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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO PÚBLICA ELIANE LEANDRO DE MATOS GESTÃO DE CONFLITOS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI: uma abordagem de rede para as relações entre variáveis do conflito organizacional NATAL/RN 2022 ELIANE LEANDRO DE MATOS GESTÃO DE CONFLITOS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI: uma abordagem de rede para as relações entre variáveis do conflito organizacional Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito para obtenção do título de Mestre em Gestão Pública. Orientadora: Profa. Dra. Mariana Mazzini Marcondes Coorientador: Prof. Dr. Paulo Felipe Ribeiro Bandeira NATAL/RN 2022 ELIANE LEANDRO DE MATOS GESTÃO DE CONFLITOS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI: uma abordagem de rede para as relações entre variáveis do conflito organizacional Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito para obtenção do título de Mestre em Gestão Pública. Aprovada em 29/08/2022, pela seguinte Comissão Examinadora: Profa. Dra. Mariana Mazzini Marcondes Universidade Federal do Rio Grande do Norte Orientadora Prof. Dr. Paulo Felipe Ribeiro Bandeira Universidade Regional do Cariri Coorientador Profa. Dra. Maria Teresa Pires Costa Universidade Federal do Rio Grande do Norte Examinadora Interna Profa. Dra. Liana de Andrade Esmeraldo Pereira Universidade Federal do Cariri Examinadora Externa NATAL/RN 2022 AGRADECIMENTOS A Deus, toda honra e toda glória sejam dadas a Ti. A minha família, em especial aos meus pais Elias e Maria e aos meus irmãos Elias, Marcos e Matheus e a minha irmã Marília, pelo incentivo, apoio e amparo em todos os dias de minha vida e pela compreensão durante as minhas ausências. A Universidade Federal do Cariri através da sua Pró-reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEP) que tornou possível a realização deste mestrado em convênio com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A todos os colegas da PROGEP e em especial à equipe da Coordenadoria de Admissão e Dimensionamento (CAP/PROGEP), pelo apoio e torcida durante esse projeto. Aos professores do Programa de Pós-graduação em Gestão Pública (PPGP/UFRN) pelos conhecimentos compartilhados, em especial a Profa. Dra. Mariana Mazzini Marcondes, pela orientação, ideias e pelo incentivo a pensar em perspectivas diferentes; às professoras Teresa Pires Costa e Pamela de Medeiros Brandão, por todas as contribuições para o desenvolvimento deste trabalho. Ao professor Dr. Paulo Felipe Ribeiro Bandeira, da Universidade Regional do Cariri, pela coorientação, paciência e atenção aos passos metodológicos desta pesquisa. A professora Dra. Liana de Andrade Esmeraldo Pereira, da Universidade Federal do Cariri, por todo auxílio e contribuições para esta pesquisa. A Lilian Moura Ramos pela disponibilidade e gentileza em ajudar com o questionário de estilos de gerenciamento. Aos colegas de turma, pela vivência e construção de conhecimento dentro e fora das aulas, em especial a Valderez e Alseni pela partilha no grupo de orientação da profa. Mariana Mazzini. Aos colegas de trabalho e mestrado Arnaldo, Ruth e Clara, pela amizade, companhia e apoio durante essa caminhada, desde os estudos de raciocínio lógico até este momento. A todos os amigos queridos e a tantas pessoas especiais que contribuíram de diversas formas para que esse desfecho na pós-graduação fosse construído, agradeço especialmente a Gilmária Gondim, por todo incentivo e apoio desde João Pessoa na Paraíba; a João Adolfo pela amizade e generosidade neste e em outros projetos; a Nelson Sandes pela parceria e partilha de desafios e alegrias nessa infinita highway. Aos servidores da Universidade Federal do Cariri, pela valiosa participação nesta pesquisa, em especial a todos aqueles que puderam ajudar também na divulgação. Por fim, agradeço a todos e a todas que de alguma forma contribuíram para a conclusão deste trabalho. Muito obrigada! The best result for the group will come from everyone in the group doing what is best for himself and the group. – J. Nash in A Beautiful Mind movie. Ainda que eu falasse a língua dos homens E falasse a língua dos anjos, sem amor, eu nada seria. – 1 Coríntios 13; Monte Castelo, Legião Urbana. RESUMO Este trabalho se propôs a analisar as relações entre o conflito intragrupo, estilos de gerenciamento de conflitos e variáveis sociodemográficas e funcionais de servidores públicos da Universidade Federal do Cariri, em uma perspectiva de rede. Partiu-se da compreensão de que o conflito é um fenômeno social, inevitável, complexo e imprevisível, possuindo capacidade de influenciar a qualidade de processos, produtos e relacionamentos. A pesquisa adotou o método quantitativo, sendo aplicada a Escala de Conflitos Intragrupos (ECIG), que investiga os conflitos nas dimensões tarefa e relacionamento; o Rahim Organizational Conflict Inventory (ROCI-II), que investiga cinco estilos de gerenciamento de conflito: Dominação, Evasão, Acomodação, Negociação e Integração; e questões sociodemográficas e funcionais. Na análise dos dados, adotou-se uma abordagem metodológica não linear, para objetos de estudo complexos. Os dados foram submetidos a uma análise de redes através do software RStudio, para verificar associações e identificar as variáveis mais influentes no conjunto. A análise dos resultados dos tipos de conflito evidenciou o agrupamento dos itens em apenas um cluster, corroborando com diversos estudos que apontaram que uma dimensão do conflito pode se confundir e se transformar na outra. Nas análises descritivas, observou-se que as quantidades de conflito percebidas pelos servidores se mantiveram em níveis baixos tanto para conflito de tarefa como conflito de relacionamento. Quanto aos estilos de gerenciamento, observou-se frequências altas para mais de um estilo, o que pode ser explicado pela utilização de mais de um estilo de gerenciamento de conflito pelos participantes. Verificou-se, que apenas quatro estilos foram identificados: Integração, Evasão, Acomodação e Dominação, sendo que o estilo Integração foi o mais frequente entre os participantes. Em síntese, as maiores frequências indicaram que a maioria dos participantes (>60%), no relacionamento com colegas de trabalho, concordam em colaborar buscando decisões aceitáveis para todos (65,1%), em tentar evitar desacordos (64,3%) e em trocar informações precisas para se chegar juntos às soluções dos problemas (63,9%). A análise de redes apontou que não há correlações determinantes entre o conflito intragrupo, estilos de gerenciamento de conflitos e variáveis sociodemográficas e funcionais. Foram verificadas as medidas de centralidade, força e influência esperada, para se identificar as variáveis mais influentes na rede. Observou-se que a variável sexo é a de menor força e que a variável escolaridade possui a menor influência esperada. Já as variáveis de maior influência esperada foram g5 (comportamento de integração, valor = 1,09), c2 (atrito pessoal, valor = 0,90), c11 (desafeto, valor = 0,90) e g17 (comportamento de evasão, valor = 0,89). A identificação dessas variáveis indica para os pontos estratégicos a serem considerados na formulação de intervenções pela organização. Conclui-se que a gestão de conflitos perpassaelementos dos relacionamentos entre as pessoas, que devem ser considerados em qualquer planejamento de intervenção. Por fim, sugere-se proposições para diagnóstico das relações de conflito, bem como ações para o desenvolvimento de competências individuais e grupais para gestão de conflitos. Palavras chaves: gestão de conflitos; conflito intragrupo; estilos de gerenciamento; análise de redes. ABSTRACT This work aimed to analyze the relationships between intragroup conflict, conflict management styles and sociodemographic and functional variables of public servants at the Federal University of Cariri, in a network perspective. It started from the understanding that conflict is a social phenomenon, inevitable, complex and unpredictable, having the ability to influence the quality of processes, products and relationships. The research adopted the quantitative method, being applied the Escala de Conflitos Intragrupos (ECIG), which investigates the conflicts in the task and relationship dimensions; the Rahim Organizational Conflict Inventory (ROCI-II), which investigates five styles of conflict management: Domination, Evasion, Accommodation, Negotiation, and Integration; and sociodemographic and functional issues. In data analysis, a non linear methodological approach was adopted for complex objects of study. The data were submitted to a network analysis through the RStudio software, to verify associations and identify the most influential variables in the set. The analysis of the results of the types of conflict evidenced the grouping of the items in only one cluster, corroborating with several studies that pointed out that one dimension of the conflict can be confused and transformed into the other. In the descriptive analyses, it was observed that the amounts of conflict perceived by the servers remained at low levels for both task conflict and relationship conflict. As for management styles, high frequencies were observed for more than one style, which can be explained by the use of more than one conflict management style by the participants. It was found that only four styles were identified: Integration, Evasion, Accommodation and Domination, with the Integration style being the most frequent among the participants. In summary, the highest frequencies indicated that most participants (>60%), in the relationship with co-workers, agree to collaborate seeking decisions acceptable to all (65.1%), to try to avoid disagreements (64.3%) and in exchanging precise information to reach solutions to problems together (63.9%). The network analysis showed that there are no decisive correlations between intragroup conflict, conflict management styles and sociodemographic and functional variables. Measures of centrality, strength and expected influence were verified to identify the most influential variables in the network. It was observed that the gender variable is the one with the lowest strength and that the education variable has the least expected influence. The variables with the greatest expected influence were g5 (integration behavior, value = 1.09), c2 (personal friction, value = 0.90), c11 (disaffection, value = 0.90) and g17 (avoidance behavior, value = 0.89). The identification of these variables indicates the strategic points to be considered in the formulation of interventions by the organization. It is concluded that conflict management permeates elements of relationships between people, which must be considered in any intervention planning. Finally, propositions are suggested for the diagnosis of conflict relationships, as well as actions for the development of individual and group competences for conflict management. Keywords: conflict management; intragroup conflict; management styles; network analysis. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CAS Sistemas Adaptativos Complexos CE/UFCA Comissão de Ética da Universidade Federal do Cariri CGU Controladoria Geral da União CGU-PAD Sistema de Gestão de Processos Disciplinares EBIC Extended Bayesian Information Criterion ECIG Escala de Conflitos Intragrupos EGA Exploratory Graph Analysis LASSO Least Absolute Shrinkage and Selection Operator MEC Ministério da Educação ONU Organização das Nações Unidas PAD Processo administrativo disciplinar PDI Plano de Desenvolvimento Institucional PDP Plano de Desenvolvimento de Pessoal PEI Planejamento Estratégico Institucional PMS Professor do Magistério Superior PROGEP Pró-reitoria de Gestão de Pessoas ROCI–II Rahim Organizational Conflict Inventory – II Sepad Secretaria de Processos Disciplinares e Comissões Permanentes SIPAC Sistema Integrado de Patrimônio, Administração e Contratos SPSS Statistical Package for Social Sciences TAE Técnico-administrativos em Educação TEFI Índice de ajuste de entropia UFC Universidade Federal do Ceará UFCA Universidade Federal do Cariri UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFSC Universidade Federal de Santa Catarina LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Estudos sobre a temática do conflito relacionado a diferentes variáveis .............. 22 Quadro 2 - Tipos de conflito e dimensões tarefa e socioafetiva ............................................. 33 Quadro 3 - Efeitos funcionais e disfuncionais dos conflitos ................................................... 34 Quadro 4 - Principais consequências dos conflitos de tarefa e de relacionamento nas organizações ............................................................................................................................. 38 Quadro 5 - Principais resultados dos estudos direcionados à análise dos tipos de conflitos nos grupos de trabalho .................................................................................................................... 39 Quadro 6 - Principais causas de conflitos ............................................................................... 47 Quadro 7 - Estilos de gestão de conflitos e situações onde são adequados e inadequados ..... 58 Quadro 8 - Principais resultados dos estudos que utilizaram o modelo de estilos de gerenciamento de conflitos de Rahim ...................................................................................... 61 Quadro 9 - Comparação entre as características da complexidade e conceitos de conflito .... 64 Quadro 10 - Apresentação setorial da estrutura organizacional da UFCA ............................. 72 Quadro 11 - Cargos integrantes do quadro efetivo da UFCA ................................................. 75 Quadro 12 - Relação dos identificadores e itens da ECIG ...................................................... 85 Quadro 13 - Relação dos identificadores e itens do ROCI–II ................................................. 87 Quadro 14 – Orientações para planejamento sobre de gestão de conflitos ........................... 125 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Classificação de conflito organizacional a partir da origem ................................... 30 Figura 2 - Relação entre conflito substantivo e performance de trabalho de Rahim (2001) ... 36 Figura 3 - Estágios do conflito a partir de Pondy (1967) e Dreu, Dierendonck e Dijkstra (2004) .................................................................................................................................................. 49 Figura 4 - Processo do conflito de Robbins............................................................................. 49 Figura 5 - Tipologia do conflito de Nascimento e Sayed ........................................................ 51 Figura 6 - Continuum de intensidade dos conflitos ................................................................. 51 Figura 7 - Características da evolução dos conflitos ...............................................................53 Figura 8 - Estilos de gerenciamento de conflitos de Thomas (1992) ...................................... 55 Figura 9 - Estilos interpessoais de gerenciamento de conflitos ............................................... 56 Figura 10 - Organograma institucional da UFCA ................................................................... 72 Figura 11 - Características das redes ....................................................................................... 90 Figura 12 - Análise exploratória de grafos e BootEGA da ECIG com 11 itens .................... 106 Figura 13 - Replicabilidade dos itens da ECIG ..................................................................... 107 Figura 14 - Análise exploratória de grafos e BootEGA do ROCI - II com 28 itens ............. 111 Figura 15 - Replicabilidade dos 28 itens do ROCI - II.......................................................... 111 Figura 16 -Análise exploratória de grafos e BootEGA do ROCI - II com 19 itens .............. 112 Figura 17 - Replicabilidade dos 19 itens do ROCI - II.......................................................... 113 Figura 18 - Rede com variáveis sociodemográficas e funcionais, ECIG e ROCI - II ........... 116 Figura 19 - Medidas de força e influência esperada da rede ................................................. 121 Figura 20 - Rede de caminho g5 para nós da ECIG .............................................................. 124 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Descrição das variáveis sexo, idade e escolaridade concluída ............................... 93 Tabela 2 - Descrição das variáveis carreira e tempo de serviço público e na instituição ........ 94 Tabela 3 - Descrição das variáveis ambiente institucional e exercício de função ................... 95 Tabela 4 - Frequência de respostas dos itens da ECIG ............................................................ 96 Tabela 5 - Frequência de respostas dos itens do ROCI – II................................................... 101 Tabela 6 - Frequência de clusters da ECIG ........................................................................... 106 Tabela 7 - Frequência de clusters do ROCI - II..................................................................... 113 Tabela 8 - Matriz de peso das correlações entre as variáveis ................................................ 117 Tabela 9 - Força e Influência esperada das variáveis mensuradas ........................................ 121 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 15 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA ............................................................ 15 1.2 OBJETIVO GERAL................................................................................................... 20 1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ..................................................................................... 20 1.4 JUSTIFICATIVA ....................................................................................................... 21 2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................... 26 2.1 ABORDAGENS ADMINISTRATIVAS DO CONFLITO ORGANIZACIONAL .. 26 2.2 CLASSIFICAÇÕES DO CONFLITO ....................................................................... 30 2.2.1 Funcionalidade e disfuncionalidade do conflito .................................................... 34 2.3 ANTECEDENTES DO CONFLITO ......................................................................... 41 2.4 O PROCESSO DO CONFLITO E OS ESTILOS DE GERENCIAMENTO ............ 48 2.4.1 A dinâmica do conflito ............................................................................................. 48 2.4.2 Os estilos de gerenciamento de conflitos ................................................................ 54 2.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE COMPLEXIDADE E CONFLITO ............................ 63 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................... 68 3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA ..................................................................... 68 3.2 CARACTERIZAÇÃO DO AMBIENTE DE PESQUISA ......................................... 69 3.2.1 Breve apresentação da instituição........................................................................... 69 3.2.2 Organização e força de trabalho ............................................................................. 70 3.2.3 Aspectos da gestão de conflitos na IFES ................................................................ 77 3.3 POPULAÇÃO E AMOSTRA .................................................................................... 83 3.4 PROCEDIMENTOS ÉTICOS E COLETA DE DADOS .......................................... 83 3.5 INSTRUMENTOS DE PESQUISA ........................................................................... 84 3.5.1 Escala de Conflitos Intragrupos (ECIG) ................................................................ 85 3.5.2 Rahim Organizational Conflict Inventory – II (ROCI–II) ................................... 86 3.6 TÉCNICAS DE ANÁLISE DOS DADOS ................................................................ 87 3.6.1 Análise Descritiva ..................................................................................................... 87 3.6.2 Análise Exploratória de Grafos – Clusters ............................................................. 88 3.6.3 Análise de Redes – Associativa ................................................................................ 89 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................................................. 92 4.1 CARACTERIZAÇÃO DO PERFIL DA AMOSTRA ............................................... 92 4.2 ANÁLISE DESCRITIVA DOS TIPOS DE CONFLITO E ESTILOS DE GERENCIAMENTO ................................................................................................................ 96 4.3 ANÁLISE EXPLORATÓRIA DE GRAFOS .......................................................... 105 4.4 ANÁLISE DE REDES EBICGLASSO ................................................................... 115 4.5 PROPOSIÇÕES PARA PLANEJAMENTO DE INTERVENÇÕES NA REDE ... 123 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 128 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 132 APÊNDICES ......................................................................................................................... 149 APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO .................................................................................... 150 APÊNDICE B - MEDIDAS DE ACURÁCIA E ESTABILIDADE DA REDE .............. 153 15 1 INTRODUÇÃO A presente pesquisa situa-se no campo teórico da gestão estratégica de pessoas e aborda a temática da gestão de conflitos no setor público, especificamente as relações entre o conflito intragrupo, estilos de gerenciamento de conflitos e variáveis sociodemográficas e funcionais de servidores de uma universidade pública. Neste capítulo, apresenta-se a contextualização do problema, os objetivos da pesquisa e a justificativa. 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA O conflito se apresenta como algo intrínseco à natureza humana e se manifesta de diversas maneiras, motivado por inúmeras situações que, em suma, revelam uma interpretação maniqueísta das e nas interações sociais, políticas, religiosas e econômicas. Muitas vezes a perspectiva do conflito, quando tratada de forma imediata, transpassa aos envolvidos a percepção de negatividade, gera comportamentos de agressividade, impede soluções cooperativas e podem provocar diversos desgastes psíquicos, emocionais, financeiros, sociais, etc.(CRUZ, 2019; NASCIMENTO; SAYED, 2002).Na visão de Bauman (2001), muitos dos conflitos complexos pelos quais a sociedade contemporânea passa, está relacionada a uma busca individual da satisfação apenas dos próprios interesses, o que dificulta o estabelecimento de um verdadeiro consenso coletivo. Na seara do trabalho no serviço público, a perspectiva de uma administração dos conflitos se relaciona diretamente com as políticas de gestão de pessoas e com o próprio desenvolvimento da estruturação político-administrativa das organizações. A evolução da administração pública no Brasil é caracterizada ao mesmo tempo pela implantação de modelos administrativos diferentes, notadamente, o patrimonialista, o burocrático e o gerencialista, e pela tentativa de superação de vícios e disfunções decorrentes desses mesmos modelos. No tangente à composição humana do serviço público, a partir da década de 90, gradativamente passou-se a compreensão de que a força de trabalho seria uma variável relevante para a consecução dos objetivos institucionais. Assim, seria necessário alinhar as pessoas à estratégia institucional das organizações, para obter ganhos no planejamento, no desempenho e na qualidade do serviço prestado à sociedade. A partir dessa compreensão, as instituições passaram a buscar a adoção de práticas de gestão de pessoas 16 vinculadas aos objetivos e metas organizacionais, como políticas e regulamentos, que orientassem o comportamento humano e as relações interpessoais no trabalho, não se limitando a questões administrativas e burocráticas (FISCHER, 1998; VENTURA; LEITE, 2014). Nas instituições públicas, é possível observar um cenário onde, ao mesmo tempo em que se busca por produtividade e por resultados na prestação dos serviços públicos, os servidores públicos estão submetidos a diferentes fatores, como a escassez de recursos, interdependência de tarefas, obrigatoriedade de observação de normas internas e externas e ações de grupos que tenham força política para influenciar no processo decisório das organizações (BANDEIRA et al., 2017; SIQUEIRA; MENDES, 2014). Observa-se ainda que no setor público, a composição heterogênea da força de trabalho está relacionada à existência de vínculos diferentes com a administração pública, como também ao modelo de recrutamento e seleção de pessoas, que ocorre através de concurso público e possibilita a admissão de pessoas oriundas de diversos lugares. Nesse contexto, as instituições públicas se tornam ambientes propícios ao surgimento de situações de conflito que acentuam divergências, dificultam o processo decisório estratégico e afetam a eficiência, a rotina de trabalho das equipes, a retenção de talentos, o comprometimento e a saúde dos servidores. Assim, o estudo dos conflitos organizacionais tem natureza estratégica para as organizações (BATAGLIA, 2006; ELIAS; DALMAU; BERNARDINI, 2012; FERREIRA; REIS NETO, 2015; FERREIRA et al., 2010; NASCIMENTO; SIMÕES, 2011). Ao considerar o contexto organizacional de uma universidade pública, é possível perceber um ambiente complexo e dinâmico, composto por atores com diferentes personalidades e formações, onde a interação entre os sujeitos pode gerar diversas situações conflituosas e antagônicas. Nesse contexto, o foco desse estudo foi a Universidade Federal do Cariri (UFCA), criada em 2013, por desmembramento do Campus Cariri da Universidade Federal do Ceará – UFC. A universidade está fundamentada no desenvolvimento do ensino, pesquisa, extensão e cultura, e possui quadro de pessoal efetivo composto por servidores das carreiras dos cargos Técnico- administrativos em Educação - TAE e de Professor do Magistério Superior – PMS, além de bolsistas, estagiários, terceirizados, pessoal temporário e colaboradores externos. A instituição encontra- se ainda em processo de consolidação da sua estrutura física e de pessoal, que pode ser favorecido pela compreensão do desenvolvimento dos conflitos na universidade. 17 De acordo com Souza (2009), as universidades são diretamente influenciadas por fatores externos como mudanças sociais, políticas e tecnológicas, que conferem um ambiente dinâmico e complexo. Para o autor, essa configuração complexa comporta ainda visões múltiplas de seus atores, que muitas vezes são causas dos conflitos que ocorrem na universidade. Para alguns autores, a diversidade presente nas diferenças culturais entre as pessoas poderia resultar em mal-entendidos e conflitos, para outros, no entanto, essa diversidade de histórias de vida, formação profissional e personalidades também seria importante para a criatividade e inovação (MARLON; RICARDO; VASCONCELOS, 2017). Conforme Schermerhorn, Hunt e Osborn (1998, p. 268) “[...] ocorre conflito sempre que houver desacordos numa situação social com relação a questões importantes, ou sempre que um antagonismo emocional cria um atrito entre pessoas ou grupos.” Essas situações, quando não gerenciadas adequadamente, podem comprometer o desenvolvimento das equipes, a qualidade do trabalho e resultar inclusive em litígios judiciais (MOREIRA, 2012). Dentro do âmbito organizacional, o conflito pode ser visto como algo que deve ser evitado, pois é tido como destrutivo e dualista. Essa visão foi defendida pelos teóricos das escolas tradicionais da Administração dos anos 1930 e 1940, como Taylor, Fayol e Weber, e não raramente é observada nos dias de hoje (MCINTYRE, 2007; ROBBINS, 2005). No entanto, principalmente no final dos anos 80, foram desenvolvidos vários estudos sobre o papel do conflito nas organizações, e compreendeu-se que o conflito não deveria ser entendido, necessariamente, como algo bom ou ruim. Essa nova perspectiva, chamada interacionista, entendia que o conflito deveria ser avaliado a partir da funcionalidade ou disfuncionalidade de seus efeitos individuais e organizacionais (DIMAS; LOURENÇO, 2011; MCINTYRE, 2007; PONDY, 1967). Nessa linha, este estudo partiu da compreensão que o conflito é inevitável e necessário para mudanças no contexto social e, consequentemente, em âmbito organizacional das instituições (RAHIM; BONOMA, 1979; ROBBINS, 2005). Conforme Robbins (2005, p. 222), “o conflito dentro de uma equipe não é necessariamente uma coisa negativa; as equipes totalmente imunes aos conflitos tendem a se tornarem apáticas e estagnadas”. 18 Uma relação de conflito entre dois ou mais indivíduos em uma organização pode ser analisada como uma sequência de episódios de conflito. Cada episódio de conflito começa com condições caracterizadas por certos potenciais de conflito, diferentes formas de se trabalhar ou a existência de atritos pessoais (JEHN, 1997; ROBBINS, 2005). Dessa forma, o conflito pode ser melhor compreendido como um processo dinâmico decorrente de vários comportamentos e fontes dentro do ambiente organizacional (DE DREU; BEERSMA, 2005; PONDY, 1967; RAHIM; BONOMA, 1979). Esse processo dinâmico pode ter resultados funcionais ou disfuncionais para as organizações (OMISORE; ABIODUN, 2014). Alguns dos conflitos existentes nas organizações podem ter mais efeitos disfuncionais que outros. Os tipos de conflito intragrupo, ou seja, aqueles que acontecem entre membros de um mesmo grupo, podem ser do tipo tarefa ou do tipo relacionamento. Os conflitos do tipo tarefa, que estão relacionados a forma como o trabalho é realizado, podem ser benéficos para o funcionamento das equipes. Já os conflitos do tipo relacionamento, que se referem às diferenças de personalidade e atrito pessoal nas equipes de trabalho, em geral, interferem de modo negativo no desempenho e na satisfação dos grupos (DIMAS; LOURENÇO, 2011; JEHN, 1997; ROBBINS, 2005). De modo geral, o tratamento dos conflitos no ambiente do ensino superior federal, como é o caso da Universidade Federal do Cariri, se dá a partir do disposto na Lei n.º 8.112/1990, através da instauração de procedimentos disciplinares, comoo processo administrativo disciplinar (PAD) e a sindicância, geralmente dispendiosos e demorados. Ressalvadas as situações infracionais, nas quais o procedimento disposto na norma é imperativo e inevitável, por vezes, a utilização desses procedimentos de modo indistinto para muitas situações de conflito, reforça uma cultura litigante, acaba por maximizar a tensão e dificultar o processo de diálogo e a chegada ao consenso entre as partes. No aspecto pessoal dos envolvidos poderá haver transtornos e desgastes, já no aspecto de funcionalidade do conflito, a exemplo de alguns conflitos de tarefa, o potencial benefício dificilmente não restará comprometido. Nesse sentido, é necessário promover uma gestão de conflitos adequada e cuidadosa, a partir das circunstâncias que o conflito está delineado. Para Rahim (2001, p. 1) “o gerenciamento do conflito envolve desenhar estratégias eficientes para minimizar as disfunções do conflito e maximizar as funções construtivas, a fim de realçar a aprendizagem e efetividade na organização.” O autor propõe a existência de cinco estilos de gerenciamento de conflitos interpessoais que podem ser adotados pelos indivíduos frente a uma situação de conflito: Dominação, Evasão, Acomodação, Negociação e Integração. 19 Conforme o autor, esses estilos se baseiam na preocupação que o indivíduo tem com os interesses da outra parte e os seus próprios interesses. O autor esclarece ainda que os conflitos interpessoais podem ser tratados por diferentes comportamentos e, para que os conflitos sejam gerenciados funcionalmente, um estilo pode ser mais apropriado do que outro, dependendo da situação (RAHIM, 2011, 2001; RAHIM; BONOMA, 1979). Para isso, é necessário envolvimento e adequações das atitudes, comportamentos e da estrutura das organizações, para que seus membros aprendam e desenvolvam maneiras de lidar com conflitos interpessoais de forma eficaz e adequada (BEHESHTIFAR; ZARE, 2013). Assim, enquanto os tipos de conflitos se relacionam às fontes ou origens das discordâncias, os estilos de gerenciamento de conflitos se referem aos comportamentos ou estratégias adotadas pelos membros do grupo para solucionar a situação conflitiva (DECHURCH; MARKS, 2001). Alguns estudos já demonstram que a gestão de conflitos em organizações públicas baseada em métodos de resolução consensual de conflitos, pode diminuir custos com procedimentos disciplinares, promover maior satisfação entre os envolvidos e incentivar uma cultura de paz nas organizações (BEIRÃO, 2021; MOREIRA, 2012; VELOSO, 2017). Beheshtifar e Zare (2013) apontam que levantar as fontes que causam conflito é uma das principais etapas no processo de gestão de conflitos nas organizações. Moscovici (1997) orienta ainda, que antes de se definir uma maneira de tratar um conflito, qualquer diagnóstico razoável da situação deve considerar a dinâmica do conflito e suas variáveis. Dessa forma, será possível elaborar planos ou ações a partir da configuração do conflito estabelecida na organização. Considerando a dimensão interativa do conflito, é necessário adotar metodologias adequadas para a análise de suas interações (LIMA et al., 2016). Dessa forma, foi adotada a análise de redes para analisar a relação entre as variáveis relacionadas aos tipos de conflito no grupo, estilos de gerenciamento de conflitos e os dados sociodemográficos e funcionais. A análise de redes é uma técnica de aprendizagem de máquina que permite verificar associações não lineares em sistemas dinâmicos e complexos e, além disso, permite identificar quais são as variáveis mais influentes no sistema, possibilitando um melhor planejamento para futuras intervenções (BRINGMANN et al., 2022). Tendo como campo de pesquisa a Universidade Federal do Cariri, e não sendo conhecidos as variáveis do conflito na instituição, surgem os seguintes questionamentos: Quais os tipos de conflitos existentes no grupo de servidores da Universidade Federal do Cariri? Quais os comportamentos adotados por eles para o gerenciamento dos conflitos interpessoais? Quais 20 características sociodemográficas e funcionais estão relacionadas aos tipos de conflito ou estilos de gerenciamento? A partir dessas reflexões, surge o seguinte problema de pesquisa: Qual a relação entre os tipos de conflitos intragrupo, os estilos de gerenciamento de conflitos e variáveis sociodemográficas e funcionais dos servidores da Universidade Federal do Cariri? Nessa compreensão, observa-se que para formulação de soluções mais assertivas às características do conflito, à sua natureza diferenciada ou às condições e necessidades das partes envolvidas, é importante que a instituição conheça como o conflito se configura no seu interior. 1.2 OBJETIVO GERAL Analisar a relação entre os tipos de conflitos intragrupo, estilos de gerenciamento de conflitos e variáveis sociodemográficas e funcionais dos servidores da Universidade Federal do Cariri em uma perspectiva de redes. 1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS a) Descrever os tipos de conflitos intragrupo existentes no corpo de servidores da Universidade Federal do Cariri; b) Descrever os estilos de gerenciamento de conflitos adotados pelos servidores da Universidade Federal do Cariri; c) Identificar as correlações entre as variáveis sociodemográficas (gênero, idade, escolaridade) e funcionais (carreira, local de trabalho e tempo de serviço) e as variáveis de tipos de conflito e estilos de gerenciamento; d) Identificar as variáveis mais influentes na rede dos tipos de conflitos, estilos de gerenciamento de conflitos com as variáveis sociodemográficas e funcionais; e) Identificar vias de intervenção de rede que possam orientar o planejamento da gestão de conflitos na instituição. 21 1.4 JUSTIFICATIVA O fator humano é um elemento essencial para o desempenho e o alcance dos objetivos de organizações públicas e privadas. A modernização da Administração Pública no Brasil, a partir de novas práticas de gestão de pessoas, colocou a força de trabalho em evidência no planejamento estratégico e buscou profissionalização e valorização dos servidores públicos, visando uma melhor prestação de serviços à sociedade. Braga (1998) aponta que os servidores públicos possuem, no exercício da sua função, uma parcela considerável de responsabilidade na busca dos interesses-fim da Administração Pública e na concretização da função social da instituição que compõem. No exercício de suas funções, os servidores podem vivenciar, dentro das suas instituições, algumas situações que geram conflitos, como deficiências estruturais ou de gestão, disputas por recursos ou influências políticas, além dos choques de personalidade naturalmente surgidos da interação gerada pelo trabalho em equipe e interdependência de tarefas. Inicialmente, a escolha do tema desta investigação se deu pelo fato de a pesquisadora trabalhar em uma universidade pública e em uma unidade de gestão de pessoas, setor para o qual, não eventualmente, confluem diversas situações de conflitos interpessoais entre servidores. Essas situações tanto se encaminham para apuração de outros setores, como também influenciam processos de movimentações internas e externas, afastamentos e desligamentos. Nesse sentido, percebe-se que a gestão de pessoas tem papel fundamental na administração dos conflitos dentro das instituições, visto que a própria atividade de gestão de pessoas implica em gerenciar as relações entre elas, seja na unidade própria de gestão de pessoas ou nos vários setores das instituições. Assim, surge o interesse para que a instituição participante desta pesquisa possa se beneficiar da presente investigação, uma vez que não se conhecem as variáveis do conflito na instituição. Outro motivo para a escolha da temática de gestão de conflitos foi devido à relevância do tema para as organizações, tantopúblicas quanto privadas. Essa justificativa foi observada a partir de levantamento bibliográfico em repositórios institucionais de universidades e sites acadêmicos, como o portal Google Schoolar, portal de revistas SCIELO e SPELL. Foram levantados trabalhos que tratassem sobre o desenvolvimento, gerenciamento e diagnóstico das relações de conflito organizacional, no recorte temporal de 2011 a 2021, sendo observado que o tema tem sido objeto de pesquisas nacionais e internacionais, dentro de diversos contextos, como se pode observar no Quadro 1. 22 Quadro 1 - Estudos sobre a temática do conflito relacionado a diferentes variáveis Título do estudo Autor Ano Relações Humanas e Conflitos Interpessoais: Bem-estar no ambiente de trabalho no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio. Araujo 2021 Estilos de gestão de conflitos com colegas de trabalho: diferenças de gênero e níveis de educação Pinto-moreira 2021 Estilos de gestão de conflitos como indicadores de comprometimento organizacional em professores universitários Akhtar e Hassan 2021 Inteligência Emocional e Estilos de Gestão de Conflitos em Trabalhadores Brasileiros Galvão 2020 O conflito organizacional e o turnover na perspectiva da geração Millennials: O efeito moderador das estratégias de resolução de conflitos Fusco 2020 Estilos de gestão de conflitos usados por professores em universidades dos setores público e privado de Lahore Parveen, Iqbal e Latif 2020 Compliance trabalhista e o assédio moral: proposta de prevenção de conflitos organizacionais Xavier 2019 Uma teoria sobre conflito em equipes presenciais de desenvolvimento de software Silva 2019 Relações de poder e conflitos organizacionais entre gestores e colaboradores da área contábil Pinto e Vogt 2018 Gestão de Conflitos na UFPEL: Foco nas relações entre Servidores docentes e técnico-administrativos Delevedove 2018 Gerenciamento de conflitos organizacionais na Universidade Federal de Alagoas: uma análise dos estilos de gestão de conflitos na perspectiva do corpo técnico-administrativo. Feitosa 2018 Estilos de gestão de conflitos (dominantes e comprometedores) da administração acadêmica e seu impacto na satisfação no trabalho do corpo docente e na intenção de rotatividade Nissa e Nawaz 2018 Gestão de Conflitos e Satisfação Profissional Estudo numa Empresa Armazenista da Zona Centro Tomás 2017 Satisfação, conflitos e engajamento no trabalho para professores do ensino médio Pauli, Tomasi, Gallon et.al. 2017 A diferença de gênero na resolução de conflitos existentes entre os Militares da Força Aérea Costa 2016 Gestão de conflitos nas organizações: um olhar para a saúde Ferreira e Reis Neto 2015 Gestão construtiva de conflitos em Contexto de Saúde: estudo numa USF da zona centro de Portugal Almeida 2015 Uma análise comparativa de algumas condições e consequências do conflito intraorganizacional Smith 2014 As Relações do Conflito Intragrupal com o Desempenho das Equipes da Secretaria de Gestão de Pessoas na Defensoria Pública da União Cesarino 2014 Conflitos Organizacionais: Causas, Efeitos e Soluções Omisore e Abiodun 2014 O conflito no ambiente de trabalho: um estudo sobre causas e consequências nas relações interpessoais Malakowsky e Kassick 2014 A relação entre valores pessoais e estilos de gerenciamento de conflitos Ramos 2013 A mediação como método de resolução de conflitos interpessoais na Universidade Federal de Santa Catarina Moreira 2012 A Gestão de Conflitos em ambiente laboral: Estudo no IBMC e no IPATIMUP (Institutos de Investigação Científica) Miguelote 2012 Conflitos intragrupais no trabalho em equipes de uma instituição pública e a influência da cultura organizacional Almeida 2011 Análise da gestão de conflitos interpessoais nas organizações públicas de ensino profissionalizante em Nova Iguaçu - RJ Nascimento e Simões 2011 Fonte: Dados da pesquisa. 23 Conforme exposto no Quadro 1, é possível observar o estudo do conflito em contextos e áreas diferentes como ambientes escolares e hospitalares, entre gerações, equipes de tecnologia da informação e da área contábil, em instituições públicas e privadas, sendo analisado também na perspectiva da relação com outros fatores, como a diferença de gênero, nível de educação, estilos de gestão de conflitos, inteligência emocional, relações de poder e gestores, valores pessoais, mediação, desempenho, satisfação, engajamento, conflito intragrupo e a influência na cultura organizacional. A instituição participante desta pesquisa foi a UFCA, escolhida por ser um ambiente público de atuação profissional da pesquisadora e dessa forma haver interesse nos resultados e maior facilidade na aplicação da pesquisa. A composição heterogênea da força de trabalho, com pessoas de diferentes origens, crenças e conhecimentos, traz a necessidade de posturas diferentes, do gestor e das partes envolvidas, diante da pluralidade de ideias e opiniões que se opõem na rotina do trabalho, não raramente gerando conflitos. Conforme Robbins (2005, p. 15): A diversidade, quando bem administrada, pode aumentar a criatividade e a inovação dentro das organizações, além de melhorar a tomada de decisões ao trazer novas perspectivas para os problemas. Quando não é administrada adequadamente, há a possibilidade de aumento da rotatividade, de maior dificuldade de comunicação e de mais conflitos interpessoais. Robbins (2005) explica que os ambientes de trabalho atuais estão sujeitos a diversas modificações que procuram integrar as necessidades de uma força de trabalho diversificada. Nesse sentido, De Dreu e Beersma (2005) apontam que os efeitos dos conflitos podem influenciar também as intenções de rotatividade, a satisfação no trabalho, o compromisso organizacional e a saúde individual e bem-estar. Dentre os colaboradores presentes na UFCA, a análise desta pesquisa se concentrou no grupo dos servidores técnico-administrativos e docentes, considerando as diferentes rotinas, procedimentos e atribuições desenvolvidas por eles, nas atividades de execução e suporte necessárias ao funcionamento administrativo e relacionadas ao ensino, pesquisa, extensão e cultura. Nesse cenário, a pluralidade e o volume das interações necessárias para a execução das tarefas, se torna um ambiente favorável ao surgimento de situações de conflito que devem ser bem gerenciadas, tanto pelas partes como pela gestão. Em um estudo realizado na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, por exemplo, Moreira (2012) verificou que 100% (cem por 24 cento) dos entrevistados reconhecem o conflito interpessoal como um dos embates no espaço universitário. No que concerne à gestão de conflitos, a forma como os conflitos são enfrentados pelos membros das equipes influenciam diretamente nos impactos, positivos ou negativos, que determinadas situações podem causar nos resultados do grupo (DECHURCH; MARKS, 2001). Siqueira e Mendes (2014) observam ainda que a gestão de pessoas no setor público, não se limita a um setor específico nas instituições e que todos os setores organizacionais são responsáveis por criar espaços de diálogo e de exercício da criatividade onde o servidor se integre de forma participativa nos processos organizacionais. Na UFCA não foi identificado estudo direcionado ao levantamento dos tipos de conflito ou as estratégias de gerenciamentos de conflitos dos servidores efetivos, no entanto, a adoção de ações que incentivem a busca de uma gestão adequada do conflito, pode estimular os servidores a desenvolverem uma postura ativa em relação ao conflito e sua solução. De Dreu e Beersma (2005) apontam que, tanto conflitos duradouros como os menos graves, estão relacionados ao aumento de queixas psicossomáticas, sensação de esgotamentoe até mesmo a episódios de bullying no local de trabalho. Assim, a gestão adequada dos conflitos, pode contribuir também para a qualidade de vida no trabalho (FREITAS; SOUZA; QUINTELLA, 2013). Nesse cenário, a atuação administrativa no setor público deve ter como principal objetivo, a satisfação das necessidades sociais, “de modo eficaz, democrático e com qualidade, em benefício da cidadania e da dignidade da pessoa humana” (BRAGA, 1998, p. 21). Conforme Braga (1998), estabelecer as ferramentas e ações que poderão ser utilizadas para a persecução desse fim “é dever primordial dos administradores públicos” (BRAGA, 1998, p. 21). Outra motivação para o estudo é a possibilidade de alinhamento da temática com os objetivos propostos na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que elenca vários objetivos para o desenvolvimento sustentável do planeta. Especificamente o estudo busca relação com os objetivos: 3 - Saúde e bem-estar: Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; 8 - Trabalho decente e crescimento econômico: promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos; e 16 - Paz, justiça e instituições eficazes: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos 25 os níveis. Na Agenda 2030, a ONU reúne propostas e metas relacionadas ao meio ambiente, direitos humanos, educação e cultura de paz para o desenvolvimento sustentável (ONU, 2015). Por fim, uma outra motivação para a realização desse estudo foi a possibilidade de adotar uma metodologia não linear para a análise das variáveis do conflito. Lima et al. (2016) apontam que no estudo do conflito organizacional, metodologias capazes de abordar diversas interações em conjunto, se tornam mais adequadas para sua análise. Assim, foi adotada nesta pesquisa a análise de redes para analisar a relação entre as variáveis relacionadas aos tipos de conflito no grupo, estilos de gerenciamento de conflitos e os dados sociodemográficos e funcionais. Pelo exposto, o estudo da gestão de conflitos na universidade pública demonstra aderência temática com o dever ser administrativo no campo da Gestão Pública, pois ao analisar o contexto da UFCA, o presente estudo buscou proporcionar o conhecimento sobre a relação entre os tipos de conflitos intragrupo, estilos de gerenciamento de conflitos e variáveis sociodemográficas e funcionais no corpo de servidores públicos da universidade. Assim, buscou também contribuir para a tomada de decisões assertivas no ambiente organizacional, em busca da qualidade e efetividade dos serviços devidos à sociedade. 26 2 REFERENCIAL TEÓRICO A análise do conflito, na perspectiva das organizações, possibilitou o seu desenvolvimento enquanto elemento inevitável e relevante das relações sociais e dessa forma, teorias foram e ainda são elaboradas sobre o impacto dos conflitos em diversos contextos, incluindo o ambiente organizacional. Assim, o estudo do conflito é objeto de interesse sob várias perspectivas. Este capítulo tratará da literatura relacionada ao conflito, contemplando as abordagens administrativas sobre o conflito, fatores e efeitos, além do processo do conflito, estilos de gerenciamento e a perspectiva de complexidade do conflito. 2.1 ABORDAGENS ADMINISTRATIVAS DO CONFLITO ORGANIZACIONAL O ser humano, historicamente, é um ser social. A organização de forma coletiva foi um elemento indispensável para a sobrevivência e transformação do meio ambiente. O desenvolvimento da sociabilidade, da mesma forma, proporcionou a capacidade de organização social e do trabalho, e assim, o estudo sobre a temática do conflito possui inúmeras concepções enquanto manifestação inevitável das relações humanas. O conflito pode ter conceituações diversas a depender da ótica ou dimensão em que está sendo analisado, não existindo uma teoria geral do conflito, mas diferentes perspectivas propostas a partir de seu contexto e do seu enfoque social (FINK, 1968). Conforme Dechurch e Marks (2001, p. 5): “O conflito pode ocorrer entre indivíduos, grupos, organizações e até mesmo nações.” As organizações, durante muito tempo, foram estudadas sob a visão de uma lógica racional, compostas por unidades funcionalmente dependentes, que em conjunto buscavam atingir os objetivos organizacionais. Nessa ótica não se era dada importância às questões do conflito ou do poder. Esses temas passaram a ter, de forma gradativa, sua importância reconhecida, conforme o aparecimento de novas correntes e teorias organizacionais (BASTOS; SEIDEL, 1992). Conforme Bastos e Seidel (1992), o estudo das organizações possui um caráter interdisciplinar, incorporando uma variedade de enfoques e estratégias metodológicas, o que dificulta uma integração teórica, pois a análise dos fenômenos organizacionais ocorre em diferentes óticas. 27 A evolução sobre a conceituação do conflito dentro do ambiente organizacional, consoante as circunstâncias histórica e social, desenvolveu-se por três principais abordagens teóricas: a Tradicional, a da Escola das Relações Humanas e a Interacionista (ROBBINS, 2005). A abordagem da Teoria Tradicional (ou clássica), foi desenvolvida no âmbito do movimento da Administração científica, dos anos 1930 e 1940, e baseada principalmente nas teorias de Frederick W. Taylor (1856-1915), Henry Fayol (1841-1925) e Max Weber (1868- 1933) (RAHIM, 2011). Essa abordagem entendia o conflito como algo negativo, que deveria ser evitado. Assim, ele não era considerado um fenômeno relevante a ser estudado. Além disso, acreditava-se que os objetivos organizacionais só seriam atingidos em um ambiente de harmonia, cooperação e ausência de divergências (DIMAS; LOURENÇO, 2011). No mesmo sentido, na abordagem clássica, a produtividade e o estabelecimento de métodos para realização das tarefas eram os principais elementos de preocupação organizacional e não havia a separação da identidade de interesses dentro das organizações. O ganho obtido por maior produtividade dos operários significava maior ganho para a empresa e lucro para ambas as partes (BASTOS; SEIDEL, 1992). Para Taylor (1978), o princípio da divisão do trabalho deveria ser observado de forma imprescindível na criação de equipes de trabalho. Dessa forma, o conflito ocorreria apenas como consequência de anomalia decorrente da incapacidade das chefias em passar as instruções das tarefas, da forma correta ou adequada, para os subordinados. Para Fayol (1978), a divisão do trabalho, a escala hierárquica, a unidade de comando e a disciplina seriam alguns elementos essenciais de prevenção do surgimento de situações conflitantes (BASTOS; SEIDEL, 1992; SILVA, 2019). Assim, os autores da época (MCINTYRE, 2007, p. 296), entendiam que: [...] seria através de determinadas estruturas organizacionais (como, por exemplo, ter regras específicas, estabelecer procedimentos – muitas vezes escritos -, criar hierarquias e cadeias de comando bem claras e definidas), que se iria reduzir a necessidade ou ocorrência de conflito. Nesse sentido, o conflito era resultado de falhas na comunicação, falta de abertura e de confiança entre as pessoas, como também a falha dos executivos em suprir necessidades e aspirações dos funcionários. Assim, para evitar o conflito e melhorar o desempenho do grupo e da organização, seria necessário apenas estar atento às circunstâncias causadoras e corrigir as falhas (ROBBINS, 2005). Observa-se que, nessa abordagem, o tratamento destinado à situação de conflito seriam métodos de domínio e repressão, estabelecendo uma relação de ganhar ou perder, na qual o 28 perdedor, é, geralmente, obrigado a sesubmeter diante da autoridade ou poder superior. Nesse cenário, a personalidade dos indivíduos, os grupos informais, os conflitos intraorganizacionais e os processos de decisão acabam negligenciados pela teoria clássica (BASTOS; SEIDEL, 1992). A Escola das Relações Humanas, do final dos anos de 1940, entendia que nas organizações os interesses individuais conviviam com objetivos organizacionais, e nessa relação, a ocorrência de conflitos seria natural e inevitável (DIMAS; LOURENÇO, 2011). Logo, abordava o conflito de forma mais racionalizada. Nesse ponto, diferente da abordagem clássica, é possível observar que havia a separação dos interesses organizacionais, individuais e grupais. Nessa abordagem, foi dada ênfase ao elemento humano e suas relações com o grupo formal ou informal no qual estava integrado. A organização passa a ser vista como um sistema social onde o comportamento no trabalho não é influenciado apenas por normas, mas também por fatores motivacionais. Assim, para evitar o conflito, seria desejável que superiores e subordinados estivessem integrados em torno dos mesmos objetivos. Para isso, era necessário que houvesse mudanças na forma como as ordens e instruções das tarefas eram repassadas aos empregados. Acreditava-se que quando as atividades eram compreendidas pelos subordinados, também seria possível um ambiente cooperativo e harmônico (BASTOS; SEIDEL, 1992). Destacam-se então, os estudos realizados por Elton Mayo (1880-1949) nos quais, o conflito ainda possuía uma valoração negativa. Para esse autor, o conflito era disfuncional e deveria ser eliminado completamente das organizações (RAHIM, 2011). Isso seria possível através da busca pela racionalidade, relações humanas e cooperativismo dentro das organizações. Sendo assim, seus seguidores se ocuparam em procurar estratégias para eliminar e regular o conflito de forma pacífica, em prol da melhoria da eficácia organizacional (DIMAS; LOURENÇO, 2011). No entanto, cabe ressaltar que “nem todos os seguidores da Escola das Relações Humanas viam o conflito como assunto negativo” (MCINTYRE, 2007, p. 296). Ao racionalizar o conflito, entendiam que o mesmo deveria ser aceito, pois não poderia ser eliminado, havendo situações inclusive em que o desempenho do grupo poderia ser beneficiado pelo conflito (ROBBINS, 2005). Nesse ponto, cabe ainda registrar o surgimento da Teoria Estruturalista e o Behaviorismo. A Teoria Estruturalista foi considerada a síntese das abordagens anteriores. No entanto, também apresenta rupturas importantes quanto à temática do conflito, ao tratá-lo como 29 elemento intrínseco a qualquer agrupamento social, não podendo ser ignorado. Para essa abordagem, a existência de múltiplos objetivos gera para a organização e para os indivíduos exigências incompatíveis e difíceis de serem atendidas, pois não há um ajustamento ideal entre as personalidades individuais e os papéis existentes na organização. Assim, o conflito é entendido como um dilema, pois representa situações de escolhas que implicam em perdas. Entretanto, o conflito não possuiria apenas consequências negativas e até mesmo essas poderiam resultar em fontes de mudança (BASTOS; SEIDEL, 1992; BONOME, 2009). Já para o Behaviorismo ou Teoria Comportamental, é dada ênfase aos processos decisórios da organização, pois não são tidos como absolutamente racionais. O foco recai sobre as ciências do comportamento, abandonando-se as posições normativas e prescritivas das teorias anteriores, ao adotar posições explicativas e descritivas (BONOME, 2009). Em uma abordagem mais contemporânea sobre o conflito organizacional e na perspectiva dos sistemas naturais, surgiu a visão da Teoria Interacionista ou sistêmica, sendo a abordagem adotada por esta pesquisa. Essa teoria desenvolveu-se principalmente no final dos anos 1980, a partir do volume de estudos publicados sobre as consequências do conflito nas organizações. Esses estudos demonstraram que, ao contrário do que se pensava, o conflito era algo necessário às organizações e tinha um papel fundamental no crescimento das equipes, maximizando produtividade, criatividade e inovação (DIMAS; LOURENÇO, 2011). Dentro da visão interacionista, as organizações são compreendidas como sistemas naturais e abertos. Nessa perspectiva, as influências externas do ambiente que afetam seus sistemas internos e a existência de redes organizacionais, conferem grau de complexidade às organizações e facilita o surgimento de situações de conflito. O conflito, então, é tido como natural nas organizações pois é um fenômeno comum ao ser humano. Nessa compreensão sistêmica, o conflito aparece ao mesmo tempo como algo inevitável e funcional, pois a organização é submetida a um constante processo de adaptação (CHANLAT, 1996). Para Robbins (2005, p. 327), “[...] a principal contribuição desta abordagem, portanto, é encorajar os líderes de grupos a manter constantemente um nível mínimo de conflito - o suficiente para fazer com que o grupo continue viável, autocrítico e criativo [...]”. Nesse cenário, o conflito perde a característica automática de algo ruim. Conforme McIntyre (2007, p. 296), “[...] o conflito só por si não é “mau”, tendo que haver um certo nível de conflito para que a organização tenha níveis máximos e optimizados [sic] de eficácia.” A visão interacionista compreendeu a existência de alguns tipos de conflito que estariam relacionados ao conteúdo e objetivos do trabalho, a forma como o trabalho é realizado e aos 30 relacionamentos interpessoais. O conflito, então, passa a ser visto como necessário. Entretanto, nem todos os conflitos seriam bons para um desempenho eficaz da organização (AMASON, 1996; OMISORE; ABIODUN, 2014). A partir dessa visão, para as estratégias e o planejamento sobre a gestão de conflitos, se torna importante para as instituições, a compreensão mais aprofundada dos conflitos que ocorrem no seu âmbito organizacional, de modo que sejam mitigados os prejudiciais e aproveitados, ou até estimulados, os que forem benéficos. 2.2 CLASSIFICAÇÕES DO CONFLITO O conflito nas organizações pode ser observado a partir de duas óticas principais: os conflitos internos de um indivíduo (intrapessoal); e os conflitos que envolvem duas ou mais pessoas (interpessoais). Conforme Rahim e Bonoma (1979), os conflitos interpessoais podem ser classificados em conflito intragrupo, intergrupo e interorganizacional, conforme representação da Figura 1. Figura 1 - Classificação de conflito organizacional a partir da origem Fonte: Adaptado de Rahim e Bonoma (1979) Quando o conflito ocorre entre pessoas de um mesmo grupo, ele é chamado de conflito intragrupo. Quando ocorre entre dois ou mais grupos é chamado de conflito intergrupo, já quando ocorre entre organizações, o conflito é denominado de conflito interorganizacional (RAHIM; BONOMA, 1979). Neste estudo, será abordado o conflito interpessoal e intragrupo entre servidores públicos no mesmo espaço organizacional. 31 O estudo das classificações do conflito compreende ainda que o mesmo pode ser entendido a partir de uma visão dualista. Enquanto uma dimensão do conflito atua na melhoria das tomadas de decisão (efeito positivo), a outra acaba atenuando o consenso nas equipes (efeito negativo) (AMASON, 1996; BATAGLIA, 2006). Ao passo que se almeja um nível mínimo de conflito nas organizações, conflitos em demasia ou não controlados podem repercutir negativamente nos objetivos organizacionais. Para Rahim (2011, p. 11), “[...] pouco ou nenhum conflito nas organizações pode levar à estagnação, más decisões e ineficácia. Por outro lado, conflitos organizacionais deixados sem controle podem ter resultados disfuncionais.” Corroborando, afirma Robbins (2005, p. 327): [...] alguns conflitos apóiam os objetivos do grupo e melhoram seu desempenho; estes são os conflitosfuncionais, formas construtivas de conflito. Por outro lado, existem conflitos que atrapalham o desempenho do grupo; são formas destrutivas ou disfuncionais de conflito. (grifos do autor). Nesse cenário, os pesquisadores passaram a indicar algumas nomenclaturas para os conflitos, a partir do contexto em que surgiam e da funcionalidade ou disfuncionalidade que produziam no ambiente organizacional. Conforme Guimarães (2007) e Siqueira (2014), as primeiras definições de conflito interpessoal surgem com os estudos de Guetzkow e Gyr (1954). Guetzkow e Gyr (1954), em um estudo exploratório, propuseram a existência de conflitos afetivos e substantivos. Para eles o conflito substantivo estaria relacionado a alguma oposição intelectual entre os membros de um grupo, decorrente da atividade que desenvolvem. Já o conflito afetivo seria a tensão gerada por embates emocionais surgidos a partir das relações interpessoais necessárias ao processo de solução dos problemas do grupo (GUETZKOW; GYR, 1954). Pinkley (1990), em um estudo sobre as interpretações cognitivas controversas do conflito, por meio de uma metodologia de escalonamento multidimensional, identificou três dimensões dos conflitos interpessoais: relacionamento versus tarefa, emocional versus intelectual e comprometer versus ganhar. De acordo com Siqueira (2014), a terceira dimensão descoberta por Pinkley (1990) estaria relacionada aos resultados dos conflitos, enquanto as duas primeiras dimensões confirmariam a classificação tradicional dos dois tipos de conflitos. O conflito de tarefas estaria relacionado a características cognitivas e às atividades realizadas, ao tempo em que o conflito de relacionamento compreenderia afetos ou desafetos e características internas dos envolvidos (MARTINS; ABAD; PEIRÓ, 2014). Na mesma linha, Priem e Price (1991) classificaram os conflitos como cognitivos, voltados para a tarefa, e 32 conflitos socioemocionais, nos quais os desentendimentos interpessoais não estariam ligados diretamente às tarefas. Para Amason (1996), quando o conflito é voltado para tarefas e para a discussão sobre a melhor forma de realizá-las, ele é denominado de conflito cognitivo. Conforme o autor, o conflito cognitivo aumenta a qualidade da decisão dos membros de uma equipe porque a síntese que se origina do processo de discussão de diversas de perspectivas é geralmente superior às perspectivas unicamente individuais. Já quando as discordâncias se manifestam e são percebidas como críticas pessoais, surge o conflito afetivo. Esse tipo de conflito compromete a qualidade da decisão, o consenso e a aceitação afetiva entre a equipe. O autor observa ainda que, à medida que as equipes se envolvem em conflitos cognitivos, podem acabar desencadeando conflitos afetivos, e, dessa forma, o conflito cognitivo e o conflito afetivo costumam ocorrer juntos. Assim, para um melhor entendimento dos efeitos gerais do conflito na tomada de decisões estratégicas das equipes, seria necessário diferenciar o conflito cognitivo funcional do conflito afetivo disfuncional (AMASON, 1996). Há ainda, outras classificações, como por exemplo a de Pondy (1967) que organizou os conflitos interpessoais em três tipos: de troca, burocrático e de sistema e a classificação de Coser (1956), que distinguiu entre conflitos "realísticos" (quando os membros buscam determinados objetivos) e conflitos "não realísticos" (baseados na frustração com as interações interpessoais). Corroborando a visão bidimensional do conflito e no mesmo sentido das classificações de Guetzkow e Gyr (1954), Pinkley (1990), Priem e Price (1991) e Amason (1996), destacam- se ainda os estudos de Jehn (1994, 1995, 1997). Em seus estudos sobre o conflito nos grupos, Jehn (1994, 1995, 1997) identificou que os membros de uma equipe distinguem entre conflitos focados na tarefa e conflitos focados no relacionamento. Conforme a autora e no mesmo sentido de Guetzkow e Gyr (1954), Pinkley (1990), Priem e Price (1991), esses dois tipos de conflito afetariam de modo diferente os resultados do grupo de trabalho e da organização. A partir disso, o conflito pode ser considerado como tendo efeitos positivos ou negativos, a depender do tipo de conflito (emocional ou tarefa). Dessa forma, Jehn (1994, 1995, 1997) propôs que os conflitos com foco na tarefa, se relacionam à diferença de ideias no grupo e desacordos sobre o conteúdo e questões da tarefa. Já os conflitos emocionais ou de relacionamento, se referem às reações afetivas dos indivíduos, tensão interpessoal e problemas ou incompatibilidades interpessoais que os membros têm uns 33 com os outros. O Quadro 2 apresenta as diferentes designações dadas aos tipos de conflito, conforme sua dimensão de tarefa ou socioafetiva. Quadro 2 - Tipos de conflito e dimensões tarefa e socioafetiva Pesquisador Dimensão tarefa Dimensão socioafetiva Guethzkow e Gyr (1954) Conflito substantivo Conflito afetivo Pinkley (1990) Conflito de tarefa Conflito de relacionamento Priem e Price (1991) Conflito voltado para tarefas Conflito socioemocional Amason (1996) Conflito cognitivo Conflito afetivo Jehn (1994, 1995, 1997) Conflito focado na tarefa Conflito focado no relacionamento Fonte: Dados da pesquisa. Jehn (1997) sugere ainda um terceiro tipo de conflito, chamado de conflito de processo. Esse tipo de conflito estaria relacionado à divergência de ideias quanto aos meios ou a distribuição de atividades entre os membros para a realização de determinadas tarefas com eficiência, como questões sobre "a composição da equipe e quem deveria fazer o quê" (JEHN, 1997, p. 540). No entanto, como observam Silva e Puente-Palácios (2010), a autora não incluiu esse tipo de conflito em seus estudos seguintes, ao considerar que o conflito de processo estaria relacionado ao conflito de tarefa, seguindo a pesquisar em seus estudos apenas os conflitos de tarefa e os conflitos de relacionamento. Conforme Dimas e Lourenço (2011) esse tipo de conflito estaria relacionado ao subsistema tarefa do grupo, e a linha dominante na literatura não o considerou uma dimensão distinta do conflito de tarefa, continuando a adotar o modelo bidimensional do conflito nos grupos. O modelo bidimensional do conflito de Jehn (1994, 1995, 1997) - que distingue os conflitos entre aqueles focados na tarefa e aqueles focados no relacionamento - foi o modelo utilizado neste estudo. Conforme Jehn (1997), os conflitos de relacionamento concentram-se nas relações interpessoais, já os conflitos de tarefas concentram-se no conteúdo e nos objetivos do trabalho. Exemplificando, De Dreu e Weingart (2003) esclarecem que os conflitos sobre a distribuição de recursos, procedimentos, políticas e interpretação dos fatos seriam exemplos de conflito de tarefas, enquanto os conflitos sobre gostos pessoais, preferências políticas, valores e estilo interpessoal, seriam exemplos de conflitos de relacionamento. 34 2.2.1 Funcionalidade e disfuncionalidade do conflito Para a abordagem interacionista, o conflito é necessário para o desempenho organizacional, por produzirem efeitos positivos para indivíduos e grupos. Porém nem todos os conflitos seriam benéficos para a organização, uma vez que também possuem o potencial efeito negativo e disfuncional para a organização (AMASON, 1996; OMISORE; ABIODUN, 2014). Os principais efeitos funcionais e disfuncionais dos conflitos apontados por Robbins (2005) estão apresentados no Quadro 3. Quadro 3 - Efeitos funcionais e disfuncionais dos conflitos Efeitos funcionais dos conflitos Aumentam a qualidade das decisões; estimulam a criatividade e a inovação; encorajam o interesse e a curiosidade dos membros do grupo; fomentam um ambiente de autoavaliação e de mudança; pode melhorar a qualidade do processo decisório; desafia o status quo; estimula a criação de novas ideias promovea reavaliação das metas e das atividades do grupo. Efeitos disfuncionais dos conflitos A oposição fora de controle leva ao descontentamento; pode haver a dissolução dos laços comuns; podem causar a destruição do grupo; podem reduzir a eficácia dos grupos; dificultam a comunicação; reduzem a coesão do grupo; causam a subordinação das metas do grupo às prioridades das lutas entre seus componentes. Fonte: Adaptado de Robbins (2005). De acordo com Jehn (1994, 1995, 1997), no mesmo sentido de Guetzkow e Gyr (1954), Pinkley (1990), Priem e Price (1991) e outros pesquisadores, a distinção entre conflito substantivo, cognitivo ou de tarefa e conflitos afetivos, socioemocionais ou de relacionamento, está intimamente relacionada aos efeitos funcionais ou disfuncionais trazidos pelos conflitos. De acordo com Simons e Peterson (2000), entender as diferenças entre conflito de tarefa e relacionamento é de suma importância para a atuação gerencial e também para o desenvolvimento da teoria. Para De Dreu e Van Vianen (2001) as pesquisas demonstram que conflito de relacionamento e conflito sobre questões relacionadas a tarefas são fenômenos distintos e com dinâmicas diferentes. Conforme De Dreu e Weingart (2003), a literatura sobre os efeitos do conflito nas organizações tem assumido que, embora o conflito de relacionamento prejudique a eficácia da equipe, o conflito de tarefas pode, em certas circunstâncias, ser benéfico para a eficácia da equipe (ex., Amason, (1996); Jehn, (1995); Simons e Peterson, (2000)). Os estudos de Jehn 35 (1994, 1995, 1997), apontaram que o conflito de relacionamento geralmente diminuía a satisfação e interferia no desempenho da tarefa, no entanto, o conflito de tarefa poderia ser benéfico para o desempenho da tarefa ao trabalhar em tarefas não rotineiras. Na mesma linha, Medina et al. (2005) observaram que os dois tipos de conflito têm efeitos diferentes. Conforme os autores, o conflito de relacionamento está associado negativamente às reações afetivas, enquanto a mesma associação não ocorre de forma previsível para o conflito de tarefas. Para Rahim (2001), os conflitos afetivos ou de relacionamento causam reações negativas nos membros da organização como por exemplo ataques pessoais e preconceitos. Esses conflitos interferem no desempenho do grupo e diminuem a lealdade, o comprometimento, a satisfação e a intenção de permanecer na organização atual (AMASON, 1996; JEHN, 1997; RAHIM, 2001). Para Simons e Peterson (2000), a qualidade da decisão do grupo é afetada de forma negativa pelo conflito de relacionamento de três maneiras interrelacionadas. Em primeiro lugar, esse tipo de conflito reduz a capacidade de processamento de informações do grupo porque os membros do grupo tendem a focar em suas diferenças ao invés de nos problemas do grupo. Em segundo lugar, há a diminuição do funcionamento cognitivo dos membros do grupo, e o aumento do estresse e ansiedade. Por fim, o conflito de relacionamento incentiva posições antagônicas de hostilidade mútua e evolução do conflito. No mesmo sentido, para Robbins (2005), os conflitos de relacionamento, em regra são disfuncionais, pois o aumento dos choques de personalidade provoca o desgaste das relações interpessoais e diminui a compreensão mútua, o que acaba comprometendo o desenvolvimento das atividades organizacionais. Conforme Jehn, Northcraft e Neale (1999) e Rahim e Bonoma (1979), um fator de influência para os choques de personalidade, seria a diversidade interna dos grupos que pode aumentar consideravelmente o nível de conflito dentro das equipes de trabalho. Alguns estudos revelaram ainda que este tipo de conflito produz ansiedade e agressividade, além de reduzir a produção dos trabalhadores e a probabilidade de que eles queiram trabalhar juntos outra vez (MARTINS; ABAD; PEIRÓ, 2014). Já os conflitos substantivos ou de tarefa, estão positivamente associados a resultados benéficos, pois contribuem para tomar melhores decisões e melhorar o desempenho do grupo. Para a literatura, este tipo de conflito poderia ser incentivado nas equipes, pois traria criatividade e inovação às atividades realizadas, além de evitar apatia e estagnação nas equipes (ROBBINS, 2005). No entanto, para que seja benéfico para indivíduos e grupos, esse tipo de 36 conflito deve estar em um nível moderado na organização, pois altos níveis de conflito de tarefa podem interferir na conclusão das tarefas do grupo (JEHN, 1997; RAHIM, 2001). No mesmo sentido, Simons e Peterson (2000) pontuam que altos níveis de conflitos de tarefas são prejudiciais para a organização, pois podem levar à redução da satisfação dos membros e do comprometimento com a equipe. A Figura 2 demonstra a relação entre o conflito substantivo ou de tarefa e a performance no trabalho. Conforme Rahim (2001), os pontos “A” e “C” representariam organizações estagnadas e sob efeitos disfuncionais, respectivamente. Já o ponto “B” da função, seria o ponto de equilíbrio que deveria ser buscado pelas organizações entre os níveis de conflito e a performance. O autor esclarece ainda, que a relação positiva entre o conflito de tarefas e a performance no trabalho foi observada em tarefas não rotineiras, o que não foi evidenciado em relação às atividades rotineiras e padronizadas. Figura 2 - Relação entre conflito substantivo e performance de trabalho de Rahim (2001) Fonte: Araújo (2004). Simons e Peterson (2000) apontam para dois efeitos benéficos e interrelacionados que estão associados ao conflito de tarefas: o primeiro seria a qualidade da decisão do grupo e o segundo seria a aceitação afetiva das decisões do grupo. Para os autores, as equipes que vivenciam o conflito de tarefas geralmente tomam melhores decisões do que aquelas que não o vivenciam, pois esse tipo de conflito incentiva uma maior compreensão cognitiva do problema enfrentado pelo grupo. Ao mesmo tempo, o desejo de permanecer no grupo aumenta a partir do maior grau de satisfação com a decisão do grupo experienciada pelos membros. 37 Uma importante observação de Jehn (1997) é a possibilidade de que conflitos relacionados à tarefa possam se transformar em conflitos de relacionamento. Conforme a autora, isso pode ocorrer quando os membros de um grupo não concordam sobre algum aspecto relacionado às tarefas que desenvolvem e passam a atribuir o conflito de tarefa à questões de personalidade entre eles, muitas vezes decorrente da dificuldade dos indivíduos em apresentar e receber críticas. Nesse sentido, em um estudo de metanálise sobre conflito, desempenho da equipe e satisfação do membro da equipe, De Dreu e Weingart (2003) observaram que quando não há distinção entre conflito de tarefa e relacionamento, a correlação negativa geral com o desempenho da equipe é esperada tanto para conflito de tarefa, como para conflito de relacionamento. Os autores destacam que o conflito de tarefa deve ser visto de modo cuidadoso, especialmente quando incentivado na equipe, pois embora um pequeno conflito possa ser benéfico, esses efeitos positivos se dissolvem à medida que o conflito se torna mais intenso e a carga cognitiva aumenta. Simons e Peterson (2000), indicam que cultivar a confiança intragrupo reduz a correlação entre tarefa e conflito de relacionamento e é uma medida preventiva importante para diminuir a probabilidade de que desacordos relacionados a tarefas se transformem em conflitos de relacionamento. Conforme De Dreu e Weingart (2003), correlações baixas entre conflito de tarefa e relacionamento podem permitir que o conflito de tarefa seja relativamente construtivo, evitando a evolução do conflito e suas consequências destrutivas. As equipes também conseguem se beneficiar do conflito de tarefas quando estabelecem uma comunicação colaborativa e cultivam um ambiente cooperativo e tolerante à diversidade