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Morarpordireito-Coelho-2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE TECNOLOGIA 
DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO 
 
 
ANA CAROLINA GUILHERME COÊLHO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MORAR POR DIREITO: locação social no Brasil. 
 
 
 
NATAL/RN 
2020
 
 
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ANA CAROLINA GUILHERME COÊLHO 
 
 
 
 
 
MORAR POR DIREITO: locação social no Brasil 
 
 
 
 
 
Tese de doutorado apresentado ao Programa de Pós 
Graduação em Arquitetura e Urbanismo, do Departamento 
de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do 
Rio grande do Norte, em cumprimento às exigências legais 
como requisito parcial para a obtenção de título de Doutora 
em Arquitetura e Urbanismo. 
 Orientador: Dr. Márcio Moraes Valença 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2020 
 
 
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ANA CAROLINA GUILHERME COÊLHO 
 
MORAR POR DIREITO: locação social no Brasil 
 
Tese de doutorado apresentado ao Programa de 
Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, do 
Departamento de Arquitetura e Urbanismo, da 
Universidade Federal do Rio grande do Norte, 
em cumprimento às exigências legais como 
requisito parcial para a obtenção de título de 
Doutora em Arquitetura e Urbanismo. 
 
Aprovada em:_______/_______/_______ 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
_____________________________________________________________ 
Profa. Dra. Simone Ferreira Gatti (Examinadora Externa) 
_____________________________________________________________ 
Dra. Maria Florésia Pessoa de Souza e Silva (Examinadora Externa) 
 _______________________________________________________________ 
Profa. Dra. Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros (Examinadora Externa ao 
PPGAU/UFRN) 
 _______________________________________________________________ 
Profa. Dra. Gleice Virgínia Medeiros Azambuja Elali (Examinadora Interna) 
_______________________________________________________________ 
Prof. Dr. Márcio Moraes Valença (Orientador) 
 
 
 
 
 
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas – SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra 
de Melo Tinôco - DARQ - -CT 
 
 Coêlho, Ana Carolina Guilherme. 
 Morar por direito: locação social no Brasil / Ana Carolina 
Guilherme Coêlho. - Natal, RN, 2020. 
 205f.: il. 
 
 Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 
Centro de Tecnologia. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. 
 Orientador: Márcio Moraes Valença. 
 
 
 1. Habitação - Tese. 2. Direito à moradia - Tese. 3. Direito à 
propriedade - Tese. 4. Locação social - Tese. I. Valença, Márcio 
Moraes. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. 
Título. 
 
RN/UF/BSE15 CDU 728 
 
 
 
 
Elaborado por Ericka Luana Gomes da Costa Cortez - CRB-15/344 
 
 
5 
 
AGRADECIMENTOS 
 
O sonho de cursar um doutorado é uma construção que começa junto com a minha 
história. Filha de professora desta Universidade, estive dentro de sala de aula desde as minhas 
primeiras memórias de infância. Num cantinho da sala de aula, quieta, pintando, enquanto 
minha mãe, uma mulher à frente do seu tempo, que engendrada num contexto de luta contra as 
amarras machistas da sociedade e de dentro de casa, aliou o trabalho na universidade e a 
maternidade com maestria. E assim, aprendi a amar a universidade como a extensão da minha 
casa. Entrar nos laboratórios, assistir minha mãe se agigantando nas histórias da arte, foi o 
primeiro passo para eu ser aluna da pós-graduação. 
Com o passar do tempo, esse sonho foi se tornando real com o mestrado e depois o 
doutorado. O conhecimento acadêmico é parte desse processo, mas não o único. O encontro 
com as realidades trazidas pelos colegas e professores, os diálogos nas bases de pesquisas, 
congressos e debates, as aulas que dei no curso de direito da mesma instituição, fortaleceram o 
caminho percorrido. E, nesses encontros da vida, talvez um dos mais especiais tenha sido com 
meu orientador. Conhecer Márcio Valença e ter o privilégio de ser sua aluna foi, sem dúvida, 
um dos pontos mais marcantes desse doutorado. 
A escolha da tese, as leituras que antecederam o projeto, as tentativas pretéritas antes da 
aprovação, as correções minuciosas dos meus textos agregaram um capital social e uma 
maturidade a mim que não podem ser expressas em nenhuma publicação acadêmica, mas foram, 
inequivocamente, os conhecimentos mais preciosos que adquiri. Aprendi com ele não só a ser 
aluna, mas a ser professora. Sou grata demais por esse encontro permitido pela vida. 
Agradeço à minha família. A rede de apoio ao longo dos últimos anos foi determinante 
para esse trabalho começar e terminar. E esse ciclo começou e está terminando com dois 
grandes marcos na minha vida: o nascimento de João Marcelo em 2015 e o nascimento de Maria 
Carolina em 2020. São eles também, frutos desse processo de autoconstrução minha enquanto 
mulher, estudante, professora, advogada e ser humano! Os dois, junto à Marcelo, minha mãe e 
minha irmã, formaram o núcleo duro para que esse doutorado fosse uma conquista plural. Toda 
minha família também é parte de cada reflexão, de cada vivência, de cada texto escrito. Somos 
o reflexo do que vivenciamos. E eu vivencio profundamente minha família. 
Agradeço, por fim, à UFRN, ao PPGAU e PPEUR por terem me acolhido com tanta 
estima, entusiasmo e confiança. Todo corpo docente e aos colegas de trajetória, que a cada aula, 
cada debate, cada crítica, tornaram esse trabalho ainda mais possível, abrindo meus olhos e 
 
 
6 
 
fazendo com que o desafio fosse cada dia mais instigante e prazeroso. Lembro com especial 
carinho das aulas das professoras Amadja e Edja, que além de grandes mulheres, sábias, 
aproximaram meu recorte com a teoria e me ensinaram a fazer da pesquisa uma escolha de vida. 
Aos servidores (diretos e terceirizados) e ao Estado, por intermédio da CAPES, que com o 
financiamento da bolsa de pós-graduação, ajudou com o doutorado, que mesmo sendo uma 
bolsa que não contempla a universalidades das necessidades do aluno da pós-graduação, são 
um incentivo para a pesquisa científica. Ser aluno de universidade pública é uma luta diária 
pela ciência, pela universalidade do conhecimento e pela independência e incentivo do ensino 
público. 
Por fim, o maior conhecimento adquirido com este doutorado é, sem dúvida, as lições 
aprendidas nas entrelinhas. Nos sorrisos, nos debates, nas angústias, nos prazos e, sobretudo, 
na amizade e no carinho que pautaram cada dia meu aqui dentro. Obrigada! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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RESUMO 
 
A tese se propõe a analisar a locação social como uma alternativa de provisão habitacional no 
Brasil. Considerando que a carência de moradias ainda é uma realidade no país, vislumbra-se 
no cenário da habitação novas possibilidades que não contemplem a aquisição definitiva, 
permitindo que o direito à moradia seja garantido por políticas públicas habitacionais de locação 
social. A partir da análise sobre o significado da casa, do morar e do habitar e suas derivações, 
da perspectiva jurídica sobre direito à moradia e direito à propriedade e as implicações legais 
do aluguel no cenário brasileiro e a leitura de algumas experiências nacionais e internacionais, 
assim como o sistema jurídico brasileiro que ampara a possibilidade de aplicação desse tipo de 
provisão de moradia, esta tese contempla a possibilidade da locação social como uma forma de 
provisão habitacional. Para realização dessa pesquisa, de natureza eminentemente qualitativa, 
teve como vértice da pesquisa a análise documental de legislação e políticas habitacionais 
brasileiras, assim como análise de algumas experiências internacionais de políticasde locação 
social a partir de bibliografia, consulta de sítios eletrônicos e fontes oficiais. O trabalho se 
caracteriza por uma leitura conceitual sobre direito à moradia, contemplando a viabilidade de 
implementação de política pública de locação social como uma forma de acesso à moradia, mas 
com as garantias jurídicas que assegurem ao morador a efetiva contemplação de seu direito. 
Palavras-chave: direito à moradia; direito à propriedade; política habitacional no Brasil; locação 
social. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
ABSTRACT 
 
The thesis proposes to analyze social renting housing as an alternative for housing provision in 
Brazil. Considering that the lack of housing is still a reality in the country, new possibilities are 
envisaged in the housing scenario that do not contemplate the definitive acquisition, allowing 
the right to housing to be guaranteed by public housing policies for social leasing. Based on the 
analysis of the meaning of the house, the dwelling and the dwelling and its derivations, the legal 
perspective on the right to housing and the right to property and the legal implications of rent 
in the Brazilian scenario and the reading of some national and international experiences, as well 
as like the Brazilian legal system that supports the possibility of applying this type of housing 
provision, this thesis contemplates the possibility of social leasing as a form of housing 
provision. In order to carry out this research, of an eminently qualitative nature, it had as a 
vertex of the research the documentary analysis of Brazilian housing laws and policies, as well 
as the analysis of some international experiences of social rental policies from bibliography, 
consultation of electronic sites and official sources. The work is characterized by a conceptual 
reading on the right to housing, contemplating the feasibility of implementing public policy of 
social renting housing as a form of access to housing, but with the legal guarantees that ensure 
the resident the effective contemplation of their right. 
Keywords: right to dwelling; right to property; social housing policy; social renting housing 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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LISTA DE FIGURAS 
 
Figura 1- Habitações sociais no Reino Unido ................................................................114 
Figura 2 - Habitações sociais no Reino Unido .............................................................114 
Figura 3 - Habitações sociais no Reino Unido .............................................................115 
Figura 4 - Habitações sociais na Alemanha..................................................................124 
Figura 5 - Habitações sociais na Alemanha..................................................................124 
Figura 6 - Habitações sociais na Alemanha..................................................................125 
Figura 7 - Alguns prédios (projects) em Nova Iorque..................................................129 
Figura 8 - Alguns prédios (projects) em Nova Iorque....................................................129 
Figura 9 - Alguns prédios (projects) em Nova Iorque....................................................130 
Figura10- Prédio destinado às habitações HLM na França............................................139 
Figura 11 - Prédio destinado às habitações HLM na França..........................................140 
Figura12 - Prédio destinado às habitações HLM na França ..........................................140 
Figura 13 - Residencial Galápagos em Maceió - AL......................................................156 
Figura 14 - Residencial Via Norte II- João Pessoa - PB.................................................157 
Figura 15 - Conjunto Residencial Vale Velho II- São Paulo - SP..................................157 
Figura 16 - Residencial Ribeira II- Natal - RN...............................................................158 
Figura 17 - Conjunto PAR-Bahia- Blumenau - SC.........................................................158 
Figura 18 - Residencial Parque do Gato, bairro do Bom Retiro, São Paulo – SP...........173 
Figura 19 - Residencial Olarias, bairro do Canindé - SP.................................................173 
Figura 20 - Residencial Vila dos Idosos, bairro do Pari, São Paulo - SP........................173 
Figura 21 - Residencial Asdrúbal do Nascimento II, Sé, São Paulo - SP.......................174 
Figura 22 - Residencial Senador Feijó, Sé, São Paulo - SP............................................174 
Figura 23 - Palacete dos Artistas, Centro, São Paulo - 
SP.....................................................................................................................................175 
 
 
 
 
 
 
 
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LISTA DE TABELAS 
 
Tabela1- Instituições bancárias que oferecem financiamento bancário privado e juros 
praticados..................................................................................................................................90 
 
Tabela 2 - Distribuição entre casas e apartamentos nas ofertas de aluguel na cidade de Natal-
RN, 2018..................................................................................................................................97 
 
Tabela 3 - número de habitações sob controle da associação habitacional de Munique, em 
31/12/211 ................................................................................................................................121 
 
Tabela 4 - Comprometimento da renda familiar no Programa de Locação Social de 
São Paulo.................................................................................................................................169 
 
Tabela 5- Empreendimentos do Programa de Locação Social em São Paulo e número de 
unidades disponíveis, 2015.....................................................................................................172 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
LISTA DE GRÁFICOS 
 
Gráfico 1 - estoque total, em porcentagem, de habitação na Inglaterra em 2017.............112 
Gráfico 2 - divisão das moradias, em números de habitações, na Inglaterra, 
2017...................................................................................................................................112 
Gráfico 3 - número de habitações residenciais na Alemanha em 2018............................119 
Gráfico 4- estrutura das moradias na Alemanha em 2014 ...............................................121 
Gráfico 5 - status das habitações na Alemanha em 2014, por renda e forma de 
acesso................................................................................................................................123 
Gráfico 6 - moradia, por tipo de aquisição, em 2017........................................................127 
Gráfico 7 - habitações situadas em áreas de aluguel controlado, 2017.............................127 
Gráfico 8 - distribuição de apartamentos subsidiados por bairro em Nova Iorque com 
vouchers da section 8, em 2018.........................................................................................131 
Gráfico 9 - Distribuição do estoque habitacional de Nova Iorque, em 2010.....................132 
Gráfico 10 - tipo de financiamento habitacional HLM 2018.............................................136 
Gráfico 11 - número de habitações sociais HLM e taxa de famílias arrendatárias até 
2017....................................................................................................................................137 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
 
LISTA DE QUADROS 
 
Quadro 1 - Características das habitações HLM.................................................................138 
Quadro 2 - Características dos empreendimentos construídos no PAR..............................153Quadro 3 - Argumentos utilizados para justificar a política de locação social no município de 
São Paulo-SP......................................................................................................................167 
Quadro 4 – Principais requisitos para participação no programa de Locação 
Social..................................................................................................................................180 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
Sumário 
 
PRIMEIRO CAPÍTULO- INTRODUÇÃO.......................................................................... 14 
SEGUNDO CAPÍTULO - A casa e o morar: uma simbiose entre a necessidade e o desejo21 
II.I Sobre a Necessidade e o Desejo: A Casa .................................................... 22 
II.II A Casa como Abrigo: A Necessidade ........................................................ 24 
II.III Sobre o Desejo: desejo de quê? ................................................................ 33 
II.IV A Vida Cotidiana e a Casa .................................................................. 37 
II.V Quando a Necessidade se Converte em Desejo: A Casa como sonho .... 43 
II.VI O Sonho da Casa ...................................................................................... 46 
TERCEIRO CAPÍTULO- A PROPRIEDADE, A MORADIA E O DIREITO ................... 49 
QUARTO CAPÍTULO- AS FORMAS JURÍDICAS DO MORAR E O CENÁRIO DA 
LOCAÇÃO NO BRASIL ..................................................................................................... 77 
QUINTO CAPÍTULO- LEITURA DE EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE 
LOCAÇÃO SOCIAL ......................................................................................................... 101 
5.1 A perspectiva da habitação social e da locação no plano internacional .... 101 
5.2- Reino Unido ............................................................................................. 108 
5.3. Alemanha .................................................................................................. 115 
5.4- Cidade de Nova Iorque ............................................................................. 126 
5.5- França ....................................................................................................... 133 
5.6- O que as experiências ensinam................................................................. 141 
SEXTO CAPÍTULO - A LOCAÇÃO SOCIAL COMO POLÍTICA DE PROVISÃO 
HABITACIONAL NO BRASIL ........................................................................................ 143 
6.1- O Programa De Arrendamento Residencial- PAR ................................... 151 
6.2- A Locação Social no Brasil sob a Perspectiva de uma Política Pública .. 161 
6.3- Uma análise das possibilidades da locação social no Brasil .................... 176 
CONCLUSÃO .................................................................................................................... 184 
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 189 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
 
PRIMEIRO CAPÍTULO- INTRODUÇÃO 
 
A subjetividade é um elemento fundamental para compreensão do Direito à moradia. A 
casa, como espaço afetivo onde a relação do morador com o ambiente construído acontece, 
precisa ser considerada para entender a necessidade do abrigo para o ser humano. Para além do 
atendimento às questões fisiológicas, o abrigo é uma necessidade vital para garantir ao 
indivíduo a possibilidade de acolhimento em relação ao mundo externo que pode ser, numa 
visão mais rudimentar, sinônimo do desconhecido e, portanto, de perigos e ameaças. Daí a 
importância de pensar a casa como um Direito e a presença do Estado como garantidor das 
políticas que assegurem o exercício desse Direito. 
O abrigo se converte em um espaço afetivo do desenrolar das atividades diárias. O 
cotidiano ganha um palco. As necessidades básicas dominam um espaço, em que o morador se 
reconhece em sua integralidade. Há, em cada parede, em cada janela, porta, em cada móvel, um 
retrato do mundo interior de quem mora. As cores, a disposição da mobília, os adornos são 
símbolos do interior do ser humano. Há, mesmo que implicitamente, uma razão para cada 
decisão tomada na construção e embelezamento do abrigo. A casa se torna então referência. É 
o ponto de partida e chegada do seu morador. Seus trajetos passam a ter como norte a casa. Os 
parâmetros de perto e longe, grande ou pequeno, acolhedor ou não, passam pela percepção da 
casa, casa esta que não se limita a um determinado tipo de construção; é sinônimo de qualquer 
tipologia construtiva, desde que se transforme em afetividade. 
A relação de identidade e pertencimento é construída a partir do tempo, tempo este que 
é crucial para que o morador estabeleça seus hábitos no espaço construído. Esse tempo também 
toma forma na materialidade e na relação jurídica que formaliza o meio de acesso. 
Considerando ser o Brasil um país cujo ordenamento das relações públicas e privadas estão sob 
o amálgama legal e dogmático, significa dizer que as relações entre o morador e a moradia 
também se constituem como fatos jurídicos e, assim sendo, a forma de junção da necessidade 
de morar com o desejo da moradia está envolvida em um pacto negocial, em um contrato ou 
uma política pública, firmado com o Estado ou com particulares, mas que independente de sua 
forma ou adequação da via eleita, não retira a validade do instrumento para consecução do 
Direito. 
Compreender alguns fatos jurídicos ligados ao direito à moradia também se revela 
pertinente na concepção de uma análise sobre locação social, visto que pressupõe a existência 
de uma lei ou programa de governo que regulamente a forma de acesso e estabeleça os critérios 
 
 
15 
 
básicos de existência e validade. A política pública em si já requer a adequação ao ordenamento 
jurídico, considerando que é ato da Administração Pública e, portanto, não pode ocorrer ao 
arrepio da lei. 
Falar então de política pública e de moradia num contexto propositivo de atuação do 
Estado requer uma análise não só da gestão da moradia e da política pública, mas também do 
Direito, compreendido como uma categoria que orienta as leis e a validade dos atos do Estado, 
além de ser o norte que elenca as obrigações e direitos do cidadão e também do Poder Público. 
Considerando, pois, que a moradia é um elemento central e numa perspectiva jurídica é 
tratado também como direito fundamental, sua pertinência temática se revela na análise de seu 
axioma e suas implicações práticas no campo de Direito como garantia, viabilizada pela política 
pública. Há, nesse contexto, ainda uma importante discussão que se trava na literatura sobre a 
propriedade privada e a moradia. 
A propriedade privada, sabidamente um instituto de ampla garantia e proteção do 
ordenamento jurídico brasileiro, tem um destaque nas disposições legais que orientam, também 
as políticas públicas (SILVA, 2007). Além disso, historicamente, a propriedade privada revela 
um caráter patrimonialista do Estado, em razão da mercantilização da terra e sua especulação, 
excluindo parcela populacional que não tem acesso à economia formal ou não possui renda para 
acessá-la (HARVEY, 2010). 
Assim, frente ao maciço aporte de regulação e proteção ao direito de propriedade nas 
leis brasileiras, e, partindo de uma premissa de que a propriedade privada é um óbice à 
consecução do direito à moradia por engendrar as políticas habitacionais e o acesso das classes 
menos abastadas à casa (HARVEY; VALENÇA; D’OTTAVIANO; GATTI), poderia haver, 
então, uma antinomia jurídica no Brasil quando um mesmo texto jurídico (Constituição Federal 
de 1988) traz em seu bojo a dupla garantia e proteção do direito à propriedade e direito à 
moradia? Nesse caso, os princípios jurídicos que garantem oacesso à casa se excluem ou se 
complementam? 
Para dirimir as implicações teóricas na hermenêutica jurídica e quais as consequências 
que essa interpretação legal representa nas políticas públicas habitacionais, em especial as 
políticas que não contemplem o acesso pela casa própria, o trabalho analisa os instrumentos 
jurídicos que tratam diretamente sobre propriedade e moradia, com recorte especial sobre as 
leis e garantias da locação, já que essa possibilidade de acesso é de especial interesse. A moradia 
se perfaz por vários caminhos e cada um apresenta suas peculiaridades, inclusive do ponto de 
vista jurídico. 
 
 
16 
 
Em adição, a ideologia da casa própria, presente no imaginário coletivo como garantia 
de uma moradia segura, também é vértice para proposição de leis e políticas públicas voltadas 
para a habitação. No Brasil, ao longo do último século, tivemos uma série de investimentos 
públicos para o setor da habitação, com massivo aporte de dinheiro e recursos direcionados para 
construção e aquisição da casa própria. Entretanto, o que já se consolidou no contexto brasileiro 
é que a política que promove o acesso à casa própria não atende a todas as pessoas que precisam 
de moradia, especialmente pela conjuntura de estratificação e desigualdades sociais que existe 
no país. 
Isso implica em dizer que o acesso à moradia no Brasil tem uma seletividade no 
atendimento do Direito à moradia, no sentido de que a renda e as condições econômicas e 
sociais de parte da população se tornam um obstáculo para a consecução do Direito de morar. 
Dito isso, os dados e índices oficiais (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, 2020 
e Fundação João Pinheiro, 2012) confirmam que, ao longo das décadas, a população de baixa 
renda (hoje classificada em quem ganha até 3 salários mínimos por mês) ainda é parcela 
majoritária de demanda por habitação, pelos óbices e dificuldades de comprometimento de 
renda e formalização burocrática para atendimento dos requisitos impostos pelo Estado e pelos 
agentes privados, como as instituições financeiras que fazem os financiamentos. 
Muito embora a realidade brasileira demonstre um paulatino aumento no número de 
pessoas necessitadas de moradia, atrelado a um crescente aprofundamento das desigualdades 
sociais (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio- PNAD, 2020), o Brasil não é um caso 
isolado. Pela leitura das políticas habitacionais de outros países, independentemente de sua 
condição econômica, os estudos demonstram que o acesso à moradia também é um problema 
para as políticas públicas. Assim, o setor de habitação é uma pasta nas organizações estatais 
dos países porque os dados e as análises demonstram que o acesso à moradia via mercado não 
é universal. 
Não obstante ser o Direito à moradia uma inscrição constitucional no Brasil, o Direito à 
propriedade também o é. Sob o olhar jurídico, o aparente conflito de normas entre assegurar o 
Direito do proprietário e aquele do morador se desfaz com uma análise hermenêutica do Direito. 
A partir da técnica de análise proposta por Habermas e Alexy (SACRAMENTO, 2019) é 
possível afirmar que a coexistência das garantias da propriedade e da moradia não se excluem, 
nem formam uma antinomia jurídica. O reflexo dessa conclusão para a habitação é que o fato 
de as políticas públicas que fomentam a moradia pela locação social pode ser somado às 
políticas públicas que fomentam o acesso pela aquisição de compra e venda. 
 
 
17 
 
As políticas públicas habitacionais promovidas pelo Estado e o financiamento público 
e privado para aquisição de habitações formam um conjunto de variáveis que, aliadas à crise 
urbana enfrentada pela sociedade brasileira em razão da concentração urbana crescente nas 
cidades (MARICATO, 2014), traz à tona a problemática da solução da provisão habitacional 
que contemple, além de questões pragmáticas como preço e localização (VILLAÇA, 2001), 
aspectos sociais e estruturais que estão atrelados ao Direito de morar. 
 Considerando a gama diversificada de medidas propositivas, seja do Estado, seja do 
próprio mercado, no sentido de diversificar os modos de apropriação e mercantilização dos lotes 
de terra, é inexorável ao tema constatar que a propriedade privada, por meio da aquisição 
definitiva, é o modo mais convencional instituído no Brasil no que tange à questão jurídica das 
formas de acesso à propriedade. 
Porém, mesmo diante de um cenário de intensificação do uso do solo urbano e sua 
crescente demanda, há ainda problemas que tangenciam a moradia. A localização, a mobilidade, 
o acesso aos equipamentos e serviços, as condições estruturais precárias, a informalidade e a 
segregação são só alguns pontos que podem ser debatidos. 
Ademais, vislumbra-se que, mesmo diante de grandes programas financeiros para 
subsídio de aquisição de moradia, como os do BNH (Banco Nacional de Habitação) e o 
Programa Minha Casa Minha Vida1, por exemplo, ainda existem lacunas profundas no déficit 
habitacional brasileiro (Fundação João Pinheiro, 2012). 
 A respeito de fundado debate teórico sobre a renda da terra e o uso do espaço urbano 
(HARVEY, 2013), pretende-se compreender a questão habitacional brasileira a partir da 
perspectiva da locação social. Discutir-se-á formas alternativas de acesso à moradia e, para além 
desse debate, se contemplará algumas experiências que, aliando ações do setor público e do 
setor privado, conseguiram, de alguma maneira, prover moradia para certos grupos sociais 
através da locação social. Então, em um recorte espacial que toma o Brasil como espaço de 
análise e estudo, busca-se compreender a locação social como uma possível forma para provisão 
de moradia, em particular nas grandes cidades. 
 Elenca-se, pois, a locação social como uma forma de acesso à moradia (TIPPLE, 2015), 
considerando que há uma demanda por habitação no espaço urbano das cidades brasileiras 
(MARICATO, 2014). Pelos estudos já realizados nessa temática (ver TIPPLE, 2015; 
 
1 As políticas citadas são de fundamental importância para a compreensão da política habitacional brasileira. 
Porém, a história da habitação no Brasil não se limita a esses casos; é preciso também considerar uma série de 
políticas relevantes, como a dos IAP's, Projeto União por Moradia Popular, entre outros, realizados no passado 
(ver BONDUKI, 2002). 
 
 
 
18 
 
VALENÇA, 2015; BONATES, 2007), percebe-se que a política de implantação da locação 
social em um território pode considerar elementos fundamentais como localizações centrais 
disporem de infraestrutura adequada (BONATES, 2007) e poderem ser economicamente viável 
para o público. 
 A viabilidade da locação social no Brasil, a partir dos estudos de Gatti (2015), Bonates 
(2007), Valença (2008;2015) e D’Ottaviano (2014), é ilustrada pelas leituras de experiências 
com o Programa de Arrendamento Residencial- PAR, de abrangência nacional, e com o 
Programa de Locação Social, na cidade de São Paulo. Ambas experiências, fruto de políticas 
de Estado para promoção de acesso à moradia, têm a característica de possibilitar o acesso à 
moradia pelo arrendamento ou locação, fugindo a priori da lógica da casa própria e da aquisição 
do título definitivo, o que demonstra que o Estado considera a locação como uma via de 
provisão. 
 Considerando a possibilidade de o Estado gerir seu próprio estoque de moradia, 
dispondo à sociedade habitação a ser acessada por meio de uma locação, percebe-se que esta 
prática é possível de ser executada (VALENÇA, 2015). Partindo de uma análise de algumas 
experiências de locação social internacionais, mais especificamente no Reino Unido, 
Alemanha, França e a cidade de Nova York, por serem esses locais referências em políticas de 
locação social, e amparado pela avaliação das políticas voltadas à locação no Brasil, como o 
Programa de Locação Social de São Paulo, este trabalho busca fazer uma análise da viabilidadeda política de locação social para o Brasil, cujo recorte temporal da pesquisa inicia-se na década 
de 1990, período em que deu-se início à execução de políticas dessa natureza no país. 
A construção de uma narrativa habitacional que contemple os enredos de outras 
experiências é importante para perceber que o acesso à moradia é uma questão de agenda 
pública não só no Brasil. A escolha dos casos para análise se deu pelo fato de que os contextos 
escolhidos abraçaram a política de locação social – embora com diferentes formatos – como 
uma política de Estado, incrementando o rol de alternativas dadas aos cidadãos no sistema de 
provisão habitacional. 
 É, assim, a conjuntura do urbano, que congrega um olhar plural, multifocal, que denota 
medidas e respostas na mesma velocidade que transforma e é transformada (LEFEBVRE, 
2010). A locação social mostra-se, então, como uma proposta de acesso à cidade, de 
possibilidade de uso do solo condigna com a práxis do mercado, sem, contudo, excluir o vértice 
humano, de necessidade e desejo, de integração e relação (DE CERTEAU, 2013). 
 
 
19 
 
 Com o objetivo de analisar a possibilidade da locação social como forma de acesso à 
moradia no Brasil, este trabalho apresenta uma dimensão analítica que congrega um olhar do 
Direito para a política pública de moradia no Brasil. Considerando o atual panorama, ainda 
deficitário, de moradia pelas classes pobres do Brasil, é patente que as formas de provisão 
habitacional que o Estado tem executado não têm sido suficientes para prover a demanda por 
casa. As pessoas anseiam pela garantia do seu direito à moradia, e não se pode dizer que essa 
moradia se dê exclusivamente pela casa própria. 
 A política da casa própria tem sido discutida e avaliada e, pelos elementos apresentados 
ao longo desse texto, afirma-se que existem fragilidades em seu planejamento e execução as 
quais mitigam o acesso de quem precisa de moradia. Além disso, através das leituras das 
experiências internacionais escolhidas (Reino Unido, Alemanha, França e cidade de Nova 
Iorque), é perceptível que a locação social é plausível e executável dentro das políticas 
habitacionais promovidas pelo Estado como forma de acesso à moradia, o que justifica a 
escolha dessas experiências para, a partir de uma leitura de como esses suas políticas de locação 
social são estruturadas, usá-las possivelmente como parâmetro para a realização de uma política 
própria no Brasil. 
 Por fim, buscando compreender a atual conjuntura habitacional brasileira que se 
debruça sobre a locação social, é possível identificar que o Brasil, mesmo que de forma pontual, 
já possui algumas experiências de acesso à moradia por políticas de locação, o que permite, 
aliado à uma permissibilidade do ordenamento jurídico para que essas políticas sejam válidas, 
que a locação social seja uma forma de provisão habitacional no país, visto que os requisitos 
para sua existência e validade estão amparados na lei e que há uma similitude nas experiências 
internacionais, as quais justificam a importância do Estado em promover e diversificar as 
formas (jurídicas) de moradia no Brasil. 
 Por fim, os capítulos estão dispostos de modo que a questão da moradia seja tratada 
primeiro em seu aspecto subjetivo, a partir de uma leitura afetiva e dos elementos que tornam 
a casa um objeto de desejo (ou necessidade), para que seja possível compreender o caráter 
elementar da casa: por que todos nós queremos uma moradia? Com isso, é traçado um percurso 
de conversão do desejo em Direito, considerando que as leis são as normativas que o Estado 
encontra para limitar seus poderes e deveres. 
 Tomando o Direito como norte, a política habitacional, tida como o resultado de uma 
construção social do desejo elementar do abrigo e da necessidade da moradia, é considerada 
como parâmetro para identificar as formas que o Estado tem adotado para promover o direito à 
 
 
20 
 
moradia, bem como identificar se nessas políticas habitacionais a locação social é tomada como 
forma de promover o acesso à casa. 
 Ao passo em que o cenário brasileiro é visitado para compreender a execução das 
políticas habitacionais e a possibilidade de aplicação da locação social como uma forma de 
provisão de moradia, experiências internacionais também são utilizadas para construção de um 
diálogo entre o que temos aqui e o que se encontra hoje lá fora, em alguns países e cidade que 
têm uma relevância quando se fala em locação social. O recorte dos contextos de estudo se 
justifica ou pelo ineditismo na concepção de políticas de Estado voltadas à locação ainda na 
primeira metade do século XX, como Reino Unido e Alemanha, ou pela envergadura e 
representatividade do número de moradias na atualidade destinadas à locação (França e cidade 
de Nova Iorque), demonstrando que a locação social é uma realidade experienciada atualmente 
em vários países do mundo. 
 Por fim, na construção dialética que se propõe esse trabalho, o último capítulo traça um 
panorama do contexto brasileiro atual sobre locação social, mostrando experiências pontuais 
que se desenvolveram no país, os esforços legislativos nesse sentido e se há, finalmente, 
viabilidade para que o Brasil possa ter sua própria política de Estado voltada para locação social. 
 Como resultado das análises e leituras, é possível concluir que a moradia é uma 
necessidade humana e, por isso, seus traços se materializam no campo do possível a partir da 
regulamentação e garantia como um Direito, sendo a lei uma extensão do campo subjetivo, 
assegurando que o Estado promova políticas que garantam o abrigo, que deixa de ser conceito 
onírico e passa a Direito Fundamental. E, como visto, assumindo o dever de provisão, o Estado 
pode (e deve) contemplar nas suas políticas habitacionais formas diversificadas que atendam as 
demandas sociais, especialmente àquelas voltadas às classes mais pobres, que representam uma 
significativa demanda por habitação com suporte de política púbica. 
 A locação social é então uma forma de provisão habitacional, cuja forma jurídica, 
quando tida como política pública, garante ao cidadão o direito ao exercício da moradia e 
proporciona experienciar o Direito à Cidade, através de acessos e uso dos espaços, em que a 
moradia é uma parte importante de uso e convergência do espaço urbano. 
 
 
 
 
 
 
 
21 
 
SEGUNDO CAPÍTULO - A casa e o morar: uma simbiose entre a necessidade e o desejo 
 
 O indivíduo tem constituída em sua essência a necessidade de proteção, que no decorrer 
do tempo foi se construindo socialmente a identificação do abrigo como o local onde a 
segurança e a proteção ocorreriam, blindando do mundo externo. Desde a concepção, o ventre 
representa lugar de acolhimento, de segurança e conforto e essa característica de natureza vital 
perdura durante o processo de socialização e construção de suas relações com o meio e com os 
pares. A construção imagética do ambiente se materializa em sua relação com a casa, busca 
sempre o retorno à cabana, lugar de proteção, segurança e conforto (BACHELARD, 2008), que 
oferece ao indivíduo a possibilidade de imprimir no ambiente construído as raízes mais 
originais da sua condição de existência e sobrevivência. 
 A casa, o morar e o habitar serão três termos usados neste trabalho. É importante iniciar 
explicando a abordagem que se dará ao tratar habitar destes termos. Embora os três possam 
designar a ideia de estar sob abrigo, de residir, levando o leitor à figura do ambiente construído, 
na acepção que se busca tratar a questão nesta tese exige que se ressalve que a casa apresenta 
um sentido abstrato; quando usada no texto, quer inferir o conceito genérico de estar abrigado, 
independente da forma como se apresente (casa, apartamento, vila, cabana, etc.), ultrapassando 
a visão da casa somente como uma tipologia, mas dando-lhe um sentindo abstrato e subjetivo 
que dá impressões afetivasao ambiente, tratando, pois, de um conceito que alia o ambiente 
construído ao laço afetivo que se tem entre o ambiente construído e quem está dentro dele 
(BRANDÃO, 2008). 
 Entre os verbos morar e habitar nitidamente existe uma aproximação, mas 
semanticamente guardam particularidades que serão importantes na compreensão da discussão. 
O habitar é usado para determinar as relações mais pragmáticas entre o residente e o espaço 
construído. Não há na sua menção um caráter subjetivo que implique em senso de 
pertencimento ou identidade. É o residir na forma mais fria e prática. Ao contrário, quando se 
utiliza o verbo morar (que permeia a maior parte da discussão teórica deste trabalho), se 
pretende ir além do habitar: é adentrar no universo íntimo da relação entre o morador e o espaço 
de moradia. É considerar a relação estreita e afetiva de pertencer, de criar laços de emoção com 
o ambiente construído, o edifício. Aproxima-se, então, bastante o conceito de casa e de morar, 
por retratarem as facetas mais íntimas entre o indivíduo e o edifício. 
 
 
22 
 
Numa pesquisa semântica em dicionário (AURÉLIO, 1999) entre as três palavras (casa-
habitar-morar), se atesta que há, mesmo que tênue, uma pequena distinção entre elas. A casa, 
com todas as suas possibilidades de aplicação, remete o leitor para o edifício, ao residir, mas 
ligando o sentido ao morar. O habitar indica, como escolhido por este trabalho, o sentido mais 
direto e prático de residir, ocupar como residência. E, por fim, se destaca o morar pelos verbos 
que são usados como explicativos: encontrar-se, achar-se, existir, permanecer. É esse o sentido 
que orienta a presente discussão. De estar na residência ser mais do que ocupar, mas ocupar 
com intuito de querer permanecer, de existir junto ao ambiente. 
 A perspectiva de tratar da casa em sua subjetividade explica-se a partir da pergunta: será 
que todos precisam de uma casa ou a casa é um desejo construído socialmente? A casa é 
necessidade ou desejo? Este capítulo busca compreender essa relação do habitante com a casa, 
com suporte em teóricos clássicos sobre o morar e a vida doméstica especialmente em um 
espectro humanista da observação. É, pois, com uma abordagem teórica sobre o que torna a 
casa um elemento essencial para o homem e para a sociedade, o que faz dela objeto central na 
discussão sobre a vida, variável presente nos debates sociais de cunho político, econômico, 
cultural e acadêmico (entre tantos outros). 
 
II.I Sobre a Necessidade e o Desejo: A Casa 
 
 A relação da pessoa com a casa é profunda, complexa e arraigada de projeções de 
desejos, sentimentos e subjetividades que ultrapassam a mera relação com o ambiente 
construído. Como afirma Lefebvre (1971), essa relação do indivíduo com o meio é complexa e 
pode ser analisada sob variadas dimensões, as quais se associam e diferem entre si, pois cada 
uma tem uma perspectiva diferente sob a análise, mas elas se complementam para explicar o 
todo. 
 A casa assume um papel central na construção da identidade social e na sua interface 
com o ambiente. A casa, aqui, é sinônimo de lar; o que desencadeia uma necessidade de 
compreensão do papel que essa casa assume na construção da percepção do mundo e da vida 
do morador e de que forma essa característica subjetiva é expressa por meio de normas jurídicas, 
políticas públicas e programas de governos que busquem a implementação da casa para a vida 
do indivíduo, considerando que a moradia adquire uma matriz principiológica de direito 
fundamental do indivíduo. 
 
 
23 
 
 A linguagem aparece nesse contexto interpretativo da casa como uma importante 
ferramenta para unir as diferentes compreensões sobre a casa e o habitar. Estar na casa, então, 
pode ganhar um sentido muito mais profundo do que somente o que se extrai da literalidade da 
semântica. Como afirma Heidegger (1954), a linguagem é essencial para que o habitar e o 
construir, verbos que estão intimamente ligados à casa, possam ser compreendidos em suas 
diferenças e nas implicações que cada atividade significa na leitura social da casa. Ressalte-se, 
por oportuno, que o habitar de Heidegger (1954) é tratado também como morar. 
 O edifício construído por paredes e teto, com estrutura de alvenaria ou pau a pique é 
locus de uma rede conectada de sentimentos e atividades, que formam o sentido da casa. A 
repetição e a vida diária transformam sua existência em um significado muito mais complexo 
do que o mero espaço construído, dotado de infraestrutura (ou não). São entre as paredes e 
debaixo de um teto que o cotidiano se revela, imprimindo nos moradores o gosto pela rotina 
partilhada com a (e na) casa, tecendo os fios da história de quem lá mora, revelando ao mundo 
exterior o conteúdo de escolhas e sentimentos que colorem a casa (BRANDÃO, 2008). 
 Alçada a item indispensável à sobrevivência, a casa é explicada como a congregação de 
diversos pequenos espectros da vida humana refletidas na construção da habitação. Assim, 
morar é ir além de estar sob um teto. Comparativamente à Bachelard (2008), morar é sentir-se 
na cabana ou, como afirma Lefebvre (1971), o morar é o conjunto de percepções da sua casa e 
das relações que se constrói junto a ela. 
 A compreensão do universo de significâncias (LEFEBVRE, 2006) que a casa toma na 
leitura da vida social, da implicação dos verbos morar e habitar e de quais são suas implicações 
nos anseios sociais é o primeiro passo deste trabalho, na busca de compreender se a locação 
social, como uma forma de provisão habitacional, é uma forma viável de constituir-se num 
abrigo e cenário para o desenrolar de uma vida cotidiana, em que o habitar sejam plenamente 
vividos por seus habitantes. Mesmo não sendo a casa própria, a casa acessada por meio da 
locação social pode ser concebida, vivida e apropriada afetivamente pelo seu morador? 
 O morar compõe essa dinâmica complexa que determina a observação do pesquisador 
sobre o fenômeno que se origina da interação entre o indivíduo e o espaço construído e todas 
as variáveis envolvidas nessa construção (LEFEBVRE, 1971). Como se extrai dos 
ensinamentos de Lefebvre (2010), o olhar sobre essa relação não pode ocorrer de forma 
superficial e restrita, pois o pesquisador não pode condicionar sua análise do morar a algumas 
variáveis determinadas, sob pena de mitigar o entendimento sobre o real sentido da casa para o 
indivíduo. 
 
 
24 
 
 Nessa esteira, cabe pormenorizar que é anseio deste trabalho procurar elucidar as 
relações entre a pessoa e a casa, buscando uma compreensão que supere a realidade fria e 
apática aos sentimentos que revestem o habitar. Afinal de contas, é numa linguagem de profusão 
de sentimento e conflito que a casa ganha vida e coloração; é nessa profusão que conflito e 
desejo superam a necessidade de um teto para dar ao construído o lugar para o morar 
(HEIDEGGER, 1954). 
 Partindo da premissa estabelecida por alguns teóricos como Lefebvre e Heidegger de 
que o fato de ter uma habitação nem sempre significa morar, busca-se encontrar o elo que faz 
surgir sentido no “querer a casa”; é tentar compreender por que a necessidade convergiu em um 
desejo sublime de possuir. Encontrar o resultado dessa equação entre desejo e necessidade é 
determinante para que haja uma conexão entre o morador e a morada e para que o verbo morar 
nasça nessa relação. Tem que haver uma simbiose entre a necessidade de um teto e o desejo de 
possuí-lo, relação essa que implica uma apropriação efetiva da casa e transmuta-se na 
consecução do direito de habitar. Nessa cadência, o trabalho emerge numa reflexão sobre essa 
tênue linha que transforma o construir em morar. Verbos que outrora parecem dispersos no ar, 
unem-se na tentativa de demonstrar a razão de ser a casa um anseio tão enraizado no discurso 
social. 
 
II.II A Casa como Abrigo: A Necessidade 
 
É no espaço construído que os sonhos se materializam em desejos,que tocam o espaço 
através da utopia da casa como abrigo e lugar de segurança. Essa casa, situada no devaneio e 
na realidade, se funde em uma necessidade revestida de sonho: ela é dotada de matéria, com 
estrutura que assegure proteção e conforto mínimo que permita a repetição do dia a dia. E toda 
essa dinâmica tem um palco: tudo isso se funde na cidade, espaço que congrega pessoas e 
coisas, formando um conjunto uníssono e sonoro, permeado de conflitos que se alimentam nas 
diferenças, mas se encontram nos iguais (LEFEBVRE, 1971). 
Nesse cenário, estão construídas as (im)possibilidades de cada um: transpor o 
sentimento de pertencimento e identificação do abrigo interior das paredes que delimitam o 
espaço construído da casa. Como essa ligação entre o interior e exterior se materializam no 
estudo da habitação, por meio do enfoque da casa como uma extensão do abrigo interior, quase 
numa relação uterina entre o homem e a casa, entre o animal e seu ninho (BACHELARD, 
2008). 
 
 
25 
 
Vale mencionar, de acordo com Rybczynski (1999) essa dinâmica estabelecida no 
interior da casa pode ser explicada por uma análise da evolução histórica da sociedade. De 
maneira geral, conforme se percebia que a casa poderia assumir um significado para além de 
ser somente um espaço para atividades triviais (dormir, comer e depósito de pertences), as 
pessoas retomam a ideia de dar um novo uso ao espaço interno da casa, (re)estabelecendo ali 
conexões familiares e de abrigo. 
Tal jornada está explicada no tempo e espaço. Durante muitos séculos, o espaço de 
morar limitava-se às poucas atividades cotidianas que necessariamente exigiam um teto. Fora 
a isso, todas as relações interpessoais e de contato com o ambiente se davam no exterior da 
casa. Uma das razões para isso (e talvez a principal) era o tamanho da casa para o tamanho das 
famílias que dela precisavam, fazendo com que o exterior fosse mais aprazível do que estar 
dentro de casa (ENGELS, 2008). 
Com as práticas sociais em constante mudança, especialmente no final da Idade Média, 
novas formas de viver e se relacionar emergem na sociedade ocidental (RYBCZYNSKI, 1999). 
A casa que outrora se apresentava como um lugar alheio à mobília, quase séptico, alheio às 
emoções e desventuras da vida cotidiana, agora, principalmente com o arranjo familiar e 
comercial inaugurado pela burguesia emergente, a casa toma um novo significado de lugar. O 
lugar para morar. E é a partir dessa nova configuração que a retórica sobre a casa se desenlaça. 
A concha, o ninho e a cabana são alegorias para demonstrar que a casa está além do 
limite arquitetônico e estrutural. Cada item que compõe e preenche o espaço das paredes, pisos 
e mobílias expressam, de alguma maneira, quem mora dentro dela. E quem mora dentro dela 
está, inexoravelmente, condicionado aos auspícios de sentimentos e desejos, das necessidades 
extrapoladas em consumo ou no desejo de consumir. Mas seria a casa somente um objeto de 
consumo? A casa, tal qual ela é percebida, não é a congregação de complexas necessidades de 
seus habitantes? 
Como afirma Roberto DaMatta (1997) a casa está intimamente ligada ao seu dono. É 
umbilicalmente conectada. Na rua, ela se distingue do esmo que constitui o que parece ser 
genérico e desconhecido. É a sua casa. Cada porta de entrada, a distribuição da mobília, as cores 
das paredes são conexões entre o habitante e a casa. Ali está, quer queira quer não, estabelecida 
uma linguagem entre os “de casa” e os estranhos, os da rua, que não conhecem o que está dentro. 
A casa é então, nesse condão, um cartão de visitas de quem está dentro. É a possibilidade 
de acolhimento ou de estranheza, a depender de como ela seja apresentada (DAMATTA, 1997). 
Assim, se ela pode ser lida e interpretada, significa que em sua essência existe algum elemento 
 
 
26 
 
(ou isso pode ser plural) de que expurgue a frieza das paredes cimentadas e ponha nelas um 
sentimentalismo humano. Mas a ação de pôr esse sentimento na construção da casa implica em 
alguma motivação interna do habitante e morador para imprimir no palpável, no mundo dado, 
suas percepções pessoais. 
Desde que se registra a história da humanidade, independente da forma de organização 
social, da forma de produção e consumo, foi traço comum nas civilizações que a casa era 
representada por alguma forma de construção (MUMFORD,1998) ou, em outras palavras, seja 
de qual maneira se apresentasse estruturalmente, mas o abrigo sempre foi uma constante. 
Habitações coletivas, pequenas, casarões, de materiais resistentes ou não, houve e há uma 
necessidade por se sentir acolhido. A casa acolhe em suas mais diversas formas de apresentação. 
Se ela está intimamente ligada à história do homem, ela pode ser considerada como elemento 
essencial à sua sobrevivência? É ela então uma necessidade? 
Auxiliando na resposta das questões propostas, Hannah Arendt (2007), falando sobre as 
três condições básicas do ser humano (labor, trabalho e ação), escreve que todas essas condições 
estão diretamente ligadas às questões mais íntimas da própria existência, e é em nome dela que 
a pessoa se organiza na tentativa de garantir a perpetuação de sua história. Em outras palavras, 
diz a autora: “As três atividades e suas respectivas condições têm íntima relação com as 
condições mais gerais da existência humana: o nascimento e a morte, a natalidade e a 
mortalidade”. Estando-se, pois, a própria existência ligada à necessidade de se estabelecer 
determinados aparatos que lhe assegurem a sobrevivência, a casa emerge nesse cenário como 
um elemento essencial para proteção e abrigo, como o local de desenvolvimento do labor, lugar 
de descanso após o trabalho e onde a ação pode ser sufragada. 
Se diante essa diversidade de estruturas e formas ela cumpre seu papel de abrigo, pode-
se também inferir que a casa somente adquire significado para o morador quando ela se torna o 
local onde seus desejos e fantasias tornam-se possíveis. Onde o real e imaginário, o cotidiano e 
o inacessível se convertem em uma única coisa no dia a dia, o onirisimo se perpetua como um 
sonho da casa natal de Bachelard (2008). É nessa tênue linha entre o inconsciente e o vivido 
que a casa se torna matéria: ela deixa de ser um aglomerado de materiais e se torna complexa, 
com simbolismo de lugar de proteção, de defesa, de acolhimento contra o inimigo, contra o que 
é estranho, em face daquilo que não é bem vindo. 
 O habitar passa a ser uma realidade percebida pelo indivíduo, num processo constante 
de sinergias que congregam numa dupla função: ser espaço usado pelo indivíduo, mas também 
desempenhar papel determinante da construção deste como ser coletivo. É no interior da casa 
 
 
27 
 
que os indivíduos iniciam o estabelecimento de seus primeiros laços interpessoais, de 
convivência, desejos, ânsias e conflitos. Dentro do ambiente construído tem-se a possibilidade 
de uma vida coletiva em um espectro micro, que poderia se afirmar, analogamente, ser uma 
simulação da vida social que se engendra no espaço da cidade. Nas palavras de Rybczynski 
essa mudança pode ser vista 
 
 Quanta mudança houve entre o modesto local de trabalho ilustrado por 
Albretch Dürer e o escritório do cavalheiro do século XVIII! O teto nu, as 
paredes de pedra e o chão de tábuas foram substituídos pelo reboco com 
detalhes delicados, por papeis de parede e por tapetes sob medida. Ao invés 
de pequenos caixilhos com vidro escuro, as janelas tem grandes peças de vidro 
claro, e as suas molduras correm, convenientemente, para cima e para baixo 
para ventilar o ambiente. Há muito mais móveis (...) estes móveis foram 
projetados para se ficar à vontade neles, bem diferente dos escabelos de 
encosto duto e dos bancos simples de dois séculos antes (RYBCZYNSKI, 
1999, p. 131). 
 
 Dentro de casa, estando as paredes estabelecidas no espaço e no tempo como 
delimitações visíveis entre o íntimo e o exterior,o desconhecido e o conhecido, o habitante 
pode revelar-se em sua profundidade. Despido das convenções e comportamentos sociais e de 
ordem coletiva, ele vislumbra na casa o lugar de abrigo e imune às ameaças exteriores. Nessa 
dinâmica, as suas próprias impressões sobre sua realidade e sobre suas expectativas são 
impressas no ambiente exterior, que é a casa. Portanto, essa casa ganha dupla semântica: ela é 
uma construção interior, de sensação de acolhimento e abrigo e é também a casa construída, a 
estrutura exterior, dotada de ornamentos e peculiaridades que revelam ao estranho quem está 
ali, ou por quem aquela casa está sendo vivida. 
 Nessa perspectiva, a profundidade e complexidade do ser humano (HAUMONT e 
RAYMOND, 1967) devem ser consideradas para que se possa compreender a dimensão e 
extensão da relevância que a casa exerce na construção social do habitante e de que forma isso 
reverbera em normatizações dos desejos expressos em morar, ter um lar, habitar e ter uma casa 
para imprimir nela suas raízes, percepções de mundo e conflitos refletidos na forma de usar e 
fruir da casa, de a conceber como ninho (BACHELARD, 2008) e dela se utilizar como refúgio 
e espaço de segurança e acolhimento. 
 
 
28 
 
 As impressões presentes em um lar são como as identificações de seus moradores, 
revelando um complexo enredo de sua relação com a habitação e com o mundo. Nesse contexto, 
o abrigo é moldado à maneira de seu morador: com suas percepções e anseios, gostos e escolhas. 
Mas essa construção do abrigo demonstra que a casa está para servir ao próprio habitante como 
abrigo e lugar de proteção, bem como ser referência desse próprio indivíduo para o mundo 
exterior. 
 A análise do morar exige considerar subjetividades que não podem sempre ser expressas 
com objetividade. É, portanto, como explica Michel de Certeau (2013), na compreensão da 
subjetividade que se pode chegar ao seu todo: o morar é a reunião de todas as dimensões da 
vida do habitante e da sua habitação; é seu conjunto que, isolado não se explica, mas forma um 
todo, unitário e completo. São as presenças e ausências que colorem o habitar (DE CERTEAU, 
2013), aliadas aos conflitos e à festa do habitante e do espetáculo do cotidiano (LEFEBVRE, 
1971). 
 Essa reunião pressupõe a composição de alguém lidando com seus instintos biológicos 
de sobrevivência e perpetuação da espécie, combinado com a forma em que está condicionado 
(ou que vive) as regras socialmente construídas. As condutas sociais e o lado instintivo 
implicam na dualidade que se reúne, todos os dias, dentro da casa. É, pois, o espaço de 
convivência do biológico com o social. Do orgânico com o construído. De acordo com Leitão 
(2004), o ser humano imprime no espaço construído essa necessidade biológica de abrigo, que 
adquire desde o útero materno. É com essa percepção de necessidade de estar acolhido, que a 
casa vira lar. É a materialização do instinto humano de proteção. 
A interação entre essa necessidade arraigada em seu instinto, combinada com as 
necessidades pressupostas pela sociedade em que está inserida, serão os pilares da construção 
dessa casa. Dessa casa interior, inicialmente construída no interior do habitante, em sua 
consciência do melhor abrigo, e da casa construída, da casa erguida sob materiais que 
sedimentam a estrutura na terra, que faz do homem um ser abrigado e com referência, inclusive 
geográfica. 
 Mas falar desses dois aspectos que constroem a casa implica em tratar de uma gama 
bastante variada de aspectos da vida, seja em seu sentido público ou privado. Os determinismos 
sociais e as condutas privadas do indivíduo, por diversas vezes, pode estar em conflito ou não 
serem exatamente harmônicas. Se há a necessidade da convivência coletiva, pois essa é uma 
máxima da espécie (ou ser político, segundo Aristóteles), as regras sociais podem nortear o 
caminho do comportamento e das escolhas individuais. Entretanto, como um refúgio ou 
 
 
29 
 
delimitação de seu ser, a casa é uma marca social. O vazio deixado pela sua construção passa a 
ser recheado de adornos (ou a falta deles) e símbolos que têm uma significância dentro de uma 
análise pessoal (LEFEBVRE, 2006). 
 O ser se consubstancia no ter no instante em que a casa do devaneio, a casa construída 
na imaginação, possa oferecer na realidade o abrigo e a proteção que o indivíduo necessita 
(LEITÃO, 2004). Novamente, a casa (ter) se transforma em lar (ser). A casa exterior, estrutural, 
precisa ser edificada. O sonho alia-se então ao biológico, ao ser como morador e o ser como 
sociedade: a casa une os dois polos dessa dicotomia existencial. A junção das polaridades está 
materializada na casa. É ela que oferecerá a possibilidade de ser tanto o instinto de 
sobrevivência como o ser social, fruto de uma vida coletivamente realizada. A casa vira, então, 
moradia. 
 A casa, então, se mostra como um ambiente complexo, arraigada de sentimentos e 
construções sociais. É, como dizia Freud (apud LEITÃO, 2012) “o sucedâneo do útero” que se 
transforma no “espaço-encenação”, como afirma Leitão. É inteiro e vazio ao mesmo tempo já 
que é um indivíduo dotado de particularidades, mas é também um ser social, engendrado num 
contexto do coletivo e público. Assim como esse conjunto, complexo também o é a 
compreensão do morar. Ele pode se apresentar como o conjunto de todas essas análises em um 
único resultado, mas também pode ser visto como somente uma parte de uma estrutura física 
posta em um determinado lugar com uma determinada função. 
 Este trabalho envereda nas raízes mais complexas de entender o morar e o habitar. O 
morar, posse subjetiva e afetiva do espaço construído, reveste a casa do conceito de lar. Uma 
casa com emoções. O habitar, por seu turno, pragmático verbo de estar sob uma residência, 
recobre este trabalho na análise factual dos direitos e políticas públicas que podem garantir, 
através do direito objetivo da habitação, o direito subjetivo de morar. A perspectiva de 
observação da casa como mero elemento construído, destituído de sentido subjetivo, apesar de 
válido, não se sustenta como premissa para a análise. Aqui a casa cheia de sentidos, de símbolos 
e interpretações é o que importa. É a casa como fortaleza para quem está dentro dela. É o 
significado que se pode exprimir na leitura e observação de suas paredes e adornos, da mobília 
e decoração. É a casa que está viva no coração de quem mora, na casa de quem tinha uma 
necessidade e a garantiu usufruindo também como um objeto de desejo. 
 Ainda sobre a distinção entre a casa como um conjunto complexo e a casa como um 
mero substantivo, Heidegger (1954), numa análise sobre o construir e o habitar, expressa como 
 
 
30 
 
se pode distinguir as duas ações, afirmando que embora não sejam idênticas, estão atreladas no 
sentido e na lógica. Em suas palavras, vejamos: 
 
Este, o construir, tem aquele, o habitar, como meta. Mas nem todas as 
construções são habitações. Uma ponte, um hangar, um estádio, uma usina 
elétrica são construções e não habitações. (...) As construções que não são uma 
habitação continuam a se determinar pelo habitar uma vez que servem para o 
habitar do homem. Habitar seria, em todo caso, o fim que se impõe a todo 
construir. Habitar e construir encontram-se, assim, numa relação de meios e 
fins (HEIDEGGER, 1954, p. 1). 
 
 Cabe, enfim, a indagação: qual elemento diferencia o construir do habitar? Nas palavras 
de Heidegger (1954), a linguagem ajudará o intérprete a diferenciar os dois verbos. Presume 
que toda habitação é uma construção, mas o contrário não é verdadeiro. Pontes, estradas, 
monumentos são edificações, mas não podem ser habitadas porque não há, por parte do 
indivíduo, uma identificação que aquela construção possa abrigá-lo. E vai além, quando 
menciona que há um elemento que faz do construído, o habitável: 
 
Na auto-estrada, o motorista de caminhão está em casa, emboraali não seja a 
sua residência; na tecelagem, a tecelã está em casa, mesmo não sendo ali sua 
habitação. Na usina elétrica, o engenheiro está em casa, mesmo não sendo ali 
sua habitação. Essas construções oferecem ao homem um abrigo 
(HEIDEGGER, 1954, p.1). 
 
 Mormente pela passagem acima, se pode afirmar que há um fator que torna o espaço 
construído em habitável: ser abrigo. Quando se identifica em um espaço construído uma 
possibilidade de se sentir abrigado, aquela construção torna-se então habitar; é a casa em seu 
sentido mais íntimo que toma forma e materializa-se. É a espacialização da vida uterina, 
refletida na arquitetura, que não se limita a paredes e teto – que, se assim fosse, seria apenas 
uma caixa, como afirma Zevi (apud LEITÃO, 2016) - mas torna a arquitetura uma expressão 
onírica (LEITÃO, 2012), em que o espaço e o sonho formam uma trama indissociável de 
necessidade do abrigo com o desejo de expor no meio físico os sonhos mais íntimos do ser 
humano. A arquitetura então, revela-se como o caminho utilizado pelo habitante em dar ao 
abrigo o sentido de lar. 
 
 
31 
 
 A lacuna a que denominamos “vazio” expressado pelo edifício visto como mera 
construção, pressupõe que o que determina a função de uma construção em lar é a presença de 
algo maior do que a própria estrutura física da casa. Essa casa, sem a identificação do morador 
como lugar de abrigo, não passa de mais um espaço construído. É nessa perspectiva que 
Lefebvre (1971) propõe que o morar é revestido de significantes e significados. Cada objeto, 
cada cor, cada disposição de um móvel ou de um adorno implicam em uma leitura da relação 
que o habitante tem com a casa. No momento em que é vivida pelo morador, ela deixa de ser 
uma mera estrutura e passa a ser pertencida, identificada como moradia, como a verdadeira 
casa. 
 Ainda sobre a casa, o acolhimento se mostra uma característica marcante na conversão 
da estrutura para o lar. O habitar se perfaz no construído quando o habitante se sente acolhido 
e em segurança. É estar livre dos riscos iminentes do ambiente externo, em suas cabanas 
(BACHELARD, 2008), naquilo que remete o ser humano ao seu habitat natural de proteção e 
liberdade. É o deslinde do usufruto do espaço privado, destinado às atividades domésticas sem 
interferências externas que produzem no ambiente construído a possibilidade de conversão em 
abrigo. O cotidiano, a repetição das ações humanas, a expressão dos desejos, alegrias e agruras, 
dão ao abrigo o sentido de lar. Passa-se, pois, do mero habitar ao morar, num aprofundamento 
paulatino das ações subjetivas exercidas dentro do espaço de abrigo. 
Sobre as impressões que o habitante constrói em sua casa elas são as mais autênticas 
expressões de sua intimidade, revelada na relação que possui com sua casa: a mobília e sua 
disposição pelos cômodos, as cores, texturas, aromas e costumes, ou a ausência de tudo isso, 
revela o significado da moradia para seu morador e traduz, até onde se possa interpretar os 
anseios humanos, as vontades, os desejos e as necessidades implícitos em cada morador. De 
Certeau (2013, p. 204), sobre isso, afirma que “indiscreto, o habitat confessa sem disfarce o 
nível de renda e as ambições sociais de seus ocupantes. Tudo nele fala sempre e muito: sua 
situação na cidade, a arquitetura do imóvel, a disposição das peças, o equipamento de conforto, 
o estado de manutenção”. 
 Por ser o local que abriga os sonhos e os desejos, onde o cotidiano se revela 
diuturnamente, mostrando a vida de seu morador, em suas mais íntimas práticas, a casa não 
pode ser apartada do seu morador: ela é parte de sua história e o espaço reflete suas mais íntimas 
aspirações e inquietações. Assim, a preservação de suas características das mais sutis às mais 
aparentes é valiosa quando da necessidade de compreender o papel da casa numa leitura social. 
 
 
 
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Neste espaço privado, via de regra, quase não se trabalha, a não ser o 
indispensável: cuidar da nutrição, do entretenimento e da convivialidade que 
dá forma humana à sucessão dos dias e à presença do outro. Aqui os corpos 
se lavam, se embelezam, se perfumam, têm tempo para viver e sonhar. Aqui 
as pessoas se estreitam, se abraçam e depois se separam. Aqui o corpo doente 
encontra refúgio e cuidados, provisoriamente dispensado de suas obrigações 
de trabalho e representação no cenário social. Aqui o costume permite passar 
o tempo “sem fazer nada”, mesmo sabendo que “sempre há alguma coisa a se 
fazer em casa”. Aqui a criança cresce e acumula na memória mil fragmentos 
de saber e de discurso que, mais tarde, determinarão sua maneira de agir, 
sofrer e de desejar (DE CERTEAU, 2013: p. 205). 
 
 Lefebvre (1971) afirma que o habitar é a soma de todos os fragmentos da vida do 
habitante, aliados à percepção que ele mesmo elabora sobre esses fragmentos. Símbolos, signos, 
códigos, a repetição das ações cotidianas resulta na interpretação (ou significantes, nas palavras 
de Lefebvre) que esses objetos e ações possuem na vida do habitante. É em sua esfera íntima 
que o habitar mostra seu espaço privado (DE CERTEAU, 2013), seu canto no mundo, 
permitindo que o sujeito possa afastar-se da realidade imposta pela dinâmica social e exerça, 
sem pressão, seus desejos e hábitos. 
 Bachelard (2008) afirma que a casa é o espaço em que o indivíduo exerce suas 
preferências e hábitos sem sofrer nenhuma resistência ou estímulo social. Isso implica dizer que 
esse espaço é então o que permite, em uma visão filosófica, a total liberdade do ser, por ele 
encontrar dentro do habitat o conforto e a segurança suficientes para que nada seja temeroso ou 
lhe cause necessidade de defesa. É nesse aspecto então que a cabana, a concha e o ninho de 
Bachelard aparecem: é o acolhimento, o estado de absoluta segurança e sensação de 
pertencimento e identidade com a dinâmica percebida dentro do ambiente construído. 
 Esses apontamentos se consolidam na medida em que a essencialidade do abrigo é 
considerada e, desta forma, a materialização do desejo mais íntimo do ser humano: estar no 
abrigo, na segurança, de poder ser ele mesmo sem interjeições de ameaças externas. Nesse 
sentido, aponta Lefebvre: 
Na vida cotidiana, setor privilegiado da prática, as necessidades tornam-se 
desejos. Elas tomam forma neles e de biológicos (quer dizer, animais e vitais) 
se modificam em humanos. Essa metamorfose se opera através de duras 
provas; aquelas do controle de si e do atraso, algumas vezes ilimitado, das 
 
 
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satisfações mais legítimas; aquelas das escolhas e das opções inevitáveis entre 
os objetos possíveis do desejo (LEFEBVRE, 1971, p. 1). 
 
 A vitalidade que reveste a questão da moradia demonstra a imprescindibilidade de 
habitação para o indivíduo, considerando que desde os tempos mais remotos, a fixação ao solo 
para a prática das atividades diárias sempre foi uma constante na história da evolução social 
humana. Dessa maneira, a necessidade de que fala Lefebvre se reveste de uma essencialidade 
para a própria sobrevivência, aliada a uma prática cultural que cria determinismos sobre a forma 
como esse habitar deve ser concebido. É a casa ainda, uma multiplicidade de formas, que impõe 
ao observador uma visão ampla e agregadora de todas as formas que ela possa assumir e dos 
elementos variados que a compõem. A ciência deve abandonar as especialidades ao tratar da 
casa (LEFEBVRE, 2010), porque o habitat é um campo de observação complexo e variado. Ou 
como diz Jorge (2005, p. 247): 
 
como objeto, aliás, a casa presta-se a outras utilizações que se inscrevem em 
processos desenvolvendo-se noutras esferas. A casa é, sobretudo, uma espécie 
de narrativa reconstituída pelo discurso das suas formas. 
 
No emaranhado de relações pessoais que se encenam no ambiente da casa, a 
transformação da construção em expressão material dos desejos mais íntimos do ser humano 
revelam que a casa é o espaçoonde a arquitetura é o meio de externar a psiqué do indivíduo, 
onde as relações e hábitos cotidianos imprimem em cada canto uma complexa relação afetiva e 
social que faz com que o mero abrigo, o habitar se revele insuficiente para justificar a casa. Ela, 
pois, é espaço afetivo, local onde o coração está. É o lar. 
 
II.III Sobre o Desejo: desejo de quê? 
 
 A forma, estrutura e a vida vivida e sonhada são nuances de uma mesma situação em 
que a casa toma o papel central de agregador de desejos e sentimentos, cujos acontecimentos 
externos não penetram com tanta interferência. Nessa casa, privada e fechada, o habitante é 
livre para exercer suas preferências, rejeitar os dissabores, constranger o outro e acolher o que 
lhe torna aprazível. É nessa gama subjetiva de sensações íntimas que o ambiente construído se 
torna palpável. As paredes enredam a construção de histórias por meio de seus objetos 
decorativos. A mobília narra as preferências dos moradores e sua disposição elenca o 
comportamento e a relação que o homem tem com o meio. Mais que isso, é por meio das 
 
 
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externalidades dos objetos que se compreende a linguagem presente em cada lar e a forma com 
que os sentimentos de vitalidade e necessidade do lar se transformam em desejo e refúgio. Ou, 
como afirma Bachelard: 
 
Esses valores de abrigo são tão simples, tão profundamente arraigados no 
inconsciente, que vamos encontrá-los mais facilmente por uma simples 
evocação do que por uma descrição minuciosa (BACHELARD, 2008, p.32). 
 
 O desejo se perfaz como uma construção social de ter acesso às formas que melhor 
satisfaçam as suas necessidades. Partindo do pressuposto de que cada indivíduo 
invariavelmente traz consigo necessidades e ambições, conflitos e intimidades, essas 
características precisam, em algum momento, ser reveladas e manifestadas nas paisagens que o 
circundam. Nasce nesse ímpeto a relação visceral do habitante e da casa. É o fruto dessa relação 
revestida de vitalidade que o ambiente construído passa a ser, mormente sua distribuição 
espacial, o lócus onde a vida se desenvolverá, onde os conflitos serão apaziguados, onde o ninho 
receberá o corpo extenuado da vida social, onde a cabana abrigará contra o frio e o fogo. 
 
Mais que um centro de moradia, a casa natal é um centro de sonhos. Cada um 
de seus redutos foi um abrigo de devaneio. E o abrigo não raro particularizou 
o devaneio. Foi aí que adquirimos hábitos de devaneio particular. A casa, o 
quarto, o sótão onde ficamos sozinhos dão os quadros de um devaneio 
interminável; de um devaneio que só a poesia, em uma obra, poderia concluir 
realizar (BACHELARD, 2008, p. 34). 
 
 O sonho, a expectativa, o secreto e o revelado, as impressões, os traumas, as celebrações 
e o cotidiano engendram a poesia da vida humana, que se reveste na forma de uma casa. De 
crianças a adultos, a imagem da casa é a realização da pessoa como um sonhador que precisa 
de um abrigo para desenvolver suas vontades e construir um mundo de quereres. Assim, a 
recorrência do morador à sua casa é o retorno necessário ao seu próprio encontro, alheio às 
perturbações exteriores, para que em seu devaneio possa estabelecer o sonho livre e alimentar 
os seus desejos. 
 
Nossos habitats sucessivos jamais desaparecem totalmente, nós os deixamos 
sem deixá-los, pois eles habitam, por sua vez, invisíveis e presentes, nas 
nossas memórias e nos nossos sonhos. Eles viajam conosco. No centro desses 
 
 
35 
 
sonhos aparece muitas vezes a cozinha, aquele “compartimento quente” onde 
a família se reúne, teatro de operação das “artes de fazer” e da mais necessária 
entre elas, “a arte de nutrir” (DE CERTEAU, 2013, p. 207). 
 
 “A minha casa é um depósito de memórias e expectativas” (JORGE, 2005, p. 243). Com 
essa afirmação, atribui-se ao papel da casa não somente o lugar do abrigo, mas, em adição a 
esse elemento, ela passa a ser também o lugar dos devaneios, dos sonhos, dos conflitos e das 
utopias. A casa, como um depósito, está ligada umbilicalmente à necessidade não só de 
proteção, mas também de desenvolvimento das expectativas e de que seja essencialmente a 
autorrepresentação de quem lá habita. Ela serve, como afirma Jorge (2005), como uma 
representatividade ao exterior de quem está dentro dela, e a memória serve de aparato para que 
a história vivida dentro da casa e a história do morador não se percam no tempo ou, como afirma 
Michel de Certeau (2013) “habitar é narrativizar. Fomentar ou restaurar esta narratividade é, 
portanto também uma tarefa de restauração. É preciso despertar as histórias que dormem nas 
ruas que jazem de vez em quando num simples nome, dobradas neste dedal como as sedas da 
feiticeira”. 
 Estabelecendo um diálogo entre o pensamento de Jorge (2005) e Roberto DaMatta 
(1997), no qual ambos tratam da relação entre o interior e o exterior da casa, a casa e a rua são 
duas categorias sociológicas e não estão dissociadas. A casa precisa da rua e vice-versa. Nessa 
conversa, perceber que a casa é construída simbolicamente pelo morador, significa que ela 
também exterioriza seu morador. Numa análise da linguagem da casa na rua, percebe-se que 
cada casa assume um papel individualizado, que no seu exterior (fachadas) ela se apresenta de 
inúmeras maneiras, diferenciando uma das outras. A rua é então a união das diferenças, dos 
conjuntos formados por inúmeras construções que sofreram modificações (ou não), pelos seus 
moradores. E por que elas necessariamente não seguem um padrão? Por que cada casa se 
apresenta de uma maneira? 
 Pelo pensamento de Jorge (2005), a casa revela as expectativas e memórias de seus 
habitantes e isso a torna única, não somente para quem lá mora, mas também sendo um traço 
distintivo no espaço público. Esse espaço público, aqui tomado como a categoria de análise da 
rua (DAMATTA, 1997), incorpora a casa como um ponto de referência, fazendo com que o 
espaço percebido (LEFEBVRE, 2006) incorpore a casa como um elemento essencial para o 
coletivo. Assim, o interior da casa se revela no exterior da rua, por meio da linguagem do espaço 
e em constante movimento e mudança, assim como a vida o é ou, como afirma De Certeau 
 
 
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(2013, p. 207), “só uma língua morta não sofre modificações, só a ausência de qualquer 
residente respeita a ordem imóvel das coisas”. 
 A referência que a casa tem no contexto social também assume grande relevância para 
o habitante, quando ela se torna um centro de atração dentro do espaço coletivo. É a partir da 
casa espacialmente localizada que o morador se situa na rua, traçando a partir dela seu percurso, 
tratando o exterior como espaço estranho ao seu ninho e de acordo com a distância e 
distanciamento da sua casa. Ela é, portanto, seu centro gravitacional dentro de uma rotina 
estabelecida a partir dela. Ela é, pois, ponto de partida e também de chegada. É de lá que se sai 
todos os dias para as práticas das atividades cotidianas, mas é para lá que se volta ao término 
dos afazeres. 
 
Parto sempre de minha casa para, depois, a ela regressar A minha casa 
constitui o centro a partir do qual traço os eixos das minhas deslocações 
quotidianas A partir daí oriento-me no espaço. O estar mais longe ou mais 
perto de minha casa é um primeiro dado, por vezes essencial, da minha 
orientação genérica no espaço, é como se a localização da minha casa 
constituísse um pólo atrativo no mapa das minhas deslocações (JORGE, 2005, 
p. 243). 
 
 A casa se torna o centro do morador, sua referência interna e externa, a partir de um 
cenário privado e público. É na casa que se mescla a vida privada com a vida pública. O abrigo 
convertido em casa e a casa como elemento constitutivo da rua, do bairro, da cidade, da vida 
do outro. Na externalidade da casa, em suas fachadas é que acontece a percepção do homem 
estranho da rua (DAMATTA, 1997) sobre quem a habita. Essas impressões entoam a 
intimidade de um

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