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2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Agenor Florencio Costa Neto O PROGRAMA NACIONAL DE ACESSO AO ENSINO TÉCNICO E EMPREGO (PRONATEC) E AS DEMANDAS DO CAPITAL PARA A CLASSE TRABALHADORA NATAL 2016 3 AGENOR FLORENCIO COSTA NETO O PROGRAMA NACIONAL DE ACESSO AO ENSINO TÉCNICO E EMPREGO (PRONATEC) E AS DEMANDAS DO CAPITAL PARA A CLASSE TRABALHADORA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Orientador Prof. Dr. Lincoln Moraes de Souza NATAL 2016 4 AGENOR FLORENCIO COSTA NETO O PROGRAMA NACIONAL DE ACESSO AO ENSINO TÉCNICO E EMPREGO (PRONATEC) E AS DEMANDAS DO CAPITAL PARA A CLASSE TRABALHADORA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Aprovada em __________de____. BANCA EXAMINADORA: ____________________________________________________________________________ Prof. Dr. Lincoln Moraes de Souza (Orientador) ____________________________________________________________________________ Prof. Dr. Cesar Sanson ____________________________________________________________________________ Prof. Dra. Márcia da Silva Pereira Castro 5 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Costa Neto, Agenor Florencio. O programa nacional de acesso ao ensino técnico e emprego (PRONATEC) e as demandas do capital para a classe trabalhadora / Agenor Florencio Costa Neto. - 2016. 81f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais. Orientador: Prof. Dr. Lincoln Moraes de Souza. 1. Ensino técnico - Aspectos sociais. 2. Avaliação de Políticas Públicas. 3. Trabalho. 4. Capitalismo e educação. I. Souza, Lincoln Moraes de. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 377 6 “A melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanhã alguma coisa que não é possível de ser feita hoje, é fazer hoje aquilo que hoje pode ser feito. Mas se eu não fizer hoje o que hoje pode ser feito, dificilmente eu faço amanhã o que hoje também não pude fazer”. Paulo Freire 7 AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Prof. Dr. Lincoln Moraes de Souza, por suas grandes contribuições durante a construção da pesquisa e por sua paciência e dedicação aos orientandos. Espero um dia contribuir para a construção de um pensamento crítico e de um projeto de sociedade como ele vem fazendo ao longo de sua trajetória pessoal. À Jeferson e Otânio por sua excelência profissional, o que permite um melhor percurso para todos estudantes e professores do programa. Aos professores doutores Ana Patrícia (pré-qualificação e qualificação) Cesar Sanson (qualificação) e Márcia Castro (defesa), pela leitura criteriosa do trabalho, que resultou em sugestões bibliográficas e contribuições metodológicas valiosas. Aos colegas de mestrado (Jimmy Carter, Joanna Marques e Ramiro Teixeira) e o colega de orientação Lauro Carvalho que além de compartilhar juntos os desafios da academia, foram responsáveis por contribuir nas disciplinas, principalmente na pré-qualificação e nas reuniões, na construção desse trabalho. Também agradeço muito a colega Any Kadidija Melo pelas palavras de incentivo e por sempre proporcionar um ambiente de pesquisa e aprendizado prazeroso. À minha família, amigos e companheiros de lutas pela paciência durante todo o processo de escrita. Foram meses de idas e vindas, mas a compreensão deles foi fundamental para o meu amadurecimento pessoal. À minha companheira Juliana por sempre me ajudar nesse processo de construção do conhecimento. 8 RESUMO O presente trabalho tem como principal objetivo analisar Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) na modalidade FIC, e a formação que este programa oferece para classe trabalhadora brasileira. Para isso, foi necessário a compreensão das mudanças ocorridas em relação ao papel do Estado e dos processos de implementação de políticas públicas voltadas para a qualificação da força de trabalho utilizando a avaliação de processo. Desta forma, tentemos responder a seguinte questão: Qual o papel do PRONATEC- FIC no processo de educação e qualificação da força de trabalho no Brasil? Tal questionamento foi formulado ao levar em consideração se a qualificação de jovens e adultos é, de fato, um dos principais objetivos do programa. Porém, isso não se apresenta como uma garantia de fato para a classe trabalhadora tendo em vista que apenas a qualificação não garante empregabilidade e melhoria na condição de vida dos trabalhadores. Além desse aspecto, a própria formação oferecida se apresenta de maneira aligeirada e ligada a trabalhos precarizado. Para isso, utilizamos as contribuições de Poulantzas, Clauss Offe e O’Connor sobre o papel do Estado na sociedade capitalista, as contribuições de Karl Marx e diversas análises influenciadas na sua proposta de sociedade sobre a categoria trabalho, além da caracterização e identificação do PRONATEC nas bases legais do Estado brasileiro. PALAVRAS CHAVE: PRONATEC. Avaliação de Políticas Públicas. Estado capitalista. Trabalho. 9 ABSTRACT The main objective of this study is to analyze the National Program of Access to Technical Education and Employment (PRONATEC) in the FIC modality, and the training that this program offers to the Brazilian working class. For this, it was necessary to understand the changes that have occurred in relation to the role of the State and the processes of implementation of public policies aimed at the qualification of the workforce using process evaluation. In this way, let us try to answer the following question: What is the role of PRONATEC-FIC in the process of education and qualification of the workforce in Brazil? Such questioning was formulated when taking into account whether the qualification of young people and adults is, in fact, one of the main objectives of the program. However, this does not present itself as a de facto guarantee for the working class, since only the qualification does not guarantee employability and improvement in the workers' living conditions. In addition to this aspect, the training offered itself is presented in a lightened way and linked to precarious work. For this, we use the contributions of Poulantzas, Clauss Offe and O'Connor on the role of the State in capitalist society, the contributions of Karl Marx and various analyzes influenced in its proposal of society on the labor category, besides the characterization and identification of PRONATEC In the legal bases of the Brazilian State. KEYWORDS : PRONATEC . Public Policy Evaluation. Capitalist State . Job. 10 LISTA DE ABREVIATURAS BM – Banco Mundial BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CEFET - Centros de Ensino Tecnológico EJA – Educação de Jovens e Adultos FHC – Fernando Henrique Cardoso FIC – FormaçãoInicial Continuada FIES – Financiamento Estudantil FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LDB – Lei de Diretrizes Base MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior MEC – Ministério da Educação MF – Ministério da Fazenda MET – Ministério do Trabalho e Emprego MPOG – Ministério Planejamento, Orçamento e Gestão ONG – Organizações Não Governamentais OIT - Organização Internacional do Trabalho PEA – População Economicamente Ativa PLANFOR - Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PIMPO- Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra PROEJA – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos ProJovem - Programa Nacional de Inclusão de Jovens Pronatec - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego PT- Partido dos Trabalhadores SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial 11 SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SESI – Serviço Social da Indústria SEST - Serviço Social do Transporte SENAT - Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte 12 SUMÁRIO 1- INTRODUÇÃO .......................................................................................... 13 2- POLÍTICAS PÚBLICAS, AVALIAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO ...... 19 2.1- Compreendendo o papel do Estado............................................................................19 2.2- Relacionando Estado e Políticas Públicas....................................................................23 2.3. Análise do PRONATEC e avaliação de processo...........................................................27 3- TRABALHO E QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL ........................... 32 3.1- Sobre a formação da força de trabalho no Brasil.........................................................41 4- PERFIL DO PRONATEC………………………………………………..53 4.1- Planfor e PNQ: Programas de Qualificação Profissional nos governos FHC e LULA.....54 4.2- O PRONATEC e a qualificação da classe trabalhadora..................................................56 4.3- O marco Legal do PRONATEC........................................................................................57 4.4- O PRONATEC e a gestão pública no espaço privado.....................................................60 4.5- Alterações no FAT, Seguro Desemprego e Abono salarial............................................64 5- CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 66 6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 71 13 1- INTRODUÇÃO No Brasil, os anos de 1990 foram marcados por diversas mudanças no papel desempenhado pelo Estado que resultaram na reorganização de suas funções por meio de uma série de reformas de cunho neoliberal que procurou adaptar suas políticas públicas para princípios de ordem gerencial. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, contribuiu para que as políticas educacionais fossem adequadas às necessidades do modo de produção capitalista. A partir daí diversas ações no processo de organização da qualificação da força de trabalho no país foram criadas. Então, desde 1996 foram instituídas diversas ações/iniciativas voltadas para as populações da classe trabalhadora com o objetivo de oferecer cursos de qualificação para que pudessem facilitar a inserção no mercado de trabalho. O Plano Nacional de Qualificação dos Trabalhadores (PLANFOR), nesse sentido, serve como exemplo desse processo de investimento do Banco Mundial em políticas públicas que pudessem subordinar a formação oferecida em instituições de ensino e centros de qualificação profissional e favorecer instituições de ensino privado com a bolsa formação através de recursos públicos. O sistema “S” volta aos debates do dia e se torna uma fonte de capitação de recursos públicos e procura oferecer para o trabalhador uma formação aligeirada, geralmente desvinculada da elevação da escolaridade e, com isso, atua para a consolidação de um modelo de formação profissional unilateral e que não contribui para que os trabalhadores possuam uma garantia de empregabilidade após o período de qualificação já que um dos fatores que condiciona isto é o investimento em políticas públicas que fomentem a oferta de emprego e não apenas na qualificação da força de trabalho. A saber, fazem parte do Sistema S: o Serviço Social do Comércio (SESC), Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (SENAC); o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Social da Indústria (SESI), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR; Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT); Serviço Social do Transporte (SEST); Serviço Social do Cooperativismo (SESCOOP); e) Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Agência de Promoção de Exportações (APEX); Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) (BRASIL, 2009b). É nessa conjuntura de mudanças e reorganização das políticas públicas de emprego e políticas educacionais aos moldes da ideologia neoliberal que surge em 2011 Programa 14 Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) na modalidade Formação Inicial Continuada (FIC), que tem dentro de seu leque de objetivos diversas iniciativas, a saber: i) Programa Brasil Alfabetizado; ii) Acordo de gratuidade com os serviços nacionais de aprendizagem; iii) Rede E-TecBrasil e o iv) bolsa formação. Com isso, o programa propõe, oficialmente, diferentes estratégias de financiar a qualificação profissional através de bolsas de estudos denominadas bolsa-formação para o custeio de matrículas nas modalidades integrada, concomitante ou subsequente ao ensino médio, além de cursos de formação inicial e continuada, na modalidade presencial e à distância. Instituições de ensino superior e privadas são autorizadas para fornecer a qualificação profissional que o programa oferece. Nesse sentido, o primeiro mandato do governo Dilma Rousseff estabeleceu a meta de ofertar milhares de vagas em cursos de educação profissional argumentando que tal medida iria contribuir diretamente para aumentar a qualificação da força de trabalho brasileira, assim como colaborar para a superação da condição de subdesenvolvimento do Brasil. A argumentação desenvolvida pela presidenta é facilmente questionável, pois a pobreza, a baixa escolaridade e desemprego não explicam a condição de subdesenvolvimento ou atraso e dependência que o país se encontra. O principal problema reside na condição subalterna que o Brasil desempenha frente aos demais países além das recentes mudanças desencadeadas no modo de produção capitalista a partir, também, da disseminação da ideologia neoliberal em meados da década de 1970. Além disso, o processo de qualificação aligeirada que é oferecido não garante para o trabalhador condições adequadas de trabalho, mas os condiciona a situações precárias de trabalho com perdas significativas de direitos, direcionamento para o trabalho informal e a consequente burocratização dos sindicatos, este último, um instrumento de luta histórico que garante proteção aos interesses de cunho trabalhistas. É nesse cenário, oferta de cursos de qualificação profissional através do PRONATEC e perda substancial de direitos e garantias trabalhistas, que a presente dissertação se insere. De um lado, os trabalhadores são incitados a buscaremnovas oportunidades de qualificação e, de outro lado, percebemos um fomento ao crescimento de vagas oferecidas para a qualificação profissional através do PRONATEC contribuindo para o desenvolvimento de um mercado de formação profissional. Tal conjuntura nos oferece condições para justificar um dos objetivos desta pesquisa, pois acreditamos ser fundamental construir uma argumentação que seja divergente e seja 15 contrária à opinião hegemonicamente dominante de que a qualificação profissional abre portas ou é a base para o sucesso pessoal e, com isso, seja a força motriz para o desenvolvimento de uma sociedade que valorize e reconheça os méritos pessoais como amplamente se divulga nos discursos do PRONATEC. Essa atribuição individual de sucesso ou fracasso aos problemas de ordem social falseia a realidade e se apresentam para os trabalhadores que fazem uso do programa para se qualificarem como uma situação na qual estão sendo criadas de fato oportunidades e igualdades de acesso a empregos por meio dos diversos cursos oferecidos no programa. Além disso, o discurso de que apenas os profissionais mais aptos e que vencem a concorrência entre si é amplamente divulgado contribuindo para a legitimação dessa concorrência entre os próprios trabalhadores e seu processo de perca da conscientização enquanto classe dominada que precisa se organizar e lutar pela ampliação dos poucos direitos existentes frente às investidas da classe dominante no modo de produção capitalista. Podemos perceber que esse discurso contribui significativamente para desobrigar o Estado de assegurar emprego para os trabalhadores qualificados ao atribuir o fato de obterem êxito ou não na busca pelo emprego, a “igualdade de oportunidades” oferecidos pelo mercado. Assim, qualquer insucesso na busca pelo emprego ou inserção precária no mercado de trabalho seria atribuído à suposta incapacidade do trabalhador e não às desvantagens estruturais que fazem parte da própria condição de existência do modo de produção vigente. O referencial teórico metodológico que orienta o processo investigativo da presente pesquisa procura estabelecer um diálogo geral com o materialismo histórico dialético ao compreender que as políticas públicas voltadas para a qualificação da classe trabalhadora são direcionadas para valorizar os interesses do modo de produção capitalista dentro do âmbito da ideologia neoliberal que procura, dentre diversas prerrogativas, favorecer o mercado em detrimento das condições de trabalho dos trabalhadores de um modo geral, assim como, a negação ou o processo de retirada paulatina de direitos. Tais apontamentos servem para se posicionar de maneira oposta à ideia difundida de que basta apenas o trabalhador estar qualificado para a garantia de emprego no país. Para isso, também é significativo mencionar a contribuição das leituras coletivas e dos debates realizados sobre avaliação de políticas públicas realizadas pelos membros do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Avaliação de Políticas Públicas (GIAPP) da Universidade Federal 16 do Rio Grande do Norte (UFRN) para o desenvolvimento das principais abordagens teóricas aqui mencionadas. Desta forma, o objetivo geral desta pesquisa é analisar e avaliar de que maneira o Estado brasileiro através da implementação de políticas públicas voltadas para a formação profissional procura com o PRONATEC qualificar a classe trabalhadora. A este objetivo geral vincula-se os seguintes objetivos: a) Analisar quais fatores contribuíram para o surgimento do PRONATEC dentro do processo de reorganização das políticas públicas de qualificação profissional no país; b) Compreender quais princípios contribuem para a fundamentação das políticas públicas de qualificação profissional no país; Para conseguir resultados qualitativos com os objetivos mencionados anteriormente empreendeu-se nesse trabalho a análise documental de materiais que serviram de base para a estrutura do trabalho. Diante dessas observações, lançamos inicialmente o seguinte problema de pesquisa: Qual o papel do PRONATEC- FIC no processo de educação e qualificação da força de trabalho no Brasil? Respondemos que o PRONATEC-FIC, em termos gerais, contribui para que jovens e adultos sejam qualificados em cursos que atendem as demandas do capital com trabalho mas continuam com trabalhos cada vez mais desprovidos de direitos, mal remunerados e com condições de trabalho cada vez mais precárias. Assim, argumentamos que a inserção do PRONATEC-FIC, em termos gerais, procura influenciar no processo de reorganização da acumulação de capital e, com isso, legitimar a exploração da força de trabalho brasileira. Para chegar a essa reflexão utilizamos como base o importante trabalho realizada pela pesquisadora Danilma de Medeiros da Silva (2015) onde, ao fazer uma avaliação política programa, procurou mostrar quais objetivos e valores fundam o PRONATEC e, consequentemente, contribui para legitimar o Estado capitalista. Assim, a ideologia, os objetivos e teorias que fundamentam o programa na reprodução do modo capitalista de produção. 17 Em relação a estrutura do texto, o mesmo está organizado em três capítulos, além desta parte introdutória e suas considerações finais. O primeiro capítulo procura estabelecer relações entre políticas públicas e o como o Estado procura implementa-las. Nesse período da presente pesquisa é realizada uma contextualização sobre a mudança realizada pelo Estado no que se refere as políticas públicas através da avaliação de processo. É nesse cenário, oferta de cursos de qualificação profissional através do PRONATEC e retirada substancial de direitos e garantias trabalhistas, que a presente tese se insere. De um lado, os trabalhadores são incitados a buscarem novas oportunidades de qualificação e, de outro lado, percebemos um fomento ao crescimento de vagas oferecidas para a qualificação profissional através do PRONATEC contribuindo para o desenvolvimento de um mercado de formação profissional. Na sequência, foi construído um capítulo específico para abordar a questão do trabalho e da qualificação profissional no seu sentido geral. Nesse momento, é apresentada a compreensão no qual se acredita ser pertinente para a compreensão da categoria trabalho, as principais redefinições e “arranjos” do modo de produção capitalista frente ao processo de reestruturação produtiva e acumulação flexível. Assim, argumentamos que nesse capítulo apresenta importantes ferramentas para compreender as políticas de emprego e qualificação profissional do PRONATEC enquanto um reflexo da ideologia neoliberal que além de submeterem os trabalhadores a condições de vida degradantes responsabilizam os mesmos quando conseguem obter, ou não, empregos através da (não) qualificação de sua força de trabalho mesmo quando constatamos a existência de políticas educacionais que são implementadas, em escala mundial e nacional, para a formação e inserção no mercado de trabalho. Na sequência, um capítulo denominado “Fatores que levaram a implementação do PRONATEC” procura relacionar as discussões realizadas nos capítulos que o antecedem. Assim, foi necessário mencionar as mudanças que ocorreram entre o Planfor e a conjuntura política econômica do período em que o programa esteve em vigência assim como a situação do país na criação do PRONATEC. Nesse sentido, ficou compreendido que os dois Programas, ao vincularem, oficialmente, a possibilidade de emprego à melhor qualificação, procuram falsear para a classe trabalhadora a realidade maior da economia na sociedade capitalista pois procuram aplicar, cada programa 18 ao seu modo, as políticas neoliberais em alta até os dias atuais: diminuição de postos de trabalho formais, retração de direitos, responsabilização individual de problemas sociais, terceirização, burocratização de importantes frentes sindicaise perca da coletividade entre membros de uma mesma organização sindical. A principal intenção foi identificar a relação público-privado no PRONATEC, seu marco legal e quais consequências foram transmitidas diretamente para a classe trabalhadora brasileira. 19 2- POLÍTICAS PÚBLICAS, AVALIAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO Levando em consideração que o objetivo central desta tese é realizar uma avaliação de processo em políticas públicas do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) na modalidade Formação Inicial Continuada (FIC), faz-se necessário iniciar situando qual o recorte teórico escolhido na área das políticas públicas. Nesse sentido, pretende-se apresentar as abordagens mais significativas para a condução da pesquisa assim como analisar quais relações os estudos sobre políticas públicas procuram estabelecer com o papel de atuação do Estado frente às tomadas de decisões no seu sentido mais amplo, uma vez que a ação estatal apresenta diversas demandas no seu âmbito de atuação. Estado que historicamente apresentou uma atuação importante na sociedade na condição de agente econômico e nunca esteve ausente dos principais encaminhamentos da sociedade. A saber, o tipo de enfoque que o pesquisador em política pública adota para entender como vai estabelecer suas ações é fundamental para entender as relações entre Estado e sociedade assim como é de suma importância para entender os resultados que pretende obter. A escolha não é simplesmente metodológica e, de maneira alguma, neutra. A escolha dar-se levando em consideração as características específicas de uma postura ideológica que certamente o pesquisador conduzirá durante todo o seu trabalho. Nessa perspectiva, o modelo de análise baseado no enfoque marxista se torna central para explicar as relações existentes entre a sociedade e o Estado capitalista ao levar em consideração que este agente se torna um importante meio para a manutenção da sociedade baseada em relações de produção que asseguram a acumulação de capital através de mecanismos ideológicos que mantém a manutenção das relações entre classes sociais na qual a classe trabalhadora é dominada pelos interesses da burguesia. 2.1- Compreendendo o papel do Estado Concordamos com Brunhoff (1991) ao argumentar que o Estado jamais foi ausente em relação as políticas públicas, pois desde o processo de acumulação primitiva do capital, o Estado já procurava intervir na delimitação da jornada de trabalho e na generalização de algumas regras. Para se ter uma ideia, já no século XVI a presença da ação estatal procurava proibir altos salários, controlar a moeda mesmo sem a existência de um banco central além de intervir na 20 limitação da jornada de trabalho. No final do século XIX, já existiam vínculos entre o tesouro imperial dos banqueiros e mercadores na expansão colonial na construção de ferrovias no Estados Unidos. Nesse mesmo período encontramos no governo de Bismark na Alemanha indícios de proteção social. Souza (2010), ao procurar classificar as tipologias de políticas públicas nos mostra de maneira organizada que a expressão política social foi criada também no final do século XIX, mas é através da associação com a luta por direitos sociais e a prática da cidadania que começa a tecer comentários e estabelecer parâmetros de análise sobre a política social. Na ocasião, a educação primária pública é considerada o primeiro passo para os direitos sociais da cidadania no século XX. Além disso, o Estado de Bem-Estar Social exerce importante influência na organização da sociedade ao incluir seguro social na construção de casas e procura dar um sentido mais amplo à política social ao vincular tal conceito a situações em que era necessário elevar a qualidade de vida dos cidadãos intervindo na economia de mercado. Após esse período que ficou conhecido como capitalismo concorrencial surge um diferente padrão de funcionamento público da econômica capitalista e apenas no início dos anos de 1930 com a teoria keynesiana que vai legitimando a política de emprego procurando garantir auxílio aos desempregados e, ainda nesse período, a política econômica, nos termos de Brunhoff (1985), ganhou forma de organização global numa perspectiva classista materializando sua dominação. De acordo com Brunhoff (1985), até o período que antecede a década de 1930 já existiam ações econômicas com a ação do Estado, mas não apresentava características semelhantes a política econômica, pois esta surge apenas como a crise de 1929 quando o New Deal estadunidense procura adotar medidas monetárias que regulassem as relações de trabalho inclusive envolvendo o sindicato materializando uma estratégia que visasse a dominação classista. A autora ainda afirma que o Estado procurava concentrar suas atividades nas duas principais estratégias de organização e legitimação da sociedade capitalista: a mercadoria e a força de trabalho, pois o trabalho assalariado e o controle contra o desemprego era fundamental para manter os interesses do próprio Estado em um período de recessão econômica no qual a jornada de trabalho, o controle sobre o salário mínimo, o seguro desemprego, a seguridade 21 social e a sindicalização operária surgem como demandas centrais para a organização da sociedade em questão. A fundamentação teórica que dava sentido a tal ‘arranjo’ econômico o, keynesianismo, também procurava intervir teoricamente na maneira em que o Estado direcionava sua política econômica para a moeda. Mais uma vez Brunhoff (1991) argumenta que a atuação do Estado frente a circulação da moeda contribui diretamente para a acumulação de capital. Ora, o comportamento do capital financeiro tem uma relação direta com capital produtivo e após a década de 1930, o Estado passou a ser responsável pela regulação do mercado através da emissão da sua própria moeda fixando regras e limites frente ao próprio Banco Central. É preciso mencionar ainda que as estratégias da regulamentação estatal sobre o mercado de trabalho dentro da política de emprego também são medidas que procuravam regulamentar a jornada de trabalho, o salário-mínimo, a sindicalização operária além dos gastos com seguridade social. Assim, no período entre guerras, as ideias de Keynes passaram a ser predominantes e contribuíram para a legitimação da ação direta do Estado uma vez que deixa de ser encarado com um agente passivo e parasitário da esfera privada e sua política econômica se apresenta como um atributo naturalizado na figura do Estado. Em suma, a intervenção econômica deixa de ser compreendida com visas ao domínio do mercado e passa a ser compreendida apenas no que se refere a reforma econômica no sentido do papel do Estado. Após 1930, o Estado procura construir um novo tipo de financiamento público da economia capitalista no qual o fundo público passa a ser compreendido no pressuposto de que acumulação de capital e a reprodução da força de trabalho via gastos sociais atingindo diretamente a população através da saúde, educação, seguridade social e previdência. Nesse sentido, o Estado basicamente teria deixado de ser apenas o comitê geral da burguesia e passou a estabelecer uma relação de condensação das lutas de classes e através do New Deal ocorre outro processo de regulação do fundo público e, diferente de antes, quando o financiamento era pontual. De acordo com Souza (2009), com o Estado-providência, o financiamento público torna-se insubstituível na expansão da economia, adquirindo um caráter abrangente, estável e com regras acordadas entre os grupos sociais políticos mais importantes. 22 No tocante a reprodução da força de trabalho, o fundo público se apresenta como central no debate envolvendo os gastos públicos ligados às despesas sociais (saúde, educação, moradia, mobilidade e pensões, por exemplo)compreendidas igualmente como salários indiretos. As transformações que fizeram parte do conjunto da sociedade e, particularmente, da estrutura econômica nesse contexto passaram a determinar diferentes tipos de atividades do Estado que procurou dentro da esfera pública desenvolver ações importantes direcionadas ao processo de acumulação de capital. Para compreender esse movimento de reorganização da esfera pública torna-se necessário analisar cada desdobramento em particular para que se possamos entender suas principais características em um sentido mais amplo na estrutura geral. As fronteiras entre o público-privado e, respectivamente, as políticas públicas do Estado passam por constantes mudanças envolvendo os interesses do mercado. A nuvem obscura existente entre o público-privado proporciona um erro comum: confundir constantemente o financiamento público com estatização e intervenção estatal. Então, o fundo público representa um importante agente estrutural para o modo de produção capitalista e não representa uma ação isolada. O que ocorre, ressalta Souza (2009), uma disputa dos fundos públicos entre a reprodução do capital e o financiamento de bens e serviços sociais públicos e, para reforçar sua linha de análise, lembra que apesar das políticas thatcherista e reaganiana, o keynesianismo em um sentido mais amplo continuou sendo exemplificado com políticas de caráter monetário e fiscal. Diante do exposto, podemos afirmar que após a década de 1930 e a II Guerra Mundial, ocorreu uma maior relação entre o Estado e a esfera pública na qual as políticas governamentais assumiram parcialmente outro caráter. Para Poulantzas, analisar o Estado capitalista significa estabelecer relações com a luta de classes, fator determinante para a divisão social do trabalho. Assim, a política se caracteriza como resultados de uma condensação de forças de uma sociedade baseada na luta de classes. Em síntese, o Estado pode ser compreendido como [...] diria que o Estado, no caso capitalista, não deve ser considerado como uma entidade intrínseca mas, como aliás é o caso do capital, como uma relação, mais exatamente como a condensação material de uma relação de 23 forças entre classes e frações de classes, tal como ele expressa, de maneira sempre especifica, no seio do Estado (POULANTZAS, 1980, p, 130). 2.2- Relacionando Estado e Políticas Públicas O crescimento de estudos e pesquisas avançadas dentro do âmbito das políticas públicas é resultado das ações do Estado frentes às mudanças ocorridas principalmente na segunda metade do século XX, com o definhamento do Welfare States no momento em que o papel do Estado passa a ser novamente questionado. Com isso, a função e a eficácia do que Jobert e Muller (1987) denominam Estado em ação passam a ser estudadas dentro do sucesso e do fracasso da chamada administração pública. Levando em consideração as contribuições de Faria (2003) podemos perceber que, no início, as políticas públicas partiam de pressupostos voltados para a análise dos outputs do sistema político, o que justificava o fato de a atenção dos investigadores serem direcionadas apenas para demandas e articulações de interesses específicos. Assim, antes que a avaliação de políticas públicas se legitimasse enquanto área de pesquisa vinculada a ciência política os estudos eram direcionados para os processos de formação de políticas públicas. Nos Estados Unidos, Frey (2000) argumenta que diversas pesquisas em políticas públicas começaram a ganhar força no início da década de 1950, através da nomenclatura policy science, e, por outro lado, apenas na década de 1970 surge na Europa a preocupação com campos específicos de políticas públicas. No Brasil, a ênfase das pesquisas em políticas públicas é recente e suas análises recaiam sobre as estruturas e instituições dentro de políticas setoriais específicas e teve uma considerável expansão nas décadas de 1980 e 1990 quando as avaliações em políticas públicas foram postas a serviço da reforma do Estado. Nas últimas décadas o estudo em políticas públicas vem sendo ampliado gradativamente e o debate em torno do papel do Estado nos oferece subsídios para entender a introdução de diversos programas sociais que fazem parte das estratégias do Estado brasileiro. Dentre as estratégias desenvolvidas para pensar o Estado capitalista a contribuição de O’Connor (1977) é fundamental para pensarmos em uma associação com as políticas públicas: a de acumulação e de legitimação. 24 Por acumulação compreende-se as estratégias utilizadas para criar condições de desenvolvimento e favorecimento do setor privado. Investir em demandas sociais seria importante para oferecer projetos e serviços que ajudariam a ampliar a produtividade da força de trabalho além de subdividir em bens e serviços que os trabalhadores poderiam consumir de maneira coletiva juntamente com o seguro social que poderia respaldar os trabalhadores em situações de incerteza econômica. Sobre a função de legitimação, o Estado deveria criar estratégias ou manter as devidas condições da harmonia social que seriam basicamente o investimento em programas de assistência social que também ajudassem os desempregados além do aumento com gastos militares. Refletindo ainda sobre o Estado capitalista, Offe (1984) procura analisar a correlação de forças para implementação de políticas públicas e após o definhamento do keynesianismo as ações do Estado passam a ser direcionadas para os interesses do mercado. Offe, nesse sentido, compreende o Estado enquanto uma categoria relacional que cria as condições necessárias para viabilizar as relações de troca que se integram com o interesse do acúmulo de capital. Levando em conta tal perspectiva, vários estudos problematizam o papel do Estado na sociedade capitalista e, partindo dessa constatação, argumentam que a política pública, enquanto uma instituição estatal, desempenha um papel influente nessa estrutura social. Poulantzas (1980) argumenta que para compreender o Estado capitalista é necessário relacioná- lo com a luta de classes, fato que o coloca como principal organizador da divisão social do trabalho e, consequentemente, como fomentador das relações de exploração e precarização da vida dos trabalhadores de um modo geral. Assim, Poulantzas afirma que O aparelho de Estado, essa coisa de especial e por consequência temível, não se esgota no poder do Estado. Mas a dominação política está ela própria inscrita na materialidade institucional do Estado (...) nem todas as ações do Estado se reduzem à dominação política, mas nem por isso são constitutivamente menos marcadas (POULANTZAS, 1980, p. 12). A passagem acima reitera que as ações estatais são indispensáveis à manutenção do sistema capitalista pois o Estado tem um papel fundamental na consolidação do projeto de 25 desenvolvimento e organização de uma sociedade baseada em classes sociais, pois o seu domínio político não se limita ao uso da força, à repressão ou à violência. Se referindo ao poder público, Poulantzas compreende-o enquanto um campo relacional que se dá a partir da organização do poder de uma classe e a posição de classe na conjuntura capaz de legitimar seus interesses políticos levando em consideração a posição que sua classe ocupa em relação às outras. Ora, se o Estado é o lugar de organização estratégica da classe dominante ao se comparar com as classes dominadas, o Estado pode ser compreendido como uma instância central que exerce o poder de dominação. Tomando como base essa reflexão Poulantzas (1977, p154. argumenta que O Estado não é uma simples relação, mas a condensação material de uma relação de forças: ele possui uma ossatura específica que implica igualmente, para alguns de seus aparelhos, a exclusão da presença física e direta das massas populares em seu seio. Ainda como camporelacional de exercício do poder, o Estado atua através de políticas sociais que emergem subsidiados pelas funções econômicas e político-ideológicas envolvendo a questão social. É no desenvolvimento dessa relação que a função de acumulação e legitimação se materializam. Se, por exemplo, no capitalismo concorrencial as principais tarefas do Estado consistiam em arranjar o espaço-social da acumulação de capital, no capitalismo monopolista, o Estado passa a ampliar sua intervenção por diversos ramos de atuação no qual sua principal demonstração de atuação acontece na qualificação da força de trabalho. É partindo desse ponto relacional existente entre o Estado capitalista e as diversas estratégias de qualificação da força de trabalho que pretendemos estudar qual tipo de qualificação a população brasileira vêm tendo acesso através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), na modalidade Formação Inicial Continuada (FIC). Nossa análise se sustenta sobre a dimensão político-ideológica em que, no campo estratégico da luta de classes, o Programa se apresenta como uma das estratégias de consentimento das classes dominadas, assegurando a manutenção das relações de produção e da divisão social do trabalho com o objetivo de garantir, a longo prazo, a dominação da classe dominante. 26 Nesse sentido, Poulantzas (1980) afirma que em relação às classes dominantes e suas frações o Estado desempenha as funções de organizar e unificar interesses políticos de longos prazos, sob a direção das frações do bloco que estão no poder. É importante argumentar que o bloco de poder não corresponde a um bloco monólito, sem contradições ou brechas, mas ao contrário organizando-se como uma unidade conflitual de interesses, inserindo de maneira subordinada, a classes dominada na materialidade institucional do Estado. Poulantzas (1980, 161) compreende a organização do Estado capitalista da seguinte forma: “os aparelhos de Estado organizam-unificam o bloco no poder ao desorganizar-dividir continuamente as classes dominadas, polarizando-as para o bloco no poder e ao curto-circuitar suas organizações políticas específicas”. A relação entre Estado e classe dominante, juntamente com suas frações, fundamenta, as relações entre Estado e classe e suas frações, ainda que de maneira subordinada, a materialidade do Estado através da estrutura jurídica e burocrática em divisões internas que levam a aparelhagem; no estabelecimento da política de Estado ao incorporar as fissuras e contradições que o constitui; na autonomia relativa, que contribui por meio do jogo de compromissos provisórios e variáveis que ajudam a organizar o bloco de poder hegemônico. Em suma, para Poulantzas (1980, 153) “o Estado (...) não organiza a unidade do bloco político no poder desde o exterior, (...) ao contrário, é o jogo dessas contradições na materialidade do Estado que torna possível, por mais paradoxal que possa parecer, a função de organização do Estado”. Tais medidas respondem ao jogo de compromissos que são em sua essência variáveis e, ao mesmo tempo, contraditórios entre o bloco de poder e determinada fração da classe dominada, de acordo com correlações de força específicas. É nessa perspectiva que, acreditamos, se organiza o PRONATEC na modalidade FIC, pois procura mascarar a falta real de acesso ao trabalho e realiza, através de cursos aligeirados e unilateralizados, a manutenção da lógica produtivista, garantindo apenas a reprodução ampliada do capital, por meio de um sistema de qualificação que direciona os trabalhadores para a superexploração do trabalho precário. Outro importante aspecto da política de Estado que podemos tomar como base a contribuição de Poulantzas (1977), e acreditamos manter uma analogia direta com o PRONATEC-FIC, é o que ele compreende por conjunto de medidas pontuais e compensatórias 27 faces a situação momentânea que visa garantir a manutenção do padrão de acumulação, mascarando o direito alienável ao trabalho, ampliando, desse modo, a dominação do capital sobre o trabalho: através da neutralização da luta de classes sob o discurso de colaboração, empregabilidade e desenvolvimento; pela superxploração do trabalho nos moldes do capitalismo e na expropriação do valor-trabalho que gera lucro para as classes dominantes do capitalismo mundializado. Ademais, o Estado capitalista, procura ampliar a reprodução do capital tanto através das relações sociais, no campo político-ideológico, quanto no que se refere ao modo de produção material da existência dentro do campo econômico. Esse processo de transformação social contribui, ainda que de maneira implícita, para o estabelecimento de duas funções: acumulação e legitimação. Para uma melhor compreensão desse processo de acumulação e legitimação, optamos pela avaliação de processo uma vez que procura entender a implementação do Programa já mencionado durante a sua execução focando também no seu desempenho. Nesse sentido, Holister (1972) argumenta que a avaliação que ocorre durante a execução do programa é uma avaliação de processo, pois consiste basicamente no monitoramento das funções e atividades administrativas, da contabilidade, e das transações financeiras de um programa. 2.3. Análise do PRONATEC e avaliação de processo. Figueiredo e Figueiredo (1986, p.112-113), sem elencar critérios específicos para elencar os tipos de avaliação, afirmam que a avaliação que ocorre durante o seu processo de execução tem como principal objetivo atribuir definições dentro do que chamam de “eficácia”, ou seja, trata-se de “acompanhar e aferir se os propósitos, estratégias e execução do programa estão sendo realizados segundo as definições previamente estabelecidas”. Os autores ainda procuram argumentar que dentro do que compreendem no âmbito da avaliação de processo, é possível elencar três linhas de interpretação que se distinguem umas das outras: a avaliação de metas (o mais difundido nas pesquisas), avaliação de meios (com três critérios estabelecidos referentes à eficácia: funcional, contábil e administrativa) e avaliação da relação custo-benefício e custo-eficiência. 28 Para Worthen (1997), a avaliação que ocorre durante a execução de um programa pode ser classificada como avaliação formativa e tem como principal objetivo atribuir mérito ou atribuir um valor que busque melhorar o funcionamento de um determinado programa durante a execução. Assim, esse tipo de avaliação possui um papel específico no processo de implementação e desenvolvimento de um determinado programa pois procura orientar os principais encaminhamentos sobre o seu funcionamento. Por outro lado, Weiss (1998) procura argumentar sobre alguns critérios que podem ser adotados durante a execução de um programa: a avaliação de processo e a avaliação formativa. No tocante ao primeiro critério, a pesquisadora argumenta que os avaliadores ao concentrar seus estudos nos aspectos do desenvolvimento do programa estão realizando uma avaliação de processo, pois essa característica do processo avaliativo tem como objetivo realizar levantamentos para compreender até que ponto o programa está seguindo a prática prescrita em seus documentos oficiais. Já no critério referente a avaliação formativa, Weiss argumenta que esse tipo de avaliação foi pioneiramente utilizado para avaliar aspectos relacionados ao desenvolvimento de programas curriculares, procurando estabelecer como principal objetivo o levantamento de informações necessárias que visassem a melhoria do programa durante sua execução. Após explicitar os dois tipos de avaliação, Weiss (1998), procura estabelecer uma correlação entre elas afirmando que a avaliação de processo é assim denominada por se relacionar com os aspectos que ainda precisam serem avaliados e, a avaliação formativa é chamada dessa maneira pois procura se relacionar com afinalidade ou com o uso de informações dentro do processo de implementação e desenvolvimento de um determinado programa. Podemos perceber que a associação feita entre o papel da avaliação, o momento em que se avalia e o aspecto do programa que será avaliado, se apresenta como a causa para que parte da avaliação formativa e a avaliação de processo sejam comumente compreendidos dentro de um mesmo objetivo. Tendo em vista que ambas definições ocorrem durante a execução de um programa, Weiss (1998) afirma que o pesquisador (o avaliador), ao procurar realizar a avaliação de 29 processo de implementação de um programa, pode utilizar da avaliação formativa, pois também procura melhorar o programa dentro do seu processo de implementação e desenvolvimento. Contribuindo para o debate sobre a avaliação de processo, Viedma (1996) afirma que as avaliações podem ser classificadas a partir do momento em que são realizadas e procura estabelecer relações com os elementos internos relacionados diretamente ao funcionamento de um determinado programa. Nesse sentido, a avaliação que ocorre durante a execução de um projeto é denominada de avaliação de processo, pois consiste basicamente em monitorar tudo o que foi feito e tudo o que ainda precisa ser feito durante o desenvolvimento do projeto proposto pelo programa antes da sua implementação. Para Briones (1998) existem diversos tipos de avaliação que se diferenciam de acordo com os critérios que são previamente estabelecidos. O autor, ao estabelecer os tipos de avaliação não procura especificar quais critérios foram utilizados, mas é possível compreender que os tipos de avaliação apontados por ele mantêm uma relação direta com o momento que se avalia durante o processo de execução do programa. A avaliação de processo, a avaliação formativa, a avaliação de objetos internos e a avaliação contínua são seus tipos de avaliação. A avaliação contínua e a formativa podem ser consideradas semelhantes em sua essência, segundo Briones (1998), pois têm como foco de interesse o processo de funcionamento do programa e seu principal objetivo é melhorar o desenvolvimento do programa através de um processo que permita a retroalimentação, ou seja, melhorar o processo de instrução de um programa assim como as ferramentas metodológicas que são desenvolvidas para avaliá-lo. Já a avaliação de processo, Briones (1998) argumenta que a mesma pode funcionar em dois momentos de maneira distinta: o processo de manutenção e o processo de mudança e inovação. Em suma, esse tipo de avaliação procura verificar o funcionamento e outros aspectos de um determinado programa visando a manutenção dos fatores positivos e as possibilidades de inovação que podem surgir durante a execução. Na avaliação de objetos internos, o autor afirma que esse tipo de avaliação é destinado a verificar o êxito e alguns objetivos traçados durante o processo de implementação do programa assim como a relação que é estabelecida com a organização do programa, a utilização 30 dos recursos e a qualidade dos agentes que procuram instruir as prerrogativas centrais do programa. Considerando as definições realizadas por Briones (1998) e relacionando-se com os critérios mencionados anteriormente, pode-se argumentar que a avaliação de processo e avaliação de objetivos se relacionam com o momento em que se avalia e são assim classificados devido aos aspectos que são objetivos da avaliação e, por outro lado, a avaliação formativa é assim denominada pois, se relaciona com o momento em que se avalia e, consequentemente, com o propósito elencado. Após a definição e argumentação de diversas compreensões sobre a denominada avaliação de processo e suas diversas definições em torno desse tipo de avaliação, pode-se deduzir que as compreensões conceituais propostas por Holister (1972), Worthen (1997), Weiss (1999) e Viedma (1996), são de alguma maneira equivalentes, pois apresentam como fio condutor o interesse pela análise do processo de execução e funcionamento do programa na perspectiva de poder sempre desenvolver estratégias que possa trazer a melhoria para o programa. É fundamental ressaltar que as possíveis divergências que foram abordadas entre os autores se refere a maneira como cada um deles procura tratar o tema do que propriamente as questões de ordem conceitual. Mas, após essas diversas classificações da avaliação de processo como o presente trabalho procura compreender esse método de avaliação para a condução da pesquisa. Para uma melhor caracterização e esclarecimento do fio condutor da avaliação de processo as contribuições de Aguilar e Ander- Egg (1995), embora recorram a critérios já esboçados anteriormente, argumentam que a avaliação de processo independente da nomenclatura que se é atribuída procura avaliar as mudanças situacionais ou seja, refletir até que ponto o serviço oferecido pelo programa estudado está ocorrido de acordo com a proposta inicial. Para isso, os autores mencionados utilizam quatro subtipos com o objetivo de classificar a avaliação de processo: 1) a avaliação da implementação avalia os aspectos técnicos da implementação, ou seja, se o programa está sendo aplicado corretamente através da análise dos instrumentos que foram programados; 2) A avaliação cobertura verifica até que ponto o programa está alcançando a população a qual ele é destinado; 3) a avaliação de rendimento pessoal, que tem como principal objetivo aferir a capacidade e competência do indivíduo escolhido para desempenhar determinadas atividades que lhe foi incumbida no programa; 4) 31 avaliação do ambiente organizacional, que busca focar principalmente nos aspectos estruturais dos organismos responsáveis pela programa. Por outro lado, a contribuição de Faria (1998) sobre a avaliação de processo procura argumentar que tem como principal objetivo [...] acompanhar, observar e testar o desempenho do programa para aprimorá- lo. Este acompanhamento inclui o diagnóstico, das eventuais falhas dos instrumentos, procedimentos conteúdos e métodos, bem como adequação do público-alvo e do impacto do programa, aumentando sua adequação aos seus objetivos e metas. Se Faria compreende a avaliação de processo (avaliação da eficácia ou avaliação formativa) dessa forma, Cohen e Franco (1999) elencam critérios diferentes do momento em que se avalia para estabelecer determinados tipos de avaliação com o objetivo de detectar as dificuldades que ocorrem no processo de implementação do programa. De uma maneira geral, podemos perceber que a principal tarefa da avaliação de processo é verificar o desempenho da implementação de um determinado programa com a finalidade básica de auxiliar a tomada de decisão e reorganizar eventuais desvios que possam surgir durante o processo de execução, assegurando que os principais objetivos e metas traçados sejam alcançados ao término do programa. 32 3- TRABALHO E QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL Em pleno século XXI, no apogeu do desenvolvimento tecnológico, do acesso a informação e da mundialização do modo de produção capitalista por todo o planeta, fica evidente a impossibilidade do modo de produção capitalista solucionar os problemas sociais mais básicos que surgem ciclicamente. Como percebemos cotidianamente, as desigualdades, as injustiças e a degradação das condições de vida dos mais oprimidos aumentam gradativamente. Nessa mesma perspectiva, as condições de trabalho em todo o mundo estão sendo reconfiguradas para situações ainda mais precárias que são análogas a períodos em que a escravidão era a principal força que movia a categoria trabalho. O trabalho, a saber, sempre foi compreendido como uma das mais importantes categorias para tentar explicar a base da existência humana e, consequentemente, a maneira como os seres humanos vem conduzindo e sendo conduzidos pela sociedade atéa atualidade. O trabalho, na sua essência e generalidade, não é atividade laborativa ou emprego em que o homem desempenha e que, de retorno, exerce uma influência sobre a sua psique, o seu habitus e o seu pensamento, isto é, sobre esferas parciais do ser humano. O trabalho é um processo que permeia todo o ser humano que no trabalho algo de essencial acontece para o homem e o seu ser, que descobriu a intima, necessária conexão entre os problemas “o que é trabalho” e “quem é o homem”, pode também iniciar a investigação científica do trabalho em todas as suas formas e manifestações (e, portanto, também a investigação da realidade humana em todas as suas formas e manifestações. Se o trabalho é ação ou processo no qual alguma coisa ocorre ao homem e ao seu ser, é natural que o interesse filosófico se concentre na elucidação do caráter deste “processo” e “ação”, no descobrimento do segredo desta “alguma coisa” (KOSIK, 1976, p. 198-199). Como sabemos, a emergência da ordem burguesa ocorre em meados do século XVI e, levando em consideração que a duração do período da manufatura se deu até o segundo quarto do século XVIII, existiam duas bases centrais de cooperação da atividade trabalho: a complexa e a simples. O trabalho era compreendido como uma atividade relativamente livre, pois os seres humanos tinham tempo e espaço para desempenharem o seu ofício e se realizar enquanto sujeito 33 social, ou seja, os seres humanos tinham condições pretendia trazer, por mínima que seja, liberdade e discernimento para fazer e pensar sobre as atividades que desenvolviam. No entanto, a ordem burguesa em constante ascensão social, política e econômica procurou, modificar o modo como os seres humanos produziam a mercadoria e passa a configurar o trabalho para uma atividade produtiva no qual deixa de ser livre e passa a ser um importante instrumento de acumulação de riquezas e degradação das condições de vida das pessoas resultando na proletarização. De acordo com Karl Marx (1984, p. 488). “[...] circunstâncias externas logo levam o capitalista a utilizar de maneira diferente a concentração de trabalhadores no mesmo local de trabalho e a simultaneidade dos seus trabalhos”. Assim, o trabalho passa a ser adaptado para atender demandas de mercado com o objetivo de aumentar o lucro e o capital. Nessa linha de raciocínio, podemos considerar que o artesão, por exemplo, vai perdendo paulatinamente a capacidade de realizar o seu ofício e, com isso, supomos que também perde capacidade intelectivas. Ora, isso é constatado ao perceber que a mercadoria se torna manufatura e a atividade para aumentar a produção das mercadorias é fracionada através da divisão social do trabalho uma vez que o ofício se torna especializado e, com isso, ocorre aceleração da produção, a aceleração do tempo de trabalho e supressão do espaço entre a produção das partes para aumentar a oferta das mercadorias e, consequentemente, os patamares de acumulação de capital. Foi principalmente no surgimento da era moderna que vários pensadores associaram às mudanças sociais que vinham ocorrendo durante os séculos XVIII, XIX e XX a maneira como o trabalho foi se transformando em fonte de conflitos, valores e/ou solidariedade. Karl Marx foi um dos principais pensadores sociais que procurou se debruçar sobre a problemática das mudanças que ocorriam no processo de transição do modo de produção feudal para o modo capitalista de produção argumentando que as mudanças ocorridas nas relações de trabalho tinham implicações não só no modo de vida que os sujeitos levavam cotidianamente, mas também em toda a existência humana. De acordo com Marx, durante o período manufatureiro, o aperfeiçoamento e a diversificação das ferramentas, proporcionaram condições concretas para o desenvolvimento da maquinaria no interior da manufatura. O conhecimento que antes estava configurado na capacidade intelectual do sujeito passa a ser encontrado na máquina resultando em um conhecimento socialmente produzido para beneficiar um grupo restrito que detém, dentre outros instrumentos de dominação, o poder econômico. 34 Quanto maior o desenvolvimento do processo de industrialização, maior é a necessidade da utilização do conhecimento especializado para desenvolver a maquinaria e, consequentemente, a apropriação do capital para aumentar a produção, os patamares de acumulação e alienação do trabalhador frente a atividade que desempenha no chão da fábrica. Por alienação compreendemos o estranhamento que essa nova configuração do trabalho na era moderna se apresenta para o trabalhador causando inconsciência, unilateralização e, consequentemente, perca da percepção de todo o processo produtivo transformando em mercadoria a própria condição de vida do trabalhador. Logo, o estudo científico-crítico que Marx procurou desenvolver estabelecendo como base epistemológica a análise dos elementos históricos a partir relação dialética (observação, análise e interpretação dos fenômenos sociais) fornecia elementos importantes para problematizar a compreensão da Economia Política (compreensão esta tida como hegemônica até então). Nesse ponto de vista, Não é preciso dizer que o proletário, isto é, o homem, que, existindo sem capital e renda, puramente do trabalho, e de um trabalho-abstrato unilateral, é considerado pela Economia Política somente como um trabalhador. A Economia Política pode, não obstante, sustentar a proposição de que o proletário, tal e qual qualquer cavalo, pode obter tanto quanto lhe seja permitido trabalhar. Ela não o considera, quando ele não está trabalhando, como um ser humano; pois deixa essa consideração à justiça criminal, aos médicos, a religião, às tabelas estatísticas, à política e ao zelador de asilo. (...) seja-nos permitido elevarmo-nos acima do nível da Economia Política e tentarmos responder duas questões com base na exposição anterior, a qual quase foi mantida nos termos dos economistas políticos: 1) qual é, na evolução da humanidade, o significado dessa redução da maior parte da humanidade ao trabalho abstrato? 2) quais são os erros cometidos pelos reformadores gradualistas, os quais ou desejam elevar os salários e desse modo melhorar a situação da classe trabalhadoras, ou encaram a igualdade de salários (como faz Proudhon) como a meta da revolução social? (FERNANDES, 2012, p.36 apud MARX). A passagem faz-se necessária para argumentar e reforçar como Marx procurava explicar os fatos da vida real através da Economia Política submetendo-os a um outro tipo de argumentação com raciocínio científico-filosófico no qual procurava compreender o trabalho, 35 o trabalhador, o não-trabalhador, o processo de desumanização e objetivação imposto pelo sistema capitalista de produção na vida das pessoas como parte de uma totalidade histórico- social concreta compreendidos em sua aparência e em sua essência. Isto posto, podemos argumentar que (...) o sistema capitalista tem uma estrutura determinante, cujos fundamentos são a propriedade privada dos meios e instrumentos de produção, a expropriação da classe trabalhadora, o Estado capitalista, o estatuto científico baseado em uma concepção utilitarista e egoísta do ser humano, e instituições e organizações reprodutoras das relações sociais, mas em que os processos de acumulação, concentração e centralização de capital se dão de forma contraditória, desigual e combinada (NEVES; PRONKO, 2008, p.8). Nesse sentido, Marx buscava compreender o modo de produção capitalista na sua origem, na sua manifestação atual e no vir-a-ser, uma vez que a preocupação intelectual do movimento dialético do pensamento nos dar condições de percebermos o movimento dialético da realidade. O filósofo Karel Kosik, que procura compreender a sociedade do seu tempo no mesmo prisma epistemológico de Marx, nos mostra a importância da concepção investigativaadotada no presente trabalho. O princípio metodológico da investigação dialética da realidade social é o ponto de vista da totalidade concreta, que antes de tudo significa que cada fenômeno pode ser compreendido como momento do todo. Um fenômeno social é um fato histórico na medida em que é examinado como momento de um determinado todo; desempenha, portanto, uma função dupla, a única capaz de fazer efetivamente um fato histórico: de um lado, definir a si mesmo, e de outro, definir o todo; ser ao mesmo tempo produtor e produto; ser revelador e ao mesmo tempo determinado; ser revelador e ao mesmo tempo decifrar de si mesmo; conquistar o próprio significado autêntico e ao mesmo tempo conferir um sentido a algo mais (KOSIC, 1976, p. 40). Isto posto, ontologicamente o trabalho é compreendido como uma “[...] atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza, condição eterna da vida humana e, portanto, independentemente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais” (ANTUNES, 2004, p.46). 36 O fundamento epistemológico mais básico da análise social marxiana é a categoria trabalho e se configura na sua forma mais universal como a atividade humana responsável pela manutenção e reprodução da espécie e se realiza através de contínuas sínteses com a natureza e entre os próprios seres humanos. Nesse sentido, Friedrich Engels se debruça sobre a categoria trabalho e a compreende como a atividade central no processo de formação e desenvolvimento do ser humano uma vez que pode ser compreendido como “(..) a condição fundamental de toda a vida humana; e o é num grau tão elevado que, num certo sentido, pode-se dizer: o trabalho, por si mesmo, criou o homem” (ENGELS, 1985, p. 215). Nos Manuscritos de 1844, Karl Marx assinala a especificidade da categoria trabalho ao argumentar que existe uma diferença importante entre a atividade produtiva do ser humano e a produção animal. O animal é imediatamente um com sua atividade vital. Não se distingue dela. É ela. O homem faz de sua atividade vital mesma um objeto da sua vontade e da sua consciência. Ele tem uma atividade vital consciente. Esta não é uma determinada [Bestimmtheit] com a qual ele coincide imediatamente. A atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital do animal. (...). É verdade que também o animal produz. Constrói para si um ninho, habitações, como a abelha, o castor, a formiga etc. No entanto, produz apenas aquilo de que necessita imediatamente para si ou sua cria; produz unilateral [mente], enquanto o homem produz universal [mente]; o animal produz apenas sob o domínio da carência física imediata, enquanto o homem produz mesmo livre da carência física, e só produz, primeira e verdadeiramente, na [sua] liberdade [com relação] a ela; o animal só produz a si mesmo, enquanto o homem produz a natureza inteira; [no animal], o seu produto pertence imediatamente ao seu corpo físico, enquanto o homem se defronta livre[mente] com o seu produto, (MARX, 2006, p. 85). Posteriormente, Marx retoma a categoria trabalho no primeiro livro de O Capital modificando alguns levantamentos realizados anteriormente e argumenta sobre as diferenças entre a atividade estritamente produtiva daquela que fazem parte da vida animal. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de 37 transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na cabeça do trabalhador, (MARX, 1984, p. 211-212). O caráter de conscientização da atividade produtiva para o ser humano se apresenta na capacidade que ele possui de organizar e antecipar na sua mente o resultado do tipo de ação produtiva que visa desenvolver ou executar. Devido a esse processo (pensar, esquematizar e aplicar na prática) o ser humano é o único ser social e a categoria trabalho é aquela que fundamenta o ser social. O ser objetivo atua objetivamente e não atuaria objetivamente se o objetivo [Gegenständliche] não estivesse posto em sua determinação essencial. Ele cria, assenta apenas objetos, porque ele é assentado mediante estes objetos, porque é, desde a origem, natureza [weil es von Haus aus Natur ist]. No ato de assentar não baixa, pois, de sua ‘pura atividade’ a um criar do objeto, mas sim seu produto objetivo apenas confirma sua atividade objetiva, sua atividade enquanto atividade de um ser natural objetivo, (MARX, 2006, p. 127). Ao considerar o trabalho como um momento condicionante na constituição da vida humana, ou seja, ponto de partida para o processo de humanização percebemos, ao longo da história, a maneira como o trabalho e as relações de trabalho vêm sofrendo mudanças significativas decorrentes das transformações que afetam a economia e a sociedade no seu conjunto. Assim, argumentamos que a sociedade capitalista o transformou em trabalho assalariado, alienado, fetichizado e uma atividade reduzida a mero meio de subsistência (ANTUNES, 2004). A partir do século XIX as forças produtivas desenvolvem-se cada vez mais e os meios de produção deixam de ser controlados pelos grêmios, associações e cooperativas de ofício, passando a se concentrarem, cada vez mais, nas mãos da burguesia. O trabalhador deixar de ser o produtor direto dos meios necessários para a sua subsistência e subordina-se a relações salariais com os capitalistas. Tal expropriação se torna o fio condutor de todo o processo de revolução das forças produtivas do sistema capitalista. A maioria dos trabalhadores expropriados de suas terras e ferramentas não veem alternativas a não ser vender a sua força de trabalho em troca de uma relação salarial que faz com que o trabalho seja reduzido à criação do valor de troca. Valor este 38 que apenas ganha sentido e se objetiva no dinheiro, resultante do assalariamento, da condição de escravatura assalariada de uns em detrimento de outros (MARX, 2006, p. 339-382). A classe trabalhadora, portanto, é resultado de um processo histórico de acumulação de capital em que os indivíduos forçadamente destituídos dos seus meios de produção são empurrados à venda da sua força de trabalho1 e submetidos a condições precárias de trabalho. O trabalho, essa importante atividade, submete os seres humanos ao estranhamento frente ao produto do seu próprio trabalho e frente ao próprio ato de produção da vida material, alterando todas as relações sociais e impedindo que a maioria dos seres humanos possa dar sentido as suas vidas de forma concreta. Com o objetivo de aumentar o patamar de acumulação dos empresários, no início do século XX, F. W. Taylor lança Os Princípios da Administração Científica. Uma influente obra que procurava, sobretudo, compreender (...) como a produtividade do trabalho podia ser radicalmente aumentada através da decomposição de cada processo trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefas de trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e de estudo do movimento (HARVEY, 1989, p.120). Essa estratégia e otimização do tempo e aumento do controle do ritmo de trabalho e da organização dos negócios empreendidos pelos capitalistas foi desenvolvida e aprimorada por Henry Ford em meados de 1914. Ao perceber que a separação entre gerência, concepção, controle além da execução e organização hierárquica do fluxo e da autoridade da informação já estava obtendo êxito em diversas indústrias Ford acreditava que o novo tipo de sociedade poderia ser construído simplesmente com a aplicação adequada ao poder coorporativo. O propósito dodia de oito horas e cinco dólares só em parte era obrigar o trabalhador a adquirir a disciplina necessária à operação do sistema de linha de montagem de alta produtividade. Era também dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os produtos produzidos em massa que as corporações estavam por fabricar em quantidades cada vez maiores (HARVEY, 1989, p. 123) 1 - Uma síntese desse processo de expropriação e destituição da classe trabalhadora em favor do desenvolvimento do sistema capitalista encontra-se no “Capítulo XXIV: A chamada acumulação primitiva”. Karl Marx, O Capital- Livro Primeiro - Parte II (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2012) p. 825-878. 39 O coroamento da “grande indústria” analisada por Marx quando do início da sociedade industrial do século XIX resultará na sociedade do trabalho taylorista-fordista2 do século XX. (...) A necessidade de ajustar o trabalhador ao trabalho em sua forma capitalista, de superar a resistência natural intensificada pele tecnologia mutável e alternante, relações sociais antagônicas e a sucessão de gerações, não termina com a organização científica do trabalho, mas se torna um aspecto permanente da sociedade capitalista. (BRAVERMAN, 1981, p.124). Nesse itinerário, os trabalhadores assumiram-se como classe social e conquistaram direitos. Direitos estes, entretanto, que passaram a serem atacados quando após a crise do modelo taylorista-fordista a partir dos anos 1970. Crise como expressão da perda de dinamismo do modelo do pós-guerra – padrão de acumulação padronizada (HARVEY, 1989) associada à crise do petróleo e do desinteresse americano na manutenção do arranjo padrão ouro-dólar. Num contexto de forte retração da produção e do consumo, intensificou-se o desemprego, possibilitando terreno fértil para a ideologia liberal3. A ordem do capital passou a ser a derrogação e desregulamentação de direitos conquistados. Medidas como: a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e o sucateamento do setor produtivo estatal foram adotadas para que o processo de reestruturação da produção e do trabalho mantivesse os patamares de lucro e expansão de mercado. Sobre a aplicação da ideologia neoliberal na Inglaterra e supressão dos direitos trabalhistas e neutralização da ação sindical percebemos a partir de Antunes (1999) que O thatcherismo reduziu fortemente a ação sindical, ao mesmo tempo em que criou as condições para a introdução das novas técnicas produtivas, fundadas na individualização das relações entre capital e trabalho e no boicote sistemático à atuação dos sindicatos. Incluiu nessa política antissindical a restrição à atuação dos shop stewars e limitou também os locais de trabalho onde eram garantidos direitos de filiação sindical. Transitou-se de um sistema legal anterior, que regulamentava de maneira mínima as relações de trabalho, 2 Resumidamente, o taylorismo-fordismo é uma estratégia de organização do trabalho que visa à incorporação de métodos e normas visando à maximização do rendimento da força de trabalho e, consequentemente a intensificação da extração da mais-valia e eliminação do tempo morto de trabalho. 3 Tem-se aqui o Consenso de Washington – Proposta fundamentada no liberalismo que preconiza o mercado como organizador da economia e o afastamento do papel do Estado. As principais medidas sugeridas são: privatizações, abertura econômica, ajuste fiscal e ataque a legislação social. 40 para um forte sistema de regulamentação cujo significado essencial era, por um lado, desregulamentar as condições de trabalho e, por outro, coibir e restringir ao máximo a atividade sindical. Em outras palavras, de um sistema de pouca regulamentação que possibilitava a ampla atividade sindical, para uma sistemática de ampla regulamentação, restritiva para os sindicatos e desregulamentadora no que diz respeito às condições do mercado de trabalho. O exemplo da greve é elucidativo: para que decretação tenha validade legal, há um ritual complexo de votações que burocratizam e limitam fortemente a sua ocorrência, que deve ser anunciada e posteriormente seguir toda uma teia de restrições. As greves de solidariedade foram proibidas; também foram coibidas as ações de conscientização dos sindicatos, como os piquetes e a pressão sindical tradicionalmente exercida sobre os trabalhadores que desconsideravam as decisões coletivas, tomadas por voto secreto pela realização da greve. Somente as paralisações que seguiam o tinham burocrático-legal restritiva validade. Quando essa sistemática não era rigorosamente cumprida, os sindicatos sofriam penalidades que atingiam multas altíssimas, de modo a inviabilizar a vida associativa e sindical (p.70). É nesse contexto de ataque do capital ao trabalho e, simultaneamente, a evolução das forças produtivas – Revolução Tecnológica/Informacional que se assiste ao surgimento do padrão de acumulação flexível. A profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do petróleo, evidentemente retirou o mundo capitalista do sufocante torpor da estagflação (estagnação da produção de bens e alta inflação de preços) e pôs em movimento um conjunto de processos que solaparam o compromisso fordista. Em consequência, as décadas de 70 e 80 foram um conturbado período de reestruturação econômica e de reajustamento social e político. No espaço social criado por todas essas oscilações e incertezas, uma série de novas experiências nos domínios da organização industrial e da vida social e política começou a tomar forma. Essas experiências podem representar os primeiros ímpetos da passagem para um registro de acumulação inteiramente novo, associado com um sistema de regulação política e social bem distinta. A acumulação flexível (...) é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas 41 altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional (HARVEY, 1989, p.140). Inicia-se, como destacamos, a mundialização da lógica econômico-produtiva da acumulação flexível. As indústrias passam de padrões hierarquizados a estratégias de reengenharia, terceirização, privatização e financeirização (SENNETT, 2006). A mundialização do novo padrão de acumulação do capital adapta-se ao processo de reprodução social às novas tecnologias, recompondo o controle e gestão do trabalho, socializando para os trabalhadores modos de trabalho precarizado. Nessa dinâmica a proletatização do trabalho industrial, fabril e manual, sobretudo nos chamados países de capitalismo avançado ou não-periféricos, expressa-se na reconfiguração da classe operária, a intensificação da terceirização do trabalho, toma como base o assalariamento no setor de serviços e, como consequência, eleva-se os contingentes em direção a precarização do trabalho. Nesse sentido, “identificamos o precariado com a fração mais mal paga e explorada do proletariado urbano e dos trabalhadores agrícolas, excluídos a população pauperizada e o lumpemproletariado, por considera-la própria à reprodução do capitalismo periférico” (BRAGA, 2012, p. 19). As condições atuais que são oferecidas no mercado de trabalho, sobretudo o desemprego e a precarização, são decorrentes da flexibilização de condições de trabalho que se consolidam a uma contínua retração dos poucos direitos trabalhistas que foram adquiridos pela classe trabalhadora em lutas passadas. Tal panorama é um reflexo da doutrina neoliberal que além de submeterem os trabalhadores a condições de vida degradantes responsabilizam os mesmos quando
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