Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL JANIELY BATISTA GALVÃO VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: “SE PARIR FAZ PARTE DA NATUREZA, QUE ESTA FORÇA SEJA RESPEITADA” NATAL 2014 JANIELY BATISTA GALVÃO VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: “SE PARIR FAZ PARTE DA NATUREZA, QUE ESTA FORÇA SEJA RESPEITADA” Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora Profª Ms. Alane Karina Dantas Pereira NATAL 2014 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Galvão, Janiely Batista. Violência obstétrica: “se parir faz parte da natureza, que esta força seja respeitada” / Janiely Batista Galvão. - Natal, RN, 2014. 70f. Orientadora: Profa. Dra. Alane Karine Dantas Pereira. Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço social. JANIELY BATISTA GALVÃO VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: “SE PARIR FAZ PARTE DA NATUREZA, QUE ESTA FORÇA SEJA RESPEITADA” Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Aprovado em: _26_/ 11_/_2014__ BANCA EXAMINADORA: ___________________________________________________________________ Profª. MS. Alane Karine Dantas Pereira – UFRN/DESSO (Orientadora) ___________________________________________________________________ Profª Maria de Fátima Jerônimo Marques – UERN/FASSO (Profª Ms./ Membro Titular Externo) ___________________________________________________________________ Felipe dos Santos Galvão - Mestrando em Serviço Social (UFRN/PPGSS) (Membro Titular externo) Do ventre nasce um novo coração! (Cássia Ellen) AGRADECIMENTOS Primeiramente quero agradecer ao meu Deus, pela oportunidade de estudo e concretização de um sonho. Agradeço a Deus por tudo que Ele tem me proporcionado, e mostrado o quanto é fiel em minha vida. A minha família que é a minha base, meus país por todo sentimento de confiança depositado em minha pessoa. A minha mãe Maria Lúcia Batista Galvão que apesar de toda dificuldade financeira em manter-me na faculdade, sempre buscava uma maneira de prover a minha permanência na faculdade. Ao meu pai João Batista Galvão, por todo esforço para continuidade dos meus estudos, em suma, aos meus pais, pessoas guerreiras, amorosas, corajosas, exemplos de vida a ser seguido. Aos meus irmãos que de maneira diferente contribuíram com minha formação. As minhas tias, Marliete e Marinéz por ter se alegrado e contribuído com minha formação, a vocês minhas tias “o meu muito obrigado”. Ao meu amigo, companheiro e futuro esposo por toda compreensão e paciência nos momentos de crise, insegurança, estresse e desânimo ter me apoiado e acreditado em meu potencial. Obrigada meu amor, pelo ombro amigo e pelo abraço tão caloroso nos momentos em que mais precisei. As minhas amigas e colegas de faculdade, Fabíola, Analice e Laysa pelos momentos de alegrias, tristezas e estresses estarmos sempre juntas. Apesar de nossas diferenças sempre nós entediamos e acredito em amizade para além dos muros da Universidade. Obrigada meninas pela amizade e companheirismo. As professoras Carla Montefusco e Regina Avila, que sempre auxiliaram na construção de conhecimentos. Vocês realmente marcaram o período de minha formação, mostrando um exemplo de profissional em que posso me espelhar e ter como exemplo para a minha vida profissional. A minha orientadora Alane Dantas pela paciência e dedicação. Obrigada por todo esforço e estímulo em momentos de grande insegurança. Sua contribuição foi muito importante para a realização deste trabalho. Meus sinceros agradecimentos a Maternidade Escola Januário Cicco, instituição a qual, desenvolvi o estágio obrigatório durante um ano e trabalhei como bolsistas de apoio técnico. Apesar de toda dificuldade, os três anos e três meses de permanência na Instituição, me despertou para a compreensão na problemática estudada por essa pesquisa. Além, de ter auxiliado financeiramente aos meus estudos, a instituição possibilitou o aprendizado que levarei como experiência para minha vida profissional e pessoal. Em memória eterna aos meus avós, Sebastião Galvão, Cícero Serafim e Maria Serafim que não estão presentes fisicamente, mas sim dentro do meu coração. Sei que onde eles estiverem estão muito felizes com mais essa conquista em minha vida. Obrigado meus amores, por tudo que me ensinaram e por estarem se alegrando junto comigo pela realização de um sonho. E por fim, agradeço a minha avó, Francisca Rodrigues Galvão por me ensinar o amor e respeito. Obrigada pelo exemplo de honestidade e por ter contribuído de maneira significativa por essa vitória. “Obrigada vó”! RESUMO Discute-se nesta pesquisa, as formas mais recorrentes de violência obstétrica presentes na contemporaneidade, e o enfretamento a essa questão. Esse problema tem suas raízes nas relações desiguais entre homens e mulheres, que foram construídas ao longo dos tempos, e que avançam em tempos de reestruturação da economia. As mulheres vêm sendo alvos de diversas formas de violências, entre essas violências estão às inúmeras violações de direitos das parturientes, que se caracteriza como violência institucional, tendo em vista que suas expressões estão presentes nas instituições de saúde públicas e privadas. Como forma de enfrentamento a essa questão, o Estado tem idealizado políticas que visem mudanças na assistência ao parto no Brasil, porém a humanização no parto, que é o modelo proposto e melhor indicado, por se tratar de um projeto contra hegemônico, que em sua estrutura tem princípios adversos ao projeto neoliberal, tem sofrido rebatimentos no que se refere à atenção à saúde de forma humanizada. No presente trabalho, optou-se pela pesquisa bibliográfica, documental e observação participativa, pois para apreender a dinâmica do trabalho, recorreu- se a autores teóricos que discutem a problemática para assim, fornecer um aporte teórico a pesquisa, bem como analisar dados retirados de documentos que revelaram como está à assistência ao parto no Brasil. E por fim, a observação participativa que diz respeito à investigação na prática como essa realidade se apresenta. O estudo buscou analisar os casos de Adelir e a mulher considerada “comedora de placenta”. Esses casos simbolizaram tipos de violência obstétrica que foi de grande repercussão na mídia e redes sociais. Perante esses casos, podem-se compreender as contradições inerentes às políticas de humanização que não são condizentes com a prática obstétrica. Os resultados da pesquisa apontaram que a assistência ao parto no Brasil está muito distante do que preconiza a Política de humanização ao parto, uma vez que os traços da medicina tradicional na assistência ao parto ainda são muito presentes na política de saúde. Todas essas questões têm relações intrínsecas com as desigualdades sociais de gênero, pois se verificou que, mesmo quando as mulheres conhecem, reivindicam e tencionam as instituiçõespelos seus direitos, estes não são respeitados e as parturientes ainda são julgadas como “exageradas” e “loucas”. Palavras-chave: Violência obstétrica, assistência ao parto, humanização, políticas de saúde. ABSTRACT The discussion in this research concerns the most recurrent forms of obstetrical violence in the conteporary days and the ways to prevent it. This problem has its roots on unlike differences between men and women. These roots, which go on based on the re-structuring of economy, have been constructed through the time. Women have been target of many forms of violence such as: Violation of Mother's right, which is characterized as institutional violence, considering its expressions are present on public and private health institutions. As a solution to this problem, the government has idealized politics which have the objective to change the birth assistence in Brazil. Nevertheless, Birth Humanization is the best model proposed and advised for it's a counter hegemonic projec as its structure holds principles which go against the neo-liberal model. Birth humanization hasn't had the proper attention. In this essay, we used bibliographical, documental and participative observation. In order to learn dynamic of the article, we appealed to theorical authors which discuss the problematic adding,thus, a theorical support to the research and also analyses data taken from documents which revealed how is the Birth assistence is Brazil. In the end, the participative observation concerns the practical investigation on how this reality is presented. The essay analyses the cases of Adelir and the woman which is considered a “placenta eater”. These cases symbolize types of obstetrical violence which were very spread on the medias and social networks. Before these cases, we can comprehend the ineherent contradictions of the politics of humanization which do not correspond the practical obstetric. The results of the research show that Birth assistence in Brazil is very distant from what the Politics of humanization advocates in relation to birth, considering the tracts of traditional medicine in assistence to birth are still very present in Helth Politics. All of these themes have intrisic realtions with the social differences of this kind, for we found out that even when women know and press intitutions for theirs rights, the right aren't respected and the mothers are still judged as “exagerated” and “crazy” key words: obstetrical violence, birth assistence, humannization, health politics. LISTA DE SIGLAS ANS - AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE COMPLEMENTAR CES - CENTRO DE EDUCAÇÃO E SAÚDE CLT - CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS CPN - CENTRO DE PARTO NORMAL DATASUS -DEPARTAMENTO DE INFORMÁTICA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE FHC - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO HIV - HUMAN IMMUNODEFICIENCY VIRUS MARE - MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO E REFORMA DO ESTADO MEJC - MATERNIDADE ESCOLA JANUÁRIO CICCO MHPNA - MOVIMENTO PELA HUMANIZAÇÃO NO PARTO E NASCIMENTO EM NATAL MS - MINISTÉRIO DA SAÚDE OMS - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE ONG - ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL PEP - PROJETO ÉTICO POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL PNAON - POLITICA NACIONAL DE ATENÇÃO OBSTÉTRICA E NEONATAL PNH - POLITICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO PNHAH - PROGRAMA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO DO ATENDIMENTO HOSPITALAR PPP‟S - PARCERIAS POLÍTICO-PRIVADO PT - PARTIDO DOS TRABALHADORES SESAP- SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE PÚBLICA SMS - SECRETÁRIA MUNICIPAL DE SAÚDE SUS - SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE USP - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10 2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO: ELEMENTOS PARA COMPREENDER AS RELAÇÕES DE PODER NA CONTEMPORANEIDADE............................................... 17 2.1 AS RELAÇÕES DE DESIGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO ....................................... 17 2. 1.1 Violência de gênero: um enfoque sobre as expressões da violência institucional .. 23 2.1.2 Violência obstétrica: as relações de poder presentes no âmbito hospitalar............. 25 3 A ASSISTÊNCIA AO PARTO NO BRASIL: OS LIMITES QUE PERPASSAM A VIDA DAS PARTURIENTEs ............................................................................................... 34 3.1 HUMANIZAÇÃO NO PARTO: LUTAS E RESISTÊNCIAS POR UM NOVO MODELO DE ATENÇÃO ...................................................................................................... 42 3. 1. 1 Uma análise sobre o caso de Adelir e a “comedora de placenta” ........................... 57 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 64 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 67 10 1 INTRODUÇÃO A temática proposta neste trabalho surgiu a partir da experiência do estágio acadêmico desenvolvido na Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC), e de instigadas observações às formas como as mulheres gestantes são assistidas por profissionais de saúde nesse espaço. Conforme nossa vivência na instituição durante o período de estágio podemos constatar através de relatos das gestantes que estavam internadas de que alguns direitos das parturientes 1 não eram respeitados. A maioria das gestantes não era chamada pelo nome e muitas reclamavam que os médicos e enfermeiros não forneciam informações acerca de exames e procedimentos realizados, o que pode acarretar angustia e inquietações nas pacientes, por não saberem a que tipo de tratamento a parturiente estava submetida. Na MEJC o direito ao acompanhante é restrito, tem que ser do sexo feminino com idade superior a 18 anos, o que impende a parturiente de escolher seu acompanhante, que em sua maioria preferem ter o esposo ao seu lado. Isso ocorre devido à estrutura da MEJC ser formada por enfermarias coletivas, o que de certa forma dificulta as outras pacientes de se sentirem a vontade, pois as parturientes necessitam amamentar, fazer curativos e outros procedimentos que com a presença de um homem na mesma enfermaria impossibilita a privacidade de outras pacientes. Desta forma, percebemos que a violência obstétrica é uma realidade presente na prática obstétrica da Maternidade Escola Januário Cicco. A experiência de estágio na MEJC foi um elemento propulsor para a escolha do objeto de pesquisa. De acordo com a Defensoria Pública de São Paulo, 2013 a violência obstétrica existe e caracteriza-se pelo tratamento desumanizado por parte dos profissionais de saúde, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, acarretando para mulher a perda da liberdade de escolha sobre seus corpos e sexualidade, causando-lhes pontos negativos na qualidade de vida destas mulheres. Os avanços tecnológicos na obstetrícia nas últimas décadas tem transformado o parto que é um processo fisiológico natural em um evento medicalizado e institucional, ultrapassando as recomendações cientificas para assistência ao pré-natal, parto e pós-parto por meio de uso abusivo da tecnologia, não respeitando o processo fisiológico, assim o parto passa a ser assistido como quase uma patologia 2 e a parturiente como uma paciente, sendo negado o direito da mulher em participar do processo de nascimento. O parto está cada vez menos natural, tanto que atualmente no Brasil foi instituída 1 Mulher que está em trabalho de parto ou que acabou de dá a luz. Cf. http://www.dicio.com.br/parturiente/ 2 Ramo da medicina que estuda as doenças, suas causas e sintomas. Cf. http://www.dicio.com.br/parturiente/http://www.dicio.com.br/parturiente/ http://www.dicio.com.br/parturiente/ 11 uma Politica Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal no sentindo de humanizar a assistência obstétrica, a PNAON surgiu como resposta também aos Movimentos Sociais que lutam contra a violência obstétrica. Em outros países como Argentina e Venezuela a violência obstétrica é crime cometido contra as mulheres sujeito à punição, portanto sendo assegurado perante leis e normas a garantia às mulheres de sua liberdade sexual e reprodutiva, direito à saúde e dignidade. No Brasil a violência obstétrica não se configura como crime, porém as parturientes tem uma Politica Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal que estabelece como direito da gestante ter acesso a atendimento digno e de qualidade no decorrer tanto da gestação, como parto e puerpério 3 . A Atenção Obstétrica e Neonatal, prestada pelos serviços de saúde deve ter como características essenciais à qualidade e a humanização. É dever dos serviços e profissionais de saúde acolher com dignidade a mulher e o recém- nascido, enfocando-os como sujeitos de direitos. (BEASIL, Portaria n° 1.067/GM de 4 de Julho de 2005) Em contrapartida, o Brasil é o país que realiza mais cirurgias cesarianas no mundo. Segundo informações do DATASUS 2011, 52% das mães tiveram seus filhos por meio cirúrgico, o que é contrário às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) que aconselha uma taxa de 15% cesáreas por país. Esses dados retratam a realidade das maternidades brasileiras em não respeitar o parto humanizado. Para Faundes (1991), O uso abusivo de cesarianas no Brasil tem contribuído para a desumanização da assistência, além de acarretar o aumento da mortalidade e morbidade materna e perinatal sem mencionar o desperdício dos escassos recursos do setor de saúde. (MATEI et, al. 2003, P. 17apud FAUNDES 1991) Nesse sentindo, a redução do alto índice de cesarianas no país é imprescindível para a melhoria nas taxas de morbimortalidade materna e infantil e essencial para humanizar a assistência obstétrica. Outras formas mais comuns de violência obstétrica são: negar ou criar dificuldades ao atendimento à mulher em relação ao acompanhamento pré-natal em unidades básicas de saúde; vedar a entrada de acompanhantes de escolha da parturiente; humilhar, falar mal, ofender, criar situações e comentários constrangedores à mulher ou sua família; negar atendimento à mulher, que fica peregrinando em busca por vaga em maternidades; uso de 3 Período pós-parto. Cf. http://www.dicio.com.br/parturiente/ http://www.dicio.com.br/parturiente/ 12 episiotomia 4 , cesariana ou outros procedimento sem indicações científicas e sem consentimento da parturiente, que causem dor ou dano físico ao corpo da mulher; falta de atenção ou informação à mulher, entre outras. (MATEI et, al. 2003) Diante desta tamanha violação dos direitos das parturientes, sentimos então a necessidade de conhecer, investigar e analisar esta problemática. O interesse pela temática apresentada neste trabalho também surgiu a partir do conhecimento de um fato verídico de violência obstétrica que tomou grandes proporções nos meios de comunicações e redes sociais. O caso de Adelir Carmén Lemos de Goes, da cidade de Torres – Rio Grande do Sul. Adelir foi obrigada por ordem judicial a ser submetida a uma cesariana no dia 01 de abril de 2014, mesmo contra a sua vontade que desde o principio já desejava ter seu filho através do parto normal, mas o querer de Adelir não foi respeitado e durante a madrugada, com uso de força policial Adelir é levada para o Hospital Nossa Senhora dos Navegantes e a cesariana é realizada, sem o seu consentimento. Em face desse caso, tais questionamentos surgem: É o Estado que decidi sobre o corpo da mulher? Como a sociedade está lidando com o nascimento? Este acontecimento proporcionou inquietações, principalmente em mulheres que já foram vitimas da violência obstétrica. E em todo Brasil ativistas se mobilizaram contra este tipo de violência, e o movimento nas redes sociais denominado #SomosTodasAdelir foi se expandido, tanto que no município de Natal o “Movimento pela Humanização do Parto e do Nascimento em Natal” incorporou esta luta e através desse ativismo virtual pela humanização do parto e contra a violência obstétrica, essa temática se aproximou ainda mais da motivação pela escolha em discutir esse problema, que é tão recorrente em nossa realidade, mas por se tratar de uma violência “silenciosa” nem todos percebem a sua presença. Na cidade de Natal, manifestações em favor de Adelir foram realizadas por intermédio do “Movimento pela Humanização do Parto e do Nascimento em Natal”. Esse Movimento foi criado inicialmente por quatro mulheres que já sofreram algum tipo de violência obstétrica nas maternidades de Natal, e posteriormente mais integrantes foram se unindo ao movimento com o objetivo de buscar maneiras de mudança na assistência ao parto e nascimento em Natal. Na cidade de Natal também ocorreu um caso de grande repercussão em todo Brasil. A mulher que sofreu diversas violações em seu parto e por exigir que seu 4 É um corte feito na região do períneo, área muscular entre a vagina e ânus. Cf. http://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf 13 plano de parto fosse realizado, a mesma foi julgada de “surtada” e “comedora de placenta” 5 pelos médicos que a atenderam. Logo, toda a cidade tomou conhecimento do fato e como só a versão do médico foi divulgada, a mulher sofreu grandes repressões das pessoas na cidade. O interesse pelo tema consolidou-se a partir de uma reflexão a respeito dos direitos das parturientes estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS). De acordo com a OMS 2000, se constituem como direitos da mulher, Estar acompanhada durante o trabalho de parto e o parto, por alguém de sua escolha; conhecer a identidade do profissional; ser informada pelos profissionais sobre os procedimentos que serão realizados com ela e o bebê; receber líquidos e alimentos durante o trabalho de parto, sem excessos; caminhar e fazer movimentos durante o trabalho de parto; receber massagens ou outras técnicas relaxantes; tomar banhos mornos; adotar a posição que desejar no momento da expulsão; receber o bebê para mamar, imediatamente após o parto; ser chamada pelo nome. (MATEI et, al. 2003, P. 18 apud OMS, 2000) Desta forma, a partir dessas questões, entendemos que o referente trabalho pode contribuir para certa visibilidade a esta questão, problematizando esta forma de violação de direitos. Para transforma a realidade da violência obstétrica, se faz necessário compreendê-la, pois nem todas as mulheres se reconhecem como vitimas deste tipo de violência, em muitos casos por desconhecer seus direitos. Assim, este trabalho pode colaborar para que estas mulheres percebam que seus direitos foram violados e se reconheçam como sujeitos de direitos. O trabalho se configura como de suma importância, por constatar que no âmbito do Serviço Social existem poucas produções teóricas acerca da temática. Com isso, pode contribuir para a profissão perceber criticamente esta realidade, com a expectativa de estimular debates sobre este assunto entre os profissionais da área e acadêmicos. Enquanto profissão inserida no campo da saúde, precisamos refletir, entender e questionar essa realidade. Já que o projeto profissional do Serviço Social está relacionado diretamente com a defesa intransigente dos direitos humanos e se posiciona contra a quaisquer tipos de arbitrariedades, considerando como principio norteador a liberdade dos indivíduos sociais. Para a sociedade, acreditamos que esse trabalho monográfico é de grande relevância, pois pretende proporcionar uma reflexãoem relação ao objeto de estudo proposto neste 5 A mulher foi considerada “comedora de placenta” pelo fato de ter solicitado ao médico sua placenta, logo o profissional precipitadamente conclui-o que a mulher iria comer sua placenta, assim ao narrar toda a confusão o médico a chamou de “comedora de placenta”. Cf. http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do- norte/noticia/2014/07/sem-tempero-diz-obstetra-sobre-mulher-que-comeu-placenta-em-natal.html http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2014/07/sem-tempero-diz-obstetra-sobre-mulher-que-comeu-placenta-em-natal.html http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2014/07/sem-tempero-diz-obstetra-sobre-mulher-que-comeu-placenta-em-natal.html 14 trabalho. Pois, para que mulheres tenham a oportunidade de viver e participar do nascimento de seus filhos de forma humanizada, digna, segura e respeitosa é necessário avançar nas discussões a respeito da violência obstétrica divulgando e denunciando esta problemática a fim de buscar a promoção dos direitos humanos na gravidez e no parto. O objetivo geral da pesquisa é: Analisar as formas mais recorrentes de violência obstétrica e o enfrentamento do Estado a essa questão, uma ênfase nos casos de Adelir e da “comedora de placenta”. Dentre os objetivos específicos estão os seguintes: Identificar quais os tipos de violência obstétrica mais recorrentes no cenário atual; Contribuir para uma reflexão sobre a violência obstétrica; Analisar as Políticas e Programas previstos pelo Ministério da Saúde para humanização do parto e do nascimento; Analisar a forma como o Estado se colocou no caso de Adelir. Para compreender o objeto de estudo, optamos pelo método critico dialético com a finalidade de analisar a violação dos direitos das parturientes em sua totalidade. Aprofundamos nossas análises a partir dos questionamentos que nortearam a pesquisa, as questões são as seguintes: O Estado e a Medicina tem o poder de decidir sobre o corpo da mulher? Por que essa violação de direitos das parturientes é tão recorrente? Como o Estado, se organiza no enfrentamento a essa questão? Nesse sentido, entendemos que só o materialismo critico dialético pode proporcionar a análise das questões citadas, pois infere-se que a metodologia adotada se aproxima do real, sendo o método que possibilita ver além do que a problemática nos apresenta, analisando outras questões que de certa forma estão implícitas, reforçando a análise da totalidade. De acordo com NETTO (2009, p. 8): O objetivo do pesquisador, indo além da aparência fenomênica, imediata e empírica – por onde necessariamente se inicia o conhecimento, sendo essa aparência um nível da realidade e, portanto, algo importante e não descartável –, é apreender a essência (ou seja: a estrutura e a dinâmica) do objeto. Para que a pesquisa se concretizasse foi essencial à apreensão do contexto histórico da assistência ao parto no Brasil e categorias teóricas que estão relacionadas à temática, quais sejam: A violência de gênero e institucional; o neoliberalismo e a contrarreforma do Estado; cultura machista; questões essas, que devem ser entendidas relacionando com as determinações do capitalismo em sua atual fase, especificamente na realidade brasileira. 15 Definida a natureza do objeto, à pesquisa se baseou em outras fontes secundárias, a partir da pesquisa bibliográfica, observação participativa e documental (os documentos que foram analisados: o manifesto do Movimento pela Humanização do Parto e Nascimento em Natal; a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal; o Dossiê – Rede Parto do Princípio). A pesquisa bibliográfica ajudou na compreensão dos conceitos e categorias teóricas do objeto de estudo. Esse tipo de pesquisa nos permite analisar o contexto histórico para além do que a problemática nos apresenta. “A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”. (Gil, 1989, p. 73) A pesquisa documental oportunizou ter acesso a dados relevantes para o desenvolvimento da pesquisa, bem como analisa-los com auxilio de outras fontes, na dimensão da totalidade do objeto de estudo. Esse método é formado por materiais, que se diferenciam da pesquisa bibliográfica, pelo fato de em seus documentos os dados não fornecerem uma analise analítica. A pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A única diferença entre ambas está na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa. (GIL, 1989, P. 73) Destaca-se também o período de observação participativa, realizado durante o estágio na Maternidade Escola Januário Cicco. A pesquisa com base na observação participativa é no sentido de perceber e investigar situações e questões que não são facilmente perceptíveis ou que passem despercebidas, ou seja, a observação participativa pode ajudar a compreender questões que não são apresentadas teoricamente, mas sim na prática cotidiana. O Recorte do período da pesquisa transcorreu durante o ano de 2014. Ao longo desse trabalho nos esforçamos para compreender, através das análises dos documentos e do levantamento bibliográfico, quais os direitos que estão previstos no âmbito das políticas e dos programas do Ministério da Saúde, além das diretrizes dos usuários, para as mulheres grávidas, e se, de fato, o Estado vem garantindo esses direitos. Debruçamos-nos sobre o caso de Adelir a fim de identificar como o Estado se posicionou em relação ao caso de negar a ordem de uma médica em tentar forçar Adelir a se submeter a uma cesariana. Lembrando que 16 o caso de Adelir não representa a totalidade dos casos de mulheres que sofrem esse tipo de violência, mas pela repercussão nacional que o caso obteve diante da postura do Estado, esse fato merece ser discutido e analisado na pesquisa, pelo motivo de caracterizar parte das contradições inerentes entre as políticas de saúde estabelecidas pelo Ministério da Saúde e o projeto neoliberal. A pesquisa presente foi dividida em dois capítulos. O primeiro busca discutir as formas mais recorrentes de violência obstétrica no cenário atual, bem como a conjuntura histórica que antecede a questão das violações de direitos das parturientes. Levantamentos acerca das questões dos tipos de violências contra as mulheres (violência de gênero, violência institucional, violência obstétrica) que de certa maneira interferem e norteiam essa problemática, a fim de compreendê-la melhor, são apresentadas e discutidas. No segundo capítulo a assistência ao parto é apresentada de forma inicial para apreender da melhor forma as políticas de humanização que o Estado adota como enfrentamento ao problema da violência obstétrica. Outras formas de resistência e lutas para a erradicação deste tipo de violência são colocados em práticas através das mobilizações e ativismo. O caso de Adelir e da mulher considerada “comedora de placenta” são relatados com a finalidade de analisar por meio desses casos, partes das contradições pertencentes às politicas de humanização formuladas pelo Ministério de Saúde e a prática obstétrica do Brasil. 17 2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO: ELEMENTOS PARA COMPREENDER AS RELAÇÕES DE PODER NA CONTEMPORANEIDADE. Neste capítulo iremos discutir as formas mais recorrentes de violência obstétrica no cenário atual, mas para compreender esse tipo de violência em sua totalidade, recorreremos a uma breve fundamentação histórica das dimensões que envolvemessa conjuntura de violência no ambiente hospitalar para com as mulheres. 2.1 AS RELAÇÕES DE DESIGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO Conforme Saffioti em “O Poder do Macho” de1987, a identidade social quer seja da mulher ou do homem são construídas socialmente mediante diferentes atribuições em que a sociedade sujeita-os a cumprirem. E assim, delimitando qual é o papel da mulher e do homem. A primeira sempre lhe é esperado a atividade doméstica, pois sobre a mulher está à capacidade de ser mãe e consequentemente o dever de ser uma “boa dona de casa”. O segundo é responsável em prover o sustento da família, com isso é destinado ao homem trabalhar fora do lar em troca de dinheiro para assim suprir as necessidades da família. (SAFFIOTI, 1987) Essa lógica domina as relações durante décadas e ainda predomina até os dias de hoje, mesmo com as mudanças ocorridas na sociedade contemporânea, as quais as mulheres têm conquistado espaços distintos para além do âmbito doméstico, a resistência a essa transformação tem sido bastante difícil, pois por mais que a mulher se “profissionalize” e trabalhe fora de casa, ainda parece ser naturalizado a esfera doméstica como espaço feminino, desta maneira, esses ensinamentos vêm sendo passado de geração a geração, de que os afazeres domésticos não devem ser são realizados pelos homens e sim pelas mulheres, o papel de educar os filhos e ser uma dona de casa exemplar é exclusivo da mulher. A sociedade investe muito na naturalização deste processo. Isto é, tenta fazer crer que a atribuição do espaço doméstico a mulher decorre de sua capacidade de ser mãe. De acordo com este pensamento, é natural que a mulher se dedique aos afazeres domésticos, ai compreendida a socialização dos filhos, como é natural sua capacidade de conceber e dar a luz. (SAFFIOTI, 1987, p. 8) O trabalho doméstico tão pouco tem sido valorizado pela sociedade, atribuindo à mulher está função, consequentemente desvalorizando o papel social que lhe é imposto. A 18 sociedade investe na idealização de que o espaço doméstico sempre foi separado para a mulher e que isso é natural. Desta forma a autora Saffioti questiona: Desta forma, a ideologia cumpre uma de suas mais importantes finalidades, ou seja, a de mascarar a realidade Como falar em uma "natureza feminina" ou em uma "natureza masculina" se a sociedade condiciona inclusive o metabolismo das pessoas? Diferentemente dos outros animais, os seres humanos fazem história. (SAFFIOTI, 1987, p.10) Sendo assim, os papeis mais importantes da sociedade como; ciência, arte, política, entre outros, ficam para os homens, sendo negada em muitos casos, a oportunidade desse espaço a mulher, condicionando assim a inferioridade intelectual da mulher. O fato é que grande parte das posições consideradas mais importantes na sociedade são sempre ocupadas por homens. Com isso, questiona-se a inferioridade intelectual da mulher, não obstante esquecesse-se de indagar se foram oferecidas oportunidades iguais tanto para as mulheres quanto para os homens, pois como a responsabilidade do cuidado dos filhos e casa pairam sobre as mulheres, as mesmas ficam impedidas em muitos casos de desenvolverem suas potencialidades de que certamente são portadoras. (SAFFIOTI, 1987) As próprias mulheres naturalizam esse processo, aceitando a sua “inferioridade”. Podemos perceber isso, quando a mulher necessita trabalhar para auxiliar o cônjuge nas despesas do lar, o trabalho fora de casa realizado pela mulher é visto como uma “ajuda”, então a mulher não necessariamente precisa ganhar mais ou igual ao homem, pois não é função dela trabalhar, sendo necessário só quando o esposo não consegue suprir todas as necessidades da família, diante disso a mulher sujeita-se a receber salários inferiores mesmo quando desempenha a mesma função, cargo e trabalha no mesmo local que o homem.(SAFFIOTI, 1987) Segundo Saffioti, essa questão interessa aos grandes empresários, pois se o proprietário paga um baixo salário a mulher, (esse salário torna-se mais inferior quando a mulher é negra, mostrando uma discriminação racial incluído nesse processo) isso gera mais lucro ao dono da empresa, e o esposo e a esposa entendem como algo natural sem perceber que isso trará prejuízos a ambos, pois eles poderiam obter uma renda maior para a família. A classe patronal tem o maior interesse na existência de categorias sociais discriminadas: mulheres, negros, homossexuais. Quanto mais discriminada uma categoria social, tanto mais facilmente ela se sujeitara a trabalhar em más condições e por baixos salários. (SAFFIOTI. 1987, p.23) 19 Nesse caso é interessante ao empresário que está lógica machista de que a mulher teria que ganhar salário inferior ao do homem se reproduza, pois assim o proprietário explora mais trabalho obtendo um maior lucro. Desta forma, a discriminação contra a mulher e racial é socialmente construída a fim de favorecer a classe dominante, detentor do poder político e econômico. Assim o poder se concentra nas mãos do homem branco. Saffioti afirma que todo esse processo da ideologia dominante tem sua base no patriarcado, capitalismo e racismo. “o poder esta concentrado em mãos masculinas há milênios. E os homens temem perder privilégios que asseguram sua supremacia sobre as mulheres”. (SAFFIOTI, 2004, p.16) Do exposto pode-se facilmente concluir que a inferioridade feminina e exclusivamente social. E não e senão pela igualdade social que se luta: entre homens e mulheres, entre brancos e não-brancos, entre católicos e não- católicos, entre conservadores e progressistas. Afinal, travam-se, cotidianamente, lutas para fazer cumprir um preceito já consagrado na Constituição Brasileira. Efetivamente, desde a primeira Constituição republicana, de 24 de fevereiro de 1891, "Todos são iguais perante a lei" (§ 2.° do artigo 72). Esta igualdade legal, que passou a ser minuciosamente especificada a partir da Constituição de 1934, assim consta da Constituição vigente desde 17 de outubro de 1969: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas" (§ 1.0 do artigo 153). (SAFFIOTI, 1987. p.15) De acordo com a autora Safiotti (1987), além da posição de poder do homem no ambiente de trabalho em relação à mulher, e a função de ser um marido que garanti a ordem e o sustento da família. Ainda cabe-lhe, segundo a ideologia dominante, a função de caçador. Isso decorre de que o homem deve ir à busca de satisfazer seus desejos sexuais, independentemente se a mulher sente desejo ou não, o que importa para o homem é atender suas necessidades sexuais. Então, na análise da autora a mulher passa a ser objeto de desejo e o homem sujeito desejante, sem considerar se a mulher sente prazer ou não. Um exemplo que Saffioti cita, é um dos casos mais cruéis de opressão do homem em relação à mulher, o estupro. A violência sexual é uma realidade bárbara, em que pode gerar traumas terríveis que a vitima poderá levar para o resto da vida. Esse tipo de violência apesar da sua brutalidade acontece com diversas vitimas cotidianamente, e em sua maioria são acometidos por homens. O que nos leva a concluir que os homens por considerarem mais poderosos que as mulheres, se acham no direito de usar as suas vitimas como instrumento para satisfazer seus desejos sexuais. Isso acontece também pelo fato das mulheres serem consideradas mais fracas fisicamente em relação ao homem, desta maneira facilitando o ataque e a obrigação da mulher a realizar práticas sexuais mesmo contra sua vontade. (SAFFIOTI, 1987) 20 Nas análises de Saffioti, a vida sexual do homem deixa muito a desejar, pois culturalmente o homem foi conduzido a concentrar a sua sexualidade nos órgãos genitais, limitando seu prazer sexual no pênis, sem se quer saberque existem outras partes do corpo que o mesmo pode sentir desejo. Como a manipulação dessas partes é ignorada, o homem deixa de aproveitar outras partes de seu corpo para despertar seu desejo sexual e assim desfrutar de mais prazer na sua vida sexual. Desse modo, pode-se inferir que o homem paga um alto preço pelo poder que a sociedade lhe confere. (SAFFIOTI, 1987) Desta concentração da sexualidade na genitália deriva a expressão falocracia (falo = pênis), ou seja, o poder do macho. Pode-se também inverter o raciocínio e afirmar que a consolidação da supremacia masculina, ao longo de milênios de história, conduziu ao endeusamento do pênis, anulando ou pelo menos reduzindo o prazer que o homem pode sentir em outras áreas de seu corpo. Desta sorte, o homem paga um preço pelo poder de que desfruta. (SAFIOTTI, 1987. p; 19) Desse modo, pode-se inferir que o homem paga um alto preço pelo poder que a sociedade lhe confere. “Ambos seriam mais completos e, portanto, mais capazes de sentir e dar prazer. Das relações assimétricas, desiguais, entre homens e mulheres derivam prejuízos para ambos” (SAFFIOTI, 1987, p.20). Outro exemplo que pode ilustrar o assunto da qual estamos tratando, o poder do macho, é o fato de nas baladas os homens é que tem a função de caçador, se acontecer ao contrário, a atitude da mulher não é aprovada, pois é o homem que tem que ter a iniciativa de chamar a mulherada dançar e dá inicio a uma possível paquera, cabe-lhe ao homem decidir qual mulher é mais atraente para ele. Na Balada o homem também pode paquerar e conquistar várias mulheres, se assim o fizer, é considerado “o pegador”, “o gostosão” se ocorrer do mesmo modo com a mulher, ela é apontada como “piriguete” Outro caso é o de traição, o homem quando comete adultério ele é considerado “o garanhão”, já a mulher se fizer o mesmo é julgada como “safada”, a mulher é vista como um mau exemplo e para o homem é natural que isso aconteça. Portanto, percebemos o quão as relações entre mulheres e homens são desproporcionais, são pequenos detalhes e exemplos que muitos não percebem até casos extremos de violência contra a mulher, que geralmente tem raízes na subordinação e discriminação contra a mulher. Em consoante com Saffioti, o homem tem necessidade de ser “superior” a mulher, pelo motivo de que em alguns pontos as mulheres lhe causam inveja. Um exemplo é o fato de que o sexo feminino dispõe de diversas partes do corpo que podem despertar o desejo sexual, 21 diferentemente do homem que como já explanado concentra sua sexualidade no órgão genital. Ainda sobre esse assunto, segundo Freud assim como as mulheres sente inveja do pênis do homem que simboliza poder, o homem também é possuidor do mesmo sentimento pelo fato das mulheres darem a luz e conceber vida. (SAFFIOTI, 2004). Não obstante, a inveja dos homens da maternidade é pouco conhecida, pois os estudos que comprovam esse fenômeno dificilmente são divulgados e tão pouco são discutidos na sociedade. A inveja da maternidade é tão vigorosa que homens sexualmente impotentes pagam um preço mais alto a prostitutas grávidas, somente para conversar com elas e alisar-lhes a barriga. Contudo, a inveja da maternidade quase não se apresenta em livros e em artigos, vive na obscuridade. (SAFFIOTI, 2004. p.33) Em períodos anteriores, o individuo que gerava uma vida eram considerados mágicos seres poderosos e pessoas quase divinas de acordo com Saffioti. Por este motivo talvez às mulheres fossem admiradas pelos homens. Mas quando descobriu-se a participação do homem na fecundação, o sentimento de inveja permaneceu nos homens para com as mulheres. A capacidade de oferecer todos os nutrientes necessários para o desenvolvimento do feto e a possibilidade de produzir leite para alimentar os bebês, são elementos que causam inveja nos homens por não possuírem essa dádiva. (SAFFIOTI, 2004) No fundo, os homens sabem que o organismo feminino é diferenciado que o masculino, mais forte, embora tendo menos força física, capaz de suportar até mesmo as violências por eles perpetradas. Não ignoram a capacidade das mulheres de suportar sofrimentos de ordem psicológica, de modo invejável. Talvez por estas razões tenham necessidade de mostrar sua “superioridade”, denotando, assim, sua inferioridade. (SAFFIOTI, 2004, p.33) Diante dessa realidade, pode-se observar que assim como é destinado à mulher o trabalho doméstico, ao homem é taxado o papel de “homem provedor do sustento da família” como já explicado acima. Esses papeis já preestabelecidos, se tornam rigorosos tanto para a mulher como para o homem. Se o último desempenhar funções em seu lar, pode-se correr o risco de ser chamado de ”mulherzinha”, e sofrer diversos preconceitos. Se o homem não cometer adultério com uma mulher que está se insinuando para ele, os amigos podem julga-lo como “gay” e ser motivo de piadas em seu círculo de amizades. Desta forma, os homens também correm certo risco se não cumprir com o papel que foi designado a ele. (SAFFIOTI, 2004) 22 Dessa discussão das relações entre homens e mulheres, a autora define gênero. Conforme Saffioti (2004), gênero é uma categoria ontológica caracterizada pelas relações entre homens e mulheres, não só destes, como também homens/homens e mulheres/mulheres. Desse modo, o estudo do ser social torna-se um complexo de totalidades em sua unidade e indivisibilidade, sendo assim, observamos que não é possível à separação, ou seja, a dicotomia entre o aspecto biológico e histórico do ser humano. “O gênero não é tão somente social, dele participando também o corpo” (SAFFIOTI, 2004, p. 125). Porém, para a autora o conceito de gênero é bem mais amplo, pois a questão “consiste em considerar sexo e gênero uma unidade, uma vez que não existe uma sexualidade biológica independente do contexto social em que é exercida.” (SAFFIOTI, 2004, p. 108- 109). Assim, as relações desenvolvidas entre homens e mulheres também são resultantes do contexto histórico em sua totalidade, de acordo com cada momento histórico. Sendo o gênero uma construção social ele não se apresenta sempre da mesma forma em todas as épocas e lugares, depende dos costumes, da experiência cotidiana das pessoas, variando de acordo com as leis, a religião, a maneira de organizar a vida familiar e a vida política de cada sociedade ao longo da história (CAMURÇA; GOUVEIA, 1997, p.8). Nesse sentindo o gênero não se configura como muitas pessoas pensam, na compreensão das relações de desigualdades entre homens e mulheres, este fenômeno está diretamente relacionado ao patriarcado. A concepção de patriarcado está ligada as relações de gênero levando em consideração a hierarquia e dominação-subordinação dos homens para com as mulheres. Embora os estudos mostrem que o patriarcado surgiu há cerca de 2.630-4 anos atrás, para Saffioti este fenômeno é recente, pois se compararmos com o tempo da existência da humanidade entre 250 mil a 300 mil anos atrás, veremos que de fato o patriarcado está baseado em fontes recentes. (SAFFIOTI 2004 apud LERNER, 1986). Para que o patriarcado se desenvolvesse no período mais precisamente entre mudanças decorrentes das sociedades igualitárias para as desiguais, existem dois fatores que o fortalece: a produção do excedente econômico e a descoberta de que o homem participa na geração da vida (SAFFIOTI, 2004 apud JONHNSON 1997) Portanto, percebe-se que por falta de comprovação cientifica da existência ou não das sociedades igualitárias em relação ao gênero, podemos considerar que as relações de gêneros são dinâmicas no tocante do cenário histórico. Assim, se fizermos uma comparação no que se refere ao tempo ao estudo e existência de gênero e patriarcado, o primeiro tem suas referências desde a origem da humanidade, já o patriarcado está relacionado ao surgimento do capitalismo que tem sua 23 ideologia e fortalecimentonas relações de desigualdades e subordinação /discriminação da mulher. 2.1.1Violência de gênero: um enfoque sobre as expressões da violência institucional Os primeiros estudos internacionais que tratam acerca da violência compactuam em estudos que se referem a “violência intrafamiliar” dos anos 1960. Neles eram analisados casos de violência contra a criança no seio familiar, o qual, a mãe era apontada como um dos agressores, sem ao menos contextualizar as circunstâncias em que aquela mulher vive. Nesse sentido, a mulher era culpabilizada sem se quer averiguar a condição dela também ser vitima. Foi esse contexto que impulsionou o movimento feminista internacional a criar a denominação “violência contra a mulher” nos anos de 1970. Essa designação cooperou para o entendimento de que a violência não acontece só na família, integrando-se outras situações como: o estupro, assédio sexual no trabalho, abuso sexual, tráfico de mulheres, prostituição forçada entre outras, assim, a violência passa a ser estudada como uma violação de direitos fundamentais para com as mulheres. (SCHRAIBER, et, al. 2005) Diante desse problema, inicialmente as instituições jurídico-policial é que são responsáveis em fornecer um suporte assistencial à mulher vitima da violência. Com isso, nos anos de 1980, as delegacias especiais para tratar diretamente dos casos de violência contra a mulher são criadas. No mesmo período, as questões relacionadas à saúde e a designação “Violência domestica” surge, E assim, há uma separação da violência de fato acometida contra a mulher e a intrafamiliar, e apesar da mulher sofrer violência em diversos contextos, é a familiar que os casos de violência são mais recorrentes. A vista disso emergem expressões como “mulheres espancadas”, “esposa abusada” ou “abusos conjugais”. Os estudos indicam os conflitos na família como uma conjuntura de violência, sendo a família agressora e violenta substituída pela terminologia violência domestica. (SCHRAIBER,. et, al. 2005) Enfim, nos anos 1990 a expressão “violência de gênero” aparece com o entendimento de que se a violência acontece no ambiente domestico entre familiares e é acometida diretamente contra as mulheres, os conflitos provavelmente são gerados por questões de gêneros. (SCHRAIBER, et, al. 2005) Perante esse recorte histórico, percebem-se as diferentes denominações que a violência adquiriu ao longo dos anos e as diversificações quando a questão da violência é tratada contra a mulher, dificultando a busca por um termo especifico e pertinente à problemática. (SCHRAIBER, et, al. 2005) 24 Não há ainda formas de designar esses atos e comportamentos que sejam sensíveis para captar a ocorrência e torná-la prontamente enunciável e, com isso, de imediato visível. Se assim fosse, as mulheres que vivem ou viveram violências teriam maior facilidade de se reconhecer nessa situação, e também de contar o problema a outros: pessoas capazes de apoiar as mulheres em situação de violência sejam profissionais de instituições ou não. (SCHRAIBER, et, al,2005 p. 32) Nesse caso, o problema da violência contra a mulher enfrenta dificuldades pelo fato de existir diversos significados em relação à definição do termo violência, que em muitos casos são associados a assaltos, latrocínios e homicídios. Dessa forma a questão da violência de gênero passa quase que despercebida pela sociedade. “Estamos aqui diante de um dos maiores desafios quando se trata de violência de gênero: não parece ser uma violação como outras violências, daí sua invisibilidade como um problema”. (SCHRAIBER,et, al. 2005, p.33) A violência de gênero não vem sendo tratada como um problema social e de saúde, o problema é do individuo mulher e não da sociedade, o que dificulta as pessoas em reconhecerem situações de violência como um dano à saúde e transgressões de direitos e, por esse motivo não recebe a mesma atenção que as outras situações de violência. Outra dificuldade no enfrentamento a questão de gênero é a própria condição de subordinação da mulher na sociedade, em que as mesmas se põem nessa colocação de inferioridade pela cultura machista inserida na sociedade, ir de contra ao patriarcado não é uma tarefa fácil, pois valores tal como a superioridade masculina e o menor valor atribuído à mulher, tem raízes históricas.” A ausência dessa critica reforça a violência vivida por certas mulheres como problemas apenas delas próprias, ou pior: como problema nenhum.” (SCHRAIBER, et, al. 2005, p.35) A questão da violência de gênero na sociedade atual é vista com naturalidade, algo do cotidiano e que sempre existirá, por este motivo a busca por uma solução definitiva não é prioridade por se tratar de um quesito corriqueiro. Essa questão tem sempre um caráter de gênero, isto é, está inserida em relações desiguais, assimétricas, em que, a um dos pares, estão conferidos maior poder e autoridade, atribuições constituídas pela cultura – modo de viver em sociedade – como identidade masculina. (SCHRAIBER, et, al. 2005, p.28) 25 Logo, infere-se que a violência de gênero por se tornar tão frequente, acaba por contribuir para aludir a uma questão insignificante e comum, colaborando para a incompreensão da problemática e sua invisibilidade. 2.1.2 Violência obstétrica: as relações de poder presentes no âmbito hospitalar A partir desses elementos discutidos até aqui sobre as expressões da violência de gênero, iremos nos debruçar agora na discussão da violência institucional, tendo em vista que esse estudo problematiza as formas de violência obstétrica a que se submetem essas mulheres nas instituições públicas e privadas. De acordo com Botti (2013),violência institucional é caracterizada por se tratar de uma violência acometida pelas instituições prestadoras de serviços públicos ou privados, que desrespeitam os direitos fundamentais das mulheres. Sendo atribuído a esse problema tanto a ação ou omissão que transgridam esses direitos. Nesse sentindo, podendo ser incluindo a este tipo de violência desde a falta de acesso à saúde, até a ausência de qualidades dos serviços prestados as usuárias do sistema de saúde em decorrência das relações de poder assimétricas entre usuárias e profissionais de saúde. Exemplos que podemos atribuir à violência instituição se referem a: discriminação no atendimento por motivos de raça, etnias, idade, sexualidade, gênero, geográfica, deficiência física, doença mental; preconceito a mulheres em situação de abortamento e em casos de (HIV); violência física; violência psicológica; utilizações de procedimentos desnecessários e sem saber em evidências cientificas; proibição de acompanhantes; restrição nos horários de visitas familiares; desprezar as experiências vivenciadas pelas usuárias em detrimento do saber científico; ausência de informações do estado de saúde da paciente; falta de esclarecimento de procedimentos que serão utilizados no tratamento ou prevenção; peregrinação em busca de atendimento; frieza; negligência e falta de atenção ao paciente; atendimento de má qualidade por parte dos profissionais de saúde e sistemas de saúde; prescrição de medicamentos impróprios ao tipo de tratamento, entre outros. (BOTTI, 2013 apud BRASIL, 2013). Esses casos citados como exemplificações são os mais recorrentes tipos de violência causados as mulheres nos sistemas de saúde em seu período gestacional. Esse tipo de violência tem um caráter de dominação/subordinação das mulheres em relação às normas das instituições. Exemplo disso está o direito ao acompanhante, estabelecido pela Lei 11.108 que assegura à mulher o direito ao acompanhante de sua escolha. Porém, em algumas instituições 26 esse direito é negado às parturientes, por se tratar de normas da instituição, assim, sobrepondo às normas e regras da instituição a Lei Federal. A violência institucional desta formaé condicionada a violência de gênero. Para mulheres no ciclo gravídico ações de violência podem relacionar-se à condição feminina exposta pela gravidez, e as relações de poder tornam-se mais significativas nesta fase. (BOTTI, 2013, p.651) Outra realidade que desqualifica os direitos das mulheres em seu protagonismo e autonomia é o número elevados de cesarianas, que mesmo orientado pela OMS a taxa de 15% dos casos de partos cesarianos e os estudos científicos revelando procedimentos considerados desnecessários a assistência ao parto, às instituições não respeitam as taxas de cesarianas muito menos a própria ciência, sendo colocado em prática o regime da instituição e a conduta dos profissionais sem levar em consideração a base científica e as recomendações da OMS. A autora Maria Luciana Botti (2013) em sua análise referenciada em diversos artigos que tratam da mesma questão, violência institucional na assistência ao parto, destaca três fatores para a compreensão da problemática, dentre eles: o “des-empoderar” da mulher diante das relações de gênero; o “poder” atribuído ao profissional de saúde; a violência institucional. O primeiro fator diz respeito à compreensão do papel social da mulher, o qual, em um contexto anterior era destinado à mesma o ambiente doméstico e por sua vez as responsabilidades de gestar e parir. As parteiras tradicionais responsáveis pelo parto não eram detentoras dos conhecimentos científicos, mas sim de experiências e sabedoria em oferecer todo apoio emocional preciso, assim, embora a dor do parto fosse inevitável, o clima de compreensão favorecia no momento do parto. Não obstante, com a diminuição do espaço das parteiras, sendo substituídos pelos médicos, dois elementos propiciam para a perda do poder da mulher na parturição: o poder concentrado nas mãos masculina de tal forma que se observa a naturalização desse processo, passando despercebido, isso talvez ocorra pelo fato de ser atribuída a construção da supremacia masculina a um descontexto social, como se essa ideologia fosse deslocada da conjuntura histórica e social que a construí-o. O segundo elemento é a patologização do parto com o advento da obstetrícia. (BOTTI, 2013) Sobre este último, Vigora no Brasil um modelo de atenção ao parto em que este é definido como um evento médico, carregado de risco potencial. Nesse modelo, denominado médico ou tecnológico, a gestante é tratada como paciente, os partos ocorre, em sua maioria, em ambiente hospitalar, sendo o médico o profissional responsável pela assistência, com utilização intensiva de 27 intervenções obstétricas (BOTTI, 2013 p.655 apud DOMINGUES et, al, 2004). O que antes era visto como um evento natural agora é tratado como doença, necessitando de intervenção hospitalar e médica. Segundo Botti (2013, p. 655). “O parto intervencionista representa dentro da área médica, a vitória da ciência positivista em relação à natureza, pois traz ao natural um caráter extremamente patológico”. A mulher está sujeita a ordens de um profissional que detém do conhecimento cientifico, e por este motivo deve entregar seu parto e seu corpo para a medicina e assim confiar que tais procedimentos são para o bem de sua saúde, que mesmo utilizando-se de tecnologias abusivas e desnecessárias, ainda assim é atribuído ao médico o ato heroíco de salvar vidas. O foco da problemática da violência institucional no parto pode engendrar-se no discurso da violência de gênero, pois o subjulgo vivido no momento do parto representa a situação de vitimização da mulher em relação ao homem, representante, neste contexto da ciência que apóia a progressiva medicalização do corpo da mulher. (BOTTI, 2013, P.655) Em decorrência desse processo de adoecimento do parto, o poder do profissional sobre a mulher vem sendo exercido de forma natural e comum, assim o médico passa a dominar a prática na assistência ao parto e nascimento “A Medicina tem se caracterizado, historicamente, por ser uma profissão preocupada em obter benefícios, privilégios masculinos e controle sobre outras pessoas”. (BOTTI, 2013, p. 655 apud WOLFF; WALDOW, 2008). Assim, a medicina também passa a influenciar outras profissões da saúde a exercerem seu poder de forma autoritária aos usuários do sistema de saúde. Essa lógica de dominação das mulheres no momento do parto é ensinada nas faculdades de medicina. Os acadêmicos estão sendo ensinados a praticarem este tipo de violência, sem ao menos perceberem. Desta forma, reproduzem o que aprendem de forma acrítica e sem questionamentos. Os números de cesárias talvez estejam nesse patamar por causa da ausência de ensinamento de como proceder em tal situação recorrendo ao parto normal. Segundo a autora referenciando Rezende (1992), Essa visão desumanizada e mecanizada tem sido adotada acriticamente na academia, e os profissionais a incorporam ainda durante a sua formação, uma vez que um dos mais tradicionais livros-texto de obstetrícia utiliza a metáfora "motor-objeto-trajeto" para explicar os mecanismos do parto: o útero seria o motor, o feto seria o objeto e o canal vaginal se constituiria em trajeto (BOTTI, 2013. p. 656 apud REZENDE, 1992,) 28 Desta forma, ao transformar o parto em um evento medicalizado e institucional, os profissionais também incorporam a compreensão desse processo como algo reduzido ao saber cientifico com ausência de afeto. Assim, esses profissionais oferecem um atendimento não humanizado, reconhecendo a tecnologia como o único provedor do parto, o que importa é nascer, e não como ocorre esse processo. Betti (2013) afirma que essa insensibilidade por parte dos profissionais é um dos pontos que acarreta a violência institucional. A autora Betti, referenciando Figueiredo “A autoridade é sempre exercida sobre os menos fortes ou que não tem autoridade, entretanto, não implica necessariamente em violência. No entanto, mesmo a violência pode ocorrer num clima de extrema amabilidade e afeto”. (BETTI, 2013 apud FIGUEIREDO et al, 2004) Conforme Betti (2013), esse tipo de violência ainda apresenta uma discriminação em relação ao gênero e raça. Pois referenciando Cruz (2004), a taxa de mortalidade entre mulheres negras está em torno de 212,8 por 100.00 mil nascituros e 37.73 para as mulheres brancas. Assim, percebe-se uma diferenciação no tratamento entre ambas, o que só reforça que adentro da subordinação da mulher na assistência ao parto, à mulher negra ainda é mais prejudicado em relação à branca, o que podemos considerar discriminação racial incorporado na institucionalização do parto. Diante dos conceitos apreendidos dos tipos de violência contra as mulheres, e da discussão das relações de poder na sociedade, adentraremos na análise da violência obstétrica desde seu conceito até as formas mais recorrentes desta. Por considerarmos que este tipo de violência deve ser analisado em sua totalidade, assim incluído o entendimento que a violência obstétrica está atrelada a outros determinantes. Para Schhraiber. Et, al. “Entende-se por violência os comportamentos que desconhecem e transgridem os direitos das pessoas: direito ao respeito e à dignidade que cada um tem, homem ou mulher”.(SCHHRAIBER. Et, al. 2005, p.13) Saffioti sobre essa discussão reafirma que: o conceito de violência se baseia na “ruptura de qualquer forma de integridade da vitima: integridade física, integridade psíquica, integridade sexual, integridade moral”. (SAFFIOTI, 2004, p. 17) Sendo assim, a violência obstétrica pode ser considerada uma forma de violência contra a mulher, pois trata-se de uma série de violação dos direitos pertencentes as parturientes podendo atingir a integridade física, psicológica e sexual da mulher no período da gestação, parto e pós-parto. A Violência obstétrica é todo ato de violência cometido por profissionais da área da saúde contra a mulher no exercício de sua saúdesexual e reprodutiva. 29 (Dossiê - Rede Parto do Principio, 2012). É um tipo de violência que fere a autonomia da mulher, impossibilitando-as de escolherem a forma que gostariam de dá a luz, essa violência ocorre tanto nas maternidades públicas como nas particulares. Segundo estudos da faculdade de medicina da USP, no Brasil em cada quatro mulheres uma sofre violência obstétrica. Dados de um estudo realizado pela Fundação Perseu Abramo em 2011 constatou que 25% das brasileiras relataram ter sofrido algum tipo de abuso ou maus tratos durante a assistência ao parto (Fundação Perseu Abramo, 2011). Talvez o alto índice de violência obstétrica e de cesarianas desnecessárias que também é uma violência, esta nesse patamar porque no Brasil não há uma Legislação que defina esse tipo de violência como crime ou até mesmo como violência, o que dificulta reconhecer e erradicar com essa forma de violência que é tão recorrente na realidade brasileira. (Dossiê-Rede Parto do Principio, 2012). A introdução da Lei da Venezuela caracteriza a violência obstétrica como questão de gênero, A violência contra a mulher constitui um grave problema de saúde pública e de violação sistemática de seus direitos humanos, que mostra de forma dramática os efeitos da discriminação e subordinação da mulher por razões de gênero na sociedade. (Dossiê - Rede Parto do Principio, 2012, p.29) A raiz da violência de gênero na sociedade está diretamente relacionada com o patriarcado, que estabelecem relações sociais de subordinação e discriminação contra a mulher. São valores patriarcais que desqualificam a mulher e quase eximem suas opiniões e vontades. E o que agrava ainda mais a situação é que essa violência de gênero é vista como algo natural na sociedade machista, isso acontece, principalmente, devido à ausência de direitos fundamentais para com as mulheres, como respeito, dignidade, autonomia, liberdade, direito a saúde e à vida. (Dossiê – Rede Parto do Principio, 2012) O crescente número de cesáreas e as inúmeras violações de direitos acometidas contra as mulheres é uma típica violência de gênero, pois a parturiente perde o direito de participar do seu parto, de escolher o modo que ela planejou para o nascimento de seu filho pelo simples fato de ser mulher. E o que está por trás dessa questão é a cultura machista inserida na sociedade de tal forma que em alguns casos a própria mulher não se dá conta que faz parte dessa cultura, expressando sentimentos de medo e incapacidade de parir. De acordo com o obstétrico Ricardo Jones, um dos participantes do documentário “O Renascimento do Parto” (2013) o modelo contemporâneo de obstetrícia reproduz a ideia da incapacidade e incompetência da mulher em não dá conta do processo de nascimento por si mesma, assim 30 sendo necessárias intervenções para a parturição. E a culpa de índices tão elevados de cesáreas recai sobre a mulher, como se o problema e o defeito estivesse no corpo da mulher e não no sistema. Ricardo Jones em outro trecho do documentário relata que o ator principal do parto passa a ser o médico, a criança o produto e a mãe o subproduto secundário. Essa fala retrata bem o interesse econômico intercalado na assistência ao parto. E esse fato ainda demonstra a superioridade do médico e a decisão do mesmo que sobrepõe de quaisquer vontades. Nesse sentindo, compreendemos que um dos motivos para que essa problemática ocorra estejam relacionados ao modelo de assistência médica que é bastante resistente à mudança e incongruente em relação ao entendimento da violência obstétrica, e assim, os profissionais da área médica se reconhecem em muitos casos como “donos dos corpos e da verdade”. Não obstante, não devemos culpabilizar exclusivamente os médicos, pois compreendemos que os mesmos são vitimas de um sistema que reproduz a lógica mercadológica e a cultura machista, os acadêmicos estão sendo ensinados a serem objetivos, imediatos, rápidos, ou seja, realizam o mesmo movimento da lógica capitalista e da cultura machista, sem ao menos perceberem e questionarem esse processo. Embora o alto índice de cesarianas se apresente de forma tão recorrente na realidade brasileira, a mulher mesmo que não seja submetida a uma cirurgia, e assim, passando pelo processo de parto natural, ainda corre o risco de ser cortada, como é o caso da episiotomia (corte na vagina). A episiotomia, ou pique, é uma cirurgia realizada na vulva, cortando a entrada da vagina com uma tesoura ou bisturi, algumas vezes sem anestesia. Afeta diversas estruturas do períneo, como músculos, vasos sanguíneos e tendões, que são responsáveis pela sustentação de alguns órgãos, pela continência urinária e fecal e ainda têm ligações importantes com o clitóris. (Dossiê, Rede do Parto, 2012. p.80). A medicina baseada em evidências já comprovou que o uso da episiotomia em muitos casos é desnecessário, sendo indicado em apenas 10% a 15%, mesmo assim é realizado corriqueiramente em mais de 90% dos partos naturais nas maternidades brasileiras, com o intuito de facilitar a passagem do bebê, sem ao menos levar em consideração as consequências graves que aquele procedimento pode gerar a mulher. Relatos de algumas vítimas da episiotomia no documentário “A voz das brasileiras” (2012) dão conta de que o uso da episiotomia pode causar problemas psicológicos e físicos, como inflamações, desconforto, dores constantes, sendo até comparado pelas vitimas como uma violência sexual, 31 ocasionando problemas e dores em futuras relações sexuais com o companheiro. (Dossiê – Rede Parto do Principio, 2012) A taxa de episiotomia no Brasil em partos fisiológicos chega a ser de 94% (Dossiê - Rede Parto do Principio 2012 apud BRASIL; CEBRAP, 2006). È um procedimento sem evidências cientificas, e que em muitos casos são realizados sem o consentimento da mulher, sem ao menos explicar a parturiente de seus riscos, benefícios ou mesmo como proceder após a cirurgia em relação aos cuidados na recuperação. Desde o inicio da década de 1980 há fortes indícios de que a episiotomia de rotina é prejudicial para a mãe e não oferece benefícios para o bebê (CARROLI; BELIZÁN, 1999). E foi contraindicada como procedimento rotineiro em 1985 pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 1985). Diante dessas informações, constata-se que as mulheres estão sendo submetidas à episiotomia de forma rotineira, em uma relação de confiança com o profissional de saúde, em um momento de vulnerabilidade, muitas vezes sem aviso e sem informações cientificas, em uma situação na qual não é possível se defender - constitui violência obstétrica de caráter físico, sexual e psicológico. (Dossiê – Rede Parto do Principio, 2012, p. 82 – 83) A Vista disso, as mulheres podem acabar por optar pela cesárea com apreensão de obter uma experiência traumática e com inúmeras sequelas com o procedimento da episiotomia, ora, se a parturiente vai passar pelo procedimento de cirurgia tanto na cesárea como no parto normal, provavelmente a mulher vai preferir o método da cesárea por ser considerado “menos traumático e doloroso”, pois a mulher ainda pretende ter sua vida sexualmente ativa. Então, infere-se que mesmo quando a mulher escolhe passar pelo processo fisiológico, ainda corre-se o risco de ser vitima da episiotomia e tem seus direitos sexuais, reprodutivos e sua integridade física violada. (Dossiê – Rede Parto do Princípio, 2012.) Além de a episiotomia ser caracterizada como uma violência obstétrica, ainda envolve uma questão de raça e classe social, pois as mulheres de maior poder aquisitivo e brancas tem a opção de escolher a cesárea em seu plano de saúde. Porém, as mulheres de baixa renda e em sua maioria negras que dependem do SUS e sem escolhas, são submetidas ao parto natural e consequentemente a episiotomia. Como as mulheres negras têm características diferentes em termos decicatrização, pela maior tendência a formação de que loides (cicatrizes tumoriformes mais comuns nos indivíduos de raça negra) acreditamos que estão mais sujeitas a complicações cicatriciais da episiotomia. (Dossiê - Rede Parto do Principio, 2012, p.89) 32 A episiotomia ainda é utilizada com finalidades didáticas, em muitos casos a mulher não necessita passar por esse procedimento, mas o estudante de medicina precisa aprender epara isso, concretiza a episiotomia sem indicação cientifica, realizando seu treinamento em mulheres, fragilizadas e vulneráveis. Submeter uma mulher a procedimentos desnecessários, dolorosos, com exposição a mais riscos e complicações, com a única e exclusiva finalidade de antecipar o exercício da prática desse procedimento em detrimento do aprendizado do respeito  integridade física das pacientes, bem como seu direito inviolável à intimidade é considerado, no contexto dos direitos reprodutivos violência obstétrica de caráter institucional, físico e, não raro, sexual. (Dossiê – Rede Parto do Princípio, 2012.p. 93). Nas maternidades escolas isso se torna muito comum, pois os residentes e estagiários necessitam dessa prática para se formarem e apreenderem para assim, adquirir experiência na área. Não obstante, a equipe primeiramente precisa dialogar, orientar e informar a paciente de todo o procedimento que será realizado e que isso não traga consequências para a saúde da mesma, pois acima de tudo e não menos importante está a saúde da mulher e de sua família, o respeito e sua autonomia. Referenciando kettlle (2005) “Assim, antes de aprender a realizar a episiotomia, esses profissionais precisam aprender a respeitar a fisiologia do parto e o ritmo da mulher, medida que se mostra fundamental na preservação de integridade do períneo.” (Dossiê – Rede Parto do Princípio 2012, p. 93 apud KETTLE, 2005). Durante a experiência de estágio, percebemos o quão grande é a falta de privacidade da mulher em trabalho de parto, pois a mesma fica exposta em uma sala de parto “humanizado” aberta e com inúmeros estudantes visualizando o processo, e não só estudantes, mas estranhos também, pois as informações do setor são fornecidas pela equipe que se acomoda em uma mesa que fica entre as duas salas de partos, desta maneira qualquer pessoa, seja acompanhantes ou visitantes de outra paciente, enquanto busca informações a respeito da paciente que está dando assistência, pode assistir o parto da outra paciente que está parindo na sala ao lado. Isso já ocorreu diversas vezes na presença dos estagiários. A paciente está isenta de quaisquer privacidades. E ainda, as mulheres antes de parir estão sujeitas a numerosos exames de toque. Intervenções com finalidades didáticas também se configura como uma violência obstétrica, pois as mulheres estão sendo expostas em um momento de fragilidade em que muitas não se sentem bem pela existência de tantas pessoas estranhas em um momento de intimidade, então se faz necessário que questione a paciente se tal procedimento 33 pedagógico pode ser executado, respeitando a vontade da mulher e o direito de informa-la sobre todo o procedimento que será sucedido. Outra problemática bastante recorrente é o uso de ocitocina 6 a fim de acelerar o trabalho de parto. Nas maternidades isso é habitual, mesmo obtendo conhecimento de que esse procedimento pode gerar complicações graves para a mãe e o bebê como sofrimento fetal, o uso da ocitocina é utilizado corriqueiramente, sem o consentimento da mulher e sem informações, e como nos outros casos, sem evidências cientificas, é apenas mais um procedimento com o objetivo de facilitar a vida da equipe, prejudicando a saúde da parturiente e do recém-nascido, podendo até provocar a morte da mulher e bebê. (Dossiê – Rede do Parto, 2012.) Relatos de várias partes do Brasil referem-se â utilização rotineira de ocitocina, rompimento artificial da bolsa e a dilatação manual do colo para acelerar a dilatação, seguida de comandos de puxos, episiotomia, manobra de Kristeller e fórceps para acelerar o período expulsivo. Caso essas manobras não resultem na saída do bebê pela vagina, ou caso haja suspeita de sofrimento fetal, recorre-se à cesárea (que é realizada quando há anestesia disponível). (Dossiê – Rede Parto do Principio, 2012, p. 96) Como relatado na citação acima, a manobra de kristeller também é adotado na assistência ao parto, mesmo sabendo dos danos que pode provocar a mulher. “A compressão abdominal pelas mãos que envolvem o fundo do útero constitui a manobra de kristeller. Este recurso foi abandonado pelas graves consequências que lhe são inerentes”. (Dossiê – Rede Parto do Principio 2012, p. 103 apud Obstetrícia Normal, manual de BRIQUET) (DELASCIO; GUARIENTO, 1970; 329) A manobra de kristeller pode causar falta de oxigenação no bebê e acarretar problemas no andamento do parto, e ainda cria um incomodo e gera dores na paciente que tem sua barriga empurrada e apertada por um profissional que às vezes até sobe em cima da barriga com o intuito de empurra-la. Referenciando o autor Reis (2005) “A manobra de kristeller é reconhecidamente danosa â saúde e, ao mesmo tempo, ineficaz, causando a parturiente o desconforto da dor provocada e também o trauma que se seguirá indefinidamente”. (Dossiê – Rede Parto do Principio, 2012, p.105) Desta forma, podemos concluir que as violências obstétricas mais recorrentes no cenário atual só comprovam que a mulher está sendo sujeita a tais violências pelo fato das mudanças que estão ocorrendo na sociabilidade, ora, na sociedade capitalista as relações 6 Ocitocina ou oxitocina é um hormônio que tem a função de promover o aceleramento do parto. Cf. http://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf 34 sociais tendem a serem rápidas e imediatas com o objetivo de se obter mais lucro e tempo, sem pensar no que o agravo desse tipo de violência pode acarretar para mulher e sua família. “O modelo tecnocrático caracterizado pela primazia da tecnologia sobre as relações humanas, e por sua suposta neutralidade de valores”. Portanto, o uso abusivo da tecnologia, a medicalização do parto e as intervenções desnecessárias só dão conta de facilitar e acelerar o processo do parto, sem levar em consideração a dignidade e o respeito aos direitos humanos fundamentais para com as mulheres. 35 3 A ASSISTÊNCIA AO PARTO NO BRASIL: OS LIMITES QUE PERPASSAM A VIDA DAS PARTURIENTES Neste capítulo iremos iniciar nossa discussão sobre a humanização no parto, recorrendo a um breve contexto histórico a respeito da assistência ao parto no Brasil, pois entendemos que um estudo que envolve a vida social, demanda necessariamente, uma compreensão sobre a conjuntura histórica que o antecede. O cenário histórico do parto no Brasil até o século XVI segundo Maldonado (1991) era visto como “assunto de mulher”. As duas figuras que representavam aquele momento de parturição, eram basicamente a mulher e a parteira. Nessa época existiam as receitas mágicas que ajudam a aliviar as dores das contrações. As orações também faziam parte desse momento a fim de favorecer um clima emocional positivo, esse momento era proporcionado pelas parteiras que auxiliavam na hora do parto. Aos poucos, com o advento das novas tecnologias na obstetrícia as mudanças foram ocorrendo no modelo de assistência ao parto, e entre o século XVI e XVII a figura do cirurgião é inserida no parto e como consequência as parteiras foram perdendo a prioridade. (MATEI, et. al,. 2003) Os avanços da tecnologia na obstétrica foram crescendo, consequentemente o número de cesarianas aumentavam, e com isso até a posição de decúbito dorsal (posição deitada) passa a ser utilizada com o objetivo de
Compartilhar