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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO ANA FLÁVIA ALVES DOS SANTOS MODELO MULTICRITÉRIO DE APOIO À DECISÃO APLICADO NA PRIORIZAÇÃO DO ACESSO A LEITOS DE UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Natal 2021 ANA FLÁVIA ALVES DOS SANTOS MODELO MULTICRITÉRIO DE APOIO À DECISÃO APLICADO NA PRIORIZAÇÃO DO ACESSO A LEITOS DE UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Dissertação apresentada ao programa de Pós- Graduação em Engenharia de Produção do Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Engenharia de Produção. Área de concentração: Engenharia de Produção Subárea: Pesquisa Operacional e Logística Orientador: Prof. Dr. Ricardo Pires de Souza Natal 2021 Santos, Ana Flávia Alves dos. Modelo multicritério de apoio à decisão aplicado na priorização do acesso a leitos de Unidade de Terapia Intensiva do estado do Rio Grande do Norte / Ana Flávia Alves dos Santos. - 2021. 123f.: il. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Natal, 2021. Orientador: Dr. Ricardo Pires de Souza. 1. UTI - Dissertação. 2. Priorização de pacientes - Dissertação. 3. Alocação de recursos para atenção à saúde - Dissertação. 4. Tomada de decisão - Dissertação. 5. MCDA - Dissertação. I. Souza, Ricardo Pires de. II. Título. RN/UF/BCZM CDU 658.5 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede Elaborado por Raimundo Muniz de Oliveira - CRB-15/429 Aos meus pais, ao meu irmão e aos meus avós. A todos beneficiários do Sistema Único de Saúde e àqueles que contribuem e acreditam na força deste projeto. A Ana Virgínia de Moura Ramos (in memoriam), inspiração de ser humano e de professora. AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais, Erite e Leodora, pelo esforço árduo para me proporcionar oportunidades e acesso à educação e por apoiarem minha jornada acadêmica; bem como ao meu irmão, Luís Henrique, pelo incentivo à minha trajetória. Agradeço aos demais familiares pelo apoio, sobretudo à minha avó Eunice por depositar tanta confiança em mim. Ao meu orientador, professor Ricardo Pires de Souza, pela oportunidade a mim concedida. Sou lisonjeada pelo apoio incondicional, orientação e pelo apaziguamento lúcido nos momentos difíceis, o que me faz grata por ter tido a chance de ter sido acompanhada por esse profissional. Agradeço a todos os meus professores da graduação, em especial a Josenildo de Brito Oliveira, José Luiz Neto, Francisco Kegenaldo Alves de Sousa e a Gilberto da Silva Matos por depositarem em mim a animosidade em seguir a carreira acadêmica através de oportunidades concedidas, orientações e sábios conselhos. Aos professores Adiel Teixeira de Almeida, Eduarda de Ásfora Frej e Antônio Carlos Bana e Costa pela oportunidade de aprimoramento e enriquecimento desta pesquisa, bem como pelos conselhos profissionais. Aos meus amigos e companheiros de laboratório pelo apoio e compartilhamento desta jornada: Maiko Saturnino, Augusto Souza, Wilkson Castro, Eric Lucas, Alexandre Varella, Flávio Leite e Felliphe Ovídio. A Bruna Vale por compartilhar comigo a reta final deste projeto e pelos conselhos como prima e como profissional da saúde. A Lucas Araújo, Ingrid Moura e Amanda Gomes que, além de colegas de turma, significaram para mim uma rede de apoio a qual permitiu não apenas que esse projeto fosse impulsionado, mas que também me fez entender a força do afeto. Agradeço a Milena Medeiros e a Valdir Gomes por manifestarem apoio ao longo da minha jornada e por sempre acreditarem em mim. Aos demais amigos por compreenderem minhas ausências e continuarem ao meu lado. A Luiza Carvalho pelo apoio incondicional, a quem sou grata por compartilhar minha trajetória de vida. Aos colaboradores da Central Estadual de Regulação que viabilizaram a realização desta pesquisa, em especial ao Paulo Gonçalves, seus colegas de trabalho e à Filomena. Agradeço por todo apoio e contribuição, elementos imprescindíveis a este projeto. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, pelo suporte financeiro proporcionado a esta pesquisa. “In the affair of so much importance to you, wherein you ask my advice, I cannot, for want of sufficient premises, advise you what to determine, but if you please I will tell you how”. Benjamin Franklin RESUMO SANTOS, AFA. Modelo multicritério de apoio à decisão aplicado na priorização do acesso a leitos de Unidade de Terapia Intensiva do estado do Rio Grande do Norte. 2021. 122f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. O perfil excedente da demanda em vistas à capacidade de atendimento disponível é uma realidade dos serviços públicos de saúde. No contexto de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) do Brasil o cenário é desigualdade: dos 45.848 leitos de UTI distribuídos entre 532 dos 5.570 municípios brasileiros, apenas 49% destes estão disponíveis ao Sistema Único de Saúde, enquanto que o quantitativo correspondente à parcela de 51% é reservada ao benefício de apenas 23% da população. Diante desse cenário a análise multicritério de apoio à decisão (MCDA) existe como uma ferramenta com potencial de aplicação ao processo decisório de alocação de recursos devido à robustez e capacidade dos métodos dessa natureza considerarem critérios conflitantes. Essa pesquisa objetivou o desenvolvimento de um modelo multicritério para apoiar a decisão de alocação de leitos de UTI Adulto do estado do Rio Grande do Norte a sob gerência Complexo Estadual de Regulação (CER/RN). Um framework de doze etapas foi utilizado para aplicação dos métodos PROMETHEE I e II. O problema de priorização foi abordado sob a ótica da problemática de ordenação P. γ em que seis vinhetas clínicas baseadas em pacientes reais foram ranqueadas em ordem de preferência definida pelos julgamentos de valor observados do decisor. Foram recomendadas duas pré-ordens: uma parcial, em que quatro pares de ações foram incomparáveis entre si, e uma completa, em que se descreveram relações entre cada par de alternativas. A análise de sensibilidade executada identificou uma robustez considerável do modelo visto que as mudanças de posições nos rankings puderam ser justificadas pelas proximidades dos valores dos fluxos de sobreclassificação positivo e negativo de cada paciente. Assim, o modelo proposto formalizou o processo decisório de priorização do acesso a leitos de UTI Adulto e concedeu a este um caráter transparente e racional ao estruturar os elementos considerados. Palavras-chave: UTI; priorização de pacientes; alocação de recursos para atenção à saúde; tomada de decisão; MCDA. ABSTRACT Santos, AFA. Multicriteria model aid to the access prioritization decision of intensive care unit beds’ Rio Grande do Norte state. 2021. 122p. Master thesis (Production Engineering Master’s degree), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. The excess demand profile in relation to the available care capacity is a reality in public health services. In the context of Intensive Care Units (ICU) in Brazil the scenario is one of inequality: out of the 45,848 ICU beds distributed among 532 of the5,570 Brazilian cities, only 49% are available to the Unified Health System (SUS), while the amount corresponding to 51% is reserved for the benefit of only 23% of the population. Given this scenario, the multicriteria decision support analysis (MCDA) acts as a potential tool to application in the decision-making process of resource allocation due to the robustness and capacity of the multicriteria methods to consider conflicting criteria. This research aimed to develop a multi-criteria model to support the decision for allocation of Adult ICU beds in the state of Rio Grande do Norte, which are under the management of the Complexo Estadual de Regulação (CER/RN). A twelve-step framework was used to apply the PROMETHEE I and II methods. The prioritization problem was approached from the perspective of the P.γ ranking problem in which six clinical vignettes based on real patients were ranked in order of preference, defined by the observed value judgments of the decision maker. Two pre-orders were recommended: a partial one, in which four pairs of actions were incomparable to each other, and a complete one, in which relationships between each pair of alternatives were described. The sensitivity analysis performed identified considerable robustness of the model since changes in positions in the rankings could be justified by the proximities of the values of each patient's positive and negative over-ranking fluxes. Thus, the proposed model formalized the decision-making process of prioritizing access to adult ICU beds and granted it a transparent and rational character by structuring the considered elements. Keywords: ICU; priority setting; healthcare resource allocation; decision making; MCDA. LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Quatro situações básicas de preferência para comparação entre duas ações potenciais .................................................................................................................................................. 21 Quadro 2 - Relações binárias do sistema consolidado de preferência ...................................... 22 Quadro 3 - Categorização de métodos MCDA ......................................................................... 25 Quadro 4 - Principais métodos multicritério por categoria ...................................................... 25 Quadro 5 - Funções preferência................................................................................................ 29 Quadro 6 - Aplicações potenciais de MCDA em saúde ........................................................... 33 Quadro 7 - Aspectos principais das dimensões constituintes das ações da Política Nacional de Regulação do SUS .................................................................................................................... 36 Quadro 8 - Atribuições do Complexo Regulador ..................................................................... 38 Quadro 9 - Fatores de influência no processo decisório de admissão em UTI ........................ 42 Quadro 10 - Fatores de influência ao processo de admissão sob a ótica de diferentes estudos 45 Quadro 11 - Técnicas de pesquisa de observação aplicadas .................................................... 48 Quadro 12 - Critérios do procedimento de solicitação e de regulação de leitos de UTI .......... 56 Quadro 13 - Prioridades de admissão na UTI .......................................................................... 56 Quadro 14 - Atores do problema de decisão ............................................................................ 61 Quadro 15 - Caracterização dos critérios relacionados ao objetivo de acesso adequado ......... 69 Quadro 16 - Caracterização do critério relacionado ao objetivo de equidade e integralidade . 70 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Mapa de árvore da quantidade de registros retornados por área de pesquisa .......... 17 Figura 2 - Função preferência ................................................................................................... 28 Figura 3 - Grafo de sobreclassificação valorada para o par de alternativas (a, b) .................... 31 Figura 4 - Organização do Complexo Regulador ..................................................................... 37 Figura 5 - Caracterização da pesquisa ...................................................................................... 46 Figura 6 - Etapas do desenvolvimento do modelo de apoio à decisão proposto ...................... 49 Figura 7 - Estrutura da Central Estadual de Regulação ............................................................ 53 Figura 8 - Localização e distribuição das Centrais Regionais de Regulação ........................... 54 Figura 9 - Estrutura organizacional do Complexo Estadual de Regulação Divaneide Ferreira55 Figura 10 - Fluxo do processo regulatório conduzido pelo CER/RN....................................... 58 Figura 11 - Árvore de valor do problema de priorização de acesso a leito de UTI Adulto ...... 66 Figura 12 - Pré-ordem parcial do PROMETHEE I .................................................................. 79 Figura 13 - Pré-ordem completa do PROMETHEE II ............................................................. 81 Figura 14 - Visualização desdobrada dos fluxos líquidos de cada curso de ação via PROMETHEE Rainbow ........................................................................................................... 82 Figura 15 - Perfil do Paciente 3 ................................................................................................ 84 Figura 16 - Visualização de intervalo de estabilidade com base no critério de disfunção renal .................................................................................................................................................. 86 Figura 17 - Análise de sensibilidade através da variação dos pesos dos critérios .................... 88 Figura 18 - Visualização em rede das pré-ordens parciais ....................................................... 90 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO .......................................................................................... 11 1.2 JUSTIFICATIVA ....................................................................................................... 14 1.3 OBJETIVOS ............................................................................................................... 17 1.3.1 Objetivo Geral ............................................................................................................ 17 1.3.2 Objetivos Específicos ................................................................................................. 17 1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO ....................................................................................... 18 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E REVISÃO DA LITERATURA ................. 19 2.1 ANÁLISE MULTICRITÉRIO DE APOIO À DECISÃO ......................................... 19 2.2 MÉTODOS MULTICRITÉRIO DE APOIO À DECISÃO ....................................... 24 2.2.1 Aspectos gerais do PROMETHEE ............................................................................. 26 2.2.2 PROMETHEE I e II ................................................................................................... 29 2.3 ABORDAGEM MULTICRITÉRIO DE DECISÃO EM HEALTH CARE (ATENÇÃO À SAÚDE) .......................................................................................................... 33 2.4 REGULAÇÃO EM SAÚDE ...................................................................................... 34 2.4.1 Política Nacional de Regulação .................................................................................. 35 2.4.2 Complexo Regulador ..................................................................................................37 2.5 REVISÃO DA LITERATURA .................................................................................. 39 2.5.1 Fatores associados à decisão de admissão em UTI .................................................... 39 3 CAPÍTULO 3 – MÉTODOS DA PESQUISA ........................................................ 46 3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA ..................................................................... 46 3.2 PROCEDIMENTOS TÉCNICOS .............................................................................. 47 4 CAPÍTULO 4 – MODELO MULTICRITÉRIO PARA PRIORIZAÇÃO DO ACESSO AO LEITO DE UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ADULTO ................ 53 4.1 DESCRIÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO ................................................................ 53 4.2 DESCRIÇÃO DO PROBLEMA DE DECISÃO ....................................................... 55 4.3 DESENVOLVIMENTO DO MODELO MULTICRITÉRIO ................................... 60 4.3.1 Estágio Preliminar ...................................................................................................... 61 4.3.2 Estruturação do problema ........................................................................................... 61 4.3.3 Escolha do método, modelagem de preferências e agregação ................................... 74 4.3.4 Finalização.................................................................................................................. 76 5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ........................................................................ 93 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 96 6.1 ASPECTOS PRINCIPAIS ......................................................................................... 96 6.2 ACHADOS ................................................................................................................. 97 6.3 LIMITAÇÕES ............................................................................................................ 98 6.4 TRABALHOS FUTUROS ......................................................................................... 98 7 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 100 ANEXO A .............................................................................................................................. 108 ANEXO B .............................................................................................................................. 109 ANEXO C .............................................................................................................................. 111 ANEXO D .............................................................................................................................. 114 APÊNDICE A ...................................................................................................................... 121 11 1 INTRODUÇÃO 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO No cenário de desenvolvimento de políticas de saúde o estabelecimento de prioridades configura-se como um dos pontos críticos aos gestores em face à relação desbalanceada entre demanda e oferta, visto que a crescente necessidade da população por serviços de saúde é delimitada por fatores como restrição orçamentária e capacidade finita dos recursos disponíveis (KAPIRIRI; RAZAVI, 2017; KAPIRIRI; MARTIN, 2007; MCKNEALLY et al., 1997). Ainda que o conceito de priorização em saúde seja amplo e que não exista um consenso em relação à sua definição, alguns autores referem-se a este procedimento de maneira intercambiável ao de alocação de recursos, o qual é entendido como a distribuição de bens e serviços entre programas e pessoas (KAUR et al., 2019; MCKNEALLY et al., 1997). Existem evidências de que abordagens racionais e transparentes são necessárias para a definição de prioridades em atenção à saúde, health care, possibilitando que os formuladores de políticas e gestores tornem-se aptos a conduzir decisões de escolhas de intervenções em vistas à maximização do bem-estar social. Diante disso, a existência de políticas institucionais validadas, claras e justas podem ser capazes de fornecer orientações úteis aos profissionais de saúde em ocasiões complexas de alocação de recursos (ANGELIS; KANAVOS; MONTIBELLER, 2017; BALTUSSEN; NIESSEN, 2006; WILSON; REES; FORDHAM, 2006). O que distingue a natureza do processo decisório de alocação de recursos em health care de outros campos é o fato de a saúde ser um bem insubstituível e inestimável, desta forma, as decisões deste setor apresentam um potencial impacto na qualidade de vida dos pacientes e da sociedade como um todo (BALTUSSEN; NIESSEN, 2006; DIABY; CAMPBELL; GOEREE, 2013). Além disso, a complexidade inerente à tomada de decisão nesta área exige a consideração simultânea de aspectos científicos e éticos (GOETGHEBEUR et al., 2010). À realidade de países sujeitos a restrições orçamentárias em saúde, como o Brasil, alguns setores experimentam um cenário de limitação da capacidade de atendimento, como o de Medicina Intensiva, de forma que o quantitativo deficitário de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), um dos principais recursos desta especialidade, acaba por impactar a assistência em caráter integral e universal e tece um fenômeno referido por “crise do atendimento intensivista” (MEDEIROS, 2018; EVANGELISTA; BARRETO; GUERRA, 2008). Em 2018 o Conselho Federal de Medicina (CFM), em análise de dados obtidos junto ao Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil (CNES) e à Agência Nacional de 12 Saúde Suplementar (ANS), evidenciou a má distribuição de leitos de UTI entre as regiões federativas, sobretudo em relação àqueles disponíveis ao Sistema Único de Saúde (SUS): dentre os 44.253 leitos de UTI distribuídos entre 532 dos 5.570 municípios brasileiros, apenas 49% destes estão disponíveis ao SUS, enquanto que o quantitativo correspondente à parcela de 51% é reservado ao benefício de apenas 23% da população brasileira por ser exclusivo à saúde privada ou à suplementar, sendo esta última modalidade de atendimento intermediada por agências de planos de saúde (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2018). A constatação da insuficiência de leitos sobretudo na rede pública motivou em 2016 a publicação da Resolução N° 2.156, sob autoria do Conselho Federal de Medicina (CFM), a qual instituiu o estabelecimento de critérios explícitos para indicação de admissão ou de alta para pacientes de UTI, objetivando, segundo a própria Autarquia, promover a melhoria do fluxo de assistência aos usuários aptos à admissão em UTIs (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2016). Assim, na conjuntura de escassez do quantitativo de leitos de UTI, a priorização configura-se como um procedimento imprescindível à operacionalização da assistência por ser capaz de maximizar a utilização dos recursos disponíveis ao orientar a ocupação do leito ao paciente com maior benefício (BAKER, 2009; ROBERTSON-STEEL, 2006). Nesse contexto, a regulação configura-se como um procedimento essencial ao funcionamento dos sistemas por abordar as disfunções existentes no sistema de saúde para que a promoção do bem-estar social seja assegurada, configurando-se, assim, como um mecanismo capaz de promover a racionalização da assistência à saúde com potencial impacto na otimização dos recursos disponíveis (BRASIL, 2011; FARIAS; GURGEL JUNIOR; MONTEIRO COSTA, 2011). Alguns estudos evidenciam uma tendência de utilização de métodos de Análise Multicritério de Apoio à Decisão (MCDA) em diferentes campos da saúde (CAMPOLINA et al., 2017; FRAZÃO et al., 2018; HANSEN; DEVLIN, 2019). O fato de esta abordagem considerar múltiplos objetivos, conflitantes em algumas ocasiões, e ainda preservar o julgamento de valores dos decisores envolvidos ao passo em que se utiliza de mecanismos matemáticosembasados axiomaticamente, a fim de promover uma modelagem robusta, mas que atende às preferências dos indivíduos, é uma das explicações sobre o potencial de aplicação de MCDA em saúde. Esse enfoque concede um grau de racionalidade e transparência à tomada de decisão, o que o torna mais eficiente se comparado aos processos deliberativos (ADUNLIN; DIABY; XIAO, 2015; DRAKE et al., 2017). 13 1.2 DEFINIÇÃO DO PROBLEMA No estado do Rio Grande do Norte, considerando-se a atribuição da Secretaria Estadual de Saúde em operar os complexos reguladores respectivos e, portanto, de coordenar, articular e regular o sistema de saúde, a Secretaria de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Norte (SESAP/RN), sob representação do Complexo Estadual de Regulação Divaneide Ferreira de Sousa (CER/SUS/RN), instituiu através de memorando circular a normatização do fluxo de solicitação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva, de forma que a solicitação e regulação do acesso a leitos de UTI é regida por protocolo institucionalizado e em consonância às recomendações de prioridade tanto do Conselho Federal de Medicina quanto do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Norte. O processo regulatório em questão atende às normas estabelecidas Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2156/2016 e atua em cumprimento à ação civil pública nº 0004715-12.2012.4.05.8400, tendo sido essa sentença judicial ajuizada pelo Conselho Federal de Medicina do Rio Grande do Norte (CREMERN) em prejuízo ao Estado do Rio Grande do Norte, a qual determinou a revisão do protocolo de regulação de leitos de UTI como um procedimento em parceria entre as seguintes entidades: Sociedade Norte-Riograndense de Terapia Intensiva (SONORTI), Secretaria Estadual de Saúde e CREMERN. Dentre os pontos definidos por este instrumento normativo, é estabelecido que a priorização de solicitações de admissão em UTI é conduzida com base definição dos seguintes níveis de prioridade: Prioridade 1, 2, 3, 4 e 5, em que pacientes atribuídos ao nível 1 são aqueles com maior grau de urgência de admissão a UTI. Nesse contexto, um estudo conduzido por Sprung et al. (2013) para identificar princípios e recomendações em relação à prática de triagem de pacientes críticos obteve consenso absoluto em não se utilizar a ordem cronológica de demanda pelo leito como critério de triagem. Entretanto, o memorando circular que normatiza o fluxo de solicitação de leito de UTI do estado do Rio Grande do Norte torna explícito que à ocasião de pacientes com mesmo nível de prioridade, o critério de desempate refere-se justamente à ordem cronológica de chegada da solicitação ao CER/RN: isto é, em geral prioriza-se o paciente cuja solicitação foi processada primeiro. Frente à situação apresentada e em consideração à possíveis questionamentos quanto aos fatores avaliados para priorização do acesso, enuncia-se a seguinte questão de pesquisa: como desenvolver um modelo multicritério capaz de apoiar a decisão de priorização do acesso aos leitos de UTI Adulto, disponíveis ao SUS, no estado do Rio Grande do Norte, no âmbito da atribuição da regulação do acesso à assistência? 14 1.3 JUSTIFICATIVA O mapeamento de leitos de UTI Adulto, Infantil, Neonatal, Queimados e Coronariana entre estados federativos e capitais conduzido pelo Conselho Federal de Medicina, datado de 2018, identificou 44.253 leitos dentre os quais 21.506 eram disponíveis ao SUS e 22.747 destinados a usuários do sistema privado de saúde ou suplementar, o qual contempla planos de saúde, o que corresponde a um cenário, à época da análise, em que 51% dos leitos são voltados exclusivamente à assistência de apenas 23% da população (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2018). Esta Autarquia evidenciou também um perfil desbalanceado quanto à distribuição geográfica de leitos de UTI, a exemplo da concentração 47,4% dos leitos públicos na região sudeste, o que por si equivalia, à época da análise; uma parcela maior do que o somatório das proporções para as regiões Norte, Nordeste e Sul (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2018). Em resposta ao estado de emergência decorrido da pandemia causada pelo SARS-CoV- 2, agente etiológico causador da COVID-19, a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) conduziu um mapeamento dos leitos de UTI no Brasil a partir de dados disponibilizados pelo CNES, ANS e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O relatório publicado em março de 2020 contabilizou 45.848 leitos de Unidade de Terapia Intensiva, dentre os quais 22.844 são disponíveis ao SUS enquanto 23.004 são disponíveis ao sistema privado de saúde (Associação de Medicina Intensiva Brasileira, 2020). Além de o documento ter ratificado a desigualdade de distribuição destes recursos entre as regiões do território nacional, apontado pelo Conselho Federal de Medicina nos mapeamentos de 2016 e 2018, identifica-se também a insuficiência de leitos de UTI do SUS sob a consideração da recomendação da Organização Mundial da Saúde, que orienta a proporção ideal de 1 a 3 leitos de UTI para cada 10.000 habitantes. Desta forma, percebe-se ainda o perfil desproporcional entre os leitos de UTI públicos e privados do Brasil: enquanto a rede privada dispõe de uma relação de 4,9 leitos de UTI para cada 10.000 habitantes, o SUS apresenta em média a proporção de 1,4 (Associação de Medicina Intensiva Brasileira, 2020). Frente ao panorama descrito, este trabalho justifica-se sob a perspectiva social por propor uma abordagem científica com potencial de apoiar o atendimento aos direitos previstos nas primeira e segunda diretrizes da Resolução Nº 533, de 9 de agosto de 2017, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), as quais definem, respectivamente, que toda pessoa tem direito, em tempo hábil, ao acesso a bens e serviços ordenados e organizados para garantia da promoção, prevenção, proteção, tratamento e recuperação da saúde e que toda pessoa tem 15 direito ao atendimento integral, aos procedimentos adequados e em tempo hábil a resolver o seu problema de saúde, de forma ética e humanizada (Conselho Nacional de Saúde, 2017). Uma vez que a ausência de condições físicas e operacionais, tal como o quantitativo deficitário de leitos da unidade de tratamento intensivo, fere o direito ao tratamento adequado por não assegurar a disponibilidade do tratamento no tempo certo, a relevância social desta pesquisa reside no fato de que a proposição de um modelo multicritério de apoio à regulação do acesso de leitos de UTI Adulto, ao configurar-se como uma abordagem formal e estruturada com capacidade de conceder racionalidade e transparência ao processo decisório, possibilita a condução do procedimento de alocação de leitos em vistas a um melhor aproveitamento dos recursos. Para o contexto da Secretaria do Estado de Saúde Pública do Rio Grande do Norte (SESAP/RN), sobretudo ao do Complexo Estadual de Regulação (CER/RN), ao qual é atribuído o papel estratégico de regulação do acesso, inclusive aos leitos de UTI, este trabalho é justificado por elevar o grau de racionalidade e transparência a ser concedido ao procedimento, o que além de se configurar como um benefício à equipe de profissionais reguladores por possibilitar a redução da carga decisória, viabiliza o atendimento à atribuição do CER/RN de participar da construção e avaliação contínua dos Protocolos de Regulação, o que é disposto na Portaria N° 297/2018/GS/SESAP. Na dimensão acadêmica, o Gráfico 1, a seguir, representa o número de publicações por ano que são retornados como resultados através da busca pela string (“healthcare”or “health care”) and “resource allocation” na base de dados Web of Science, limitando-se à procura desses termos nos campos de título do artigo, palavras-chave, resumo e KeyWords Plus: Gráfico 1 - Quantidade de registros por ano retornada pela string (“healthcare”or “health care”) and “resource allocation” 16 Fonte: Web of Science (2021) Retornaram-se, à data de realização desta busca, 3.208 documentos no período de tempo compreendido entre 1975 e 2020, tendo sido o ano de 1975 aquele correspondente à primeira aparição de registro correspondente à busca. Houve um pico de publicações em 2020 com o quantitativo de 399 estudos. A análise gráfica sugere um interesse científico no tema em discussão, que é evidenciado pela linha de tendência média móvel de período n = 2, em que se observa uma tendência crescente de publicações no contexto em que esta pesquisa se insere. Em adição, a Figura 1, a seguir, representa em um mapa de árvore a esquematização das contribuições de cada área de pesquisa ao número de registros retornados pela string: 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 17 Figura 1 - Mapa de árvore da quantidade de registros retornados por área de pesquisa Fonte: Web of Science (2021) A visualização é limitada às dez áreas em ordem decrescente de contribuição. Ainda que a de Engenharia ocupe esse ranking, responde por apenas 5,2% dos registros. Dos 167 trabalhos desta área, 37 são da categoria de Operations Research Management Science, correspondente à deste estudo. Assim, tendo em vista o interesse científico no âmbito de alocação de recursos em atenção à saúde, evidenciado pelo Gráfico 1, somada à contribuição retraída da área de pesquisa de Engenharia às publicações do tema, identificada na Figura 1, esta pesquisa justifica-se sob a perspectiva acadêmica não apenas por acompanhar a linha evolutiva da literatura científica, mas também por promover a contribuição da Engenharia de Produção ao propor uma abordagem ferramental desta área de conhecimento sob à luz da Pesquisa Operacional. 1.4 OBJETIVOS 1.4.1 Objetivo Geral Desenvolver um modelo multicritério de apoio à decisão para aplicação na priorização do acesso a leitos de Unidade de Terapia Intensiva Adulto disponíveis à rede do Sistema Único de Saúde do estado do Rio Grande do Norte, no âmbito de atuação da Central Estadual de Regulação. 1.4.2 Objetivos Específicos a) Mapear o processo vigente de regulação de leitos de UTI Adulto do estado do Rio Grande do Norte executado pela Central Estadual de Regulação do Complexo Estadual de Regulação Divaneide Ferreira (CER/RN); b) Investigar o método multicritério mais adequado para aplicação ao processo decisório de interesse, respeitando-se o tipo de problemática e particularidades observadas no ambiente de estudo; 18 c) Desenvolver um modelo multicritério voltado ao problema de decisão de priorização do acesso a leitos de UTI Adulto, sob gerenciamento da Central Estadual de Regulação; d) Tecer, com base no modelo desenvolvido, recomendações para o problema decisão abordado. 1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO Esse trabalho apresenta-se segmentado em 5 capítulos, a saber: Capítulo 1, nomeado por “Introdução”, no qual realiza-se uma ambientação ao problema de pesquisa e contextualização do tema, bem como é enunciado o objetivo geral da pesquisa. Capítulo 2, o qual apresenta uma fundamentação teórica a respeito dos temas de análise de decisão multicritério, decisão de admissão em UTIs e processo de regulação de acesso a serviços de saúde, além de apresentar uma breve revisão sistemática da literatura acerca dos principais fatores de admissão em UTIs. Capítulo 3, intitulado por “Métodos da pesquisa”, o qual aborda os procedimentos metodológicos que foram utilizados para o desenvolvimento do modelo, bem como descreve o processo de modelagem. Capítulo 4 em que se apresentam o modelo desenvolvido e os achados decorrentes das recomendações deste. Também nesse capítulo descrevem-se o campo de estudo e o processo de regulação de leitos de UTI Adulto deste ambiente. Finalmente, no capítulo 5 apresentam-se as considerações finais em que são elencados os principais achados deste trabalho. 19 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E REVISÃO DA LITERATURA Esse capítulo almeja embasar conceitos referentes à análise de decisão multicritério, ao processo decisório em atenção à saúde e à regulação assistencial no âmbito do Sistema Único de Saúde. Em seguida será apresentado um mapeamento de estudos que exploram a decisão de priorização de pacientes elegíveis à admissão em Unidade de Terapia Intensiva no que se refere aos fatores que influenciam esse processo decisório. 2.1 ANÁLISE MULTICRITÉRIO DE APOIO À DECISÃO Um problema de decisão pode ser entendido como a escolha entre duas ou mais alternativas identificáveis e disponíveis, sendo a existência de pelo menos duas destas a condição básica para configurar um problema de decisão, o qual é motivado pela realização da “melhor” escolha dentre as possíveis (DE ALMEIDA, 2013; BELTON; STEWART, 2002). A análise multicritério de apoio à decisão, referida por multiple criteria decision aiding (MCDA), é um termo utilizado para designar um conjunto de abordagens formais e métodos aplicados ao contexto de problemas de decisão no qual múltiplos objetivos, muitas das vezes conflitantes, devem ser considerados para a seleção de determinado curso de ação. Tais objetivos são associados com as possíveis consequências resultantes da escolha de determinada ação, quer sejam estas de ordem econômica, social e/ou ambiental, por exemplo (DE ALMEIDA et al., 2015; SILVA; SCHRAMM; CARVALHO, 2014; DE ALMEIDA, 2013; BELTON; STEWART, 2002). O potencial do enfoque multicritério à análise de problemas de decisão consiste no fato de a tomada de decisão puramente “intuitiva”, isto é, orientada por termos subjetivos e não racionais, não ser satisfatória em situações nas quais existe um nível de conflito considerável, quer seja entre critérios, quer seja entre os diferentes stakeholders (grupos de interesse) quando na definição de quais critérios são relevantes e de suas respectivas “importâncias” (BELTON; STEWART, 2002). Entende-se que embora a abordagem tradicional da Pesquisa Operacional opere sob a ótica de otimização, à realidade de MCDA o conceito de “resposta certa” ou de “resposta ótima” não existe pelo fato de, em geral, não haver uma alternativa ideal disponível que atenda a todos os critérios. Os métodos MCDA objetivam pois identificar uma solução de compromisso ao incorporar informação subjetiva fornecida pelo decisor já que, a cada declaração de preferência entre pares de cursos de ação, é criada uma relação binária que modela matematicamente a informação concedida (BELTON; STEWART, 2002; ISHIZAKA; NEMERY, 2013; MUNDA, 2008; VANSNICK, 1990). 20 É possível portanto elencar alguns elementos que caracterizam a abordagem MCDA, como apresenta Roy (1990): i) Um conjunto 𝐴 não necessariamente estável de ações potenciais 𝑎; ii) Comparações baseadas em 𝑛 critérios (ou pseudo-critérios) 𝑔𝑘; iii) Um modelo de preferências bem ajustado à mente do decisor e estruturado com base em um conjunto de atributos. Em face à família 𝐹 dos 𝑛 critérios considerados e da informação intercritério adicional disponível, quer sejam pesos, limites de veto e/ou taxas de substituição, busca-se ora o desenvolver um modelo matemático que viabilize a comparação entre ações potenciais de maneira global, ora um procedimento de apoio à reflexão e ao progresso na formulação de um mecanismo de comparações globais entre ações potenciais (ROY, 1990). Entretanto, antes de se falar em critérios de avaliação ou atributos é importante que em primeiro lugar os objetivos do problema de decisão sejam identificados. Em geral os objetivos estão associados à direção em que se pretende conduzir o processo de melhoria, enquanto que os critérios são as unidades de análise através das quais as consequências associadas a cada ação são mensuradas em termos de atratividade, isto é; em relação à conveniência das consequênciasnos múltiplos objetivos do problema (MUNDA, 2008; KEENEY; RAIFFA, 1993). A Tabela 1, a seguir, esquematiza a representação matricial de um problema de decisão em que as consequências de cada ação potencial 𝑎𝑖 são representadas por variáveis determinísticas: Tabela 1 - Matriz de decisão Alternativas Critérios 𝐴 𝐶1 ... 𝐶𝑘 ... 𝐶𝑛 𝐴1 𝑥11 ... 𝑥1𝑘 ... 𝑥1𝑚 𝐴2 𝑥21 ... 𝑥2𝑘 ... 𝑥2𝑚 ... ... ... ... ... 𝐴𝑖 𝑥𝑖1 ... 𝑥𝑖𝑘 ... 𝑥𝑖𝑚 ... ... ... ... ... 𝐴𝑚 𝑥𝑚1 ... 𝑥𝑚𝑘 ... 𝑥𝑚𝑛 Fonte: Adaptado de de Almeida et al. (2015, p. 10) A matriz de decisão também pode ser referida por matriz de impacto ou matiz de avaliação (DE ALMEIDA, 2013). O caso representado na Tabela 1 esquematiza a representação desta matriz em um contexto determinístico em que para cada combinação entre alternativas e critérios há um desfecho 𝑋𝑖𝑗 correspondente (DE ALMEIDA et al., 2015). 21 Outro conceito básico em multicritério são as preferências do decisor, as quais são representadas a partir de relações binárias que modelam o julgamento deste ator quando no momento de comparação entre duas ações potenciais de 𝐴. Para tanto, existem quatro relações binárias fundamentais: indiferença (𝐼), preferência estrita (𝑃), preferência fraca (𝑄) e incomparabilidade (𝑅) (ROY, 1996; ROY; BOUYSSOU, 1993). O Quadro 1, a seguir, elenca aspectos dessas relações binárias: Quadro 1 - Quatro situações básicas de preferência para comparação entre duas ações potenciais Situação Definição Relações Binárias (Propriedades) Indiferença Corresponde à situação em que há razões claras e suficientes que justificam a equivalência entre as duas ações. 𝐼: reflexiva (𝑎𝐼𝑎) e simétrica (𝑎𝐼𝑏 ⇒ 𝑏𝐼𝑎) Preferência estrita Corresponde à situação em que há razões claras e suficientes que justificam uma preferência significativa em favor de uma (bem identificada) das duas ações 𝑃: assimétrica 𝑎𝑃𝑏 ⇒ 𝑛ã𝑜(𝑏𝑃𝑎) Preferência fraca Corresponde à situação em que há razões claras e suficientes que invalidam a preferência estrita em favor de uma (bem identificada) das duas ações, mas as razões são insuficientes para deduzir ou uma situação de preferência estrita em favor da outra ou uma situação de incomparabilidade 𝑄: assimétrica 𝑎𝑃𝑏 ⇒ 𝑛ã𝑜(𝑏𝑃𝑎) Incomparabilidade Corresponde à situação em que há ausência de situações claras e suficientes que justifiquem alguma das três situações anteriores. 𝑅: simétrica (𝑎𝑅𝑏 ⇒ 𝑏𝑅𝑎) e reflexiva (𝑎𝑅𝑎) Fonte: DE ALMEIDA, 2013; ROY, 1996) Em posse das situações descritas sobre um conjunto de ações potenciais 𝐴, as relações 𝐼, 𝑃, 𝑄 e 𝑅 constituem um sistema básico de relações de preferência, referido por BSPR, sigla de basic system of preference relations, ou uma estrutura de preferências caso se observe que além de serem capazes de representar as preferências do decisor sob análise, tais relações também atendem às condições de (DE ALMEIDA, 2013; ROY, 1996; ROY; BOUYSSOU, 1993): i) Exaustividade: para qualquer par de ações de 𝐴 pelo menos uma das relações ocorre; ii) Exclusividade: se para cada par de ações uma das relações se aplica, nenhuma outra deve ocorrer Além do sistema básico de relações de preferência, BSPR, sigla para basic system of preference relations, definido na seção 2.1, outro modelo de estrutura de preferências admitido para representar a racionalidade do decisor é o sistema consolidado de relações de preferência, CSPR, sigla para consolidated system of preference relations. Esse modelo consiste em nove relações binárias representadas por 𝐼, 𝑅, ~, 𝑃, 𝑄, ≻, 𝐽, 𝐾, 𝑆. Essas relações resultam de 22 agrupamentos entre duas ou três das relações binária básicas. São exaustivas e mutuamente excludentes, ou seja: são suficientes para descrever a relação para cada par de ação derivado de 𝐴 e duas relações distintas não podem ocorrer para um único par de ações (ROY, 1996). O Quadro 2, a seguir, descreve as relações que definem o CSPR: Quadro 2 - Relações binárias do sistema consolidado de preferência Situação Definição Relações Binárias (Propriedades) Não-preferência Corresponde à situação em que há ausência de razões claras e positivas que justifiquem a preferência estrita ou fraca em favor de qualquer das duas ações o que, por sua vez, impõe a necessidade de se consolidar as relações de indiferença e incomparabilidade sem que seja possível diferenciá-las entre si ~: 𝑎 ~ 𝑎′ ⇔ 𝑎 𝐼 𝑎′ ou 𝑎 𝑅 𝑎′ Preferência Corresponde à situação em que há razões claras e suficientes que justifiquem a preferência fraca ou estrita em favor de uma (bem identificada) das duas ações o que, por sua vez, impõe a necessidade de se consolidar as relações de preferência fraca e estrita sem que seja possível diferenciá-las entre si uma preferência significativa em favor de uma (bem identificada) das duas ações ≻: 𝑎 ≻ 𝑎′ ⇔ 𝑎 𝑄 𝑎′ ou 𝑎 𝑃 𝑎′ Preferência 𝐽 (Presunção de preferência) Corresponde à situação em que há razões claras e suficientes que justifiquem preferência fraca, não importa o quão, em favor de uma (bem identificada) das duas ações ou, no limite, indiferença entre as duas ações, mas sem separação estabelecida entre as situações de preferência fraca a indiferença 𝐽: 𝑎 𝐽 𝑎′ ⇒ 𝑎 𝑄 𝑎′ou 𝑎 𝐼 𝑎′ Preferência 𝐾 Corresponde à situação em que ou existem razões claras e positivas que justifiquem preferência estrita em favor de uma (bem identificada) das duas ações ou incomparabilidade entre estas, mas sem separação estabelecida entre as situações de preferência estrita e incomparabilidade 𝐾: 𝑎 𝐾 𝑎′ ⇒ 𝑎 𝑃 𝑎′ ou 𝑎 𝑅 𝑎′ Sobreclassificação Corresponde à situação em que existem razões claras e positivas que justifiquem ou preferência ou presunção de preferência em favor de uma (bem identificada) das duas ações, mas sem que seja possível estabelecer separação entre as situações de preferência estrita, de preferência fraca e de indiferença 𝑆: 𝑎 𝑆 𝑎′ ⇒ 𝑎 𝑃 𝑎′ ou 𝑎 𝑄 𝑎′ ou 𝑎 𝐼 𝑎′ Fonte: Adaptado de de Almeida (2013) e Roy (1996) Várias estruturas de preferências são possíveis e então consideradas na aplicação de MCDA, a exemplo das estruturas (P,I) e (P,Q,I) (DE ALMEIDA, 2013; DE ALMEIDA et al., 2015). Para conduzir o processo de apoio à decisão via multiple criteria decision aiding é importante compreender que a abordagem do problema pode ser operacionalizada através de quatro perspectivas, entendidas como problemáticas, as quais distinguem-se pela visão do analista de como o problema de decisão pode ser abordado, sobretudo em termos dos resultados 23 desejados (ROY, 1996, 2005). No contexto da problemática de escolha (P.α) objetiva-se conduzir a decisão em busca da seleção de um subconjunto 𝐴′ de 𝐴 tão menor quanto possível de forma que todos os elementos contidos em 𝐴′ sejam aqueles que mais satisfatoriamente atendam à estrutura de preferências do decisor. Um caso particular dessa problemática é a de otimização, na qual deseja-se que o apoio à decisão culmine na escolha de uma única alternativa. Por outro lado, nas situações em que 𝐴′contenha mais do que uma ação potencial, tais elementos são tidos como incomparáveis. Como resultado sugere-se uma única ação a ser escolhida (DE ALMEIDA et al., 2015; ROY, 1996). À realidade da problemática de classificação (P.β) pretende-se esclarecer o processo de apoio à decisão através da categorização das ações de acordo com grupos ou classes ordenadas pré-definidas. Para tanto, identificam-se atributos que descrevam o valor intrínseco dos cursos de ação para que os elementos de 𝐴 possam ser classificados, o que é equivalente a afirmar que a distribuição das alternativas entre as classes não é baseada pela comparação paritária entre a alternativa 𝑎 e as demais. Pretende-se, pois; esclarecer a decisãoatravés da formalização de uma classificação ou proposta de um procedimento de atribuição (DE MIRANDA; DE ALMEIDA, 2003; MOUSSEAU; FIGUEIRA; NAUX, 2001; ROY, 1996; ROY; BOUYSSOU, 1993). Zopounidis e Doumpos (2002) ainda diferenciam a problemática de classificação daquela de sorting: na primeira, grupos ou classes ordenadas são definidos nominalmente enquanto que nesta as classes são definidas de maneira nominal a começar das alternativas mais preferíveis às menos preferíveis. Para problemas de ordenação ou ranking (P. ) objetiva-se orientar a decisão através do ranqueamento das ações potenciais em ordem de preferência. Como resultado apresenta-se uma pré-ordem total ou parcial das ações (ROY, 1990, 1996). Vetschera et al. (2010) comentam que a problemática de sorting pode ser entendida como uma versão “relaxada” da de ranking por dispensar uma ordenação linear total das alternativas visto que o objetivo seria apenas o de alocar as ações potenciais a grupos definidos conforme preferências do decisor. Define-se ainda a problemática de descrição (P. ) a qual consiste em uma recomendação que descreve sistematicamente e formalmente os cursos de ação em termos quantitativos e qualitativos para que o decisor seja apoiado em relação à compreensão e/ou avaliação das alternativas (ROY, 1996). Em posse dos elementos básicos de um problema de decisão, cabe ao método MCDA 24 modelar as preferências do decisor e agregar os múltiplos objetivos, dimensões e critérios. É a base axiomática e metodológica que define a convenção de agregação o que diferencia os métodos multicritério entre si (DE ALMEIDA, 2013; GUITOUNI; MARTEL, 1998; MUNDA, 2008). 2.2 MÉTODOS MULTICRITÉRIO DE APOIO À DECISÃO A aplicação da abordagem MCDA requer um procedimento formal para que o problema seja interpretado frente às avaliações das alternativas nos múltiplos critérios considerados. Esse mecanismo consiste no método de avaliação que, com enfoque metodológico baseado em uma estrutura lógica, avalia o problema multicritério (ROGERS; BRUEN; MAYSTRE, 2002). Nesse contexto, de Almeida et al. (2015) atenta para a diferença entre métodos MCDA e modelos: enquanto um modelo é uma representação formal e simplificada do problema com múltiplos objetivos; o método configura-se em uma estrutura metodológica ou teórica, com estrutura axiomática definida, utilizado para construir um então modelo de decisão; configurando-se pois como instrumento através do qual modelos são desenvolvidos. Na literatura científica existem múltiplas categorizações dos métodos MCDA, o que faz com que os grupos de métodos variem a partir de considerações distintas (DOLAN, 2010; GUITOUNI; MARTEL, 1998). De modo geral, os problemas analisados via MCDA podem ser categorizados em discretos ou de otimização. Uma das diferenças entre essas classes de problemas reside no fato de os primeiros apresentarem conjuntos discretos de alternativas, o que é equivalente a afirmar que o espaço de ações é limitado, enquanto aqueles de otimização caracterizam-se por um conjunto de alternativas com número muito grande de elementos ou de tal forma que esse espaço é infinito e definido por sistemas de equações e inequações que qualificam regiões factíveis para as variáveis da decisão (WALLENIUS et al., 2008; HWANG; YOON, 1981). De maneira análoga, os métodos de multiple criteria decision aiding podem ser classificados com base na natureza do espaço de ações: aqueles métodos voltados à solução de problemas multicritério de conjunto discreto de alternativas e os propostos a problemas de otimização (DE ALMEIDA et al., 2015; WALLENIUS et al., 2008). Quanto aos métodos MCDA que abordam problemas de conjunto discreto de alternativas, estes ainda podem ser classificados em: métodos de critério único de síntese sem incomparabilidade, métodos de síntese por sobreclassificação com incomparabilidades e aqueles de julgamentos locais interativos com abordagem de tentativa e erro (GUITOUNI; MARTEL, 1998; ROY, 1996). O Quadro 3, a seguir, sumariza as principais características de tais abordagens operacionais: 25 Quadro 3 - Categorização de métodos MCDA Categoria Descrição Critério único de síntese Almeja a construção de uma função de agregação das declarações de preferência do decisor através de um único critério de síntese g definido por 𝑔 = 𝑉[𝑔1(𝑎), 𝑔2(𝑎), … , 𝑔𝑛(𝑎)], sendo 𝑔1, … , 𝑔𝑛 o conjunto de critérios que constitui a família F de critérios do problema de decisão, 𝑎 a alternativa sob avaliação e 𝑉 a função de agregação. A comparação entre scores numéricos gerais de cada alternativa mensura o grau em que determinado curso de ação pode ser preferível a outro. Sobreclassificação Aborda o problema de agregação de desempenho através da construção de uma regra ou função de agregação explícita que incorpora situações de incomparabilidade. As alternativas são comparadas par a par a fim de legitimar as relações de sobreclassificação construídas, sendo a sobreclassificação uma relação binária que avalia o grau com que uma alternativa 𝑎𝑖 sobreclassifica outra alternativa 𝑎𝑝. Julgamentos locais interativos Caracteriza-se por uma sequência ad hoc de julgamentos formulados pelo decisor e não objetiva a construção de uma regra explícita que aborde o problema de agregação das preferências. Esses julgamentos são declarados em uma série de interações entre questionado (decisor ou outro ator) e questionador (analista) através de um procedimento interativo até que após a sequência de estágios de diálogo e processamento seja possível recomendar uma escolha, classificação ou pré-ordem das ações potenciais pertencentes ao conjunto 𝐴. Fonte: Adaptado de Belton e Stewart (2002); Figueira et al. (2010); Roy (1996); Zopounidis e Doumpos (2002) Com base na estratificação apresentada, o Quadro 4, a seguir, elenca os principais métodos multicritério por categoria: Quadro 4 - Principais métodos multicritério por categoria Categoria Método Referência Critério único de síntese Analytic Hierarchy Process (AHP) Saaty (1987) Multi-Attribute Value Theory (MAVT) Keeney e Raiffa (1976) Multi-Attribute Utility Theory (MAUT) Flexible and Interactive Tradeoff (FITradeoff) de Almeida et al. (2016) Measuring Attractiveness by a Categorical Based Evaluation TecHnique (MACBETH) Bana e Costa e Vansnick (1994) Sobreclassificação Elimination et Choix Traduisant la Réalité (ELECTRE) Roy (1991) Preference Ranking Organization Method for Enrichment Evaluation (PROMETHEE) Brans, Vincke e Mareschal (1986) Fonte: Adaptado de de Almeida et al. (2015, 2016); Diaby e Goeree (2014) e Guitouni e Martel (1998) É válida uma observação quanto a categorização apresentada no Quadro 4: MACBETH e FITradeoff, por exemplo, são métodos que existem ao escopo de MAVT, ou seja, é a teoria do valor multiatributo que rege os axiomas destes métodos. Pelo caráter abrangente desta teoria foi que se optou por apresentá-la de forma segregada ao AHP, MACBETH e FITradeoff, os quais se assemelham por apresentarem o modelo aditivo como função de agregação dos 26 critérios. Outra classificação de métodos MCDA observa a racionalidade praticada pelo decisor, isto é, a forma como as avaliações das alternativas nos diferentes critérios ou dimensões é agregada. Com base nessa categorização, os métodos podem ser compensatórios ou não- compensatórios (DE ALMEIDA et al., 2015; GUITOUNI; MARTEL, 1998; HWANG; YOON, 1981). De maneira informal, afirmar que a racionalidade exercida pelo decisor é compensatória significa dizer que para este indivíduo o mau desempenho de um curso de ação em determinado critério é compensado por um bom desempenho desta mesma unidade de avaliação em outro critério, enquanto que no caso de racionalidade não-compensatória esse tipo de compensação entre os critérios não ocorre (DE ALMEIDA,2013; MUNDA, 2008). A informação de racionalidade é crítica para a escolha do método a ser utilizado, a exemplo daqueles de critério único de síntese em que a lógica compensatória deve ser atendida para que a função agregação seja construída já que esta categoria de métodos (DE ALMEIDA, 2013; GUITOUNI; MARTEL, 1998). Dentre as abordagens apresentadas no Quadro 4, será concedida uma visão geral da família de métodos PROMETHEE na seção 2.2.1 e a 2.2.2 apresentará os fundamentos do PROMETHEE I e PROMETHEE II em razão de este ser o método aplicado para a construção do modelo multicritério proposto. 2.2.1 Aspectos gerais do PROMETHEE Essa seção será discutida com base em um problema de decisão a ser abordado sob a perspectiva multicritério, o qual é definido por: um conjunto 𝐴 de ações potenciais ou de alternativas, 𝐴 = {𝑎1, 𝑎2, … 𝑎𝑖, … , 𝑎𝑛} e um conjunto 𝐹 dos critérios de avaliação ou atributos, 𝐹 = {𝑔1(∙), 𝑔2(∙),… , 𝑔𝑗(∙),… , 𝑔𝑘(∙)}. Em geral alguns dos critérios devem ser minimizados enquanto outros a orientação é de maximização, o que justifica a necessidade da abordagem multicritério já que essa natureza conflitante impõe a necessidade de se considerar solução de compromisso ao invés de solução ótima. Isso porque, em geral, não existe um curso de ação em 𝐴 que otimize simultaneamente todos os critérios. A Equação (2.1), a seguir, apresenta a modelagem matemática deste problema (GRECO; EHRGOTT; FIGUEIRA, 2016; ROY; VANDERPOOTEN, 1996; HWANG; YOON, 1981): max {𝑔1(𝑎), 𝑔2(𝑎),… , 𝑔𝑗(𝑎),… , 𝑔𝑘(𝑎)|𝑎 ∈ 𝐴} (2.1) A abordagem analítica da família de métodos PROMETHEE, acrônimo de Preference 27 Ranking Organization METHod for Enrichment Evaluations, corresponde àquela dos métodos de sobreclassificação. Assim, frente a um problema de decisão como o descrito, duas fases são executadas: (i) construção da relação de sobreclassificação em 𝐴 e (ii) exploração dessa relação para que se proponha uma solução ao problema formulado na Equação (2.1), como definem Brans, Vincke e Mareschal (1986). A relação binária de sobreclassificação é uma das nove que compõem o sistema consolidado de relação de preferências e que reagrupa três das quatro relações binárias fundamentais: preferência estrita (𝑃), preferência fraca (𝑄) e indiferença (𝐼) (ROY, 1996). Como elencado no Quadro 2, a sobreclassificação descreve a situação em que existem razões suficientes para que se justifique seja a preferência (≻), seja uma presunção de preferência (preferência 𝐽) em favor de uma das ações, sendo a ação favorecida bem identificada. Diz-se que a sobreclassificação é uma relação consolidada das relações 𝑃, 𝑄 e 𝐼 porque enquanto a preferência refere-se à situação em que existe hesitação entre 𝑃 e 𝑄, apesar de se saber a favor de qual alternativa, a relação de presunção de preferência refere-se à hesitação entre 𝑄 e I. Roy (1991) define que para a família de 𝑘 critérios, 𝑎′𝑆 𝑎 ocorre apenas se os valores das performances de 𝑔(𝑎′) e 𝑔(𝑎) são suficientes para que se considere como verdadeira a declaração de que ‘𝑎′, em relação aos 𝑘 critérios, é pelo menos tão boa quanto 𝑎’. Com base nessa definição, tem-se que: 𝑎′𝑆 𝑎 𝑒 𝑎 𝑆 𝑎′ ⇒ 𝑎 𝐼 𝑎′ 𝑎 𝑆 𝑎′ 𝑒 𝑛ã𝑜(𝑎′𝑆 𝑎) ⇒ 𝑎 𝑃 𝑎′ ou 𝑎 𝑄 𝑎′ ou 𝑎 𝐼 𝑎′ Sob consideração das relações de sobreclassificação, as informações adicionais exigidas para a parametrização do PROMETHEE são duas naturezas: entre critérios e dentro de cada critério. A primeira modelagem diz respeito à elicitação dos elementos 𝑤𝑗 do conjunto de pesos 𝑊 = {𝑤1, 𝑤2, … , 𝑤𝑗 , … , 𝑤𝑘}. Cada 𝑤𝑗 associa-se ao respectivo critério 𝑔𝑗(∙) e denota o grau de importância deste elemento frente aos demais 𝑔𝑖(∙) ∈ 𝐹, ∀ 𝑖 ≠ 𝑗 = {1,… , 𝑘}. Já a informação dentro de cada critério de avaliação é concedida com base no comportamento preferencial do decisor em relação a valores de diferença entre desempenhos de duas ações em um critério em particular (BRANS; DE SMET, 2016). Os procedimentos formais dos métodos da família PROMETHEE são orientados por 28 comparações par a par. Isso implica que para cada critério é mapeada uma função da diferença entre duas avaliações, expressa pela Equação (2.2) (BRANS; VINCKE; MARESCHAL, 1986; BRANS; DE SMET, 2016): 𝑃𝑗(𝑎, 𝑏) = 𝐹𝑗[𝑑𝑗(𝑎, 𝑏)] ∀ 𝑎, 𝑏 ∈ 𝐴 (2.2) Onde: 𝑑𝑗(𝑎, 𝑏) = 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) (2.3) 0 ≤ 𝑃𝑗(𝑎, 𝑏) ≤ 1 (2.4) A Figura 2, a seguir, ilustra uma função preferência genérica que representa graficamente a Equação (2.3): Figura 2 - Função preferência Fonte: Brans e De Smet (2016, p. 194) O procedimento de avaliação proposto pelos métodos da família PROMETHEE baseia- se no definido pela Equação (2.5): 𝑃𝑗(𝑎, 𝑏) = { 0 se 𝑔𝑗(𝑎) ≤ 𝑔𝑗(𝑏), 𝐹𝑗[𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏)] se 𝑔𝑗(𝑎) ≤ 𝑔𝑗(𝑏) (2.5) Deve-se ressaltar que a função preferência é elicitada separadamente para cada critério 29 do problema, mas que independente da forma analítica assumida a imagem dessa função é sempre definida por 𝐼𝑚 𝑃𝑗(𝑎, 𝑏) = [0, 1] (BRANS; VINCKE; MARESCHAL, 1986; BRANS; VINCKE, 1985). Brans, Vincke e Mareschal (1986) propuseram seis tipos de funções critérios gerais a partir dos quais a função preferência de cada critério 𝑔𝑘(∙) pode ser expressa. O Quadro 5, a, a seguir, sumariza as formas analíticas de cada função de critério geral: Quadro 5 - Funções preferência Critério geral Definição Parâmetros a fixar Usual (Tipo I) 𝐹𝑗(𝑑𝑗) = { 0, 𝑠𝑒 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) ≤ 0 1, 𝑠𝑒 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) > 0 - Quase critério (Tipo II) 𝐹𝑗(𝑑𝑗) = { 0, 𝑠𝑒 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) ≤ 𝑞 1, 𝑠𝑒 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) > 𝑞 𝑞 Limiar de preferência (Tipo III) 𝐹𝑗(𝑑𝑗) = { 0, 𝑠𝑒 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) ≤ 0 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) 𝑝 , 𝑠𝑒 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) ≤ 𝑝 1, 𝑠𝑒 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) > 𝑝 𝑝 Pseudocritério (Tipo IV) 𝐹𝑗(𝑑𝑗) = { 0, 𝑠𝑒 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) ≤ 𝑞 1 2 , 𝑠𝑒 𝑞 < 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) ≤ 𝑝 1, 𝑠𝑒 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) > 𝑝 𝑞, 𝑝 Área de indiferença (Tipo V) 𝐹𝑗(𝑑𝑗) = { 0, 𝑠𝑒 𝑔𝑗 (𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) ≤ 𝑞 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) − 𝑞 𝑝 − 𝑞 , 𝑠𝑒 𝑞 < 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) ≤ 𝑝 1, 𝑠𝑒 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) > 𝑝 𝑞, 𝑝 Critério gaussiano (Tipo VI) 𝐹𝑗(𝑑𝑗) = { 0, 𝑠𝑒 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) ≤ 0 1 − 𝑒 − 𝑑𝑗 2 2𝑠2 , 𝑠𝑒 𝑔𝑗(𝑎) − 𝑔𝑗(𝑏) > 𝑞 𝑠 Fonte: Adaptado de Brans e Vincke (1985), Brans, Vincke e Mareschal (1986), de Almeida (2013), Brans e De Smet (2016) Observa-se, portanto, que a elicitação dos parâmetros 𝑝, 𝑞 e 𝑠 é orientada pelo tipo de função preferência que descreve o comportamento avaliativo do decisor frente ao julgamento de valor entre pares de alternativas. 2.2.2 PROMETHEE I e II Enquanto o PROMETHEE I apoia a decisão ao recomendar um ranking baseado em uma estrutura de preferências que assume incomparabilidade, {𝑃𝐼 , 𝐼𝐼 , 𝑃𝐼𝐼 , 𝑅𝐼𝐼}, razão pela qual o output deste método é referido por pré-ordem parcial, o PROMETHEE II apoia o decisor ao propor um ranking baseado em uma estrutura tal que relações de incomparabilidade entre pares ações não são assumidas uma vez que a estrutura {𝑃𝐼𝐼 , 𝐼𝐼𝐼} é a que descreve as informações preferenciais declaradas. Por essa razão, refere-se ao ranking sugerido pelo PROMETHEE II por pré-ordem completa. A abordagem operacional destes métodos é baseada em comparações paritárias (BRANS; DE SMET 2016). Ambos PROMETHEE I e II objetivam mensurar o grau de 30 sobreclassificação para cada par de alternativas 𝑎, 𝑏 𝜖 𝐴. Esse grau é denotado por 𝜋(𝑎, 𝑏) e definido conforme Equação (2.6): { 𝜋(𝑎, 𝑏) = ∑𝑃𝑗(𝑎, 𝑏)𝑤𝑗 𝑘 𝑗=1 , 𝜋(𝑏, 𝑎) = ∑𝑃𝑗(𝑏, 𝑎)𝑤𝑗 𝑘𝑗=1 , (2.6) Em que 𝜋(𝑎, 𝑏) expressa, considerando simultaneamente todos os critérios, o grau com que 𝑎 é preferível a 𝑏. De forma análoga, 𝜋(𝑏, 𝑎) denota o quão 𝑏 é preferível a 𝑎. O temo 𝑤𝑗 refere-se o peso do critério 𝑗. Ressalta-se que os pesos são normalizados conforme Equação (2.7: ∑𝑤𝑗 = 1 𝑘 𝑗=1 (2.7) Com base na definição dos graus de sobreclassificação as seguintes propriedades são enunciadas (BRANS; DE SMET, 2016): { 𝜋(𝑎, 𝑎) = 0, 0 ≤ 𝜋(𝑎, 𝑏) ≤ 1, 0 ≤ 𝜋(𝑎, 𝑏) ≤ 1, 0 ≤ 𝜋(𝑎, 𝑏) + 𝜋(𝑏, 𝑎) ≤ 1 (2.8) Na ocasião em que 𝜋(𝑎, 𝑏) é mais próximo a 0, denota-se uma preferência fraca de 𝑎 sobre 𝑏 enquanto que, à medida em que 𝜋(𝑎, 𝑏) se aproxima de 1 considera uma preferência forte em favor de 𝑎 quando em comparação a b. Ressalta-se que a intensidade da preferência se refere à avaliação consideração simultânea de todos os critérios. Em posse dos valores de 𝜋(𝑎, 𝑏) para cada 𝑎, 𝑏 𝜖 𝐴 obtém-se uma matriz que encerra a primeira etapa de construção da relação de sobreclassificação definida em 𝐴 (DE ALMEIDA et al., 2015), a qual pode ser representada através de um grafo de sobreclassificação em que entre cada par de ações de 𝐴, sendo cada alternativa representada por um nó, interligam-se dois arcos valorados referidos por 𝜋(𝑎, 𝑏) e 𝜋(𝑏, 𝑎) (BRANS; VINCKE; MARESCHAL, 1986). A Figura 3, a seguir, apresenta a visualização do grafo de sobreclassificação valorado para um problema em que 𝐴 = {𝑎, 𝑏, 𝑐, 𝑑}: 31 Figura 3 - Grafo de sobreclassificação valorada para o par de alternativas (a, b) Fonte: Retirado de Brans e De Smet (2016, p. 197) A segunda etapa de exploração da relação de sobreclassificação é executada através dos cálculos dos fluxos de sobreclassificação de saída 𝚽+(𝑎) e de entrada 𝚽−(𝑎) de cada elemento do conjunto de alternativas 𝐴, definidos respectivamente pelas Equações (2.9) e (2.10), a seguir: 𝚽+(𝑎) = 1 (𝑛 − 1) ∑ 𝜋(𝑎, 𝑏) 𝑏 ∈ 𝐴 (2.9) 𝚽−(𝑎) = 1 (𝑛 − 1) ∑ 𝜋(𝑏, 𝑎) 𝑏 ∈ 𝐴 (2.10) O termo (𝑛 − 1) atua como uma constante de normalização para que os valores do fluxo variem entre 0 e 1, em que 𝑛 é o número de critérios do problema. Enquanto o fluxo de saída 𝚽+(𝑎) representa a soma dos valores dos arcos que saem do nó 𝑎, o fluxo de chegada 𝚽−(𝑎) valora a soma daqueles que entram no nó 𝑎. Isso equivale a afirmar que 𝚽+(𝑎) denota o perfil de sobreclassificação de 𝑎 e 𝚽−(𝑎) o caráter com que 𝑎 é sobreclassificado. Quanto maior o fluxo de saída, mais a alternativa 𝑎 domina as demais ações pertencentes a 𝐴 e quanto menor o fluxo de chegada, menos esse curso de ação é dominado pelos demais (BRANS; VINCKE, 1985; BRANS; VINCKE; MARESCHAL, 1986). Uma interpretação alternativa aos fluxos descritos é a de que 𝚽+(𝑎) quantifica o grau de vantagem de 𝑎 em relação a todas as demais alternativas do conjunto 𝐴 ao passo em que 𝚽−(𝑎) mensura o grau de desvantagem dessa mesma alternativa em comparação às demais (DE ALMEIDA et al., 2015). Finalmente, um outro índice abordado especificamente pelo PROMETHEE II é o fluxo líquido de sobreclassificação, 𝚽(𝑎), o qual varia entre −1 e +1, dado pela Equação (2.11): 32 𝚽(𝑎) = 𝚽+(𝑎) − 𝚽−(𝑎) (2.11) O PROMETHEE I objetiva a construção de uma pré-ordem parcial com base na estrutura de preferências {𝑃𝐼 , 𝐼𝐼 , 𝑅𝐼} em que a premissa se sustenta no fato de quanto maior o fluxo de saída e menor o fluxo de chegada, melhor a alternativa (BRANS; VINCKE; MARESCHAL, 1986). A pré-ordem parcial sugerida por este método é embasada na interseção entre as pré-ordens {𝑃+, 𝐼+} e {𝑃−, 𝐼−}, conforme definido nas Equações de (2.12) a (2.14): 𝑎 𝑃+ 𝑏 ⇔ 𝚽+(𝑎) > 𝚽+(𝑏) 𝑎 𝑃− 𝑏 ⇔ 𝚽−(𝑎) < 𝚽−(𝑏) (2.12) 𝑎 𝐼+ 𝑏 ⇔ 𝚽+(𝑎) = 𝚽+(𝑏) 𝑎 𝐼− 𝑏 ⇔ 𝚽−(𝑎) = 𝚽−(𝑏) (2.13) { 𝑎 𝑃𝐼 𝑏 ⇔ { 𝑎 𝑃+ 𝑏 e 𝑎 𝑃− 𝑏 𝑎 𝑃+ 𝑏 e 𝑎 𝐼− 𝑏 𝑎 𝐼+ 𝑏 e 𝑎 𝑃− 𝑏 𝑎 𝐼𝐼𝑏 ⇔ 𝑎 𝐼+ 𝑏 e 𝑎 𝐼− 𝑏 𝑎 𝑅 𝑏 ⇔ { 𝑎 𝑃+ 𝑏 e 𝑏 𝑃− 𝑎, ou 𝑏 𝑃+ 𝑎 e 𝑎 𝑃− 𝑏 (2.14) Assim, o grafo proposto pelo PROMETHEE I admite a ocorrência de incomparabilidade entre pares de ações. Por essa razão refere-se à sua recomendação por ranking parcial. O PROMETHEE II, ao propor um ranking sem a consideração da relação de incomparabilidade, ou seja, com base na estrutura definida por {𝑃𝐼𝐼, 𝐼𝐼𝐼}, sugere uma pré-ordem completa. Para tanto, a abordagem do método é a de ordenar em ordem decrescente os valores do fluxo líquido de cada alternativa 𝑎 ∈ 𝐴 uma vez que, quanto mais próximo de +1 for 𝚽(𝑎), mais 𝑎 sobreclassifica as demais alternativas do conjunto de ações enquanto se mais próximo de −1 for 𝚽(𝑎), mais 𝑎 é sobreclassificada pelas demais (BRANS; DE SMET, 2016): 𝑎 𝑃𝐼𝐼 𝑏 ⇔ 𝚽(𝑎) > 𝚽(𝑏) 𝑎 𝐼𝐼𝐼 𝑏 ⇔ 𝚽(𝑎) = 𝚽(𝑏) (2.15) Logo, ao considerar o ranking completo do PROMETHEE II, todas as alternativas são 33 comparáveis. 2.3 ABORDAGEM MULTICRITÉRIO DE DECISÃO EM HEALTH CARE (ATENÇÃO À SAÚDE) O caráter abrangente da aplicação de MCDA se deve ao perfil multidisciplinar desta abordagem. Observa-se um crescente interesse na literatura quanto ao potencial destes métodos na área de atenção à saúde (HANSEN; DEVLIN, 2019; FRAZÃO et al., 2018; DIABY; CAMPBELL; GOEREE, 2013). A tomada de decisão em health care não difere conceitualmente da de outros campos uma vez que a alocação de recursos finitos entre alternativas e interesses conflitantes acontece diariamente ambientes distintos. Entretanto, o fato de a saúde ser um bem inestimável e insubstituível configura-se como um elemento dificultante à realidade dos processos decisórios desta área, já que as consequências destes impactam diretamente a qualidade de vida dos pacientes e da sociedade em geral (DIABY; CAMPBELL; GOEREE, 2013). As decisões em ambientes hospitalares geralmente incorrem em uma série de variáveis que devem ser consideradas pelos gestores, tais como a escassez de recursos, número de pacientes a serem atendidos e qualidade do serviço a ser prestado (LONGARAY et al., 2016). Em termos de aplicação dos métodos multicritério, Campolina et al. (2017) categorizam seis áreas em saúde como campo de estudo e aplicação desta abordagem, como esquematizado no Quadro 6, a seguir: Quadro 6 - Aplicações potenciais de MCDA em saúde Aplicação Descrição Avaliação de Risco-Benefício Ponderação de riscos e benefícios associados à utilização de determinada intervenção em saúde Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) Elicitação de critérios relevantes ao processo de alocação de recursos para análise simultânea Padronização de priorização por contexto Elaboração de planos de investimento baseados em lista de prioridades a depender dos orçamentos fixos de hospitais e planos de saúde, por exemplo Análise de decisão de portfólio Projeções de diferentes probabilidades de sucesso e respectiva lucratividade para diferentes projetos de investimento Tomada de decisão compartilhada Assistência a decisões compartilhadas por pacientes, médicos e demais profissionais de saúde Priorização de acesso de pacientes aos serviços em saúde Otimização do acesso a serviços de saúde via priorização Fonte: Adaptado de Campolina et al. (2017) 34 A diversidade de problemas apresentada no esquema anterior demonstra a polivalência da abordagem multicritério. A respeito do contexto particular de priorização do acesso, destacado por Campolina et al. (2017), a revisão sistemática conduzida por Adunlin, Diaby e Xiao (2015) evidenciou uma concentração de publicações em um cenário mais amplo de priority setting, isto é, definição ou configuração de prioridades, em consonância à necessidade observada por Baltussen e Niessen (2006) de metodologias MCDA como apoio às decisõesem alocação de recursos. Algumas das pesquisas que exploram a aplicabilidade do apoio multicritério à priorização de acesso a serviços assistenciais em saúde acesso são: aquela em que foi proposto um sistema de pontuação para ranquear pacientes elegíveis ao procedimento cirúrgico de revascularização do miocárdio, proposto por Hansen et al (2012); a de otimização da alocação de leitos de unidades de cuidados neurointensivos sob autoria de Nateghinia et al. (2018); a de priorização de admissão de pacientes COVID via modelo aditivo desenvolvido por de Nardo et al. (2020). Além destes, destacam-se a pesquisa em que foi construído um modelo multicritério para apoio à decisão de designação de tratamento e intervenção de pacientes COVID, proposto por Roselli et al. (2020) e o de escolha de vítimas para acolhimento emergencial via Unidade de Suporte Avançado (USA) de (FRAZÃO et al., 2021). Em vistas à importância dos processos decisórios às organizações de modo geral, sobretudo em unidades prestadoras de serviço, tais como estabelecimentos de caráter hospitalar, entende-se a necessidade de ferramentas metodológicas que sejam capazes de atuar como mecanismos de apoio às tomadas de decisão diárias a fim de assegurar o não agravamento das condições de saúde ou até mesmo do risco de óbito dos usuários do sistema. 2.4 REGULAÇÃO EM SAÚDE Universalização, equidade e integralidade são os três princípios constituintes do SUS dentre aqueles de natureza não organizacional. Sob a perspectiva da equidade na assistência, entende-se que, ainda que todos os indivíduos detenham o direito de acesso aos serviços de saúde, cada um destes possui necessidades distintas, o que por sua vez exige que o sistema opere as desigualdades entre os usuários à medida em que este fator se manifesta (BRASIL, 1988; BRASIL, 2000). Sob essa configuração, a ação regulatória é um instrumento essencial para abordar as disfunções do sistema de saúde que incidem sobretudo na equidade da assistência (FARIAS; GURGEL JUNIOR; MONTEIRO COSTA, 2011). Os processos através dos quais os agentes de financiamento e provedores manipulam os preços, quantidades e qualidade definem a natureza da atividade regulatória, a qual, independente do caráter público ou privado de tais agentes, configura-se como uma ação 35 onipresente e inevitável (MAYNARD, 1988). Preço, quantidade e qualidade configuram-se como variáveis-alvo, isto é, objetos de manipulação do governo em ações de controle de atividades do setor de saúde (KUMARANAYAKE et al. 2000). Sob a perspectiva neoclássica da microeconomia, a garantia de maximização da utilidade do consumidor ao menor custo existe desde que se atendam às condições necessárias para ocorrência da concorrência perfeita: à medida em que tais pressupostos não são satisfeitos, justifica-se a necessidade de intervenção do Estado a fim de que a otimização da distribuição dos recursos seja alcançada (BRASIL, 2007; CASTRO, 2002; DONALDSON et al., 2005; FARIAS et al., 2011). Ainda que o ambiente de livre mercado raramente seja observado, o que em maior ou menor grau justifica a atuação governamental em diversos setores, no contexto de serviços de atenção à saúde a extensão desta intervenção implica o envolvimento do próprio Estado ora na aquisição ora na prestação de serviços desta natureza (DONALDSON et al., 2005). Garantir a função assistencial dos sistemas de saúde, elemento assegurado constitucionalmente, é o caracteriza a ação regulatória sobre contratualização, produção e controle de performance dos diversos grupos de interesse deste setor. Tal intervenção pode ser justificada, pois; por disfunções estruturais por vezes promovida por falhas de mercado, como é o caso da assimetria de informação entre paciente e provedores de serviços de saúde em razão da detenção de conhecimento técnico por parte do médico (KUMARANAYAKE, 1997; FARIAS; GURGEL JUNIOR; MONTEIRO COSTA, 2011; DONALDSON et al., 2005 ). Nesse sentido, a regulação consiste em um conjunto de ações cujo propósito é o de prestar serviços à sociedade, quer seja por atores públicos ou privados, mas conduzidas por uma entidade pública independente, o que pressupõe um ente sem interesses comerciais e governamentais, cujos procedimentos são realizados em observância ao bem público (FARIAS et al., 2011). 2.4.1 Política Nacional de Regulação No Brasil, a Portaria GM/MS nº 1.559/2008 instituiu a Política Nacional de Regulação pautada, à época de sua divulgação, em três necessidades, conforme estabelece a própria portaria, dentre as quais enuncia-se aquela de estruturação das ações de regulação, controle e avaliação ao contexto do funcionamento do SUS (BRASIL, 2008). Salienta-se, entretanto, que os esforços para implementação no setor da saúde de ações de cunho regulatório no Brasil não foram iniciados apenas com a divulgação da Portaria GM/MS nº1.559/2008, uma vez que a operacionalização de tais processos manifesta-se explicitamente no âmbito do SUS a partir dos anos 2000, com a publicação das Norma 36 Operacionais da Assistência à Saúde em 2001 e 2002 (NOAS-2001 e 2002), além das reformulações reforçadas com a edição de 2006 do Pacto pela Saúde (FARIAS; GURGEL JUNIOR; MONTEIRO COSTA, 2011). Ainda em conformidade à Portaria GM/MS nº1.559/2008, a regulação no SUS é conduzida em três dimensões de atuação integradas entre si, a saber: Regulação de Sistemas de Saúde, Regulação da Atenção à Saúde e Regulação do Acesso à Assistência. Observa-se que cada eixo apresenta instrumentos de atuação adequados à natureza das atribuições distintas (BRASIL, 2008). O Quadro 7, a seguir, sumariza os principais aspectos de cada um dos eixos integrados comentados: Quadro 7 - Aspectos principais das dimensões constituintes das ações da Política Nacional de Regulação do SUS Dimensão Objeto Sujeito Processos Sistemas de Saúde Sistemas municipais, estaduais e nacional de saúde Gestores públicos Monitoramento, controle, avaliação, auditoria e vigilância dos sistemas de saúde Atenção à saúde Produção das ações diretas e finais de atenção à saúde Prestadores públicos e privados Monitoramento, controle, avaliação, auditoria e vigilância da atenção e da assistência à saúde no âmbito do SUS Acesso à Assistência Organização, controle, gerenciamento e priorização do acesso e dos fluxos assistenciais no âmbito do SUS Gestores públicos Regulação médica Fonte: Adaptado de BRASIL (2008); Farias; Gurgel Junior e Monteiro Costa (2011) No que concerne à dimensão de Regulação do Acesso à Assistência, também referenciada como regulação do acesso ou regulação assistencial, observa-se que sua atribuição se baseia na garantia do acesso, isto é, na disponibilização da assistência mais adequada à necessidade do usuário via atendimento a urgências ou emergências, consultas, autorizações de exames de média e alta complexidade e internações. Instrumentos como protocolos, classificação de risco e critérios de priorização são mecanismos que viabilizam o acesso ao usuário e, portanto, operacionalizam a regulação assistencial (RIO GRANDE DO NORTE, 2015; BRASIL, 2008). Ainda de modo particular à Regulação do Acesso Assistencial, é esperado que a otimização da utilização de recursos e a garantia de transparência, integralidade e equidade do acesso em tempo hábil aos serviços de saúde sejam alcançadas através de protocolos de regulação, uma vez que a essa esfera da Política Nacional de Regulação são atribuídas as ações de ordenar e qualificar os fluxos de acesso (BRASIL, 2017). A fim de assegurar a existência de mecanismos estratégicos capazes de apoiar a 37 disponibilização de alternativas de assistência adequadas às distintas necessidades dos usuários do sistema de saúde, isto é, de garantir o funcionamento da regulação assistencial, o artigo 5º da Portaria Nº
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