determinante para a 
compreensão das noções empreendidas pelo filósofo russo, pois os sujeitos, em sua 
totalidade, são construídos na relaçãosocial, por meio da interação eu/outro, 
portanto, a sua linguagem, em todas as modalidades, estará carregada da 
especificidade da relação social, conforme argumenta Bakhtin (2010b, p. 350): 
 
 
É extraordinariamente aguda a sensação do seu e do outro na 
palavra, no estilo, nos matizes e meandros mais sutis do estilo, na 
entonação, no gesto verbalizado, no gesto corporal (mímico), na 
expressão dos olhos, do rosto, das mãos, de toda a aparência física, 
no modo de conduzir o próprio corpo. O acanhamento, a presunção, 
o atrevimento, a desfaçatez (Snieguirióv), a afetação, a denguice (o 
corpo se torce e dá voltas na presença do outro), etc. Em tudo 
através do que o homem se exprime exteriormente (e, por 
conseguinte, para o outro) ─ do corpo à palavra ─ ocorre uma tensa 
interação do eu com o outro: luta entre os dois (luta honesta ou 
impostura mútua), equilíbrio, harmonia (como ideal), 
desconhecimento ingênuo de um a respeito do outro, ignorância 
mútua deliberada, desafio, não reconhecimento (o homem do 
subsolo, que “não dá atenção”, etc.), etc. Repetimos que essa luta 
ocorre em tudo através do que o homem se exprime (revela-se) 
exteriormente (para os outros): do corpo à palavra, inclusive à última, 
à palavra confessional (BAKHTIN, 2010b, p. 350). 
 
 
Diante do exposto, não há como negar o caráter social, tanto da língua quanto 
da fala, uma vez que ambas, assim como a totalidade do homem, são resultados 
das construções sociais, na interação eu/outro. A luta à qual o autor se refere está 
relacionada ao travamento de ideias, de ideologias, da relação das vozes do eu e do 
outro. 
Bakhtin (1997, p. 182-183, grifo do autor) mostra que na linguagem, enquanto 
objeto da linguística, não pode haver relações dialógicas: 
 
 
Na linguagem, enquanto objeto da linguística não há e nem pode 
haver quaisquer relações dialógicas: estas são impossíveis entre os 
39 
 
 
elementos no sistema da língua (por exemplo, entre as palavras no 
dicionário, entre os morfemas, etc.) ou entre os elementos do “texto”, 
num enfoque rigorosamente linguístico deste. Elas tampouco podem 
existir entre as unidades de um nível nem entre as unidades de 
diversos níveis. Não podem existir, evidentemente, entre as unidades 
sintáticas, por exemplo, entre as orações vistas de uma perspectiva 
rigorosamente linguística. 
Não pode haver relações dialógicas tampouco entre os textos, vistos 
também sob uma perspectiva rigorosamente linguística. Qualquer 
confronto puramente linguístico ou grupamento de quaisquer textos 
abstrai forçosamente todas as relações dialógicas entre eles 
enquanto enunciados integrais. 
[...] a linguística estuda a “linguagem” propriamente dita com sua 
lógica específica na sua generalidade, como algo que torna possível 
a comunicação dialógica, pois ela abstrai consequentemente as 
relações propriamente dialógicas. Essas relações se situam no 
campo do discurso, pois este é por natureza dialógico [...]. 
 
 
Portanto, isso ocorre devido ao fato de a linguística ter como base o estudo 
puramente linguístico ─ da unidade mínima da língua ao texto ─ e não levar em 
conta aspectos extralinguísticos, como os sujeitos participantes do discurso, 
marcados por suas vozes sociais, suas posições axiológicas, que são fundamentais 
para a ocorrência das relações dialógicas. 
O autor continua a sua crítica ao pensamento da linguística pura em relação à 
linguagem, afirmando: 
 
 
As relações dialógicas são irredutíveis às relações lógicas ou às 
concreto-semânticas, que por si mesmas carecem de momento 
dialógico. Devem personificar-se na linguagem, torna-se enunciados, 
converte-se em posições de diferentes sujeitos expressas na 
linguagem para que entre eles possam surgir relações dialógicas 
(BAKHTIN, 1997, p. 183, grifo do autor). 
 
 
Nesse trecho, o filósofo russo, ao tratar das relações dialógicas, deixa claro 
que estas somente ocorrem quando há “posições de diferentes sujeitos expressas 
na linguagem para que entre eles possam surgir relações dialógicas” (BAKHTIN, 
1997, p. 183). Nesse sentido, Faraco (2006, p. 64) confirma que as relações 
dialógicas são 
 
 
40 
 
 
[...] relações entre índices sociais de valor – que [...] constituem, no 
conceitual do Círculo de Bakhtin, parte inerente de todo enunciado, 
entendido este não como unidade da língua, mas como unidade da 
interação social; não como um complexo de relações entre palavras, 
mas como um complexo de relações entre pessoas socialmente 
organizadas. 
 
 
O autor russo cita dois exemplos de como as relações dialógicas podem 
ocorrer, levando em conta as relações lógicas ou concreto-semânticas: 
 
 
“A vida é boa”. “A vida não é boa”. Estamos diante de dois juízos 
revestidos de determinada forma lógica e em conteúdo concreto-
semântico (juízos filosóficos acerca do valor da vida) definido. Entre 
esses juízos há certa relação lógica: um é a negação do outro. Mas 
entre eles não há nem pode haver quaisquer relações dialógicas, 
eles não discutem absolutamente entre si (embora possam propiciar 
matéria concreta e fundamento lógico para a discussão). 
“A vida é boa”. “A vida é boa”. Estamos diante de dois juízos 
absolutamente idênticos, em essência, diante de um único juízo, 
escrito (ou pronunciado) por duas vezes, mas esse “dois” se refere 
apenas à materialização da palavra e não ao próprio juízo. É verdade 
que aqui podemos falar de relação lógica de identidade entre dois 
juízos. Mas se esse juízo puder expressar-se em duas enunciações, 
de dois diferentes sujeitos, entre elas surgirão relações dialógicas 
(acordo, confirmação) (BAKHTIN, 1997, p. 183-184, grifo do autor). 
 
 
Nesses dois exemplos, observamos que o autor não nega a importância da 
relação lógica ou concreto-semântica nos enunciados. No entanto, mostra que, da 
forma como os exemplos se apresentam, não existem informações suficientes para 
que ocorram relações dialógicas. Da maneira que os exemplos foram escritos, não 
há informação alguma da presença dos sujeitos (que devem ser no mínimo dois ─ 
mesmo que esses dois sujeitos sejam: o indivíduo e a sua consciência, como nos 
modelos de diálogo interior) para delimitar o enunciado de um e o enunciado do 
outro ─ e, consequentemente, seus posicionamentos. Portanto, nesses exemplos, 
não se trata de enunciados, e, sim, simplesmente, de frases soltas. Porém, elas 
podem tornar-se enunciados e entre eles surgir relações dialógicas, desde que se 
tenha a nítida percepção de enunciados de diferentes sujeitos num dado contexto 
social ─ em forma de embate, de acordo, de desacordo, de adesão, de 
41 
 
 
questionamento, de confirmação etc., pois “o Círculo de Bakhtin entende as relações 
dialógicas como espaços de tensão entre enunciados” (FARACO, 2006, p. 67). 
Ampliando a discussão no que concerne às relações lógicas e concreto-
semânticas, Bakhtin (1997, p. 184, grifo do autor) declara: 
 
 
As relações dialógicas são absolutamente impossíveis sem relações 
lógicas e concreto-semânticas, mas são irredutíveis a estas e têm 
especificidade própria. 
Para se tornarem dialógicas, as relações lógicas e concreto-
semânticas devem [...] materializar-se, ou seja, devem passar a outro 
campo da existência, devem tornar-se discurso, ou seja, enunciado, 
e ganhar autor, criador de dado enunciado cuja posição ela 
expressa. 
 
 
Nesses trechos, o autor, mais uma vez, esclarece sobre a importância das 
relações lógicas e concreto-semântica nas relações dialógicas, mas confirma que 
somente a presença dessas duas características não é suficiente para a ocorrência 
das relações dialógicas no discurso. Outra importante informação nessa discussão 
diz respeito ao discurso/enunciado: para que as relações lógicas e concreto-
semântica se tornem dialógicas é necessário que elas se tornem, segundo o autor, 
“discurso, ou seja, enunciado, e ganhar autor, criador de dado enunciado cuja 
posição ela expressa”. Ainda nessa perspectiva, nas palavras de Faraco (2006,

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