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IMAGENS FRISANTES: O MONOLOGAR DAS IDEIAS Shannya Lúcia de Lacerda Filgueira Departamento de Letras – UFRN Resumo: O poeta Fernando Pessoa, em seu heterônimo Ricardo Reis, explora categoricamente perante as presenças do traçado mitológico e psicológico, como forma de se analisar a nossa passagem na terra, e trazer à luz o ser diluído pelos tempos, por meios dos avanços tecnológicos. Sendo assim, a poética de Ricardo Reis é uma mescla de observatório, como distanciamento, com constructos elaborados, via linguagem, não para o descrito, mas para o que já foi imbuído de reflexão. E dessa forma, analisar seus poemas será o mesmo que trazer o lugar primeiro das coisas, e comungar num monólogo incessante de poética à luz das imagens, à luz da filosofia da palavra, das ideias. Conquanto, o ensaio vale-se de reflexões acerca do conjunto de poemas extraídos do livro Odes de Ricardo Reis, bem como de outros críticos, no sentido de reafirmar as experiências a que as odes nos leva. Palavras-chave: Ricardo Reis; Observação; Reflexão; Filosofia. Uma IDEIA não é senão o conceito de uma perfeição que ainda não se encontra na experiência. Immanuel Kant Ao longe os montes têm neve ao sol, Mas é suave já o frio calmo Que alisa e agudece Os dardos do sol alto. Hoje, Neera, não nos escondamos, Nada nos falta, porque nada somos. Não esperamos nada E temos frio ao sol. Mas tal como é, gozemos o momento, Solenes na alegria levemente, E aguardando a morte Como quem a conhece. 1 Como já dizia o poeta brasileiro Mário de Andrade, “O passado é lição para se meditar, não para se reproduzir”. E a isso o poeta Fernando Pessoa, em seu heterônimo Ricardo Reis, explora categoricamente perante as presenças do traçado mitológico e psicológico, como forma de se analisar a nossa passagem na terra, e trazer à luz o ser diluído pelos tempos, por meios dos avanços tecnológicos. Sendo assim, a poética de Ricardo Reis é uma mescla de observatório, como distanciamento, com constructos elaborados, via linguagem, não para o descrito, mas para o que já foi imbuído de reflexão. E dessa forma, analisar seus poemas será o mesmo que trazer o lugar primeiro das coisas, e comungar num monólogo incessante de poética à luz das imagens, à luz da filosofia da palavra, das ideias. Como frestas, ele, o eu-lírico, assume seu papel de intérprete da regência das coisas num cosmo transitório e, por sua vez, cria imagens que, via de regra traz à tona uma nova, já velha filosofia de vida, sendo o portador das palavras de “salvação” àqueles que o escutarem. Seria até alienador senão falássemos em poesia, contudo o discurso poético está para o sujeito antes por uma reflexão que por uma parábola, onde a ordem é trazida de forma mais arrebatadora, por meio dos exemplos de vida, e pela opressão que esta causa, caso você, “leitor”, fuja do pretendido. Ademais, suas formulações exigem do sujeito um desprendimento às crenças, às crendices e ao lugar menor da fé, como sentido irracional, partindo a um horizonte mais fecundo e propenso ao (des) equilíbrio do homem enquanto ser que goza de um ambiente passageiro e provador. Aponta, portanto, à circunstância em que se inscreve tudo o que nossa sociedade nega. É como se nossa vida fosse como um corredor muito grande e no percurso de travessia nos deparássemos com várias janelas pequenas, estreitas, como fendas a serem perfuradas por uma luz, uma luz diferente da que ligamos no interruptor; uma luz de vida. A vida que desperdiçamos – tendência da modernidade, antes vontade de sistema automatizado de comércio que nosso regogizo a joelhos descansados. O caso é que se não nos encaminharmos a nenhuma das janelitas, declarar-se-á sempre guerra ao resto de vida, declarar-se-á Finados para cada dia que matamos, executando o florescer do pensar, cujo ouro só conquistamos após toda a travessia desse corredor e do fado que carregamos pelos passos a fora. Pela vida devemos “decorrê-la,/ Tranquilos, plácidos,/ Tendo as crianças por nossas mestras,/ E os olhos cheios de Natureza...” (p,14) 1 . Sem ansiedade – a grande vilã da era Moderna – devemos percorrê-la, sem pular ou evitar etapas, e tudo isso com a simplicidade e a grande curiosidade ávida pelo conhecer – substância imanente a índole e a natureza infantil – como trabalho, cuja brincriação remonte o colecionar de momentos únicos e fluídos, contudo devemos encará-los sempre como o grade prazer de vê-lo tufão, tempestade a acalmar-se e, por conseguinte, transformar em manifestos de água e vida, hábeis e propícios a um banho de saber. Dessa forma, devemos nos despir de toda a pretensão ou alienação a que nos impõe os comandos invisíveis que nos espreitam, abraçando a mudança, abraçando o tempo, nos abraçando, nos despedindo. Com relação à questão do tempo, “O tempo passa,/ Não nos diz nada./ Envelhecemos./ (...) / Não se resiste/ Ao deus atroz/ Que aos próprios filhos/ Devora sempre.” (p,14) 1 Reis nos coloca diante de um impasse, pois se o tempo é um tempo que passa, como aproveitá-los como últimos? Talvez, porém, a resposta seja de ordem mais filosófica, pois se adotarmos o princípio antigo do rio em relação ao andar do tempo e do conhecimento, teríamos meio caminho, a outra ponta estaria, talvez, na filosofia do 1 REIS, Ricardo. Odes. Ática. carpe-diem, mas ainda não daria cabo de todas as inquietações, uma vez que também poderíamos usar como “explicação”, a questão do livre-arbítrio. Ou seja, os momentos são únicos e passageiros, por isso temos de aproveitá-los ao máximo, tirando sempre lições de nossos atos e abandonando o achismo de um julgamento ou olhar recriminador, já que: Altivamente donos de nós-mesmos, Usemos a existência (...) Acima de nós mesmos construamos Um fado voluntário Que quando nos oprima nós sejamos Esse que nos oprime, E quando entremos pela noite dentro Por nosso pé entremos. 2 A grande ilusão, talvez, seja a de querer burlar esse momento último, ou a de achar que algum deus o poupara, redimindo-o, ou salvando-o do ato final; como peça que cerrou as cortinas à Hyperion, mas ao Destino não há logros. Há aberturas, fendas abertas em virtude das nossas escolhas; logo, não há um culpado senão o próprio homem ensimesmado em sua dor de tempo e de mundo. Quanto ao cerne do discurso Destino, vale salientar, que em nenhum momento houve a crença em uma força geradora una e que o Destino seja um deus a nos incutir um caminho, muito pelo contrário: é sabido de um fado a que nem sempre podemos fugir – mais ligado à temas socioeconômicos – como também da ligação aos neo-pagãos e, por isso, há tanta referência aos deuses da antiguidade ocidental grega. A esse propósito descreve o deus católico como sendo “O triste deus cristão.”. Refletindo sobre a contradição de um deus uno, “paz e amor”, mas que abandona seus filhos, lhe sendo atroz, de certa forma; que virá para redimir, mas, no entanto, o oprimirá sempre pela noção de pecado. Se olharmos dessa forma, os pobres cristãos da Idade Média morreram todos, só deixaram os ricos a contar histórias magníficas, pois “Deus” os salvou. E por falar em ricos contando histórias, que tal as imagens contando suas próprias histórias? Basicamente a simplicidade pactua com o discurso purista e cheio de brios, desempenhando contrastes sentidos na racionalidade do narrador (se é que há um) que se manifesta nos poemas do poeta. Assim temos o girassol a fitar o sol; de uma poeira que levantada, enche de leve névoa o horizonte; mas sentados à beira do rio; vê- se ao longe nos montes a neve ao sol; “Mas tal como é, gozemos o momento” (p. 25); de mãos dadas, brincando; buscando sempre o mínimo de dor; levando apenas as rosas breves, os sorrisos vagos, e as rápidas carícias dos instantes volúveis;o melhor pra lembrar; pois, sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo; para quem tudo é novo, já que a luz para estes é eterna. Ora, se tivesse buscado por outro orador, talvez não tivesse encontrado um tão brilhante a dizer o óbvio da vida em detrimento da natureza efêmera das coisas. Assim, Reis ao emprestar as ideias acima, circunscreve sua obra em um monólogo de ideias vistas por imagens e/ ou ações, cuja caligrafia esmiúça o ser que vive, pensa e comemora o natural da vida, muitas vezes pálida, como ele mesmo descreve. Para tanto, 2 Idem. p, 40-41. o mais sábio é dizer de sua ideia: como mote é a uma grande, grande proposta linguística, discursivamente poética de ser; como projeto, uma grande utopia indo de encontro à alienação, ao mundo dos tecnólogos, ao mundo do messias institucionalizado, ao mundo do consumo desenfreado, ao mundo em que a ideia do aceitar as ordens naturais virou sopro largado na última pétala da margarida desfiada pelo homem que decidia entre si e a máquina, e olha só quem ganhou?! Desejosos por alcançar, sempre buscamos algo, e isso nos traz consequências. Sendo esta busca o pivô de consequências que não entendemos e, por isso, o suplício, a descrença, a corrupção do homem em relação a si mesmo. Haja vista que “Não consentem os deuses mais que a vida” (p. 37) “Só esta liberdade nos concedem os deuses: submeter-nos” (p. 42). Submetermos aos desejos, pior castigo. Porém, de uma forma ou de outra, a liberdade almejada está longe de ser a verdadeira, buscamos sempre um ideal relativo de liberdade, uma vez que esta sempre está condicionada a algo. Logo, a verdadeira liberdade, segundo o poeta, principia-se na hora que avançamos e passamos adiante a ideia da chegada do barco da travessia, onde já não nos importa os impropérios dessa vida. Assim, como se pode observar é muito clara a presença de um monólogo a discutir uma ideia com plurais interlocutores discursivos; um sujeito que se dispõe à prática de se pôr no lugar do outro, assumindo suas dores e apontando-lhes a luz, dando a estes a consciência de um lugar tomado desde a abertura dos olhos ao nascer. Contudo, “Nem a forma nem a filosofia defendem a Reis: defendem a um fantasma. (...) O labirinto em que Reis se perde é o de si mesmo” 3 . Ao que este odeia a mentira por ser ela uma inexatidão, preferindo uma atitude intelectiva a uma sensitiva imbrincada em constructos de reflexão, e nisso acaba por resenhar o processo de sua criação poética. Um dado curioso é que o próprio Fernando Pessoa, confessou ter criado o heterônimo em resposta ao movimento modernista e em revolta à perda do centramento, bem como à questão da primazia do sujeito. Reis é, por conseguinte, e “essencialmente o discípulo de Alberto Caeiro, submetendo a objetividade pura do mestre a uma gestação reflexiva através de um aparato filosófico e uma ideologia classicista.” 4 . Corroem-no pâmpanos, ou heras, ou rosas volúteis, Ele sabe que a vida Passa por ele e tanto Corta à flor como a ele De Átropos a tesoura 1 Ricardo Reis. Odes ao tempo, ao ser, e à gestação da reflexão do objeto, cujo reflexo transmite o saber, a calma, o ideal de liberdade. 3 PAZ, Octavio. Signos em rotação. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1990, p. 216. 4 QUESADO, J. C. Basílio. O constelado Fernando Pessoa. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p. 90.
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