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Reportagem-Costa-2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL 
 
 
 
DANDARAH FILGUEIRA DA COSTA 
 
 
 
 
 
 
 
 
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO 
REPORTAGEM: AS EVAS DO SÉCULO XXI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2020 
 
DANDARAH FILGUEIRA DA COSTA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO 
REPORTAGEM: AS EVAS DO SÉCULO XXI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado 
para obtenção do grau de Bacharel em 
Jornalismo, Departamento de Comunicação 
Social, Centro de Ciências Humanas, Letras e 
Artes, Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2020 
 
DANDARAH FILGUEIRA DA COSTA 
 
 
 
REPORTAGEM: AS EVAS DO SÉCULO XXI 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do grau de Bacharel em 
Jornalismo, Departamento de Comunicação Social, Centro de Ciências Humanas, Letras e 
Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 
 
 
Data da aprovação: 
 
 
BANCA EXAMINADORA: 
 
 ______________________________________________ 
Professor Doutor Antonino Condorelli (orientador) 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN 
 
 ______________________________________________ 
Professora Doutora Maria do Socorro Furtado Veloso 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN 
 
______________________________________________ 
Ms. Carmem Daniella Spínola Da Hora 
Avaliadora externa 
 
 
 
NATAL 
2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho à minha primeira professora, que me 
ensinou tudo de mais importante que eu sei hoje: minha mãe, 
Osineide. 
 
 
Agradecimentos 
 
À minha mãe, Osineide. Seu amor e cuidado sempre foram minha base. Você é minha 
maior incentivadora, me ensinou o valor do estudo através das palavras e do seu exemplo. 
Obrigada por acreditar em mim, mesmo nas vezes em que eu mesma não acreditei. Tudo é 
graças a você. 
Ao meu pai, João, que me apoia e me ajuda sempre que eu preciso. Em você eu tenho 
um amigo. Obrigada por todas as vezes que me esperou na parada de ônibus quando precisei 
sair da Universidade tarde da noite. 
Ao meu irmão, Natan, pelo apoio e amizade de uma vida inteira. É uma felicidade para 
mim compartilhar a vida com você. 
Ao meu amor, Lucas, por ser todo ouvidos quando eu preciso que alguém me escute, e 
braços abertos quando eu preciso de um afago. Você faz meus dias mais felizes. 
Aos meus amigos: Giovana, Luciana, Lourena, Danilo, Luís, Kaline e Tatyane, porque 
é com vocês que eu dou as melhores risadas. Obrigada por sempre torcerem por mim. 
Ao meu orientador, Antonino, porque aceitou me ajudar com esse trabalho mesmo 
quando não podia. Você é uma inspiração para mim, tanto como profissional da comunicação 
quanto como ser humano. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Alas! a woman that attempts the pen, 
Such a presumptuous creature is esteemed, 
The fault can by no virtue be redeemed. 
They tell us we mistake our sex and way; 
Good breeding, fashion, dancing, dressing, play, 
Are the accomplishments we should desire. 
To write, or read, or think, or to enquire, 
Would cloud our beauty, and exhaust our time, 
And interrupt the conquests of our prime, 
Whilst the dull manage of a servile house 
Is held by some our utmost art and use. 
(Lady Winchilsea) 
 
Resumo 
 
Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) trata da realização da reportagem “As Evas do 
século XXI”, sobre o Godllywood, um grupo atrelado à maior representante do 
neopentecostalismo no Brasil: Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). O Godllywood é 
liderado por Cristiane Cardoso, filha mais velha de Edir Macedo, fundador e líder da IURD. 
Esse grupo se descreve como um movimento para resgatar valores esquecidos, e é voltado 
apenas para mulheres. Através dele, as esposas e pastores de bispos aconselham meninas, 
adolescentes e mulheres adultas sobre diversos aspectos do cotidiano, na maioria das vezes 
expressando opiniões e valores conservadores e criticando o movimento feminista. Esta 
reportagem relata a experiência de mulheres que fizeram parte desse grupo, e contextualizar 
essas práticas em relação ao patriarcado na sociedade ocidental, que é justificado por uma 
interpretação da Bíblia machista e descontextualizada historicamente há mais de dois mil anos. 
Fundamentei minha escolha sobre o gênero reportagem com base nos autores Lage (1985, 
2005a, 2005b) e Kotscho (1986). Para compreender o neopentecostalismo, o trabalho se baseia 
em Mariano (1996, 2004) e, para refletir sobre patriarcado e feminismo, são mobilizadas ideias 
de Grossi (1998) e Lerner (2019). A reportagem foi desenvolvida com base nas entrevistas, 
realizadas com personagens centrais para a narrativa e especialistas a respeito do tema, 
priorizando o diálogo para que, como defende Medina (1995), a entrevista seja um braço da 
comunicação humana, e não uma simples técnica, e na pesquisa com documentos a partir de 
vídeos do canal do Godllywood no YouTube. 
 
Palavras-chave: Reportagem; Igreja Universal do Reino de Deus; Godllywood; gênero; 
patriarcado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Abstract 
This undergraduate thesis focus on the production of the “As Evas do século XXI” (The Eves 
of the 21st Century) reportage on Godllywood, a group related to the biggest representative of 
Neopentecostal religion in Brazil—the Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). The 
Godllywood group is led by Cristiane Cardoso, oldest daughter of the founder and leader of 
IURD, Edir Macedo. This women-exclusive group describes itself as a movement to rescue 
forgotten values and it is through that group that wives and ministers and bishops advise girls, 
teenagers and adult women about various aspects of daily life, in most of cases expressing 
conservative opinions and values, and also criticizing the feminist movement. “As Evas do 
século XXI” reportage recounts the experience of women who belonged to that group and 
contextualizes some practices in relation to the patriarchy in the west civilization, which is 
justified by a male-oriented interpretation of the Holy Bible historically decontextualized for 
more than two thousand years. The choice of the reportage genre is substantiated in accord with 
the authors Nilson Lage (1985, 2005a, 2005b) and Kotscho (1986). To completely understand 
the Neopentecostal religion this work bases on Mariano (1996) and Lerner (2019). The 
reportage was developed on the ground of interviews produced with central characters for the 
narrative and specialists on the theme–always prioritizing the dialog–consequently as Medina 
(1995) defends, making it not only just a simple technic but an important instrument to human 
communication, furthermore utilizing a document-orientated research based on Godllywood 
videos on YouTube. 
 
Keywords: Reportage; Igreja Universal do Reino de Deus; Godllywood; gender; patriarchy. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sumário 
 
 
 
1. Introdução 9 
2. O Movimento Pentecostal 13 
2.1. As primeiras vertentes 13 
2.2. O Neopentecostalismo e a Igreja Universal 14 
3. Gênero 19 
3.1. A história das mulheres por Gerda Lerner 20 
3.1.1 Os simbolismos bíblicos 23 
4. Reportagem 28 
4.1. Um breve histórico 28 
4.2. O fazer jornalístico 31 
4.2.1. Notícia ou reportagem? 33 
4.2.2. A questão da neutralidade 34 
5. Entrevista 36 
5.1. Tipos de fontes pessoais 37 
5.2. Tipos de entrevistas 39 
6. Anaĺise Documental para o Jornalismo 41 
7. Pesquisa bibliográfica 44 
8. Desenvolvimento da reportagem “As Evas do século XXI” 46 
8.1. A estrutura da reportagem47 
8.2. Entrevistas com as personagens 50 
8.3. Entrevistas com as experts 52 
8.4. A pesquisa 53 
9. Considerações Finais 56 
10. Referências Bibliográficas 58 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
 
1. Introdução 
De acordo com dados do Instituto Datafolha, o segundo maior grupo religioso no Brasil 
hoje é o de cristãos evangélicos, que representam 31% da população. Desse grupo, a maioria é 
composta por mulheres: 58%. Os cristãos, somando católicos e evangélicos, são 81% da 
população brasileira. 
A história da religião evangélica no país nos apresenta dois movimentos significativos: 
o movimento dos protestantes históricos com suas igrejas representantes: Luterana, 
Presbiteriana, Congregacional, Anglicana, Metodista, Batista e Adventista, e os pentecostais. 
O pentecostalismo faz referência à passagem do livro bíblico Atos dos Apóstolos, do 
Novo Testamento, em que o Espírito Santo desceu sobre os discípulos de Jesus durante a festa 
de Pentecostes (Festa da Colheita). “E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos 
reunidos no mesmo lugar, e de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e 
impetuoso e encheu toda a casa em que estavam assentados” (Atos dos Apóstolos 2:1-2). Com 
a descida do Espírito Santo, as pessoas passaram a falar em línguas estranhas. A glossolalia 
(capacidade de falar em línguas estranhas) é a característica mais importante das igrejas 
pentecostais. 
Os pentecostais ainda se dividem em outras três vertentes, sendo a neopentecostal a 
mais jovem e com crescimento mais significativo desde o final dos anos 1970, devido a 
fundação de sua maior representante: Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). A IURD é 
popular pela abordagem da Teologia da Prosperidade, que assume que as bênçãos materiais 
aos fiéis são um desejo de Deus, a luta espiritual contra as forças do mal e o investimento 
intenso nos meios de comunicação de massa. 
Os neopentecostais se mostram menos tradicionais nos costumes do que os seus 
antecessores. A Igreja Universal facilmente se apropria de elementos e simbolismos de 
religiões de matriz africana, como usar branco, fazer banho de sal grosso, banho de arruda, etc. 
E também aceita melhor certas práticas consideradas mundanas ou seculares: 
 
A Universal surge numa cultura urbana influenciada pela televisão e pela 
ética yuppie. Ela é, dessa forma, uma igreja mais ligada à cultura das 
grandes cidades, fazendo um cruzamento entre duas pontes: uma ligada à 
tradição religiosa do país, como se pode notar em suas influências 
sincréticas, e outra ligada à cultura urbana do Brasil moderno. (OLIVEIRA 
FILHO, 2012, p. 19) 
 
Alguns exemplos ilustram essa postura: a vaidade das mulheres é incentivada, o prazer 
sexual dentro do casamento é considerado importante, o uso de métodos contraceptivos 
10 
 
 
também é aceito e, Edir Macedo, fundador e líder máximo da igreja, já se posicionou 
abertamente a favor da legalização do aborto. 
Em contrapartida, a igreja mantém o viés conservador em relação a outras temáticas 
como o sexo antes do casamento, o consumo de álcool e cigarro e as relações de gênero. A 
Universal, nas falas de seus líderes durante as pregações, assume que a mulher deve ser 
submissa ao homem e que essa é a vontade Divina. “O homem é detentor de autoridade dentro 
e fora de casa, e a mulher tem como principal função ser mãe e esposa, embora possa ocupar 
outros espaços secundariamente”. (OLIVEIRA FILHO, 2012, p. 32) 
Dentro dessa lógica de alegar a submissão da mulher e o antigo estigma de que deve 
ser, acima de tudo, boa mãe e esposa, mas aceitar que a mulher atual está inserida em outros 
contextos como o estudo e o trabalho, nasce o grupo de mulheres Godllywood, criado por 
Cristiane Cardoso, filha mais velha de Edir Macedo e esposa de Renato Cardoso, bispo e futuro 
herdeiro da liderança da IURD. 
O Godllywood inicialmente foi chamado de Sisterhood porque, de acordo com 
Cristiane Cardoso, a ideia era de semelhar-se às irmandades das universidades dos Estados 
Unidos, onde a fundadora residia com o marido, o bispo Renato Cardoso, na época. O nome 
Godllywood veio depois como uma adaptação do nome Hollywood com o prefixo God (Deus 
em inglês), pois a intenção era um grupo de combate aos valores propagados pelas produções 
hollywoodianas e resgate aos “valores esquecidos”. 
 
Para a Universal, ideias propagadas pela meca do cinema, estimulando a 
imagem da mulher moderna, livre e independente, seriam nocivas à formação 
de suas fiéis. No site do movimento, ressalta-se a necessidade de as seguidoras 
se prepararem para se tornar “mulheres exemplares”, “avessas às influências 
e imposições hollywoodianas”, e capazes de apresentar “exemplo positivo em 
casa, no trabalho e na escola” (NASCIMENTO, 2019, p. 149) 
 
O Godllywood culminou em diversos produtos: livros escritos por Cristiane e outras 
esposas de bispos que fazem parte do grupo, um vasto conjunto de conteúdo digital para 
diferentes plataformas como YouTube, Instagram e Blogs, programas no rádio transmitidos 
pela Rede Aleluia e para a televisão veiculados pela Record TV, emissora de propriedade de 
Edir 
 Macedo. Na Record TV, Cristiane conduz junto de Renato Cardoso o The Love School (A 
Escola do Amor), um programa de aconselhamento sobre vida amorosa para homens e 
mulheres. 
11 
 
 
No grupo também há espaço para as crianças. Meninas de 6 a 14 anos podem fazer parte 
do Godllywood Girls, em que recebem orientações para, de acordo com a página oficial do 
grupo, se tornarem garotas exemplares. No canal do YouTube há uma playlist de vídeos com 
conteúdo voltado para as meninas do Girls, com dicas de penteados, receitas e até conselhos 
sobre saúde, como um em que uma médica explica sobre a primeira menstruação. As meninas 
também podem frequentar a Godllywood School, uma espécie de escola de boas maneiras com 
cursos que custam de R$200 a R$250 reais e acontecem no Templo de Salomão em São Paulo, 
considerado o espaço mais importante da IURD. 
Além do Girls, o grupo desenvolve outros projetos, como a Escola de Mães, que 
objetiva prestar assistência às mulheres na criação de seus filhos, e o projeto Raabe, voltado 
para mulheres que sofrem ou já sofreram abuso ou foram vítimas de violência. 
Na reportagem “As Evas do século XXI” pretendi descrever as atividades deste grupo, 
que após um crescimento vertiginoso e grande adesão por parte das mulheres que frequentam 
a IURD agora se denomina como um movimento. Irei refletir sobre a preocupação da liderança 
da Universal em obter um mecanismo de doutrinação que contemple todas as áreas das vidas 
das fiéis de todas as idades e sobre o papel e a importância desse movimento na vida das 
mulheres que frequentam a IURD, que apesar de se utilizar de recursos e ideias modernas, tem 
como objetivo resgatar valores cristãos mais tradicionais e conservadores. 
A Universal, em comparação com outras igrejas evangélicas, é vista como mais liberal, 
que não possui práticas ascéticas (relacionadas ao sacrifício e domínio do corpo e do espírito) 
e que se adapta melhor ao mundo moderno. No entanto, esse estilo pode ser considerado 
paradoxal, pois de outras formas a Universal acaba criando seus próprios mecanismos de 
doutrinação, como é o caso do projeto Godllywood. 
Enquanto as igrejas de tradições mais antigas trabalham com um tipo de doutrina, a 
Universal trabalha com uma doutrina mais moderna, que não deixa de ser doutrina. Além disso, 
a IURD tem se mostrado, desde as eleições presidenciais de 2018, em acordo com as ideias 
conservadoras do presidente Jair Bolsonaro, a quem apoiaram no pleito em questão. Pretendi 
analisar essa relação, pois um presidente conhecido internacionalmente por falas 
preconceituosas, machistas, misóginas, homofóbicas e etc, se tornou representante político 
desse grupo de pessoas, o qual a Universal, seus pastores e membros fazem parte. 
O presente relatório está estruturado daseguinte forma: os capítulos 2, 3 e 4 tratam da 
fundamentação teórica do trabalho. O capítulo 2 é um breve resumo da história do Movimento 
Pentecostal, com ênfase na vertente Neopentecostal e em como a Igreja Universal está inserida 
nesse cenário. Em seguida, o capítulo 3 faz uma explanação sobre o conceito de gênero, papéis 
12 
 
 
de gênero, e sobre os simbolismos bíblicos que são utilizados até hoje para justificar a 
submissão das mulheres. Na última parte da fundamentação teórica, o capítulo 4 explica sobre 
Reportagem, narrando resumidamente a história deste gênero jornalístico e explicitando outras 
questões relacionadas ao tema, como a diferença entre notícia e reportagem e a questão da 
neutralidade no texto jornalístico. 
Os três capítulos seguintes abordam as questões metodológicas do trabalho: o capítulo 
5 refere-se ao tema Entrevista, um dos métodos utilizados para a realização da reportagem, e 
explica sobre os procedimentos e técnicas de entrevista, tipos de entrevistas e tipos de fontes. 
O sexto capítulo trata de conceituar uma Análise Documental para o Jornalismo, baseada nos 
conceitos da Pesquisa Documental. Seguidamente, o capítulo 7 aborda os conceitos da Pesquisa 
Bibliográfica. 
Após a fundamentação teórica, o oitavo capítulo se dedica a descrever o processo de 
realização da reportagem, detalhando sua estrutura, como foram realizadas as entrevistas com 
as ex-membros e as experts, e a pesquisa com vídeos do YouTube do canal do Godllywood. O 
capítulo 9 trata das Considerações Finais acerca do trabalho, e, em seguida, são as Referências 
Bibliográficas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
 
2. O Movimento Pentecostal 
O Pentecostalismo nasceu nos Estados Unidos no século XX e faz referência ao trecho 
da bíblia: “E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar, e 
de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso e encheu toda a casa 
em que estavam assentados” (Atos dos Apóstolos, 2:1-2). 
A Bíblia narra que, no dia de Pentecostes, após o vento impetuoso encher a casa onde 
estavam os seguidores de Jesus Cristo, estes começaram a falar em línguas estranhas, que seria 
o sinal do Espírito Santo enviado por Deus após a morte de Jesus. Por isso as igrejas 
pentecostais são marcadas pela valorização do dom da glossolalia: a capacidade de falar em 
línguas estranhas. Para os pentecostais essa é a marca de uma pessoa que recebeu o Batismo 
com o Espírito Santo. 
 
2.1. As primeiras vertentes 
O movimento Pentencostal pode ser dividido em três ondas. A primeira é chamada de 
Pentecostalismo Clássico, ele surge no início do século XX nos Estados Unidos. De acordo 
com Cardoso (2020, p. 56), qualquer novo movimento religioso tem como pano de fundo 
mudanças sociais, políticas e filosóficas, e o Pentecostalismo Clássico foi o que fez mais 
sentido para os americanos após a Guerra Civil Americana (1861-1865). 
Para Matos (2006, p. 30, apud CARDOSO, 2020, p. 55), o marco do nascimento deste 
movimento é o ensino das línguas estranhas em um instituto bíblico criado pelo pregador 
metodista Charles Fox Parham. Ele foi o primeiro a identificar esse dom como o sinal do 
Batismo no Espírito Santo, o que foi crucial para a disseminação do pentecostalismo em 1900. 
O Pentecostalismo Clássico possui o que é uma característica de todas as ondas do 
pentecostalismo: o apreço pelos simbolismos e experiências sobrenaturais. 
 
Muitos pentecostais entendem as experiências emocionais como também 
espirituais, sendo assim, se saírem de um culto sem terem estas experiências, 
concluem que o culto não foi bom, não houve a manifestação do poder de 
Deus ou o pastor era fraco. (CARDOSO, 2020, p. 53) 
 
Suas duas principais representantes brasileiras são a Congregação Cristã no Brasil e a 
Assembleia de Deus, ambas fundadas no início do século XX por missionários estrangeiros 
que se converteram ao pentecostalismo nos Estados Unidos. 
A segunda onda do movimento é chamada de Deuteropentecostalismo. Ela nasce com 
a International Church of Foursquare Gospel, na década de 1940, que no Brasil é a Igreja do 
14 
 
 
Evangelho Quadrangular. As principais características desta vertente são a ênfase na cura 
divina, a evangelização por meio do rádio e a realização de cultos-shows bastantes festivos em 
lonas como de circos. (CARDOSO, 2020, p. 59) 
Além da Igreja do Evangelho Quadrangular, outras representantes dessa ramificação 
são a Deus é Amor, Brasil para Cristo, Casa da Bênção e outras igrejas menores. (MARIANO, 
1996, p. 124) 
 
2.2. O Neopentecostalismo e a Igreja Universal 
A partir de agora, irei focar no Neopentecostalismo e suas práticas levando em 
consideração a sua maior representante e foco do nosso trabalho: A Igreja Universal. O 
Neopentecostalismo é a vertente mais jovem do movimento Pentecostal. Esse termo é utilizado 
para denominar as igrejas pentecostais que surgiram a partir dos anos 1970, e que estão 
alicerçadas principalmente sobre três fatores: A Teologia da Prosperidade; a luta constante 
contra o Diabo e as forças do mal e a evangelização através dos meios de comunicação de 
massa (rádio e televisão). 
A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), fundada por Edir Macedo, como dito 
anteriormente, é a principal representante desta vertente do pentecostalismo. Desde sua 
fundação em 1977, no Rio de Janeiro, a IURD obteve um crescimento notável, espalhou seus 
templos para todo o Brasil e hoje, segundo o site da instituição, está presente em mais de 100 
países. 
Outras denominações neopentecostais importantes são a Igreja Apostólica Renascer em 
Cristo, a Igreja Internacional da Graça de Deus, que tem como liderança Romildo Soares, 
cunhado de Edir Macedo e a Igreja Mundial do Poder de Deus, cujo líder, apóstolo Valdemiro 
Santiago, é ex-bispo da Universal. 
Um outro aspecto importante do neopentecostalismo ressaltado por Mariano (1996) é a 
incorporação de elementos mágicos na narrativa religiosa. Para além da luta contra o Diabo 
(sem o qual Deus não pode existir) e as forças do mal, a magia e o simbolismo estão presentes 
nos cultos e reuniões neopentecostais por meio da utilização objetos que são considerados 
sagrados e de rituais que são feitos com o objetivo de alcançar as bênçãos de Deus. 
Por exemplo, a Universal constantemente usa em seus propósitos algum elemento como 
água, azeite, suco de uva, pão (não somente no ritual da Santa Ceia, mas em outros também), 
rosa, areia etc, e muitas vezes incorpora nos seus rituais elementos das religiões de matriz 
africana, como as vestes brancas, o sal grosso e as velas. Os objetos considerados sagrados 
algumas vezes são entregues na própria igreja e outras vezes o fiel precisa levar de sua casa. 
15 
 
 
Além de se apropriar também de rituais como a proteção contra mau-olhado, o fechamento de 
corpo, o banho de arruda etc. 
A Universal, em especial, endossa o discurso contrário às religiões de matriz africana, 
afirmando que são demoníacas, apesar de se apropriar de suas práticas. Nos rituais de 
exorcismo, que geralmente acontecem às sexta-feiras, as entidades que são adoradas nas 
religiões consideradas antagonistas (Exu, Pomba Gira, Maria Padilha, Erê etc) são 
incorporadas pelos fiéis endemoniados e apontadas como a causa de seus problemas. 
Mariano (1996) acredita que a adoção das religiões como Umbanda e Candomblé como 
principais antagonistas do Deus e da religião cristã se dá não pela aversão às religiões em si, 
mas porque essas religiões são suas principais concorrentes. 
 
Nesses rituais exorcistas os demônios são quase sempre identificados com os 
deuses e guias dos cultos afro-brasileiros. A hostilidade a estas religiões se 
deve, acima de tudo, ao fato de serem suas principais concorrentes no mercado 
de soluções simbólicas e prestação de serviços religiosos para os estratos mais 
pobres da população. Mas, nesse afã inquisitorial,ironicamente, a Universal 
legitima (ainda que pelo avesso, demonizando o que nas religiões rivais é 
santo, espírito de luz) e incorpora, sincreticamente, elementos da crença, do 
rito e da visão de mundo da umbanda, do candomblé e mesmo do catolicismo 
popular. (MARIANO, 1996, p. 127) 
 
 
O mercado de soluções simbólicas e serviços religiosos do qual fala Mariano (1996) é 
justamente a oferta desses rituais como fechamento de corpo ou banho de arruda, e outros 
utilizando objetos simbólicos sagrados como beber uma água abençoada pelo pastor, receber 
uma unção com azeite na testa, levar uma rosa para casa para que ela absorva as possíveis 
energias ruins que existam no ambiente, etc. O oferecimento desses rituais que prometem 
resolver os problemas dos fiéis geralmente estão relacionados com uma oferta financeira, um 
propósito ou até mesmo um sacrifício (o sacrifício, na cultura da IURD, diz respeito à doação 
de uma quantia muito alta em dinheiro ou de algum patrimônio como casa, apartamento, carro, 
etc). 
O sucesso da Igreja Universal, de acordo com Mariano (1996), está em conseguir 
unificar marketing moderno e evangelização pelos meios de comunicação de massa, não só no 
rádio, como os deuteropentecostais, mas na televisão, e recentemente, nas mídias sociais, com 
elementos simbólicos do imaginário brasileiro: 
 
Somando-se isso à sua elevada competência no uso da mídia eletrônica, resulta 
que o crescimento da Universal se deve, em grande parte, ao seu êxito em unir 
o que há de mais moderno e eficiente na área de propaganda e comunicação 
(rádios, TVs, jornais) com o que há de mais “arcaico” no plano religioso 
(práticas mágicas, curas sobrenaturais, transes, exorcismos), práticas e crenças 
16 
 
 
que guardam profunda afinidade com as predisposições religiosas dos estratos 
pobres da população. (p. 125) 
 
 
Edir Macedo, quando deixou o catolicismo não-praticante e se converteu ao 
pentecostalismo, foi discípulo de um missionário canadense chamado Robert McAlister. Na 
verdade, o início da conversão de Macedo foi através de um programa de rádio apresentado 
por McAlister. Sua irmã mais velha, em meio a uma crise de bronquite asmática, ouviu o 
programa durante a madrugada e aceitou o convite para conhecer a igreja Nova Vida: 
 
As crises respiratórias, na maioria dos ataques, deixavam-na acordada até o 
amanhecer. E foi em uma dessas madrugadas que ela ouviu a mensagem de 
fé de um pastor canadense na antiga rádio carioca Mayrink Veiga, emissora 
em que estreou a cantora Carmem Miranda. Sem conseguir dormir, ouviu a 
pregação inteira e orou com o pastor. 
A melhora foi sentida na hora. Nos dias seguintes, Elcy voltou a acompanhar 
ativamente o programa na rádio. Quem pregava era Robert McAlister, 
conhecido apenas como bispo Roberto, que convidava os ouvintes para os 
cultos de uma Igreja chamada Nova Vida. Elcy aceitou o convite e decidiu 
conhecer o lugar, que funcionava no prédio da Associação Brasileira de 
Imprensa, no centro do Rio. (MACEDO, 2012, p. 77) 
 
 
Após sua conversão, Edir Macedo, segundo ele próprio, desenvolveu um desejo enorme 
de exercer o sacerdócio, mas não obteve apoio na igreja Nova Vida, e após uma conversa com 
o próprio McAlister, decidiu se desligar da denominação para seguir o seu sonho de ser pastor. 
Cardoso (2020, p. 61) acredita que a utilização da mídia por Robert McAlister impactou 
Macedo e também Romildo Soares. Atualmente, ambos trabalham intensamente com a 
televangelização. 
Das três vertentes do Pentecostalismo, o Neopentecostalismo é considerado o que 
melhor se adapta à modernidade e às mudanças sociais. Também é visto como o mais liberal 
com relação a costumes adotados pelas vertentes antigas. 
Por exemplo, quando fala da primeira vertente, o Pentecostalismo Clássico, Cardoso 
(2020) explica que essas pessoas adotaram regras bastante rígidas sobre a aparência para que 
não se parecessem com alguém do mundo (uma pessoa que não é convertida à religião 
evangélica): “Parte dos pentecostais estabeleceu doutrinas envolvendo o uso de roupas, como 
homens não poderem usar bermudas, mulheres vestirem apenas saias e vestidos. Além das 
regras com a vestimenta, as mulheres não deveriam cortar o cabelo ou depilar-se e nem usar 
maquiagens.” (p. 58) 
Mariano (2004, p. 124) considera que os neopentecostais são menos rígidos com relação 
a esses costumes: 
17 
 
 
 
De modo que seus fiéis foram liberados para vestir roupas da moda, usar 
cosméticos e demais produtos de embelezamento, frequentar praias, piscinas, 
cinemas, teatros, torcer para times de futebol, praticar esportes variados, 
assistir a televisão e vídeos, tocar e ouvir diferentes ritmos musicais. (p. 124) 
 
 
Para ele, as únicas regras e proibições comuns a todas as vertentes são em relação ao 
sexo extraconjugal e homossexual e ao consumo de álcool, tabaco e drogas. 
Edir Macedo já esteve envolvido em uma polêmica relacionada à descriminalização do 
aborto no Brasil, pois se posicionou favorável pela primeira vez na década de 1990, reforçando 
a opinião novamente algumas vezes a partir do ano de 2007. De acordo com Teixeira (2012, p. 
62), a defesa da descriminalização do aborto por parte de Macedo está ligada à Teologia da 
Prosperidade. Ela explica que a noção de prosperidade ensinada pela Universal não está ligada 
somente ao dinheiro, mas ao planejamento familiar para o sucesso da família: “Nesse contexto, 
a prática abortiva comumente relacionada à clandestinidade e ilegitimidade, aparece como uma 
recomendação diretamente ligada à disciplina familiar rumo à prosperidade da família”. 
Para Mariano (2004, p. 132), a Teologia da Prosperidade está vinculada à 'oferta de 
magia’. As bênçãos financeiras, materiais, familiares e de saúde são um ponto importante na 
narrativa neopentecostal, e é através da magia ofertada por igrejas como a Universal, com seus 
objetos e rituais consagrados, que os fiéis podem alcançar essas bênçãos. 
Como dito anteriormente, os rituais estão sempre vinculados a uma oferta financeira 
que precisa ser efetuada pelo fiel, isso se dá por causa da ideia da reciprocidade, explícita nas 
falas de Edir Macedo, que sempre repete que ‘é dando que se recebe’. 
Nesse sentido, o dízimo, que consiste em 10% de qualquer valor financeiro que pertença 
ao dizimista, também é um fator importante. Como prova de fidelidade e aliança com Deus, os 
10% devem ser entregues para a igreja, e dessa forma Deus, obrigatoriamente, abençoa a vida 
da pessoa, como explica Mariano (1996): 
 
Daí a tarefa primordial desse Deus – razão aliás pela qual Ele é tão assediado, 
pressionado e até desafiado por seus servos – ser a de abençoá-los 
abundantemente no presente. Os cultos neopentecostais praticamente batem 
só nesta tecla. Baseiam-se em promessas e rituais para prosperidade, cura 
física e emocional, libertação de demônios, resolução de problemas familiares 
e afetivos, satisfação de necessidades psíquicas, de expressão e sociabilidade. 
Apropriados de modo utilitarista, funcionam como verdadeiros prontos-
socorros espirituais para atender demandas de problemas do cotidiano de 
populações carentes e de indivíduos em crise. (p. 124-125) 
 
18 
 
 
Os pastores e bispos da IURD sempre reiteram ao falar sobre dízimo, ofertas e 
sacrifícios: Deus é obrigado, pela palavra dele, a abençoar a vida dos fiéis que são dizimistas e 
ofertantes na igreja, como é possível observar no livro “A voz da fé”, de Edir Macedo: 
 
Os dízimos são o elemento divisor entre os que têm colocado o Senhor Jesus 
Cristo em primeiro lugar na vida em distinção daqueles que não o fazem. Por 
conta disso, Deus também promete abrir as janelas dos céus sobre aqueles que 
praticam o dízimo e derramar bênçãos sem medida. [...] 
O fato é que ao se colocar Deus em primeiro lugar na vida, por questão de 
mérito, Ele também fica na obrigação de retornar da mesma forma. Isto é, de 
consideraro fiel em primeiro lugar. (2009, p. 18-19) 
 
Sendo assim, a Teologia da Prosperidade na narrativa da Igreja Universal está sim, 
relacionada ao sucesso financeiro mas vai além disso, se estendendo também ao sucesso 
familiar. Isso explica o motivo de Edir Macedo, ao contrário da maioria dos religiosos, se 
posicionar a favor da legalização do aborto, pois está de acordo com o discurso do planejamento 
familiar. 
Na Universal, a prosperidade é alcançada através da ‘aliança com Deus’, simbolizada 
nas ofertas financeiras e nos dízimos, mas também encontrada na ‘oferta de magia’, com rituais 
que utilizam objetos consagrados e até se apropriam de simbolismos cerimônias das religiões 
afro-brasileiras. Essa ‘oferta de magia’ tem grande destaque na programação televangelista da 
Universal. 
Apesar de ser considerada uma igreja que se adapta bem à modernidade, que utiliza os 
meios de comunicação de massa e, hoje em dia, as mídias sociais, que permite que seus fiéis 
usem roupas da moda, produtos de beleza, ouçam músicas seculares e etc, acredito que a IURD 
cria seus próprios mecanismos de doutrinação, e é disso que se trata a reportagem ‘As Evas do 
século XXI’. 
 
 
 
 
 
 
 
 
19 
 
 
3. Gênero 
Para entender a natureza das práticas da Igreja Universal do Reino de Deus em relação 
às mulheres, é importante pensar sobre os conceitos gênero e papéis de gênero, e é pertinente 
refletir sobre como a religião cristã influenciou esses conceitos a ponto de, no mundo ocidental 
de hoje, entendermos certas práticas, comportamentos e estereótipos do que é “coisa de 
homem” e “coisa de mulher” como naturais, provenientes da biologia de cada sexo e até mesmo 
como dádivas divinas. 
As mulheres ocidentais contemporâneas começaram a se questionar sobre sua posição 
na sociedade quando, na década de 1960, ao participarem de movimentos sociais como as lutas 
estudantis de Paris em maio de 1968, os movimentos hippies dos Estados Unidos contra a 
guerra do Vietnã ou a luta contra a ditadura no Brasil, perceberam que ocupavam um papel 
secundário em relação aos homens, segundo Grossi (1998, p. 2). 
Nesse contexto se iniciam as pesquisas sobre a condição das mulheres. A partir dos 
anos 1970 diversos estudos foram publicados acerca do tema. Grossi (1998) explica que esses 
estudos tinham dois objetivos: comprovar uma opressão maior por parte das mulheres da classe 
trabalhadora, como operárias, camponesas, empregadas domésticas, etc, mas também 
demonstrar que todas as mulheres, independentemente de raça e gênero, sofriam a opressão do 
sistema patriarcal. 
Grossi (1998) relata: 
 
Jane Flax, uma das teóricas feministas pós-modernas, ensina que a ciência 
surge no Ocidente com o Iluminismo. A ciência, tal como a conhecemos, 
parece dar explicações "neutras" e "objetivas" para as relações sociais. No 
entanto, a ciência que aprendemos desde a escola reflete os valores construídos 
no Ocidente desde o final da Idade Média, os quais refletem apenas uma parte 
do social: a dos homens, brancos e heterossexuais. (p. 4) 
 
 
Uma dessas explicações “neutras” e “objetivas” das quais falam Flax e Grossi é o 
determinismo biológico para comportamentos de homens e mulheres. Grossi (1998, p. 5) cita 
ainda outra duas teóricas feministas: a antropóloga Françoise Héritier (1996), que em seu 
trabalho sobre diferença sexual aponta que o gênero se constrói na relação homem/mulher, pois 
não existe indivíduo isolado; e a historiadora Joan Scott (1998), que ensina que gênero é uma 
categoria historicamente determinada, que serve para dar sentido às diferenças entre os sexos. 
Grossi (1998, p. 6) explica que: “Na verdade, sempre agimos como mulheres 
socialmente programadas e não, como costumamos pensar, como mulheres biologicamente 
determinadas”. Ao longo da nossa vida e socialização, aprendemos a interpretar papéis de 
20 
 
 
gênero — e Grossi (1998) explica que são como os papéis no teatro, a interpretação de uma 
personagem: “Tudo aquilo que é associado ao sexo biológico fêmea ou macho em determinada 
cultura é considerado papel de gênero” (p. 6). Como não são determinados biologicamente, e 
sim socialmente, esses papéis mudam de uma cultura para outra. Mead (1950), citada por 
Grossi (1998, p. 6, 7), demonstrou que enquanto na cultura ocidental a passividade é atribuída 
à mulher e a agressividade ao homem, há tribos na Nova Guiné onde acontecia justamente o 
contrário: as mulheres eram mais agressivas e os homens mais dóceis. 
A historiadora Gerda Lerner, em sua obra “A Criação do Patriarcado” (2019), tem uma 
opinião parecida com a da teórica Jane Flax sobre a ciência. Lerner diz que a história 
considerada oficial, que nos é ensinada nas escolas e universidades, foi escrita por homens. É 
o ponto de vista deles que chega até nós como verdade absoluta. Isso é importante porque, 
segundo Lerner, a história — ou, nesse caso, a ausência da história — legitima e justifica a 
subordinação feminina. 
O livro de Lerner levou oito anos para ser escrito, e é fruto de décadas de estudo e 
pesquisa da historiadora e professora. Tentarei sintetizar as ideias dessa obra no próximo 
tópico, pois, por meio dela, é possível refletir sobre as práticas e ideias que construíram o 
mundo ocidental atual. 
 
3.1. A história das mulheres por Gerda Lerner 
O objetivo de Lerner ao escrever a obra “A Criação do Patriarcado” foi de elucidar a 
história das mulheres, algo que, segundo ela, não temos acesso por meio da história considerada 
oficial, que excluiu metade da humanidade ao concentrar-se somente nos feitos dos homens. 
As mulheres, portanto, não tiveram acesso à sua própria história, foram apagadas como 
se não tivessem existido. Pesquisadoras e pesquisadores da antropologia e da história 
empreenderam tentativas de encontrar no passado alguma sociedade onde as mulheres não 
estiveram em posição de submissão, mas de liderança: uma sociedade matriarcal. 
Para Lerner, ainda não há evidências de tal sociedade, no entanto, a submissão das 
mulheres como fato determinado biologicamente, como na conhecida estória de que o homem 
pré-histórico era responsável por caçar animais grandes e proteger a tribo porque era forte 
enquanto a mulher cuidava dos filhos e fazia trabalhos considerados mais fáceis ou menos 
perigosos, como plantar e colher, porque era mais frágil, tampouco se sustenta. Lerner conta 
que a explicação do homem superior em força e habilidade e da mulher frágil e indefesa 
impactou até mesmo teóricas feministas, como Simone de Beauvoir: 
 
21 
 
 
A profundidade com que essa explicação afetou até mesmo teóricas feministas 
evidencia-se em sua aceitação parcial por Simone de Beauvoir, que considera 
um fato a “excelência” do homem vir da caça e da guerra, como também do 
uso de ferramentas necessárias ao exercício de ambas. (p. 39) 
 
Houve uma época em que, sim, a natureza era determinante na vida dos seres humanos. 
Ainda não existia tecnologia que permitisse outras possibilidades para além da natureza. 
Portanto, sem uma mamadeira, a mulher era a única capaz de amamentar um bebê e garantir 
sua sobrevivência. Sendo as únicas que poderiam alimentar os bebês, Lerner explica que é 
possível que as mulheres tenham optado por tarefas como plantar e colher ao invés de caçar 
um animal selvagem — não tinha relação com sua força ou capacidade, mas sim com o fato de 
que levar um bebê para caçar, ou caçar grávida, pode não ser propício, e essa poderia ser uma 
escolha dessas mulheres, satisfatória tanto para elas quanto para os homens da tribo.1 
Além disso, Lerner afirma que a principal fonte de alimentação das tribos de caçadores-
coletores no período Neolítico (10.000 a.C. até 4.000 a.C.) não era a caça de animais grandes, 
mas sim da coleta de alimentos e caça de animais pequenos, atividades realizadas por mulheres 
e crianças. Desse modo, a função das mulheres na tribo não era considerada inferior ou menos 
importante.Essa explicação foi perpetuada como uma forma de manutenção da hegemonia 
masculina e submissão feminina, como afirma a autora: 
 
Aceitam as mudanças culturais pelas quais os homens se libertaram da 
necessidade biológica. A substituição do trabalho físico pelo trabalho de 
máquinas é considerada progresso; apenas as mulheres, sob o ponto de vista 
deles, estão condenadas pela eternidade a servir à espécie por meio de sua 
biologia. Afirmar que, de todas as atividades humanas, apenas os cuidados 
fornecidos por mulheres são imutáveis e eternos é, de fato, destinar metade 
da raça humana a uma existência inferior, à natureza em detrimento da 
cultura. (p. 42) 
 
 
O fato de as mulheres estarem condicionadas a um lugar de submissão na sociedade 
não se deve ao sexo biológico, e sim ao gênero: um processo histórico. Após o advento da 
agricultura de arado, as mulheres e as crianças se tornaram uma mão de obra importante para 
este tipo de trabalho, dessa forma a capacidade reprodutiva das mulheres passou a ser vista 
 
1
 É pertinente destacar que esses argumentos apresentados pela autora são um exercício de especulações 
e hipóteses que podem fazer sentido, mas não são provas reais. O que os homens fizeram com a história foi 
apresentar especulações como essas como se fossem fatos comprovados, e Lerner destaca que este é um erro que 
não se deve cometer. 
22 
 
 
como um recurso significativo para a tribo. Nesse contexto, os grupos passaram a sequestrar 
mulheres de outros grupos, para garantir sua própria sobrevivência. 
A escravização das mulheres se deu porque elas seriam mais fiéis aos seus filhos e 
dificilmente se voltariam contra a tribo estranha. Os homens poderiam ser capazes de cometer 
atos de violência e vingança. 
Dessa forma começou o comércio de mulheres, o que o antropólogo Lévi-Strauss 
determina como a principal causa da subordinação feminina. Se um grupo tribal quer fazer 
aliança com outro grupo, ele entrega suas mulheres como forma de acordo. Nesse contexto, as 
mulheres passam a ser vistas mais como coisas do que como seres humanos. 
Para Lévi-Strauss esse foi o ponto de partida para o tabu do incesto, que diz mais sobre 
a obrigação de entregar as mulheres de sua família a outros homens do que sobre não ter 
relações sexuais com parentes. 
 
A relação total de comércio que constitui o casamento não é estabelecida entre 
um homem e uma mulher [...] mas entre dois grupos de homens, e a mulher 
representa apenas um dos objetos na transação, não uma das partes; [...] Isso 
é verdadeiro mesmo quando os sentimentos da garota são levados em 
consideração, como, aliás, costuma ser o caso. Ao consentir com a união 
proposta, ela precipita ou permite que a transação se efetue; ela não pode 
alterar sua natureza. (LÉVI-STRAUSS, 1969, p. 115 apud LERNER, 2019, p. 
73) 
 
 
Lerner defende ainda que a escravização das mulheres foi o que fez o homem perceber 
que poderia escravizar outros seres humanos e desenvolver técnicas de subordinação para isso. 
Portanto, foi a escravização das mulheres que inspirou os modelos escravistas posteriores: 
“Quando a escravidão se tornou comum, a subordinação de mulheres já era um fato histórico” 
(p. 136). 
O texto de Lerner também cita a teoria de Friedrich Engels de que o controle da 
sexualidade das mulheres começou com o advento da propriedade privada. Para proteger sua 
propriedade, o homem precisaria garantir que seu herdeiro seria legítimo, por isso começou-se 
a exigir a virgindade das mulheres antes do casamento, como uma garantia. Caso ficasse 
provado que a mulher não era virgem, o acordo do casamento poderia ser anulado. Segundo 
Engels, essa foi a primeira opressão de classe da história. 
Nesse cenário institui-se a prostituição, com o intuito de satisfazer as vontades sexuais 
dos homens, e as mulheres passam a ser separadas em “respeitáveis” e “não respeitáveis”. Mas 
não importava se era a esposa, a concubina ou a prostituta: o status social das mulheres 
dependia unicamente de sua servidão sexual e dependência dos homens. Enquanto os homens 
23 
 
 
mesopotâmicos e hebreus tinham liberdade sexual dentro e fora do casamento, a castidade de 
uma mulher era a única forma dela conseguir ascender socialmente e ter uma vida confortável, 
além de beneficiar sua própria família pois tanto no casamento mesopotâmico quanto no 
casamento hebreu o noivo precisava pagar um valor ao pai da noiva. 
 
3.1.1 Os simbolismos bíblicos 
A questão da servidão sexual para as mulheres hebreias é mostrada ao longo da narrativa 
bíblica. As concubinas, ou segundas esposas (que poderiam ter sido escravas que ascenderam 
socialmente), tinham obrigações sexuais para com o seu senhor, mas também exerciam o papel 
de servas para a primeira esposa. É o que nos mostra a história de Sarai e Abrão. Sarai era 
estéril e como já estava velha e sem filhos, pediu para seu marido Abrão ter relações sexuais 
com a concubina, Agar, para que tivesse um herdeiro: “E Sarai disse a Abrão: “Eis que o Senhor 
me impede de ter filhos; suplico que vá até minha criada; pode ser que eu tenha filhos através 
dela”. E Abrão ouviu a voz de Sarai.” (Gênesis 16:2). 
Havia, claro, diferenças entre os privilégios da esposa e da concubina. Sarai se sente 
ofendida após Agar, sua serva, gerar um filho e a expulsa. Agar volta e se humilha diante de 
sua senhora. Depois, quando Sarai já era Sara e dá à luz a Isaque, seu filho, volta a se ressentir 
com Agar e pede que Abraão expulse a concubina e seu filho novamente. 
Outras histórias nos mostram que a esposa e até mesmo a filha virgem eram tão 
insignificantes para o patriarca quanto a concubina ou a prostituta. A autora exemplifica com 
a história de Ló, sobrinho de Abrão, na devassa cidade de Sodoma. Deus, exausto da perversão 
dessa cidade, decide destruí-la com fogo. Antes, envia dois anjos à casa de Ló, disfarçados de 
forasteiros, e os dois estranhos são gentilmente acolhidos. Os homens de Sodoma, no entanto, 
descobrem que Ló está abrigando dois desconhecidos e pede que sejam entregues, ao que Ló 
responde: “Meus irmãos, rogo a vocês que não ajam com tanta perversidade. Eis aqui, tenho 
duas filhas virgens; deixem-me trazê-las e façam o que acharem melhor; apenas nada façam a 
esses homens, posto que estão sob meu teto” (Gênesis 19:7-8). 
Outra história parecida acabou tendo um fim trágico para a mulher em questão. Um 
levita viajante com sua concubina é recebido na casa de um senhor hospitaleiro na terra da tribo 
de Benjamim, que os oferece uma ótima estadia. Porém, homens benjamitas também batem à 
sua porta e pedem que entregue o forasteiro, e o anfitrião responde: 
 
Não, meus irmãos, rogo a vocês que não ajam tão perversamente; já que esse 
homem entrou em minha casa, não façam essa crueldade. Eis aqui, minha 
24 
 
 
filha, uma virgem, e a concubina dele; eu as trarei aqui, humilhem-nas e façam 
o que acharem melhor; mas não façam mal a esse homem. (Juízes 19: 23-24) 
 
Acontece que os benjamitas não os deixarem em paz, então o viajante entregou sua 
concubina, que foi estuprada por aqueles homens a noite inteira até o dia amanhecer. E a Bíblia 
diz que quando “seu senhor levantou de manhã, abriu a porta da casa e saiu para prosseguir 
viagem, lá estava sua concubina, caída à entrada da casa”. Ele, então pegou o corpo sem vida, 
colocou sobre o burro e a levou. Já em casa, esquartejou a mulher em 12 partes e enviou um 
pedaço do corpo para cada tribo de Israel, para denunciar a barbaridade dos benjamitas. 
Esse crime foi o início da guerra da tribo de Benjamim contra todas as outras tribos de 
Israel. Para Lerner, a indignação contra a crueldade cometida pelos benjamitas não foi pelo 
estupro e morte da concubina, mas pela falta de hospitalidade e violação da honra e da 
propriedade do levita viajante: “No Decálogo, a esposa encontra-se elencada entre os bens de 
um homem, junto com seus servos, boi e jumento(Êxodo 20:17)” (p. 215). 
Como resposta à tribo de Benjamim, todas as tribos de Israel decidiram que não 
entregariam suas filhas para casar com nenhum benjamita. Na guerra, todas as mulheres e 
crianças da tribo de Benjamim morreram, mas sobreviveram 600 homens. Israel se preocupou 
com a descendência da tribo, mas tinham jurado não entregar suas mulheres a eles. A solução 
encontrada foi simples: entraram em guerra contra o povo de Jabes-Gileade, exterminaram toda 
a população poupando apenas as moças virgens para serem esposas dos benjamitas (Juízes 
21:9-12). 
Porém, ainda sobraram 200 homens sem esposa, e a outra solução também foi simples: 
esses 200 homens deveriam se emboscar nos vinhedos em Siló e esperar que as moças, 
chamadas filhas de Siló, saíssem para dançar no banquete do Senhor. Quando elas estivessem 
dançando, eles sairiam da emboscada e tomariam cada um sua esposa, e voltariam para sua 
terra. E assim foi feito. (Juízes 21:19-21) 
A Lei Hebraica deixa claro que a prioridade das relações matrimoniais era a questão do 
patrimônio. Se uma mulher fosse estuprada, a lei obrigava o estuprador a se casar com ela sem 
opção de se divorciar (em outras situações o divórcio era permitido aos homens em troca de o 
pagamento de uma taxa). Isso se dava porque, ao violar a castidade da mulher, o estuprador 
deu um prejuízo ao pai dela, visto que não conseguiria se casar com outra pessoa, e para 
entregar a filha a outro homem o pai da noiva recebia um valor em dinheiro da família do noivo. 
25 
 
 
As metáforas de relações de gêneros mesopotâmicas e hebreias foram uma influência 
importante para a formação da sociedade ocidental atual. Sobre o monoteísmo hebraico, Lerner 
cita: 
 
O surgimento do monoteísmo hebraico toma a forma de um ataque aos cultos 
difundidos a várias deusas da fertilidade. Ao escrever o Gênesis, a criação e a 
procriação são atribuídas ao Deus onipotente, cujos epitáfios “Senhor” e “Rei” 
o estabelecem como um deus masculino; e a sexualidade feminina, a não ser 
para fins de procriação, passa a ser associada ao pecado e ao mal. (p. 30, 31) 
 
 
Os povos vizinhos aos hebreus cultivavam crenças e cultos às deusas. A fertilidade da 
mulher era vista como algo divino, a ser celebrado em cerimônias nos templos destinados a 
essas deusas. A autora cita o exemplo da deusa Ishtar, da Babilônia: as orações oferecidas a ela 
a louvavam como “a que comanda o universo, a que cria a humanidade, que derruba as 
montanhas, heroica, benevolente, majestosa, senhora misericordiosa, senhora do campo de 
batalha, leoa entre os deuses, etc”. Lener relata que: “No símbolo da vulva da deusa, feito de 
pedra preciosa e ofertado em seu louvor, celebravam-se a sacralidade da sexualidade feminina 
e sua misteriosa força de dar a vida, que incluía o poder da cura.” (p. 186) 
O louvor à sexualidade e fertilidade da mulher é interrompido na cosmogonia hebraica, 
em que Eva, a primeira mulher, sai da costela de Adão, o primeiro homem. A autora explica 
que nessa narrativa, o homem faz o papel de mãe da mulher, foi ele que deu origem a ela a 
partir do seu corpo, assim como a mãe gera o filho a partir do corpo dela. Além disso, é Adão 
que tem o poder de nomear tudo o que existe no mundo, ele dá nome também à mulher. É dele 
o poder simbólico do milagre da criação. 
 
As metáforas de gênero mais fortes da Bíblia foram as da Mulher, criada a 
partir da costela do Homem, e de Eva, a sedutora, fazendo com que a 
humanidade caísse em desgraça. Por mais de dois mil anos, isso é citado 
como prova da subordinação da mulher como castigo divino. Como tal, tem 
exercido um poderoso efeito ao definir valores e práticas relativos às 
relações de gênero. (p. 230, 231) 
 
 
Na bíblia, Deus não tem relação com nenhuma deusa, não tem uma mãe ou uma esposa 
a quem se possa dedicar o culto à fertilidade. Alguns teólogos argumentam que o gênero de 
Deus não é explícito na bíblia e que ele pode incorporar aspectos tanto masculinos quanto 
femininos, mas, Lerner explica que a leitura que é feita há mais de 2.500 anos é a de um Deus-
Pai, mesmo que não seja explícito o gênero de Deus na bíblia, o simbolismo que ele carrega é 
o do poder da masculinidade: 
26 
 
 
 
Embora se espere que as interpretações de um composto poético, mítico e 
folclórico, como o Livro do Gênesis, variem para se ajustar às necessidades 
do intérprete, deve-se notar que a tradição da interpretação é 
predominantemente patriarcal e que as diversas interpretações feministas 
provenientes de mulheres, nos últimos setecentos anos, são feitas contra uma 
tradição enraizada e teologicamente consagrada, que muito antecede o 
Cristianismo. (p. 231) 
 
 
A Bíblia é o retrato de uma sociedade patriarcal bastante cruel com as mulheres, o 
Antigo Testamento é repleto de simbolismos e metáforas que trabalham para justificar a 
posição das mulheres naquela sociedade, e tudo tinha a ver com o patrimônio dos homens. A 
metáfora da criação no livro de Gênesis exaltou a figura do homem em detrimento da figura da 
mulher, Deus-Pai cria o primeiro homem e, depois, de dentro do homem é gerada a mulher. A 
figura feminina não é mais exaltada pela sua fertilidade, por ter o poder do nascimento. Na 
história da Queda, o motivo pelo qual todos os seres humanos sofrem até hoje, a culpada é Eva, 
a mulher. 
Lerner explica a relevância dessa metáfora: “Os papéis e o comportamento 
considerados apropriados aos sexos eram expressos em valor, costumes, leis e papéis sociais. 
Também, e de forma mais significativa, eram manifestados em metáforas primordiais, as quais 
se tornaram parte da construção social e do sistema explicativo” (p. 266). 
Assim, as mulheres no princípio não eram consideradas inferiores, frágeis ou menos 
capazes de realizar as mesmas atividades que os homens, mas elas realizavam atividades que 
eram mais convenientes para elas, que pudessem conciliar com a maternidade — no período 
Neolítico a maternidade era função delas pois eram as únicas capazes de amamentar os bebês 
e garantir a sobrevivência da tribo, portanto. 
Mas a sua capacidade reprodutiva começou a ser vista como um recurso importante 
para o grupo, então os homens passaram a sequestrar mulheres de outras tribos, e perceberam, 
assim, que poderiam subjugá-las através do estupro porque, em razão do próprio filho que havia 
gerado, dificilmente a mulher tentaria se vingar da tribo que a sequestrou. Assim começaram 
os acordos entre diferentes grupos utilizando as mulheres como objeto de transação, nessa 
época as mulheres já estavam sendo reificadas, vistas mais como objetos do que como pessoas. 
O controle da sexualidade das mulheres passou a ser importante a partir do advento da 
propriedade privada, pois era de interesse dos homens deixar seus bens apenas para um filho 
considerado legítimo. Nesse processo, o status social das mulheres passou a depender 
unicamente de sua serventia sexual, isso valia tanto para uma prostituta quanto para a esposa 
27 
 
 
de um homem rico: “Para as mulheres, a classe é mediada por meio de seus vínculos sexuais 
com um homem. É através do homem que as mulheres recebem ou perdem acesso aos meios 
de produção e a recursos. É por meio de seu comportamento sexual que ganham acesso à 
classe” (p. 270). 
Nesse contexto, a narrativa bíblica se torna uma importante aliada da legitimação da 
submissão das mulheres. Através desse sistema de símbolos a inferioridade e subjugação do 
sexo feminino, o patriarcado em si, foi justificado como parte da natureza humana e da vontade 
divina. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
28 
 
 
4. Reportagem 
A reportagem é um dos mais conhecidos gêneros jornalísticos. Existem diferentes tipos 
e formatos de reportagens, que podem ser produzidas para o jornalismo impresso, a televisão, 
o rádio, a internet e atualmente há, também, reportagens que são pensadas especialmente paraas mídias sociais (Youtube, Instagram, Twitter etc). Mas antes irei voltar um pouco no tempo 
para pensar sobre os caminhos que a atividade jornalística percorreu ao longo da história, até 
chegar nos dias de hoje e no modelo de reportagem que nos é conhecido. 
 
4.1. Um breve histórico 
Nilson Lage (2005) relata que os primeiros jornais da história começaram a circular na 
Alemanha a partir do início do século XVII, praticamente dois séculos depois da invenção da 
prensa móvel e da impressão da bíblia pelo alemão Johannes Gutenberg. Em pouco tempo a 
burguesia começou a utilizar as publicações periódicas como uma arma para atacar a Igreja e 
a aristocracia. A Igreja tentou censurar os textos, e a aristocracia logo começou a distribuir suas 
próprias publicações, a maioria tratava de temas como festas, casamentos, viagens etc. 
O jornalismo assumiu uma função de interpretar fatos e acontecimentos políticos e 
orientar os leitores a respeito deles. Nesse contexto, Lage (2005, p. 10) explica que a figura do 
jornalista é a de um publicista: de quem se esperavam orientações e interpretação política. 
Enquanto os jornais publicavam fatos de interesse comercial e político, o que importava era o 
artigo com a opinião do editor: “O conceito publicístico do jornalismo perdura até hoje. É nesse 
sentido que Lenin, que escrevia artigos na Iskra e na Pravda, ditando diretrizes para a 
Revolução Russa de 1917, foi um grande jornalista” (p. 11). 
No século XIX os periódicos já tinham se espalhado pelo mundo. Com a Revolução 
Industrial a lógica das publicações mudou: Ao invés de dois grandes grupos disputando suas 
ideias por meio da publicação dos jornais, a Europa do século XIX se tornou um cenário mais 
complexo. A Revolução Industrial trouxe os trabalhadores rurais para as fábricas nas cidades. 
A mecanização permitiu uma maior tiragem de exemplares. Os leitores, somente, não pagavam 
os custos da produção dos jornais, que dependiam de anunciantes. O estilo da escrita precisou 
ser adaptado para o novo público e exigia textos mais simples de compreender e que atraísse e 
cativasse a atenção das pessoas. 
Nesse cenário de intensa mudança, o jornal tinha um papel, praticamente, de educador, 
ele ensinava às pessoas sobre a vida na cidade grande, sobre o que é bom e o que não é, como 
explica Lage (2005): “A vida em sociedade era bem mais dinâmica do que antes; tudo mudava 
29 
 
 
rapidamente. Daí o interesse que passaram a ter, nessa época, os críticos — de literatura, de 
teatro, de moda, de costumes” (p. 15). 
O sensacionalismo decorre da necessidade de cativar a atenção do público em razão da 
luta pelo mercado jornalístico e pelos anunciantes que financiavam os jornais. Nesse contexto, 
a narrativa precisava ser tão interessante quanto uma história fictícia repleta de elementos de 
sentimentalismos e aventuras. 
A reformulação da escrita dos textos jornalísticos também foi necessária por causa de 
todas essas mudanças que ocorreram no século XIX. Essa reformulação das técnicas de escrita 
deram origem à reportagem e consequentemente ao repórter. Também percebeu-se a 
importância de elementos chaves da reportagem como os títulos e os furos (notícias em 
primeira mão). 
Do ponto de vista técnico, escritores de folhetins e jornalistas obrigaram-se a 
reformar a modalidade escrita da língua, aproximando-a dos usos orais ou 
cultivando figuras de estilo espetaculares, ora exagerando no sentimentalismo, 
ora incorporando a invenção léxica e gramatical das ruas. (LAGE, 2005, p. 
15) 
 
Antes da reportagem, o que era assumido como verdade era a “história oficial” contada 
por governantes e autoridades políticas. A partir desse novo gênero jornalístico, os fatos não 
podiam mais ser ocultados da população e isso foi um gerador de conflitos em razão dos 
interesses das elites e dos anunciantes. Lage (2005) nos dá mais detalhes sobre essa questão: 
 
A luta de classes não pôde ser mostrada como revolta da ralé social nem o 
desemprego maciço na Europa continental como mero fruto de acidentes 
climáticos, malandragem e incompetência dos italianos, irlandeses, alemães 
ou poloneses. Em meio à propaganda de sempre, surgiam por via da 
reportagem, os fatos reais. (p. 15-16) 
 
Saindo da Europa e indo para a América do Norte, mais precisamente, os Estados 
Unidos, temos do final do século XIX ao início do século XX o cenário da disputa entre dois 
magnatas da comunicação: Joseph Pulitzer e William Randolph Hearst. A competição entre os 
dois pela atenção do leitor ultrapassava os limites até mesmo da ética. 
Um exemplo de como a imprensa norte-americana interferia nos acontecimentos com 
interesse de lucrar foi a guerra Hispano-Americana de 1898. Sousa (2008) explica que a 
imprensa sensacionalista estadunidense enviou seus repórteres e fotógrafos a Cuba, para, 
supostamente, denunciar as barbáries cometidas pela Espanha ao povo cubano durante o 
conflito independentista. Hearst usou o poder que tinha para intervir no conflito: 
 
30 
 
 
Em 1897, quando uma jovem rebelde cubana atraiu um oficial espanhol para 
sua casa para o matar, tendo, depois, sido presa, o New York Journal, de 
Hearst, deu um novo enquadramento à ocorrência, tendo transformado a 
jovem rebelde numa inocente heroína que apenas zelava pela sua honra face a 
um violador fardado. (SOUSA, 2008, p. 121) 
 
Após a prisão da jovem, o jornal de Hearst incitou e uma campanha pela sua libertação 
e o empresário cuidou para que ela fugisse da prisão e a levou para Nova Iorque, para que 
pudesse noticiar. A questão levantada por Sousa (2008) é que a imprensa norte-americana 
manipulava não somente as notícias, misturando verdades e mentiras, mas a própria realidade: 
“Todavia, a imprensa sensacionalista mais não fazia do que corresponder aos interesses 
estratégicos e económicos dos Estados Unidos, que queriam estabelecer uma forte zona de 
influência na América Central e na América do Sul” (p. 122). 
Lage (2005, p. 18) ainda conta que a instituição de uma técnica jornalística (como a 
conhecemos hoje) foi uma reação do próprio meio profissional a este jornalismo amarelo (o 
nome provém de um quadrinho do Morning Journal, de Hearst, chamada Yellow Kid): 
“Instituíram-se os cursos superiores de jornalismo e buscaram-se, por via da pesquisa 
acadêmica, padrões para a apuração e o processamento de informações”. 
Com o aperfeiçoamento do jornalismo como técnica, o sensacionalismo da imprensa 
amarela foi sendo substituído por um padrão elaborado a partir de pesquisas científicas que, 
idealmente, seria imparcial, valorizaria os fatos reais, confrontaria diferentes testemunhos de 
fontes diversas com pontos de vistas diferentes e que a relação entre o repórter e essas fontes 
deveria ser profissional e ética. A partir da nova estrutura da notícia surgiu o lead — o primeiro 
parágrafo do texto que contém todas as informações importantes e essenciais sobre o 
acontecimento relatado. 
Apesar da nova forma de jornalismo que deixa de privilegiar o sensacionalismo, esse 
novo modelo americano não implica obrigatoriamente em um jornalismo livre de defeitos e 
possíveis críticas, irei refletir melhor sobre a questão da imparcialidade mais adiante. Mesmo 
assim, o modelo contribuiu consideravelmente para que fosse possível aos jornalistas 
executarem um trabalho sério e bem embasado, e por isso tem sua importância. 
Essa nova técnica era possível de ser replicada em qualquer lugar, não apenas nos 
Estados Unidos. Ela poderia ser adaptada, independentemente da ideologia, do local ou da linha 
editorial ou dos temas que são abordados, como explica Lage (2005): 
 
Mesmo os críticos mais veementes do positivismo ou do funcionalismo - como 
é o caso dos sistemas de informação da Igreja Católica ou da União Soviética, 
enquanto ela existiu - terminaram adotando as normas básicas da escola 
31 
 
 
americana para a produção de notícias e reportagens jornalísticas.(p. 19-20) 
 
Do século XVII ao XIX o enfoque do jornalismo transitou de acordo com as mudanças 
sociais que aconteceram em cada época, mas não significa que quando um nova prática nasce 
as anteriores deixam de existir, algumas práticas permanecem até hoje: 
 
Conclui-se, assim, que a história do jornalismo é acumulativa e que os 
diferentes modelos jornalísticos que foram surgindo ao longo da história não 
tiveram (nem têm) fronteiras rígidas: houve sempre, tal como acontece hoje 
em dia, uma interacção entre as diversas formas de encarar o jornalismo, 
especialmente visível na imprensa generalista, que foi aquela que mais 
aproveitou coisas dos diferentes modelos. (SOUSA, 2008, p. 153) 
 
 
No século XX surge uma nova visão: a do jornalismo-testemunho. De acordo com o 
Dicionário Priberam de Língua Portuguesa, a palavra testemunhar pode significar: 1. Dar 
testemunho de. 2. Confirmar, atestar, afirmar; declarar ter visto, ouvido ou conhecido. 3. 
[Figurado] Manifestar, revelar. 4. Dar provas ou aparências de. 5. Ver, presenciar, verificar. 
Lage (2005) explica que a informação se torna um elemento essencial para a vida das pessoas, 
elas precisam saber sobre questões relacionadas à economia, política, cultura, pois influenciam 
diretamente no dia-a-dia delas. O papel do jornalista nesse cenário é de absorver as informações 
de cada área, traduzi-las e elaborar uma nova mensagem considerando aquilo que as pessoas 
querem e precisam saber. 
 
4.2. O fazer jornalístico 
A pauta, atualmente, é uma ferramenta imprescindível para a atividade jornalística. A 
definição desta programação a ser seguida pelos repórteres é importante para determinar a linha 
editorial da publicação, estabelecer de qual ângulo os temas serão abordados, planejar os textos 
de acordo com o espaço disponível no jornal para que não haja sobra ou falta de espaço. Além 
disso, em outros veículos além do jornal impresso, o planejamento é importante para a gestão 
de recursos, equipamentos, pessoal e o investimento geral que é necessário para a realização 
de uma reportagem. 
As pautas foram oficializadas antes nas revistas do que nos jornais, o motivo disso é 
que as revistas tratam de temas específicos (arquitetura, moda, ciência, negócios, etc) enquanto 
que os jornais realizam a cobertura de temas gerais. O planejamento da edição acontece na 
reunião de pauta, e é assim que a revista Time semanalmente programa suas tiragens desde o 
início do século XX. 
32 
 
 
No Brasil o planejamento das publicações de jornais a partir da pauta começou com os 
jornais Última Hora e Diário Carioca, na década de 1950. A modernização continuou com o 
Jornal do Brasil, que também, inicialmente, publicava suas pautas. 
Antes da pauta, os jornais não distribuíam bem o espaço disponível e não definiam uma 
quantidade suficiente de conteúdo, sendo assim em algumas editorias poderiam faltar espaço, 
sendo necessário diminuir o tamanho da letra ou das fotos, e em outras sobrar espaço, tendo 
que ser preenchido com anúncios ou matérias antigas e frias, como comenta Lage (2005): 
 
Sendo rígida a atribuição de espaços e deficiente o planejamento, coexistiam 
às vezes, numa mesma edição, páginas com fotos muito abertas e textos em 
corpo grande e outras com fotografias esmirradas e textos compactos, 
dependendo de se ter maior ou menor riqueza de assuntos na área de cobertura 
de cada editoria. (p. 33) 
 
 
É importante ter em mente que o planejamento é importante, mas que não pode ser visto 
pelo jornalista como uma limitação. A pauta serve como um norte, mas uma boa reportagem 
depende da criatividade do repórter, e às vezes pode ser necessário deixar o planejamento de 
lado porque surgiu algo inédito pelo caminho, ou então pode-se perceber que é interessante 
mudar o enfoque da matéria. 
Eventos periódicos que sempre são assuntos abordados na cobertura jornalística são um 
bom exemplo de como se pode inovar se tratando de assuntos já batidos, conforme expõe 
Kotscho (2000): 
 
Todo ano tem o Dia de Finados, e todo ano é preciso contar como foi - um 
ritual que nunca muda. Ao sair da redação para fazer o óbvio, percorrendo os 
principais cemitérios da cidade, você pode acabar encontrando um ângulo 
novo dentro de um velho assunto. Para isso, é preciso estar sempre atento 
exatamente para alguma cena que fuja à rotina. (p. 22) 
 
 
Enquanto a pauta de notícias é planejada para a cobertura de fatos e eventos 
(programados ou não, periódicos, desdobramentos etc), a pauta da reportagem tem como foco 
os encadeamentos de um fato. Por exemplo, em 2020 a pandemia do novo Coronavírus é o 
tema abordado em centenas de notícias diariamente no mundo inteiro, mas um tipo de 
reportagem que se pode obter a partir desse fato é um texto sobre outras pandemias que já 
assolaram o mundo, ou sobre como é produzida uma vacina etc, como explica Lage (1985): 
“Reportagens supõem outro nível de planejamento. Os assuntos estão sempre disponíveis (a 
informação é matéria-prima abundante, como o ar, e não carente, como o petróleo) e podem ou 
33 
 
 
não ser atualizados (ou tornados oportunos) por um acontecimento” (p. 38). Irei me aprofundar 
melhor nessa questão da distinção entre notícia e reportagem mais adiante. 
 
4.2.1. Notícia ou reportagem? 
Embora possam ser vistas como palavras com sentidos semelhantes pelo senso comum, 
a notícia e a reportagem são dois gêneros jornalísticos diferentes. Irei refletir um pouco sobre 
as características de cada uma. 
No tópico anterior, expomos uma citação de Nilson Lage que diz que para a reportagem 
os assuntos estão sempre disponíveis. Essa é uma das principais diferenças entre notícia e 
reportagem. Para a notícia, o instantaneidade é essencial, embora cada vez mais difíceis de ser 
alcançados atualmente, os furos ainda são muitos valorizados. Quanto antes um veículo noticiar 
um fato que acabou de acontecer, melhor para ele. Lage (2015) exemplifica: 
 
A notícia expõe um fato ou uma sequência rápida de fatos de um mesmo 
evento: cai um avião na mata fechada, uma notícia; resgatam-se passageiros e 
tripulantes dias depois, outra notícia; divulga-se o relatório técnico sobre o 
desastre, uma terceira notícia, apoiada na recapitulação das duas anteriores. 
(p. 174) 
 
Considerando a necessidade de rapidez e imediatismo da notícia, o nível de 
aprofundamento é baixo, ela se preocupa com o relato de um fato, não com sua interpretação, 
seu aprofundamento. 
A reportagem pressupõe outra lógica. A preocupação com a rapidez é menor, isso 
porque a reportagem não se preocupa com um fato, mas sim com o levantamento de um 
assunto. Podemos retomar o exemplo que citei anteriormente sobre a pandemia do 
Coronavírus. Em 2020, as notícias — ou seja, os relatos dos fatos — sobre a pandemia são 
publicadas aos montes, pois todos os dias, e muitas vezes até mais de uma vez ao dia, surgem 
novas atualizações, novos fatos sobre isso. Mas se um repórter, daqui a dez anos, quiser coletar 
depoimentos de pessoas que passaram vários meses em quarentena para saber como foi a 
experiência delas e compilar essas histórias em um texto, essas informações não terão menos 
valor por não serem atuais. Isso é uma reportagem. 
Portanto, a reportagem pode ser realizada a partir de um fato que foi (ou não) notícia. 
Enquanto a notícia se preocupa exclusivamente com o relato deste fato, a reportagem pode 
nascer dos encadeamentos possíveis a partir do fato, com uma abordagem mais aprofundada 
de uma nuance relacionada ao tema e que não necessariamente tem a relevância justificada 
pelo imediatismo, emergência ou por ser um acontecimento fora do comum. Lage (2005) inclui 
34 
 
 
a reportagem na categoria de informação jornalística, e pontua algumas distinções em relação 
a notícia: 
 
1. a notícia trata de um fato, acontecimento que contém elementos de ineditismo, 
intensidade, atualidade, proximidade e identificação que o tornam relevante;corresponde, frequentemente, à disfunção de algum sistema - a queda do 
avião, a quebra da normalidade institucional etc. Já a informação trata de um 
assunto, determinado ou não por fato gerador de interesse; 
2. a notícia independe, em regra, das intenções dos jornalistas; a informação 
decorre de intenção, de uma “visão jornalística” dos fatos; 
3. a notícia e a informação contêm, em geral, graus diferentes de profundidade 
no trato do assunto; a notícia é mais breve, sumária, pouco durável, presa à 
emergência do evento que a gerou. A informação é mais extensa, mais 
completa, mais rica na trama de relações entre os universos de dados; 
4. a notícia típica é da emergência de um fato novo, de sua descoberta ou 
revelação; a informação típica dá conta de um estado-de-arte, isto é, da 
situação momentânea em determinado campo de conhecimento. (p. 114) 
 
 
Devido à profundidade que a reportagem exige, a etapa da pesquisa é essencial. Como 
ela não exige que a pauta seja quente — recente, nova —, uma reportagem pode levar até meses 
para ser escrita. As possíveis fontes para consultas podem ser documentais ou pessoais. Irei me 
aprofundar sobre a pesquisa documental e a entrevista mais tarde. No entanto, é importante 
ressaltar que o papel da reportagem não é somente divulgar dados e estatísticas, mas 
contextualizá-los, contar uma história a partir desses dados, como Kotscho (2000, p. 68) explica 
muito bem: “De que valeriam os números de mortos — seis mil, dez mil, vinte mil — se a 
matéria não contasse quem são essas vítimas da “guerra urbana” e suas histórias? — e um 
exemplo vale mais do que mil tabelas estatísticas”. 
 
4.2.2. A questão da neutralidade 
No tópico sobre a história do jornalismo, falei sobre como a neutralidade e a 
imparcialidade foram colocadas como necessárias ao fazer jornalístico. Isso se deu por conta 
da disputa pela audiência empreendida pelos empresários Hearst e Pulitzer, então o meio 
profissional reagiu ao institucionalizar a prática jornalística, atribuindo-lhe técnicas na intenção 
de combater o sensacionalismo. 
Acontece que, ao levar em consideração um cenário da comunicação como o do Brasil 
onde seis conglomerados de mídia atingem quase 100% do território nacional, sendo os cinco 
primeiros grupos de empresas privadas (CABRAL, 2016), não se pode falar de neutralidade no 
jornalismo. Esses grupos (seus proprietários) têm interesses próprios que querem defender, 
portanto a utilização do discurso do jornalismo “imparcial e neutro” pode ser utilizado como 
35 
 
 
uma cortina de fumaça para esconder as reais intenções da divulgação de um fato, de um dado, 
do enfoque dado a uma matéria etc. 
Sobre isso, Kotscho (2000, p. 8) afirma: “O leitor tem o direito de saber o que pensa, 
de que lado está aquele que lhe escreve — é uma informação a mais para que ele possa tirar 
suas próprias conclusões”. Para além da linha editorial do veículo, o próprio repórter é um 
sujeito que possui suas opiniões, interpretações, pensamentos e sentimentos. Kotscho (2000, p. 
32) também fala a respeito disso, para ele o repórter saber como equilibrar — não anular — a 
emoção em uma reportagem é essencial para se contar uma boa história sem abrir mão da 
informação correta e de qualidade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
36 
 
 
5. Entrevista 
A entrevista é uma prática fundamental na atividade jornalística e também um gênero 
jornalístico. Nela o repórter, na posição de entrevistador, tem a oportunidade de dialogar com 
personagens centrais para sua reportagem. Ela pode ser realizada com diversos objetivos e em 
contextos diferentes: para ouvir a opinião de um especialista no assunto que está sendo apurado; 
porque o entrevistado testemunhou um evento que está sendo noticiado ou porque o próprio 
entrevistado é o ponto central da entrevista e queremos ouvir sua experiência, sua história. 
Medina (1986) acredita que quando a entrevista é conduzida de forma interativa, como 
uma conversa ao invés de apenas perguntas e respostas a um questionário, o público percebe o 
diálogo e acaba também fazendo parte dele, interpretando à sua maneira: “A experiência de 
vida, o conceito, a dúvida ou o juízo de valor do entrevistado transformam-se numa pequena 
ou grande história que decola do indivíduo que a narra para se consubstanciar em muitas 
interpretações” (p. 6). 
Assim como na apuração de fontes documentais, o repórter deve observar algumas 
técnicas que podem ajudá-lo a conduzir esse diálogo da forma mais satisfatória para todos. É 
recomendável que o entrevistador estude e esteja a par do tema da entrevista que irá realizar, 
porém seguir um questionário planejado de antemão pode acabar restringindo a conversação. 
Ao invés de se ater apenas ao questionário prévio o entrevistador deve estar atento e ter 
capacidade para conduzir um diálogo mais espontâneo. 
A preparação prévia do entrevistador é de extrema importância. Ele deve prestar 
atenção ao que lhe foi dado de informação a respeito do entrevistado e seu trabalho e buscar 
novas informações, é importante para estabelecer uma entrevista diálogo. Elaborar um roteiro 
de perguntas é importante para o direcionamento que o jornalista quer dar para a entrevista, 
para não se esquecer de questões importantes. Mas, assim como a pauta, não deve ser um 
empecilho para a espontaneidade e criatividade. 
Caputo (2006) compartilha de uma opinião parecida com a de Medina (1986) sobre a 
necessidade da entrevista ser um diálogo, e tanto ela quanto Lage (2005, p. 80) acreditam que 
uma boa técnica para atingir esse objetivo dizer que é uma boa técnica saber fazer perguntas 
sobre as respostas: 
 
Quando o jornalista usa bem o roteiro, ele tem consciência que preparou 
algumas perguntas, mas sabe também que, se ouvir de verdade, outras 
perguntas surgirão das próprias respostas do entrevistado. Na verdade, o que 
precisa acontecer é uma autêntica conversa, um diálogo autêntico. (p. 61) 
 
 
37 
 
 
As Máximas do filósofo Paul Grice (1989), citado por Lage (2005), dizem que há um 
comportamento padrão em pessoas em uma conversa de boa-fé. E é isto que determina o que 
o repórter pode esperar de um diálogo com uma fonte: 
 
Se acha que o repórter é uma ameaça (posição frequente entre os ricos e os 
que têm algo a esconder), será parcimoniosa nas respostas; se vê na conversa 
uma oportunidade de defender seus direitos (o que é provável entre pessoas 
pobres), enfatizará reivindicações e reclamações; se teme que o repórter não 
compreenda algo (o que ocorre, em regra, com cientistas e pesquisadores de 
ciências exatas), procurará ser minuciosa e redundante na explicação. (p. 57) 
 
 
Para que o diálogo com a fonte ocorra da forma mais satisfatória possível, é importante 
que o posicionamento do repórter seja de um ouvinte neutro: “Deve cuidar de qualificar-se 
como um interlocutor válido, não subordinado nem inquisidor - um ouvinte, uma testemunha, 
um profissional da informação.” (LAGE, 2005, p. 58) 
Caputo (2006) cita ainda sobre a questão da violência simbólica de que fala o sociólogo 
Pierre Bordieu (1997). Essa violência pode acontecer no momento da entrevista quando, por 
exemplo, um gravador é acionado. Esta é uma atitude que, mesmo inconsciente por parte do 
repórter, pode constranger ou inibir a outra pessoa e afetar o direcionamento da entrevista. 
Para exemplificar, a autora fala sobre uma fotografia publicada pelo jornal carioca O 
Dia, em 1993. Ela diz que a foto mostra um corpo no chão e, ao lado, algumas crianças sorrindo. 
O intuito seria mostrar a banalização da violência. Segundo a autora, devemos nos questionar 
se as crianças não estariam rindo para a máquina do fotógrafo, cuja presença, bem sabemos, 
pode ter provocado interferência na realidade. A transparência do entrevistador para com o 
entrevistado é uma forma de evitar os efeitos da violência simbólica de que fala Pierre

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