Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAS APLICADAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS FERNANDA AMORIM SINEDINO DE OLIVEIRA RELAÇÃO ENTRE O NARCISISMO E A BUSCA POR PODER INSERIDOS NA SUBJETIVIDADE DA ATUAÇÃO CONTÁBIL NATAL/RN 2019 FERNANDA AMORIM SINEDINO DE OLIVEIRA RELAÇÃO ENTRE O NARCISISMO E A BUSCA POR PODER INSERIDOS NA SUBJETIVIDADE DA ATUAÇÃO CONTÁBIL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Coordenação do Curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharela em Ciências Contábeis. Orientadora: Prof.ª Dra. Adriana Isabel Backes Steppan NATAL/RN 2019 FERNANDA AMORIM SINEDINO DE OLIVEIRA Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Oliveira, Fernanda Amorim Sinedino de. Relação entre o narcisismo e a busca por poder inseridos na subjetividade da atuação contábil / Fernanda Amorim Sinedino de Oliveira. - 2019. 72f.: il. Monografia (Graduação em Ciências Contábeis) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Ciências Contábeis. Natal, RN, 2019. Orientador: Prof.ª Dra. Adriana Isabel Backes Steppan. 1. Contabilidade Comportamental - Monografia. 2. Inventário de Personalidade Narcisista - Monografia. 3. Subjetividade - Monografia. 4. Passivos Contingentes - Monografia. I. Steppan, Adriana Isabel Backes. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 657 Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355 RELAÇÃO ENTRE O NARCISISMO E A BUSCA POR PODER INSERIDOS NA SUBJETIVIDADE DA ATUAÇÃO CONTÁBIL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação do Curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharela em Ciências Contábeis. Aprovada em: ___/___/____ BANCA EXAMINADORA ____________________________________________ Prof.ª Dra. Adriana Isabel Backes Steppan ____________________________________________ Prof.ª Vanessa Medeiros ____________________________________________ Prof.ª Camila Azevedo Dedico este trabalho de conclusão de curso ao meu pai, Edward Sinedino de Oliveira, e à minha mãe, Josemary Santos de Amorim Sinedino. Vocês são minha base e inspiração de vida todos os dias. AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus, por me conceder sua infinita misericórdia e graça, dando forças nos momentos mais difíceis, quando só Ele podia. Agradeço também aos meus pais, que sempre me deram coragem para atingir meus objetivos e me apoiaram por toda a vida. Às minhas irmãs que, perto ou longe, sempre me incentivaram e, especialmente a Marina, que de perto acompanhou minha jornada. Ao meu namorado, Nilson, por toda a paciência, companheirismo e apoio durante todo o meu período acadêmico. A toda a minha família, especialmente avô e avó, tias e tio, que sempre souberam se fazer presentes, ainda que me apoiando à distância. Aos meus amigos de curso, especialmente Brenda, Nicolas, Hygor e Daniel, que estiveram comigo nesse percurso, dividindo todos os momentos, fossem eles bons ou ruins, por todos os conhecimentos compartilhados, os quais levarei como experiências por toda a vida. Ao meu local de trabalho, “Aditivo Contabilidade e Auditoria” e a todos os colegas de trabalho que lá fiz, por terem me acolhido e partilhado seu conhecimento e auxílio. À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, bem como a todos os docentes e servidores do Departamento de Ciências Contábeis, por terem sido fundamentais na minha formação e jornada acadêmica. À minha professora e orientadora, Adriana Isabel Backes Steppan, não só por todo o conhecimento comigo compartilhado, mas pelo companheirismo nesse momento, bem como por todo o apoio, incentivo e paciência nessa reta final tão importante do curso. A todos os meus amigos, que mesmo na distância do dia a dia, se fizeram presentes nesta caminhada, sempre me incentivando a prosseguir. RESUMO O contador é formado e instruído, durante todo o seu período acadêmico, a desempenhar um papel de grande importância como sendo o principal aliado às empresas, empresários e gestores no meio corporativo no tocante à tomada de decisão. Por isso, a sua personalidade e julgamento pessoais tornam-se de grande relevância ao observar a atuação desse profissional no mercado de trabalho. Entretanto, caso o indivíduo possua noções subjetivas distorcidas, poderá acarretar em consequências na sua atuação profissional. Dentro desse contexto, esse estudo apresenta como objetivo principal averiguar a relação existente entre o traço de personalidade narcisista e as decisões tomadas em contextos subjetivos da contabilidade. O público alvo deste trabalho consiste nos estudantes do curso de Ciências Contábeis da UFRN, o qual representa uma amostra de 61 participantes. No que se refere à tipologia de pesquisa o estudo é descritivo e, quanto à abordagem, classifica-se como qualitativa e quantitativa. Para obter percepções acerca da temática, foi utilizado o método de aplicação de questionário, que abrange o instrumento NPI – Narcissistic Personality Inventory, criado por Raskin e Terry em 1988, buscando averiguar o nível de personalidade Narcisista do indivíduo, além da utilização de cenários elaborados que contemplam a tomada de decisões em aspectos subjetivos. Os resultados do estudo não revelam, para a amostra pesquisada, tendência ao Narcisismo. A pontuação de 10,64 se encontra inferior ao parâmetro utilizado em índices de pesquisas anteriores que tratam da temática. No que diz respeito às decisões apresentadas pelos respondentes com relação aos cenários, a pesquisa mostra que, ainda que o Narcisismo não tenha sido classificado como fator chave para as respostas, elas foram influenciadas pelas informações expostas em cada um dos cenários, conforme esperado. Sendo assim, apesar da pontuação de personalidade narcisista ser reduzida quando comparada com outros estudos da área, mostrando que não existe relação direta entre a personalidade e a atuação do profissional contábil, outras características relevantes foram verificadas nos indivíduos como humildade, conservadorismo e ética, atributos essenciais para a formação de um profissional competente e qualificado para atuar no mercado de trabalho. Palavras-chave: Inventário de Personalidade Narcisista; Contabilidade Comportamental; Subjetividade; Passivos Contingentes. ABSTRACT The accountant is trained and instructed, throughout his academic period, to play a major role as the main ally to business people, entrepreneurs and managers in corporate decision-making. Therefore, his personality and judgment become of great relevance when it comes to the performance of this professional in the labor market. However, if the individual possesses distorted subjective notions, there will probably be consequences in his professional performance. Within this context, this study has as main objective to investigate the relationship between the narcissistic personality trait and the decisions made by the individual in subjective accounting environments, with the specific focus on tracing the narcissistic personality level in the accounting student. The target audience for this research are the accounting students at UFRN, which represents a 61 participantssample. As far as the type of research is concerned, the study is descriptive with an approach that is classified as qualitative and quantitative. In order to obtain inferences about the subject, the questionnaire application method was used, which covers the NPI – Narcissistic Inventory Personality, created by Raskin and Terry in 1988, seeking to ascertain the narcissistic personality level of the individual and to observe the way in which he acts in scenarios of accounting subjectivity. As a result, the study doesn´t reveal, for the sample studied, a tendency towards Narcissism. The 10,64 score on the narcissistic personality test is reduced comparing it with previous research indexes as a basis; therefore, it did not generate significant influence on the individuals' response to the hypothetical accounting scenarios. In addition, participants' responses to the scenarios met the expectations proposed in their formulation. Although the narcissistic score is reduced when compared to other studies in the area, other relevant characteristics were verified in individuals such as humility, conservatism and ethics, essential attributes for a competent and qualified professional to work in the labor market. Keywords: Narcissistic Personality Inventory; Behavioral Accounting; Subjectivity; Contingent Liabilities. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Passivos Contingentes – Cenário 01 Gráfico 2: Passivos Contingentes – Cenário 02 Gráfico 3: Passivos Contingentes – Cenário 03 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Conceituação do Narcisismo – comparativo e evolução Tabela 2: Frequência de respostas ao Inventário de Personalidade Narcisista – NPI Tabela 3: Subescalas do NPI e respectivas assertivas Tabela 4: Estatística descritiva – Pontuação NPI SUMÁRIO 1 – INTRODUÇÃO ......... .......................................................................................... 11 1.1. CONTEXTO E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA .............................................. 11 1.2. OBJETIVOS ....................................................................................................... 14 1.2.1. Objetivo Geral ................................................................................................. 14 1.2.2. Objetivos Específicos...................................................................................... 14 1.3. JUSTIFICATIVA ................................................................................................. 15 2 – REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................. 17 2.1. RELAÇÕES DE PODER.................................................................................... 17 2.2. O NARCISIMO – ORIGEM E CONCEITO ......................................................... 21 2.3. O CONCEITO DE PASSIVOS CONTINGENTES .............................................. 30 3 – METODOLOGIA ................................................................................................. 33 3.1. TIPOLOGIA DA PESQUISA .............................................................................. 33 3.2. POPULAÇÃO E AMOSTRA .............................................................................. 33 3.3. TRATAMENTO DOS DADOS ............................................................................ 33 4 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS............................................................. 35 4.1. ANÁLISE DO INVENTÁRIO DE PERSONALIDADE NARCISISTA – NPI ......... 35 4.2. ANÁLISE DOS CENÁRIOS SUBJETIVOS ........................................................ 41 4.3. ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE O INVENTÁRIO DE PERSONALIDADE NARCISITA – NPI E CENÁRIOS CONTÁBEIS ........................................................ 45 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 47 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 50 APÊNDICES ............................................................................................................. 54 ANEXOS ................................................................................................................... 68 12 1. INTRODUÇÃO 1.1 CONTEXTO E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA Ao analisar as relações interpessoais, sejam no âmbito profissional, acadêmico ou pessoal, é possível atestar que todas são reguladas por meio das situações geradas em consequência das relações de poder. Por isso, necessita-se destacar a importância de elementos que influenciam, direta ou indiretamente, o poder e seus efeitos. Precisa-se, primeiramente, entender a definição de poder e suas vertentes. Robert Greene (2015), um dos maiores escritores sobre a temática – autor de livros como “As 48 Leis do Poder” – que dedicou cerca de quase 20 anos ao estudo do assunto, define poder como “a medida do grau de controle que você tem sobre as circunstâncias em sua vida e sobre as ações das pessoas ao seu redor”. Ele também afirma que é uma habilidade, desenvolvida somente por uma compreensão profunda da natureza humana e do que motiva as pessoas. Por isso, pode-se entender o poder como possuir influência, não só sobre as pessoas, mas também sobre o ambiente. Entretanto, de acordo com Guerrero et al. (2011), existem seis princípios de poder em relacionamentos interpessoais, que convergem para a observação e conclusão acerca do comportamento – e a influência ocasionada pelas circunstâncias do indivíduo em relações de poder. Por isso, ao observar minuciosamente os princípios comentados pelo autor, ratifica-se a importância de analisar o perfil de pessoas que, futuramente, serão prováveis líderes de equipe, gestores e até mesmo colaboradores de equipes em corporações. Tal fato se justifica na situação em que, no caso de um detentor de maior poder apresentar traços de personalidade narcisista, isso poderá afetar não só o desempenho da sua equipe em um âmbito organizacional, como também sua tomada de decisões individual e os impactos gerados através dessa atitude. Dentro desse contexto, um fator de grande significância a ser destacado, no ambiente laboral, está focado na subjetividade presente nas atitudes tomadas por gestores ou, até mesmo, futuros gestores que trilharão esse caminho. Por isso, vale 13 realçar a relevância no estudo dos traços da personalidade narcisista e suas influências nas atitudes de desejo por poder. É importante, primeiramente, compreender a definição de Narcisismo. O narcisismo é, basicamente, originado do mito de Narciso, e é marcado por identificar indivíduos que possuem um exagerado amor-próprio. É de conhecimento que o primeiro autor a citar o termo foi Havelock Ellis, em 1898, em seu texto Auto-erotism: a study of the spontaneus manifestation of the sexual impulse (Autoerotismo: um estudo da manifestação espontânea do impulso sexual). Ele utiliza-se da expressão Narcissus-like (assim como Narciso), fazendo alusão ao mito. Porém, deve-se a Paul Näcke (1899) a criação do termo propriamente dito. De acordo com Laplanche, J. e Pontalis, J.-B. (1971) (apud Luiz Moreno Guimarães e Paulo César Endo 2014, vol. 17 nº 3): De fato, Näcke (1899) forjou a palavra Narzissmus, mas para comentar o ponto de vista de Havelock Ellis, que foi o primeiro, em 1898 (Autoerotism, a Psychological Study), a descrever um comportamento perverso relacionando- o com o mito de Narciso. (GUIMARÃES e ENDO, 2014, p. 263) Por fim, foi atribuído a Näcke a origem do termo, quando citou, em 1899, que narcisistas eram pessoas que se apaixonam por si mesmas. Portanto, é possível concluir que, dependendo da intensidade de tais atributos no indivíduo,sua ética pessoal pode ser consideravelmente distorcida, trazendo prejuízos tanto para grupos e tomadas de decisão mais práticas, como para as entidades de forma geral. Dentro desse contexto, se torna relevante averiguar o nível de interferência de atitudes específicas ligadas às características narcisistas, bem como sua influência no meio corporativo, além das implicações no momento de tomada de decisão por parte dos possíveis contadores, dentro do seu âmbito de controle, tendo em vista que o narcisismo leva o indivíduo a sobrepor suas questões em detrimento de decisões acertadas coletivamente, que favorecem um grupo. Ou seja, independente das consequências e de possíveis noções de ética profissional, o indivíduo com atributos narcisistas caracteriza-se por buscar atender suas preferências, de acordo com a subjetividade própria. Em vista disso, torna-se 14 crucial a análise do perfil dos futuros profissionais da contabilidade, que são, por formação, prováveis tomadores de decisões em ambientes corporativos. Vale salientar que, apesar de existirem legislações regulamentadoras que orientem a forma tributariamente correta de atender às obrigações contábeis e acessórias, o perfil do profissional contábil caracteriza-se pelo fato de que parte considerável das decisões ainda é tomada pelo contador, sendo, assim, regida pelas próprias convicções singulares acerca de determinado assunto. Em outras palavras, cada situação é interpretada de uma forma diferente, que varia conforme se alteram as noções de ética, subjetivas e variáveis do indivíduo. Destarte, ao observar o perfil de personalidade com traços narcisistas, é importante ratificar que pessoas possuidoras de tais atributos são conhecidas por priorizarem o “eu” em detrimento de um todo. Em consequência, tal comportamento pode certamente levar a consequências negativas, quando se é preciso “sacrificar” uma parcela dessa liderança pessoal visando atingir um objetivo coletivo de uma entidade, por exemplo. Além disso, um traço de personalidade narcisista pode ser prejudicial em situações nas quais seja requerido trabalho em equipe, justificado pelo fato de ser provável que tal indivíduo poderia optar por auxiliar o grupo, caso isso possibilite uma ameaça a seu nível de poder/liderança; ao invés disso, ele apresenta uma certa tendência a priorizar seus próprios interesses. Diante de tal reflexão, destaca-se a figura do estudante de contabilidade, inserido no contexto como um futuro profissional da área contábil, e até potencial gestor, tendo como atributos principais ser um agente de suporte para executivos no fornecimento de informações que, em diversas ocasiões, dependem da compreensão subjetiva do profissional. Por isso, o contador é um importante aliado no auxílio à tomada de decisão por parte das corporações e suas administrações. Por conseguinte, observar uma personalidade com traços narcisistas torna- se relevante no sentido de propiciar maior capacitação de potenciais gestores, a fim de obter melhores resultados com esses indivíduos, quando inseridos no meio corporativo, através de melhoria de suas compreensões de colaboração coletiva. 15 Portanto, é notória a importância de observar essa temática e abordá-la com os futuros profissionais da área, visando construir gestores mais capacitados e preocupados com o alcance de metas em seu ambiente corporativo, além de gerar equipes mais capacitadas e focadas em atingir objetivos propostos em grupo, sejam eles relacionados aos clientes ou até mesmo à corporação da qual eles farão parte. Tendo em vista a importância de abordagem de uma problemática tão relevante, surge a necessidade de realizar uma análise mais aprofundada acerca da temática de teorias comportamentais e traços de personalidade – nesse caso, o Narcisismo – e sua influência nas necessidades de poder do indivíduo. Face à situação descrita, levanta-se a seguinte questão: há relação do traço de personalidade narcisista com as decisões tomadas pelo indivíduo em ambientes subjetivos da contabilidade? 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 Geral A presente pesquisa apresenta como objetivo geral averiguar a relação existente entre o traço de personalidade narcisista e as decisões tomadas pelo indivíduo em ambientes subjetivos da contabilidade. 1.2.2 Específicos Para alcançar o objetivo geral de forma satisfatória, pautaram-se alguns objetivos específicos a serem abordados neste trabalho: a) Traçar o nível de personalidade narcisista no estudante de contabilidade; b) Associar a influência da personalidade narcisista em decisões subjetivas relacionadas à profissão contábil; c) Identificar as escolhas realizadas pelos estudantes de Ciências Contábeis em cenários profissionais subjetivos; d) Investigar se existe relação entre desejo pelo poder e o perfil do graduando de contabilidade. 16 1.3 JUSTIFICATIVA A escolha do tema previsto está relacionada à influência dos traços de personalidade Narcisista dentro da atuação do profissional contábil e suas escolhas em ambientes subjetivos da contabilidade. A importância do estudo está relacionada à necessidade de verificar o nível de influência desse traço de personalidade na atuação do contador. Por isso, averiguar como se dá essa influência – além de concluir se ela é positiva ou não para a organização e para o indivíduo – torna-se essencial, a fim de que possa ser possível comprovar a relação de atitudes individualistas com possíveis atitudes praticadas pelo detentor das características, sejam tais atitudes tanto no âmbito profissional, como também no desencadear nas relações interpessoais. Sendo a definição do Narcisismo basicamente marcada pela presença de uma exacerbação do amor-próprio, é necessário dar a devida importância ao desencadeamento desses sentimentos, a fim de verificar a influência dessa personalidade em atitudes específicas atreladas à atuação do profissional contábil no âmbito profissional. Uma parte considerável dos estudos retratados acerca do Narcisismo presente em ambientes corporativos trata da relação desse distúrbio, seus níveis e a relação com o desejo por poder e influência, dentre outros: por exemplo, Maccoby (2004) obteve como resultado de suas pesquisas a existência de uma relação positiva entre os indivíduos que apresentavam tais traços dessa personalidade e a busca por exercer controle sobre demais colaboradores em um ambiente de trabalho, além de averiguar a necessidade deles de demonstrarem alta competitividade e de serem vitoriosos em relação aos outros nas situações. Por isso, observando assim a ótica do profissional contábil como detentor de importância fundamental no auxílio à tomada de decisões administrativas e gerenciais numa corporação, é essencial observar se a presença do Narcisismo em sua personalidade não acaba por ocasionar uma busca de realização pessoal, ainda que cause prejuízos à equipe da qual ele faz parte e atua profissionalmente, tendo em vista a comprovação de que, dependendo do nível de presença dos traços narcísicos, 17 a subjetividade e consciência de cooperação coletiva do indivíduo poderão ser afetadas. Ademais, a presente pesquisa se torna relevante para o meio acadêmico por permitir um aprofundamento da temática dentro do cenário da contabilidade, podendo assim ser trabalhada dentro do cenário acadêmico, na formação dos profissionais. Para os indivíduos pesquisados, o trabalho é de alta importância para o aprofundamento da compreensão pessoal e de como eles poderão influenciar o mercado de trabalho no qual estarão brevemente inseridos; assim, poderão ter uma visão mais ampla de sua atuação e uma melhor gestão de suas decisões na atuação como profissionais da contabilidade. Em se tratando da relevância para a sociedade, ela se dá no âmbito de formar melhores gestores e tomadores de decisões gerenciais e financeiras,já que observará a influência do comportamento narcisista nos gestores das organizações, fornecendo-os a possibilidade de analisar e gerenciar suas atitudes de forma coerente, formando, assim, gestores e colaboradores mais competentes em suas funções, buscando despertar neles a conscientização da importância de tomar decisões que façam o meio no qual eles estão inseridos crescer, gerando desenvolvimento de corporações e, consequentemente, desenvolvimento econômico e ético para a sociedade. 18 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 RELAÇÕES DE PODER Na visão de Veroff (1955), a motivação por poder origina-se através de uma relação interpessoal, caracterizada na estrutura de apresentar um ser superior aos outros, que manifesta controle de mecanismos a fim de influenciar seus indivíduos subordinados. Dentre os 3 tipos de motivação humana encontrados por David McClelland (1961; 1987), ele destaca a motivação de poder como o desejo de exercer influência nos relacionamentos interpessoais, de forma que, ao controlar os meios, o indivíduo poderá influenciar outras pessoas. McClelland e Burnham (2008) defendem, ainda, o poder como sendo um grande motivador para uma gestão eficiente, ainda mais quando a influência sobre os subordinados é exercida controladamente. Assim, eles se sentem mais fortes para exercerem suas respectivas funções. Os autores realizaram, em sua obra, um estudo com gerentes norte-americanos, nas quais observaram algumas situações: os gerentes institucionais – voltados para a organização em si – apresentam um alto nível de motivação de poder, utilizando-a para motivar seus subordinados. Por outro lado, os gerentes que têm suas motivações depositadas no poder pessoal procuram somente seu prestígio individual, ainda que apresentem a capacidade de desenvolver um maior espírito de equipe em seus colaboradores. Porém, também se percebeu a falta de disciplina deles para consolidarem os processos gerenciais da empresa; dessa maneira, os subordinados são leais a eles como indivíduos, e não à organização, de forma que, se esses gerentes saírem de suas posições, a estrutura da entidade se desorganiza. A motivação por poder ainda pode ser definida como o desejo de obter impacto sobre outras pessoas, a fim de afetar seus comportamentos ou emoções. Tal definição inclui diversos conceitos sobrepostos, tais como influência, inspiração, cuidado, autoridade, liderança, controle, dominância, coerção e agressão. Apesar desses conceitos apresentarem variações de legitimação, moralidade e reação implícita da outra pessoa – o possível “alvo” do poder –, eles compartilham de um significado central: o da capacidade de uma pessoa em afetar o comportamento e sentimentos de outra (D. G Winter, 1973). 19 Para French e Raven (1959, p.152), numa discussão acerca do poder social, “a força de poder de O sobre P, em um sistema a está definido como a máxima habilidade potencial de O para influenciar P em a”. Por isso, os autores dão a essa definição o significado de que a influência é o poder exercido. Já o poder é a influência potencial. Ou seja, o poder pode ser definido, de forma mais simples, como a capacidade de um indivíduo influenciar outro. Ainda na visão de French e Raven, existem diversas bases de poder, dentre as quais destacam cinco importantes: poder de recompensa, poder coercitivo, poder legítimo, poder de referência e o poder de especialista. O poder de recompensa é assim definido pelos autores: Poder de recompensa é definido como o poder cuja base é a habilidade para recompensar. A força do poder de recompensa de O sobre P aumenta de acordo com a magnitude das recompensas que P percebe que O pode intermediar para ele. Poder de recompensa depende da habilidade de O em administrar valências positivas e remover ou diminuir valências negativas. A força do poder de recompensa também depende da probabilidade de O poder intermediar a recompensa, como percebido por P. (FRENCH e RAVEN, 1959, p.156) Já o poder coercitivo é definido como “baseado na percepção de P de que O tem a habilidade para intermediar punições contra ele”. Assim, French e Raven (1959, p. 157) afirmam: Poder coercitivo é semelhante ao poder de recompensa, na medida em que também envolve a habilidade de O para manipular a obtenção de valências. O poder coercitivo de O sobre P origina-se da expectativa por parte de P de que será castigado por O se não se conformar à tentativa de influência. Assim, valências negativas existirão em determinadas regiões do espaço de vida de P, correspondendo às ameaças de punição de O. A força do poder coercitivo depende da magnitude da valência negativa da ameaça de punição multiplicada pela probabilidade percebida de que P pode evitar o castigo pela conformidade, isto é, a probabilidade de punição pela não-conformidade menos a probabilidade de punição pela conformidade. (FRENCH e RAVEN, 1959, p.157) De forma mais ampla, as definições dos autores podem afirmar que o poder de recompensa é a capacidade do agente de recompensar o indivíduo alvo por atingir comportamentos desejados por ele, agente; já o poder coercitivo surge através da habilidade de o agente punir o alvo ou impedi-lo de obter as recompensas desejadas (SOMECH; DRACH-ZAHAVY, 2002). Por sua vez, o poder legítimo é definido por French e Raven como: 20 O poder legítimo de O sobre P é aqui definido como aquele poder que se origina de valores interiorizados por P que ditam que O tem um direito legítimo para influenciar P e que P tem a obrigação de aceitar essa influência. Salientamos que o poder legítimo é bem parecido com a noção de legitimidade da autoridade, explorada há muito tempo pelos sociólogos (...). Porém, poder legítimo nem sempre é uma relação de papel: P pode simplesmente aceitar uma indução de O por ter previamente prometido ajudar O e porque valoriza muito sua palavra para quebrar a promessa. Em todos os casos, a noção de legitimidade envolve algum tipo de código ou de padrão aceito pelo indivíduo, em virtude do qual o agente externo pode afirmar seu poder. (FRENCH e RAVEN, 1959, p. 156) O poder de referência, por sua vez, baseia-se “na identificação de P com O”. Segundo French e Raven: O poder de referência de O sobre P tem sua base na identificação de P com O. Por identificação, queremos dizer um sentimento de unidade de P com O, ou um desejo por tal identidade. Se O é uma pessoa por quem P é fortemente atraído, P desejará tornar-se intimamente associado com O. Se O for um grupo atrativo, P terá um sentimento de associação ou um desejo de união. Se P já é intimamente associado com O, irá querer manter essa relação. A identificação de P com O pode ser estabelecida ou pode ser mantida, caso P se comporte, acredite e perceba as coisas como O o faz. Portanto, O tem a habilidade de influenciar P, embora P possa não estar ciente desse poder de referência. (FRENCH e RAVEN, 1959, p. 156) Por fim, o poder de especialista é definido por French e Raven como “baseado na percepção de que O tem algum conhecimento ou perícia especial”: A força do poder de especialista de O sobre P varia na medida do conhecimento ou da percepção que P atribui a O dentro de uma determinada área. Provavelmente, P avalia a perícia de O em relação ao seu próprio conhecimento, bem como em relação a um padrão absoluto. Em todo caso, poder de especialista resulta em influência social primária sobre a estrutura cognitiva de P e, provavelmente, não em outros tipos de sistemas. (FRENCH e RAVEN, 1959, p. 163) Somech e Drach-Zahavy (2002) analisam as bases de poder, afirmando que o poder nas organizações pode ser derivado não só das oportunidades existentes à posição de um indivíduo na hierarquia (relacionada com os conceitos de poder legítimo, coercitivo e de recompensa), mas também dos atributos pessoais (conectados com o poder de referência e de especialista). Porisso, o status formal de uma organização não deve ser reconhecido como o único fator determinante do poder de um indivíduo, ainda que seja um fator essencial do poder potencial numa organização. Guerrero et al. (2011) defendem, ainda, que o poder apresenta seis princípios de poder que regem os relacionamentos interpessoais: Primeiramente, 21 destaca-se Power as Perception (poder como percepção), que afirma que “pessoas podem até usar a comunicação de forma poderosa, mas se outros não aceitarem ou perceberem seu poder, seu comportamento acaba não sendo dominante”. Ou seja, as pessoas só são poderosas se existe alguém que reconheça essa característica. O segundo princípio intitula-se Power as Relational Concept, ou seja, como um Conceito de Relacionamento. Basicamente, afirma que “o poder existe nos relacionamentos”, de forma que o poder de um indivíduo é influenciado pela submissão do outro. Acerca do Power as Resource Based (poder baseado em recursos), afirma-se que “o poder representa uma disputa por recursos; recursos escassos e valorizados criam conflitos mais intensos”. O quarto dentre os seis princípios destacados é intitulado de Principle of Least Interest and Dependence Power (Princípio do Menor Interesse e Poder de Dependência). O Poder de Dependência firma-se na prerrogativa de que a pessoa com menos influência em um relacionamento está em desvantagem relacionada à pessoa que apresenta maior poder, pois o último tem menos coisas a perder. Já o Princípio de Menor interesse defende que, se existe uma diferença no que se refere à a positividade envolvida entre as pessoas do relacionamento, a pessoa mais positiva encontra-se em desvantagem sobre a outra, em relação de poder. No que diz respeito ao quinto princípio, Power as Enabling or Desabling (Poder como Habilitador ou Desabilitador), o poder pode ser um habilitador quando influencia positivamente as relações e quando reflete habilidades, ao invés de intimidações, sendo, assim, mais duradouro. Por outro lado, pode ser um desabilitador quando “leva a padrões destrutivos de comunicação”. Dessa forma, a relação acaba tornando-se prejudicial, tendo em vista que a pessoa com menos poder não tem tanta abertura e, por isso, evita comunicar insatisfações. Por fim, o último princípio de poder é denominado Power as a Prerogative (Poder como Prerrogativa). Como o próprio nome já diz, tal princípio afirma que, nesse caso, a obtenção de poder é uma prerrogativa para que o indivíduo que o detenha em maior proporção tenha a liberdade para fazer e quebrar regras. Nesse caso, vale salientar que as punições não são sofridas para essas pessoas como para as menos favorecidas nas relações de poder. 22 Dentro desse contexto, ao analisar os conceitos defendidos pelos autores, analisa-se que, apesar das diferenças presentes nas abordagens de cada um, todos defendem a existência de uma das motivações humanas como sendo a busca por poder, de forma que ela pode ser indicada pela capacidade de um indivíduo em influenciar outro, subordinado a ele. Assim, pode-se inferir que o poder sempre esteve presente nas relações interpessoais, nas suas mais diversas modalidades, sendo um intermediador dos relacionamentos em suas variadas vertentes. Por meio dessa revisão de análises exposta, torna-se relevante para este trabalho abordar características que despertem o anseio pelo poder. Assim, analisar o comportamento narcisista nos indivíduos é essencial, verificando como essa personalidade pode reagir em situações nas quais receba poder em uma organização. Em se tratando do ambiente contábil, mais especificamente, é crucial observar o comportamento do indivíduo em situações subjetivas rotineiras da profissão, tendo em vista que o contador é um grande tomador de decisão. No tocante a essa temática, em uma pesquisa realizada por Kelsey Kay Dworkis (2013) com gerentes, foi observada uma relação relevante de interação entre o narcisismo e os estímulos nas decisões tomadas pelos gerentes. Assim, destaca-se a importância de aprofundar os conhecimentos sobre os atributos narcisistas, como os indivíduos se comportam ao tomar decisões relacionadas à contabilidade, bem como sua relação com aspirações por poder no meio organizacional. 2.2 O NARCISISMO – ORIGEM E CONCEITO Apesar de o estudo referente à influência dos traços de personalidade narcisista ainda não ser completamente difundido, o reconhecimento da existência do narcisismo permeia a sociedade há mais de um século. Como um fator representativo de caráter delimitador de traços de personalidade, o narcisismo vem exercer influência direta no comportamento dos indivíduos quanto à busca por poder exacerbado e tomada de decisão. Por isso, em se tratando do ambiente contemporâneo, os seres estão expostos a serem submetidos, em suas escolhas, à influência do narcisismo em seus comportamentos. 23 Para tal, é preciso, primordialmente, compreender a origem do termo “Narcisismo”. A história se origina através do mito de Narciso, mais conhecido em sua retratação por Ovídio, poeta latino que comentou o assunto em sua obra Metamorfoses, tornada pública por volta do ano 8. O mito retrata, de forma geral, um rapaz, chamado Narciso, de arrogância e orgulho extremos, que acaba sendo condenado pela deusa Némesis a se apaixonar pelo seu próprio reflexo. Assim, ele definhou, na lagoa de Eco, olhando-se na água e apreciando seu próprio reflexo. Sobre a criação do termo, é importante salientar que Peter Fonagy et al. (2012) afirmam que quando Freud introduziu o conceito formal de narcisismo em sua teoria, o termo já era conhecido, apesar de ainda não ser tão comumente utilizado. Ainda conforme o autor, Freud utilizou-se do termo pela primeira vez em 1910, em seu trabalho com Leonardo da Vinci. Entretanto, é bem conhecido que Freud trata da sua preocupação para com o Narcisismo – especificamente com a escolha do objeto narcisista – em sua obra Three Essays on the Theory of Sexuality – Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905) –, divulgado apenas em 1910 (assim como a obra Leonardo da Vinci and a Memory of His Childhood – Leonardo da Vinci e uma Memória de sua Infância –. Dentro desse contexto, faz-se necessário sinalizar que o termo foi sendo reconhecido e utilizado para descrever indivíduos extremamente enamorados de si mesmos anos antes, somente assimilado por Freud anos depois. Apesar de alguns conflitos sobre quem foi o responsável pela origem do termo, data-se que Havelock Ellis (1898) introduziu o termo ao descrever uma atitude psicológica, de forma a compará-la à figura de Narciso, utilizando-se da expressão “Narcissus-like”. Um ano depois, Paul Näcke faz uso da expressão ao denotá-la como um distúrbio no qual a pessoa trata seu próprio corpo como um objeto sexual. Contudo, apesar de haver certo consenso na história acerca das utilizações do termo, a obra “Dicionário da Psicanálise” de Roudinesco (1997) destoa dessas análises, ao apontar o mérito da invenção do termo ao psicólogo francês Alfred Binet, que se utiliza do termo para descrever um tipo de fetiche, no qual a própria pessoa se torna objeto sexual. Binet utiliza-se não propriamente do termo, mas faz menção ao mito de narciso em sua obra Le fétichisme dans l´amour – O Fetichismo no Amor –, escrita em 1887. 24 Entretanto, ainda sobre a definição de Näcke, é necessário ressaltar que, justamente pelo fato de ele ter tratado e classificado traços narcisistas como atributos de uma perversão, tal conceito acaba conduzindo a uma outra vertente do termo, o de criminalização do narcisismo – Paul Näcke não era somente psiquiatra, mas sim um médico criminologista. Por conseguinte, acaba-se incluindo o narcisismo como um quadro clínico reconhecido no catálogo de perversões Psychopatia sexualis (1950). A obra foi publicada primeiramente em 1886, pelo autorKrafft-Ebing, e teve o narcisismo incluído em seu rol em uma de suas revisões. Dentro desse contexto, faz-se necessária uma análise das diferentes perspectivas defendidas por cada um dos autores. Abaixo, é apresentada uma tabela resumida dos conceitos defendidos pelos principais autores conhecidos na temática, bem como suas perspectivas a respeito da abordagem do Narcisismo. Tabela 1: Conceituação do Narcisismo – comparativo e evolução Binet Ellis Näcke Krafft-Ebing Freud Autor reconhecido pela retratação do mito de Narciso, identificando-o como uma espécie de fetichismo, problema psicopatológico. Primeiro autor a utilizar-se da expressão “Narcissus-like: ser como Narciso” – no sentido de comparar o indivíduo à personagem de Narciso – na obra Autoerotismo: um estudo sobre a manifestação do impulso sexual (explicitando comportamento autoerótico). Atribui-se ao autor a criação do termo narcisismo propriamente dito, ao utilizar-se dele em sua obra, de forma a caracterizá- lo como uma perversão. Autor acrescenta o narcisismo como um dos quadros clínicos reconhecidos em seu catálogo de perversões. Um dos autores mais conhecidos nas pesquisas do tema. Realizou estudos com uma visão mais analista e menos perversa, visando compreender o comportamento dos indivíduos e as influências sobre eles. Fonte: elaborado pela autora. 25 É importante destacar que Binet está entre os primeiros autores reconhecidos por retratarem o mito de Narciso. Sucedendo-o, Ellis conceitua, portanto, o termo “Narcissus-like”, referindo-se à uma tendência do indivíduo a “ser como Narciso”. O autor utiliza-se da história em seu texto “Auto-erotism: a study of the spontaneous manifestation of the sexual impulse” (Autoerotismo: um estudo sobre a manifestação do impulso sexual) para explicitar o comportamento autoerótico. No ano seguinte, Paul Näcke se refere ao mito de Narciso em seu trabalho “Kritisches zum Kapitel der normalen und pathologischen Sexualität” (Crítica ao Capítulo da Sexualidade Normal e Patológica). O médico é quem é reconhecido pela criação do termo “narcisismo” propriamente dito, caracterizando-o como uma perversão. Tal premissa só vem a ser consolidada quando, no século XX, Krafft-Ebing acrescenta o narcisismo como uma das perversões inseridas em seu catálogo. Por isso, pode-se dizer que esses primeiros autores criaram a imagem inicial do narcisismo. Porém, é evidente que os primeiros estudiosos do narcisismo seguiram uma vertente bem mais nociva do narcisismo, de forma a rotulá-lo como um distúrbio específico, sem maiores avaliações referentes ao seu nível de influência, como se manifesta – e é identificado – no indivíduo e quais as interferências no meio social, justamente por se tratarem de conceitos mais primitivos e superficialmente aprofundados. Alguns anos depois, Freud inicia suas pesquisas e menções acerca da temática. Todavia, ele se diferencia dos demais autores citados por buscar realizar um estudo com um viés mais analista e menos perverso do tema, considerando verificar as influências que deram origem ao transtorno narcisista, de forma a expor uma análise mais voltada ao comportamento dos indivíduos, bem como ao desdobramento dessas situações e suas consequências. Em sua obra “Introdução ao Narcisismo” (1914), Freud trata das mudanças ocasionadas no Eu, que poderiam gerar os distúrbios. Assim, ele elenca algumas áreas que aproximariam do conhecimento mais aprofundado do narcisismo e que devem ser estudadas: consideração da doença orgânica, da hipocondria e da vida amorosa. 26 Relativamente à doença orgânica, Freud destaca nesse grupo os distúrbios físicos influenciadores no indivíduo, como mudanças de humor, estado do sono, etc. Já a hipocondria surge por meio de sensações físicas penosas e dolorosas, da mesma forma que a doença orgânica. Entretanto, o autor cita uma diferenciação entre hipocondria e doença orgânica: na doença orgânica, “sensações penosas se baseiam em mudanças demonstráveis, no primeiro (hipocondria), não”. Em outras palavras, a hipocondria não é caracterizada por uma mudança demonstrável, ao contrário da doença orgânica. A partir dessa análise, já é possível perceber o objetivo de Freud e sua preocupação com uma análise clínica mais profunda da origem do narcisismo e sua influência no indivíduo, tomando como base seu comportamento e suas relações. Quando Freud relata as situações permeadas pelo distúrbio, ele afirma que o Eu é o detentor de toda a libido presente no indivíduo, sendo ela distribuída para o meio externo. Entretanto, quando não se encontra satisfação fora de si, volta para o objeto de origem – novamente, o próprio ser. Anos mais tarde, todavia, Freud relata que a libido não está presente mais no eu, mas sim no isso, tomando como base o fundamento de que tal característica se desenvolve quando o eu ainda está no início do seu processo de existência. Em seu texto “O eu e o isso”, portanto, ele defende que o narcisismo do eu é, agora, secundário: No início, toda a libido está acumulada no isso, enquanto o eu encontra-se ainda em processo de formação ou é fraco. O isso envia uma parte dessa libido para investimentos objetais eróticos; em consequência, o eu fortalecido tenta apoderar- se dessa libido do objeto e impor-se ao isso como objeto amoroso. Portanto, o narcisismo do eu é um narcisismo secundário, subtraído dos objetos. (FREUD [1923] 2006, p.47) Depois dessa afirmação, os pesquisadores do tema chegaram a num impasse, já que Freud, considerado o pai da psicanálise, encontrava-se nessa contradição. No âmbito desse impasse, é importante dar atenção especificamente a um psicanalista que resolveu desenvolver pesquisas que contribuíram de forma significativa para desenvolver essa temática: A. Green. Dentre suas contribuições, ele busca, inicialmente, analisar as noções de narcisismo primário quando, em sua obra “Narcisismo primário, estado ou estrutura?” (1966-1967), ele considera o narcisismo não mais como um estado de ser, mas como uma estrutura. Ele também 27 dá origem à construção de uma hipótese que considera o narcisismo como “de morte/negativo” e “de vida/positivo”. Essa ideia surge pelo fato de que Green acredita existir uma relação entre duas teorias ligadas a essa temática: a dos instintos e a de relação de objeto. Basicamente, o narcisismo positivo tem a característica de transformar em objetos, ocasionando relações objetais que irão influenciar na constituição do Ego e o desenvolvimento da atividade psíquica. Já o negativo apresenta o caminho oposto, desobjetalizando e promovendo uma desconexão nas relações objetais e o desenvolvimento ocorrido após isso. Também é relevante afirmar que o objetivo de Green não era sobrepor nem substituir os conceitos instaurados por Freud acerca da temática. O que ele realmente buscava era construir uma relação entre as abordagens, de forma a conectar as lacunas existentes entre elas (Green, 1988, p.242). De forma geral, Green contribui de forma significativa por expor um narcisismo moral, um pouco mais voltado para as relações e de forma mais prática do que os pesquisadores anteriores a ele, que caracterizaram o narcisismo praticamente de uma forma semelhante, sendo ligado a perversões e fetichismos quando, na verdade, os traços da personalidade narcisista não se apresentam apenas dessa maneira. Raskin e Terry (1988) desenvolveram o NPI-40 – Narcissistic Personality Inventory-40, uma versão mais resumida da versão inicial de análises de Raskin, que continha 80 itens, e de Hall, que continha 54 (Raskin e Hall, 1979). O questionário é composto por 40 questões relacionadas, nas quais o indivíduo escolhe um dentre dois cenários expostos por questão. Após a aplicação do teste, as respostas dadas são analisadas, tendo como base sete fatores correlacionadoscom a construção da personalidade narcisista. São eles: autoridade, autossuficiência, superioridade, exibicionismo, exploração, vaidade e senso de direito. Portanto, conclui-se que os traços narcisistas nos indivíduos apresentam atitudes e sentimentos relacionados à onipotência, visando explorar outros e sentirem que são merecedores de privilégios em relação àquelas pessoas. Também se consideram autossuficientes; por isso, são intolerantes a críticas, além de serem exacerbadamente vaidosos. Após pesquisar o comportamento de líderes narcisistas no meio organizacional, Maccoby (2004) pôde perceber que, por apresentarem esse traço de personalidade, buscavam exercer controle sobre os demais colaboradores. Percebeu, ainda, que os participantes da pesquisa possuíam dificuldade de liderança, 28 caracterizada por não gostarem de reconhecer seus próprios erros e serem mais sensíveis a críticas. Também foi observada a presença de uma personalidade altamente competitiva, em detrimento da necessidade própria de sempre obterem vitórias em diferentes situações. Apesar de serem pessoas que agem encorajadas pelo elogio externo e atuarem em benefício próprio (Chatterjee & Hambrick, 2007), apresentam, por outro lado, algumas características positivas como inteligência, competência, capacidade de liderança e criatividade (Farwell & Wohlwend-Lloyd, 1998). Ao analisar a influência da personalidade narcisista e seus incentivos nas decisões tomadas por gerentes, Kelsey Kay Dworkis (2013) observou, através dos seus estudos, que existe uma interação relevante do narcisismo no resultado da atuação dos gerentes. Os Chief Executive Officers (CEOs) que obtiveram alta pontuação em narcisismo apresentaram um desempenho melhor em decisões gerenciais em ambientes com menor limite de recompensa, comparados aos indivíduos que apresentaram menor pontuação narcisista. Em contrapartida, os gerentes com menor pontuação em narcisismo se saem melhor do que os com alta pontuação em situações cujas bonificações são maiores. Por isso, a pesquisa expõe que as características de personalidade afetam como as variáveis bonificações/recompensas influenciam na atuação dos CEOs. Dentro desse contexto, a pesquisa só corrobora a ideia de que lideres narcisistas conduzem seu negócio em busca de aplausos e elogios para si próprios, sendo geralmente motivados pelas suas aspirações pessoais e necessidade individual de admiração. Consequentemente, acabam por não priorizar a instituição da qual fazem parte e seus colaboradores. Por outro lado, também são possuidores de grande carisma e visão, características essenciais para a realização de uma liderança eficaz (Rosenthal e Pittinsky, 2006). Em uma comparação de comportamentos realizada por Crysel, Crosier, Webster e Gregory (2013), ao observarem indivíduos com traços narcisistas de psicopatia e maquiavelismo como condutas de risco nos ambientes corporativos, foi atestado que o Narcisismo é um condutor de comportamentos de risco, tendo em vista que foi o traço de personalidade com maior consistência quando relacionado às atividades de risco comportamentais. 29 Dentre outras diversas pesquisas realizadas na área, vale destacar que Brunell, Staats, Barden e Hupp (2011) comprovaram que o Narcisismo também está relacionado com a desonestidade acadêmica, justamente pelo fato desses indivíduos apresentarem necessidade elevada de exibicionismo e de expor superioridade perante os demais. Nesse intuito, eles estariam dispostos até mesmo a trapacear para atingir seus objetivos e obter sucesso. De acordo com essa conclusão, Avelino e Lima (2017) obtiveram resultados que condizem com as pesquisas onde, ao investigar 201 estudantes brasileiros, obtiveram disposições para características narcisistas nos examinados, como necessidade de impressionar positivamente, busca incessante por sucesso e poder e pelo prazer individual. Além disso, o trabalho aponta que discentes que são mais tolerantes com atitudes desonestas no ambiente acadêmico também agem dessa maneira no contexto profissional. Por isso, justifica-se novamente a relação existente acerca do desejo por posições de poder, destaque e prestígio com os indivíduos possuidores de traços narcisistas, após uma observação dos resultados encontrados em análises de pesquisas anteriores, nas quais se observa a atitude de discentes, visando projetar a forma como irão atuar profissionalmente, tendo como base seu comportamento e atitudes tomadas na fase acadêmica. Ainda nesse contexto, em uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, Macenczack, Campbell, Henley e Campbell (2016) investigaram 267 estudantes de negócio em graduação e em pós-graduação e puderam perceber que quanto mais elevada a pontuação em Narcisismo, maior é o desejo de poder por parte dos indivíduos. Corroborando esses resultados, Lynne Carroll (1987) observou, como constatação de sua pesquisa com 65 estudantes de um mestrado em administração, que existe uma relação positivamente significativa entre o Narcisismo e a necessidade de poder. Assim, é possível verificar que as pesquisas convergem para um mesmo resultado, ainda que as amostras das obras sejam diferentes, por se aplicarem em diversos cenários acadêmicos. Em outras palavras, comprova-se que a relação não está limitada a um certo grupo de discentes, nem a um delimitado grupo de 30 pensamentos, já que tais resultados podem ser significativamente verificados não só em um segmento acadêmico. Em se tratando da contabilidade, é importante dar enfoque ao papel dos estudantes dessa ciência, futuros profissionais contábeis. Dentro de suas atribuições, os contadores têm boa parte regulamentada por decretos e legislações vigentes. Entretanto, diversas situações são caracterizadas pelo próprio indivíduo, tendo em vista a importância do contador como essencial orientador à tomada de decisão. No contexto apresentado, faz-se necessário dar enfoque ao poder atribuído ao contador já que, apesar da existência de normas regulamentadoras, uma parcela considerável das decisões tomadas no ambiente acadêmico – e também corporativo – será consequência da decisão particular do indivíduo. Portanto, observando-se as pesquisas nas quais são apontadas relações diretamente proporcionais entre os traços de personalidade narcisista e o desejo por poder e sucesso pessoal, é possível refletir sobre o impacto dessa inclinação pessoal ocasionado no ambiente corporativo, de forma que se torna essencial estudar e verificar como essas atitudes diferenciadas podem afetar – positiva ou negativamente – o meio no qual tais indivíduos convivem, já que é possível que essa inclinação pessoal por aspiração de poder e sucesso pessoal exacerbados podem influenciar o profissional da contabilidade a agir em benefício próprio, visando se destacar injustamente diante dos outros indivíduos da organização; algumas vezes, tais situações podem ser até ditas como inofensivas, se olhando-as num macro ambiente. Entretanto, é necessário atentar-se para o fato de que podem, também, ocasionar grandes fraudes que gerariam alto impacto negativo nas entidades. Por isso, existe a necessidade de analisar a relação desse desejo por poder e o narcisismo, averiguando o impacto que seria gerado na tomada de decisão por parte dos profissionais do ramo contábil, buscando compreender qual o nível do impacto gerado por essa intensidade do transtorno de personalidade, a fim de que não haja inclinações temperamentais que resultem em prejuízos às organizações (sejam elas desde pequenos grupos acadêmicos até grandes ambientes corporativos). Assim, se enfatiza novamente a importância de observar o impacto da personalidade narcisista nas tomadas de decisões realizadas por indivíduos, 31 geralmente em cargos de liderança, para que seja possível detectar a existência do risco inerente a esse traçode personalidade. Na profissão contábil, como já dito anteriormente, existem certas situações nas quais a decisão será tomada conforme o entendimento subjetivo do profissional relevante àquele caso, sendo a área de passivos contingentes uma delas, já que dependendo da conclusão tomada acerca de uma situação – que, geralmente, depende de diversos fatores – o reconhecimento contábil se dá de forma diferente. Nesse contexto, também é de relevância para a pesquisa aprofundar conhecimentos a respeito do passivo contingente e seu reconhecimento na contabilidade. 2.3 O CONCEITO DE PASSIVOS CONTINGENTES Tem-se como definição, no dicionário de língua portuguesa, para o termo contingente como um algo “que não pode ocorrer; incerto, duvidoso” ou, ainda, no período da escolástica filosófica, o termo era utilizado para definir ocorrência fortuita, considerada isoladamente. Já por passivo, entende-se uma obrigação presente da entidade, derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação se espera que resulte em saída de recursos da entidade capazes de gerar benefícios econômicos (CPC 25). Nesse contexto, seguindo ainda a definição do Pronunciamento Técnico CPC 25, um passivo contingente pode ser reconhecido como: (a) Uma obrigação possível que resulta de eventos passados e cuja existência será confirmada apenas pela ocorrência, ou não, de um ou mais eventos futuros incertos não totalmente sob o controle da entidade; ou (b) Uma obrigação presente resultante de eventos passados, que não é reconhecida porque: (i) Não é provável que uma saída de recursos que incorporam benefícios econômicos seja exigida para liquidar a obrigação, ou (ii) O valor da obrigação não pode ser mensurado com suficiente confiabilidade. 32 O Pronunciamento ressalta, ainda, que uma entidade não deve reconhecer seus passivos contingentes, mas divulgá-lo, a menos que seja remota a possibilidade de uma saída de recursos que incorporam benefícios econômicos. Além disso, a norma trata, também, das provisões, acrescentando que todas elas são contingentes, pelo fato de serem incertas quanto a seu prazo ou valor. Porém, ressalta ainda que o termo contingente é utilizado para passivos e ativos cuja ocorrência depende da confirmação ou não de um ou mais eventos futuros incertos; daí é justificado o não reconhecimento deles. Por isso, passivos contingentes não são imediatamente reconhecidos como passivos, tendo em vista que podem englobar tanto obrigações possíveis, pelo fato de que ainda há de se confirmar se a entidade tem ou não aquela obrigação presente que conduziria a uma possível saída de recursos que incorporam benefícios econômicos, como também uma obrigação presente que não esteja englobada nos critérios de reconhecimento do Pronunciamento Técnico – não havendo uma comprovação da necessidade de saída de recursos que incorporem benefícios econômicos para liquidar a obrigação, ou não pode se estimar de forma suficientemente confiável o valor daquela obrigação. Ainda no que tange ao reconhecimento dos passivos contingentes, o CPC afirma algumas situações nas quais também deve-se tratar como passivo contingente; dentre elas, frisa a situação na qual a entidade é conjunta, sendo responsável solidariamente por alguma obrigação, de forma que a parte dessa obrigação que deve ser liquidada por outras partes deve ser tratada como um passivo contingente. Assim, ratifica-se que a entidade reconhecerá a provisão para obrigação que seja provável uma saída de recursos que irão incorporar benefícios econômicos futuros, com exceção em situações específicas nas quais não seja possível fazer estimativa suficientemente confiável. Contudo, faz-se necessário apontar que existe a possibilidade de os passivos contingentes desenvolverem-se de maneira que não foi prevista inicialmente. Por isso, devem ser avaliados periodicamente, a fim de verificar se foi alterada a probabilidade de ocorrência de alguma saída de recursos que incorpora benefícios econômicos futuros, de forma que se um item foi inicialmente reconhecido como passivo contingente, mas foi posteriormente considerada como provável uma saída de benefícios econômicos futuros, deve ser reconhecida a devida provisão nas 33 demonstrações contábeis da entidade, justamente no período em que ocorre essa mudança na estimativa da probabilidade. É importante destacar que, assim como outras peculiaridades características da profissão contábil, o reconhecimento de passivos contingentes é regulamentado por Pronunciamento Técnico específico; ainda assim, existe sempre uma parcela de interpretação inserida no campo da subjetividade, no sentido de dar ao profissional um certo tipo de liberdade para escolher como proceder com determinados reconhecimentos em sua atuação. Ou seja, de acordo com a interpretação subjetiva de cada indivíduo, o reconhecimento de tal obrigação – ou a atualização dela – pode não ser realizada na forma mais correta. Ao observar o narcisista e suas características proeminentes – necessidade de poder, busca exacerbada por sucesso e prestígio –, é possível refletir acerca da influência de tais características no ambiente corporativo e suas consequências para a entidade, em uma visualização macro do cenário. Dessa maneira, torna-se relevante apresentar cenários subjetivos no contexto contábil cuja escolha depende, de certa forma, das percepções do indivíduo nessa situação. Tal importância se destaca pelo fato de que ao observar o comportamento dos indivíduos diante de determinadas situações, será possível identificar a influência – ou não – dos traços de personalidade narcisista em cada pessoa e qual o nível de interferência desses ideais, tanto na tomada de decisão de cada indivíduo dentro da atuação na contabilidade, primeiramente, bem como numa possível alteração maior causada nas organizações cujo indivíduo em questão seja um membro. 34 3. METODOLOGIA 3.1 TIPOLOGIA DA PESQUISA O presente trabalho visa averiguar a relação existente entre o traço de personalidade narcisista e as decisões tomadas pelo indivíduo em ambientes subjetivos da contabilidade. Esse estudo foi projetado com base em pesquisa anterior realizada por Marcia Figueiredo D Souza, Maria Leny Souza Oliveira, Jocely Santos Caldas Almeida e Domingos Santana Natividade, publicado em novembro de 2018 no XXI SemeAd (Seminários em Administração), intitulado “Eu posso, você pode, eu posso mais: Narcisismo e poder”. O trabalho se classifica como uma pesquisa descritiva, por destinar-se a realizar uma análise dos dados detalhados de descrições, registros e observações pertencentes a uma amostra determinada. No que se refere à abordagem, é considerada qualitativa e quantitativa, por trabalhar com coleta de dados, sendo assim quantitativa, bem como é quantitativa por analisar a percepção acerca dos indícios que conduzem a traços de personalidade narcisista. O procedimento adotado foi de análise e levantamento de dados para obter indícios sobre o narcisismo em determinada população, através da aplicação de questionário, via online – ferramenta Google Docs – distribuído aos alunos por meio de publicação em fórum do curso de Ciências Contábeis, bem como por envio eletrônico em redes sociais. 3.2 POPULAÇÃO E AMOSTRA A pesquisa foi realizada por meio de aplicação de questionário com alunos acadêmicos do curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e a amostra é composta por 61 alunos, de uma população de alunos estudantes dos turnos matutino e noturno na referida instituição, com dados coletados no mês de maio de 2019. 3.3 TRATAMENTO DOS DADOS Os dados foram obtidos através de aplicação de um questionário composto de duas partes. A primeira parte do questionário é composta de questões relativas ao 35 perfil narcisista do Inventário de PersonalidadeNarcisista – NPI, elaborado por Raskin e Terry no ano de 1988. Ele possui 40 assertivas relacionadas, que remetem a situações, nas quais deve-se escolher um dentre os dois cenários expostos em cada questão. Cada uma das questões se refere a fatores correlacionados, que apresentam características remetentes à formação do perfil Narcisista, que são: autoridade, autossuficiência, superioridade, exibicionismo, exploração, vaidade e senso de direito. A segunda parte do questionário, por sua vez, conta com uma elaboração de 3 situações práticas no cenário da atuação do profissional contábil, relacionadas à área de passivos contingentes. O indivíduo participante da pesquisa terá uma situação fictícia ligada à área, na qual deverá assinalar sua opinião acerca da probabilidade de ocorrência do cenário exposto. É importante assinalar que os cenários tiveram relação com três das cinco bases de poder elencadas por French e Raven – poder de especialista, poder coercitivo e poder de recompensa – de forma a relacionar os cenários com essas motivações, visando comparar as previsões de resposta nesses casos com o raciocínio dos participantes da pesquisa. Após o recebimento dos dados, eles foram analisados, interpretados e organizados em planilhas no Microsoft Office Excel, a fim de realizar os cálculos dos índices necessários para se obter os resultados dessa pesquisa. 36 4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS 4.1 ANÁLISE DO INVENTÁRIO DE PERSONALIDADE NARCISISTA – NPI A análise do Inventário de Personalidade Narcisista deu-se, inicialmente, pelo cálculo das frequências relativa e absoluta das escolhas realizadas em cada uma das assertivas do questionário. Inicialmente, já se pode observar que, das 40 questões apresentadas, a resposta relativa à característica narcisista foi escolhida predominantemente apenas na questão 29 (Gosto de me olhar no espelho). Tabela 2: Frequência de respostas ao Inventário de Personalidade Narcisista - NPI A Freq. % B Freq. % 1 Tenho um talento natural para influenciar as pessoas. 19 31,1% Eu não sou bom em influenciar pessoas. 42 68,9% 2 A modéstia não faz parte de mim. 13 21,3% Sou uma pessoa essencialmente modesta. 48 78,7% 3 Eu faria praticamente qualquer coisa se desafiado. 12 19,7% Eu sempre tendo a ser uma pessoa cautelosa. 49 80,3% 4 Quando as pessoas me elogiam, eu geralmente fico envergonhado. 46 75,4% Sei que sou bom, porque as pessoas sempre me dizem isso. 15 24,6% 5 A simples ideia de governar o mundo me deixa amedrontado. 32 52,5% Se eu governasse o mundo, ele seria um lugar melhor. 29 47,5% 6 Eu geralmente consigo me livrar de qualquer situação. 12 19,7% Eu tento aceitar as consequências dos meus comportamentos. 49 80,3% 7 Prefiro multidão. me camuflar na 46 75,4% Eu gosto de ser o centro das atenções. 15 24,6% 8 Vou ser um sucesso. 28 45,9% Não estou muito preocupado em ser um sucesso. 33 54,1% 9 Eu não sou melhor ou pior que a maioria das pessoas. 42 68,9% Eu acredito que sou uma pessoa especial. 19 31,1% 10 Não tenho certeza de que poderia ser um bom líder. 35 57,4% Eu me vejo como um bom líder. 26 42,6% 11 Eu sou assertivo. 20 32,8% Eu gostaria de ser mais assertivo. 41 67,2% 12 Gosto de ter autoridade sobre as outras pessoas. 19 31,1% Não me importo em ter que seguir ordens. 42 68,9% 13 Acho fácil manipular as pessoas. 11 18,0% Eu não me sinto bem quando tenho que manipular outras pessoas. 50 82,0% 14 Eu preciso insistir até receber o respeito que devo. 14 23,0% Eu normalmente recebo o respeito que mereço. 47 77,0% 37 15 Eu particularmente não gosto de exibir meu corpo. 49 80,3% Gosto de exibir meu corpo. 12 19,7% 16 Eu posso ler as pessoas como a um livro. 20 32,8% As pessoas são difíceis de compreender às vezes. 41 67,2% 17 Se eu me sinto competente, eu estou disposto a assumir a responsabilidade por tomar decisões. 50 82,0% Eu gosto de assumir a responsabilidade por tomar decisões. 11 18,0% 18 Eu só quero ser razoavelmente feliz. 41 67,2% Eu quero atingir meus objetivos aos olhos do mundo. 20 32,8% 19 Meu corpo não tem nada de especial. 37 60,7% Eu gosto de olhar o meu corpo. 24 39,3% 20 Tento não ser uma pessoa exibida. 55 90,2% Eu geralmente me exibo, quando tenho oportunidade. 6 9,8% 21 Sempre sei o que estou fazendo. 25 41,0% Algumas vezes, não tenho certeza do que estou fazendo. 36 59,0% 22 Às vezes eu dependo das pessoas para fazer as coisas. 43 70,5% Eu raramente dependo de qualquer outra pessoa para fazer as coisas. 18 29,5% 23 Às vezes eu conto boas histórias. 51 83,6% Todos gostam de ouvir minhas histórias. 10 16,4% 24 Espero obter boas vantagens de outras pessoas. 3 4,9% Eu gosto de fazer coisas para outras pessoas. 58 95,1% 25 Nunca ficarei satisfeito até obter tudo que mereço. 23 37,7% Eu aceito as minhas satisfações conforme elas vêm. 38 62,3% 26 Elogios me envergonham. 33 54,1% Gosto de ser elogiado. 28 45,9% 27 Tenho um forte desejo por poder. 5 8,2% O poder por si só não me interessa. 56 91,8% 28 Não me importo com novos modismos e modas. 51 83,6% Gosto de começar novas modas. 10 16,4% 29 Gosto de me olhar no espelho. 32 52,5% Eu não estou particularmente interessado em me olhar no espelho. 29 47,5% 30 Eu geralmente gosto de ser o centro das atenções. 12 19,7% Me deixa desconfortável ser o centro das atenções. 49 80,3% 31 Eu posso viver minha vida do jeito que quiser. 20 32,8% As pessoas nem sempre podem viver suas vidas da forma que elas querem. 41 67,2% 32 Ser uma autoridade não significa muito para mim. 50 82,0% As pessoas parecem sempre reconhecer minha autoridade. 11 18,0% 33 Eu preferiria ser um líder. 22 36,1% Faz pouca diferença para mim ser um líder ou não. 39 63,9% 34 Eu vou ser uma pessoa incrível. 24 39,3% Espero ter sucesso. 37 60,7% 38 35 As pessoas às vezes acreditam no que eu digo. 43 70,5% Posso fazer alguém acreditar em qualquer coisa que eu queira. 18 29,5% 36 Eu sou um líder nato. 6 9,8% A liderança é uma qualidade que leva muito tempo para desenvolver. 55 90,2% 37 Gostaria que alguém algum dia escrevesse minha biografia. 7 11,5% Eu não gosto que as pessoas se intrometam na minha vida por qualquer motivo. 54 88,5% 38 Eu fico chateado quando as pessoas não percebem minha aparência quando saio em público. 6 9,8% Eu não me importo de me misturado à multidão quando saio em público. 55 90,2% 39 Eu sou mais capaz que outras pessoas. 1 1,6% Há muita coisa que eu posso aprender com outras pessoas. 60 98,4% 40 Sou muito parecido com todo mundo. 38 62,3% Eu sou uma pessoa extraordinária. 23 37,7% Fonte: elaborado pela autora. Primeiramente, é relevante destacar que a pesquisa obteve 61 respostas, das quais 57,4% foram respondidas pelo público feminino, 41% pelo público masculino e 1,6% que preferiu não se identificar nesse sentido. Sendo classificados, ainda, de acordo com o período de curso, a maioria dos participantes cursava do oitavo período do curso em diante. Dentro desse contexto, observa-se que os respondentes não apresentam tantas características relacionadas ao narcisismo, já que apenas em uma das questões a assertiva condizente com esses traços sobressaiu à sua oposta. Portanto, só expõe certa vaidade dos indivíduos, ao responderem que se sentem bem ao se olharem no espelho; porém, essa pode nem ser uma característica considerada marcante somente nas relações com o Narcisismo: pode se tratar somentede um aspecto que se tornou mais presente na geração atual – a vaidade – graças à era das redes sociais, onde tudo se é postado e os likes contam bastante. Por outro lado, analisar as respostas às assertivas fornecidas pelos participantes permitiu com que fossem vistos outros pontos acerca da personalidade dos respondentes. Por exemplo, nas assertivas 2 (sou uma pessoa essencialmente modesta), 6 (eu tento aceitar as consequências dos meus comportamentos) e 9 (eu não sou melhor ou pior do que a maioria das pessoas) de forma oposta à pontuação do Narcisismo pode-se ver, por outro lado, a existência de certa humildade por parte 39 dos indivíduos. Também se observa, ainda, a presença do conservadorismo profissional e pessoal nas respostas 3 (eu sempre tendo a ser uma pessoa cautelosa) e 5 (a simples ideia de governar o mundo me deixa amedrontado), uma postura essencial em determinados momentos de atuação em situações específicas da vida. A ética é um outro atributo que está igualmente evidenciado com a resposta à opção da questão 13 (eu não me sinto bem quando tenho que manipular outras pessoas), igualmente necessário para exercer a profissão contábil – como qualquer outra – de forma coerente. As opções 15 (eu particularmente não gosto de exibir o meu corpo) e 7 (prefiro me camuflar na multidão) expõem sentimentos de ego reduzido e, corroboram, de certa forma, traços relativos à humildade. Após realizar a análise do NPI de forma global, é importante destacar as sete subescalas elencadas no questionário. Dentre as características presentes nessas divisões, tem-se características exibicionistas, com sentimentos de onipotência que são manifestados através do controle e exploração de outros indivíduos; seres intolerantes a críticas, extremamente vaidosos, além de tenderem a criticar outros indivíduos e se considerarem autossuficientes. Também têm um senso de direito elevado, no âmbito de se sentirem especiais e merecedores de mais privilégios sobre outras pessoas (Raskin & Terry, 1988). Nesse contexto, as subescalas foram divididas por Raskin e Terry (1988) em autoridade, autossuficiência, superioridade, exibicionismo, exploração, vaidade e senso de direito. Na tabela abaixo, é possível observar a exposição das assertivas por área elencada. Tabela 3: Subescalas do NPI e respectivas assertivas 40 Na próxima tabela, são expostas as estatísticas descritivas relacionadas à pontuação do NPI, levando em consideração cada uma das áreas acima elencadas, bem como a pontuação média total dos respondentes no instrumento utilizado na análise. Tabela 4: Estatística descritiva – Pontuação NPI Variável Obs. Média Desvio- padrão Pont. Mín. Pont. Máx. Autoridade 61 2,47448 0,112041 0 8 Autossuficiência 61 1,62200 0,136219 0 6 Superioridade 61 1,50800 0,117012 0 5 Exibicionismo 61 1,21300 0,052660 0 7 Exploração 61 1,16400 0,065931 0 5 Vaidade 61 1,11500 0,134752 0 3 Subescala Autoridade Autossuficiência Superioridade Exibicionismo Exploração Vaidade Senso de direito Questões 1. Tenho um talento natural para influenciar as pessoas. 8. Eu serei um sucesso. 10. Eu me vejo como um bom líder. 11. Eu sou assertivo. 12. Eu gosto de ter autoridade sobre as outras pessoas. 32. As pessoas sempre parecem reconhecer minha autoridade. 33. Gostaria de ser um líder. 17. Tudo o que quero é a incumbência de tomar decisões. 21. Sempre sei o que estou fazendo. 22. Raramente dependo de alguém para fazer as coisas. 31. Posso viver minha vida do jeito que quiser. 34. Estou me conduzindo para ser alguém muito importante. 39. Sou mais capaz que as outras pessoas 4. Sei que sou bom porque todo mundo fica dizendo que sou bom. 9. Penso que sou uma pessoa especial. 26. Gosto de ser elogiado. 37. Gostaria que algum dia alguém escrevesse minha biografia. 40. Sou uma pessoa extraordinária. 2. A modéstia não é meu forte. 3. Faria quase tudo sob risco. 7. Gosto de ser o centro das atenções 20. Se eu tiver uma chance, provavelmente me exibirei. 28. Gosto de criar novas manias, estilos e costumes. 30. Geralmente gosto de ser o centro das atenções. 38. Quando em público, fico perturbado quando as pessoas não notam minha 6. Geralmente eu dou um jeitinho para me safar das encrencas 13. Acho fácil manipular pessoas. 16. Consigo decifrar as pessoas como se fossem um livro. 23. Todos gostam de ouvir minhas histórias. 35. Posso fazer qualquer pessoa acreditar no que eu quiser que acredite. 15. Gosto de exibir meu corpo. 19. Gosto de olhar para o meu corpo. 29. Gosto de me olhar no espelho. 5. O mundo seria melhor se eu o dominasse. 14. Insisto em ter o respeito que me é devido 18. Quero ser importante aos olhos de todos. 24. Espero muito das outras pessoas. 25. Nunca vou ficar satisfeito até conseguir tudo que mereço. 27. Tenho um forte desejo de poder. 41 Senso de Direito 61 1,54100 0,153614 0 6 Total NPI 61 10,63748 0,772229 0 40 Fonte: elaborado pela autora. Faz-se necessário sinalizar, primeiramente, que a pontuação máxima possível de se obter no instrumento é de 40 pontos, sendo o somatório das pontuações máximas possíveis em cada área. Destaca-se que a média da pontuação no NPI (x¯ = 10,64) relativa à amostra do presente estudo – estudantes de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – foi inferior a resultados relatados em pesquisas prévias, dentre elas, o estudo realizado por Raskin e Terry (1988) que, ao analisarem respostas de estudantes de graduação da Universidade da Califórnia entre o período de 1979 a 1985, encontraram uma pontuação média no NPI de aproximadamente 15,3. Entretanto, vale ressaltar que essa pesquisa não foi realizada com a mesma amostra do presente estudo, que trata com discentes específicos da área de Contabilidade. É importante complementar, ainda, que pelo fato de a pesquisa ser antiga, os parâmetros que levaram a tais resultados poderiam não concluir os mesmos índices atualmente. Dentre outros estudos na área, o realizado pelos pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia, Young e Pinsky (2006), avaliou alunos de MBA e pôde relatar uma média de NPI de 16,18. Já na Universidade da Georgia, Miller e Campbell (2008) analisaram 271 estudantes e obtiveram uma média de 16,4. Contudo, é possível que, por serem alunos de MBA, a mentalidade seja diferente da de estudantes de graduação; pós graduandos podem apresentar, de certa forma, uma confiança maior do que alunos que estão no início de suas experiências profissionais justificando, assim, um índice de NPI superior. Apesar de não seguir exatamente a mesma perspectiva, um estudo realizado por D´Souza (2016) buscou analisar traços e características de personalidade do Dark Triad, que é composto por traços não patológicos tanto do narcisismo como também psicopatia e maquiavelismo. Ao aplicar um pré-teste com 30 estudantes de Ciências Contábeis em uma faculdade pública de São Paulo, observou que 70% dos participantes da pesquisa obtiveram evidências de traços baixos de personalidade do Dark Triad, corroborando, assim, com o fato de que os estudantes brasileiros analisados apresentam níveis de traços narcisistas inferiores quando comparados aos estudos internacionais; tal pesquisa destaca a tendência do 42 profissional brasileiro a obter índices reduzidos em comparação com os internacionais. Ao analisar cada uma das subescalas e suas pontuações segregadas, destaca-se a média obtida no item Autoridade (x¯ = 2,47448), que é visivelmente superior às outras. Por esse item ser caracterizado pela capacidade de o indivíduo narcisista de influenciar os outros sobre como ele é uma pessoa bem-sucedida, segura e confortável com sua autoridade, pode-se relacionar tal característica com estudantes de Ciências Contábeis, visto que a visão acadêmica
Compartilhar