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AULA 1 BASES EPISTEMOLÓGICAS, TEÓRICAS E EMPÍRICAS DA PSICOTERAPIA COGNITIVO- COMPORTAMENTAL Profª Andréia Cristina dos Santos Kleinhans 2 INTRODUÇÃO Pressupostos filosóficos e epistemológicos da terapia cognitivo comportamental A partir da Revolução Cognitiva na década de 1960, avolumaram-se estudos acerca da influência do pensamento (cognição) sobre as emoções e o comportamento. Toda abordagem que desenvolveu técnicas e intervenções usando a base teórica do processo mediacional (pensamento influenciando as emoções e comportamento) recebeu o nome de terapia cognitivo- comportamental. Dessa forma, essas terapias são consideradas híbridas, pois utilizam técnicas cognitivas e comportamentais. Entre elas, a Terapia Cognitiva (TC) é considerada a mais influente no campo da psicologia e da psiquiatria. A TC foi sistematizada e organizada por Aaron Temkin Beck no início da década de 1960. Originalmente, Beck descreveu a abordagem como terapia cognitiva – termo que atualmente é preferido em detrimento da terapia cognitivo- comportamental, de forma que a TC é utilizada por grande parte dos estudiosos e clínicos cognitivistas que segue a orientação teórica desenvolvida por Beck. A abordagem apresenta-se de forma estruturada, com delineamento considerado breve e empiricamente validado. Para facilitar sua leitura, nesta aula, usaremos o termo original descrito por Aaron Beck. Além disso, conheceremos os fundamentos filosóficos e epistemológicos que influenciaram Beck a desenhar e escrever a teoria que embasa a TC, bem como compreenderemos os axiomas e os princípios dessa terapia. A TC é uma abordagem baseada em evidência clínica; é utilizada para uma ampla variedade de transtornos mentais e outros transtornos médicos crônicos. Por isso, é respeitada e considerada em todo o mundo como uma terapia capaz de desenvolver a resiliência e diminuir o sofrimento do paciente. TEMA 1 – PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS Aaron Temkim Beck é considerado pela comunidade científica o pai da Terapia Cognitiva (TC), por sua iniciativa de desenvolver teorias e métodos para aplicar as intervenções cognitivas em diversos transtornos emocionais (Wright, Basco; Thase, 2008). O próprio autor apresenta, no primeiro capítulo do livro 3 Terapia cognitiva para depressão, a perspectiva histórica e filosófica que o influenciou no desenvolvimento da abordagem. Segundo Beck et al. (1997, p. 17): As origens filosóficas da terapia cognitiva podem ser buscadas nos filósofos estoicistas, especialmente em Zenão de Cítio (século IV a.C.), Crísipo, Cícero, Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio. Epicteto escreveu, no Enchiridion: “Os homens não são perturbados pelas coisas, mas pelas visões que têm delas”. Assim como o estoicismo, filosofias orientais como o taoísmo e o budismo enfatizaram que as emoções humanas se baseiam em ideias. O controle dos sentimentos mais intensos pode ser alcançado pela modificação das ideias de uma pessoa”. Nesse sentido, é importante ressaltar que Beck buscou, nos textos filosóficos, elementos contextuais para fundamentar os pontos centrais da teoria cognitiva. Tais elementos já haviam sido citados pelos filósofos estoicistas cerca de dois mil anos antes da TC desenvolvida por Beck (Wright; Basco; Thase, 2008). Beck et al. (1997) entendem que a percepção e a experiência são processos ativos e envolvem tanto a análise detalhada de si mesmo quanto a observação do externo: “a maneira como uma pessoa avalia uma situação geralmente se evidencia em suas cognições (pensamentos e imagens visuais)” (Beck et al., 1997, p. 16). Seguindo a mesma linha de raciocínio, os autores entendem que os pensamentos (cognições) formam a corrente consciente sobre si mesmo, o outro e o mundo. As cognições estão sujeitas a distorções, que, por sua vez, afetam o estado afetivo e comportamental do indivíduo. De maneira resumida, os autores afirmam que “através da terapia psicológica um paciente pode tomar conhecimento de suas distorções cognitivas. A correção desses constructos disfuncionais falhos pode levar à melhoria clínica” (Beck et al., 1997, p. 16). Esse é o ponto de partida para compreendermos o porquê de Beck ter utilizado o conhecimento dos filósofos estoicistas. Parece claro que todos os principais filósofos estoicistas consideravam a força dos pensamentos sobre as ações do ser. Hegenberg (2010, p. 63) comenta que o “estoicismo é um dos movimentos filosóficos do Período Helenístico. O nome deriva de ‘pórtico’ (stoa poikilé), na ágora ateniense, decorado com pinturas murais, em que os associados da escola se reuniam”. Este trecho interessante do livro de Hegenberg sobre o estoicismo nos auxilia a encontrar possíveis interseções da influência da filosofia na obra de Beck: Alicerce da ética estoica está na ideia de que o bem deflui de estado da alma, de sabedoria e de autocontrole. Mais ou menos na senda aberta 4 por Sócrates, os estoicos defendiam a ideia de que infelicidade e mal decorrem de ignorância. Uma pessoa procede mal porque desconhece a “razão universal”. A pessoa é infeliz porque não sabe como a natureza atua. Para contornar dificuldades, as pessoas precisam avaliar os próprios juízos e comportamentos a fim de notar em que pontos divergiam da “razão universal da natureza”. (Hegenberg, 2010, p. 64) Na TC, o pensamento disfuncional ou distorcido correlaciona-se ao sofrimento psíquico e a possíveis transtornos mentais. Mais adiante, falaremos sobre o modelo cognitivo da psicopatologia segundo Beck. Por ora, nosso interesse é perceber que o autor fundamentou sua teoria com base no conhecimento mediacional, ou seja, nos autores que abordam a reestruturação do pensamento para que ocorra a mudança do conteúdo afetivo e comportamental. Com relação ao budismo e ao taoísmo, o ponto de interseção com a teoria de Beck emerge do fato de que ambas as tradições consideram o pensamento como força primária na determinação do comportamento (Wright; Basco; Thase, 2008). Na recente publicação do livro Pensamento sem pensador: psicoterapia pela perspectiva budista (Epstein, 2018), Dalai Lama, o líder espiritual dobudismo tibetano, resume importantes conceitos budistas utilizados em várias abordagens psicológicas, por exemplo, na TC. Dalai Lama observa que: O propósito da vida é a felicidade. Sendo budista, acredito que a atitude mental de cada um de nós é o fator que mais contribui para que possamos alcançar esse objetivo. Para transformarmos as condições exteriores - o ambiente em que vivemos ou as nossas relações com os outros -devemos antes mudar a nós mesmos. Paz interior: este é o segredo. Com este estado mental podemos enfrentar as dificuldades com calma e sensatez, enquanto dentro de nós reina a felicidade. Os ensinamentos budistas a respeito do amor, da bondade e da tolerância, o compromisso com a não violência, a teoria de que todas as coisas são relativas, assim como a variedade de técnicas para tranquilizar a mente, são fontes onde podemos buscar essa paz interior. (Epstein, 2018) A mesma ideia sobre reestruturação de pensamento é encontrada em Dalai Lama (1999, p. xii): “se pudermos reorientar nossos pensamentos e emoções e reorganizar nosso comportamento, então poderemos não só aprender a lidar com sofrimento mais facilmente, mas, sobretudo e em primeiro lugar, evitar que muito dele surja”. Evidentemente, estamos trabalhando nesta aula com o objetivo proposto inicialmente, que é compreender como os temas filosóficos influenciaram a teoria beckiana. Portanto, seguindo esse propósito, podemos resumir da seguinte forma: 5 • a terapia cognitiva de Beck entende que o pensamento influencia o sentimento e o comportamento; • o terapeuta poderá auxiliar o paciente a treinar pensamentos disfuncionais, com o objetivo de modificar as respostas emocionais, fisiológicas e comportamentais subsequentes. TEMA2 – PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS Para compreendermos as influências antecedentes da TC descrita e desenvolvida por Aaron Beck, voltaremos às décadas de 1950 e 1960. Nesse período, crescia um movimento entre os cientistas e pesquisadores: de um lado, eles começaram a discordar fortemente dos postulados teóricos desenvolvidos por Skinner, ao mesmo tempo em que a psicanálise também não estava respondendo a diversas perguntas sobre a mente e a cognição. Esse clima de descontentamento teórico entre os cientistas propiciou, de maneira definitiva, a Revolução Cognitiva. Com ela, surgia na psicologia um campo denominado movimento cognitivo. Em artigo sobre a Revolução Cognitiva, Vasconcelos e Vasconcelos (2007, p. 390) explicam que: O advento de um novo modo de conceber e investigar a mente ocorrido no final dos anos cinquenta é designado como Revolução Cognitiva. Nesse contexto, o computador acaba servindo como uma metáfora promissora, vinculada a uma nova compreensão ontológica da mente. Um crescente número de trabalhos experimentais, a partir de então, encarrega-se de estudar os processos de memória, atenção, raciocínio, percepção, evidenciando que a mente poderia ser investigada de um modo verdadeiramente científico. De acordo com os autores Vasconcelos e Vasconcelos (2007), a primeira Revolução Cognitiva usava o computador como metáfora. Sternberg (2008) ressalta, em seu importante livro Psicologia Cognitiva, que, no final da década de 1950, alguns psicólogos estavam curiosos e se debruçavam sobre a metáfora do computador; em outras palavras, os cientistas queriam compreender se o cérebro humano poderia processar a informação como um software o faz. Nesse período, foi desenvolvido o Teste de Turing, “pelo qual um programa de computador seria considerado bem sucedido na medida em que seu resultado fosse indistinguível, por seres humanos, do resultado de testes com seres humanos” (Cummins; Cummins, 2000, citados por Sternberg, 2008, p. 26). 6 Ainda de acordo com Sternberg (2008, p. 26), “no início da década de 1960, os avanços na Psicologia, na linguística, na antropologia e na inteligência artificial, bem como as reações ao behaviorismo por parte de importantes psicólogos, convergiam a fim de criar uma atmosfera madura para a revolução”. Com a Revolução Cognitiva e a busca pelo entendimento de como a mente processa as informações, solidificou-se o campo da psicologia cognitiva. Segundo Neisser (1967), a psicologia cognitiva buscava compreender como as pessoas aprendem, estruturam, armazenam e utilizam o conhecimento. Nesse contexto, Sternberg (2008, p. 27) ressalta que, “na década de 1970, a Psicologia Cognitiva já era amplamente reconhecida como um importante campo de estudos psicológicos, com um conjunto específico de métodos de pesquisa”. Ainda sobre a Revolução Cognitiva, Schultz e Schultz (1992, p. 399) ressaltam que: Como todos os movimentos em psicologia, a Revolução Cognitiva não eclodiu da noite para o dia. Muitas de suas características básicas tinham sido antecipadas pelo trabalho de outros. Com efeito, sugeriu-se que “a psicologia cognitiva” é tanto a mais nova como a mais velha tendência na história do assunto. Isso significa que o interesse pela consciência existia nos primeiros dias da psicologia, antes mesmo de ela se tornar uma ciência formal. Os escritos de Platão e Aristóteles se ocupavam das faculdades e processos cognitivos, o mesmo ocorrendo com as teorias dos empiristas e associacionistas britânicos. Mesmo quando se tornou uma disciplina científica distinta, a psicologia continuou a ter a consciência como foco. Considerou-se Wilhelm Wundt precursor da psicologia cognitiva devido à sua ênfase no aspecto construtivo ou criativo da mente. O estruturalismo e o funcionalismo também lidavam com a consciência, concentrando, num caso em seus elementos, no outro, em suas funções. O comportamentalismo produziu uma mudança fundamental, expulsando a consciência do campo por quase cinquenta anos. O retorno à consciência, os primórdios da psicologia cognitiva, pode remontar aos anos 50, embora sinais do ressurgimento da mente já fossem perceptíveis desde a década de 30. Vasconcelos e Vasconcelos (2007) falam também de uma segunda Revolução Cognitiva, que se baseava nas redes conexionistas de informação. Para os autores, essa segunda revolução não teve impacto tão importante quanto a primeira. Contudo, o modelo conexionista é muito utilizado pela neurociência até os dias de hoje. Segundo Gazzaniga e Heatherton (2005, p. 253): Os modelos de rede neural são planejados com os diferentes neurônios “conectados” entre si, de modo que quando um neurônio começa a descarregar, ele afeta o índice de descarga dos neurônios aos quais está conectado. A aprendizagem é implementada dentro dessas redes conexionistas ao variar a “força” das conexões entre os neurônios, de modo que padrões de ativação comuns ou mais frequentes- isto é, representações distribuídas comuns ou mais frequentes-provavelmente surgirão mais rapidamente ou mais frequentemente do que padrões menos comuns. 7 Em posse desse conhecimento, fica mais fácil entender qual era o espírito do tempo, ou zeitgeist, no período em que Beck desenvolveu a TC. Entendemos que a Revolução Cognitiva trouxe o tema da consciência e da mente para as pesquisas, e a psicologia cognitiva foi descrita como a ciência que buscava compreender a cognição e todos os seus elementos (atenção, percepção, representação do conhecimento, memória, inteligência e tomada de decisão), entre outros construtos importantes para a compreensão da aprendizagem humana. Nesse sentido, é importante ficar atento à diferença de terminologia. A psicologia cognitiva, como já dissemos, é a ciência que produz o conhecimento básico, porque realiza diversas pesquisas sobre os mais variados componentes da cognição; já a TC é a aplicação desses conhecimentos na prática, ou seja, o terapeuta utiliza o referencial teórico para auxiliar o paciente em suas dificuldades do dia a dia, e aqui entra o protagonista do desenvolvimento da TC: Aaron Beck. Beck recebeu diploma de médico em Yale e realizou residência em patologia e psiquiatria, tendo sido premiado com bolsa de estudo e reconhecido por sua capacidade como orador. Em 1956, aos 35 anos, Beck completou sua pós-graduação como psicanalista e iniciou sua carreira como professor na Universidade da Pensilvânia, tendo sido nomeado professor emérito do Departamento de Psiquiatria (Padesky, 2010). Nesse exato período, o mundo vivia a Revolução Cognitiva e buscava por explicações para os processos mentais; crescia o descontentamento com a psicanálise. Sobre esse momento, encontramos o seguinte relato de Aaron Beck: Freud (1900/1953) inicialmente apresentou o conceito de que os sintomas e efeitos se baseiam em ideias inconscientes. A psicologia Individual de Alfred Adler enfatizava a importância de compreender o paciente dentro do quadro de suas próprias experiencias conscientes. [...] Alguns outros autores, cujo trabalho emergiu da tradição psicanalítica, ou foi por ela influenciado, contribuíram com importantes conceituações para o desenvolvimento da psicoterapia cognitiva. Alguns dos novos autores influentes nesses grupos são Alexander (1950) Horney (1950), Saul (1947) e Sullivan(1953). A Ênfase filosófica na experiência consciente subjetiva provém dos trabalhos de Kant, Heidegger e Husserl. Esse movimento fenomenológico influenciou substancialmente o desenvolvimento da psicologia moderna neste grupo de psicoterapias. A utilização da abordagem fenomenológica em estados patológicos específicos é exemplificada pelos trabalhos de Jaspers (1968), Binswanger (1944-45/1958) e Straus (1966). A influência dos psicólogos do desenvolvimento como Piaget (1947/1950, 1932/1960), também fica evidenciada na formulação da psicoterapia cognitiva. (Beck A. et al. 1997,p. 17) 8 O relato de Beck demonstra claramente a construção da terapia cognitiva e as influências da psicanálise, de autores da abordagem humanista. Também é clara a influência de autores cognitivistas como Piaget e Bandura, com sua teoria da aprendizagem vicária, além dos estudos advindos das ciências cognitivas. Beck comenta que o movimento da terapia comportamental também foi de fundamental importância para a TC. Segundo o autor: O movimento da terapia comportamental contribuiu substancialmente para o desenvolvimento da terapia cognitiva. O behaviorismo metodológico, com sua ênfase na especificação de objetivos isolados, delineando os procedimentos instrumentais concretos para o atendimento desses objetivos e fornecendo um feedback tangível e imediato, acrescentou novas dimensões à terapia cognitiva (e, na verdade, levou alguns autores a reintitular nossa abordagem como “terapia behaviorista cognitiva)”. (Beck, Rush, Shaw e Emery, 1997, p. 9) J. Beck, filha de Aaron Beck, escreveu, no primeiro capítulo do livro Terapia cognitiva: teoria e prática, sobre a terapia cognitivo-comportamental. Nesse capítulo, a autora contribui com um breve resumo sobre o movimento da TC: Diversas formas de terapia cognitivo-comportamental foram desenvolvidas por outros teóricos importantes, notadamente a terapia racional-emotiva de Albert Ellis (Ellis, 1962), a modificação cognitivo- comportamental de Donald Meichenbaum (Meichenbaum,1977) e a terapia multimodal de Arnold Lazarus (Lazarus, 1976). Contribuições importantes foram feitas por muitos outros, incluindo Michael Mahoney(1991), Vittorio Guidano e Giovanni Liotti (1963). Panoramas históricos da área fornecem uma rica descrição de como as diferentes correntes da terapia cognitiva se originaram e cresceram. (Beck, 1997, p. 17) No próximo tema, seguiremos com as descrições dos mais importantes trabalhos de Beck para diversos transtornos psiquiátricos. TEMA 3 – BREVE HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO DA TC Como pudemos perceber nos temas anteriores, o surgimento da TC recebeu inúmeras influências de diversos filósofos e correntes psicológicas. Beck é um cientista reconhecido no mundo todo e, entre as variações de terapia cognitivo-comportamental, a TC de Beck apresenta grande embasamento científico. Neste tema, discorreremos sobre o caminho que Beck percorreu para que a terapia cognitiva chegasse robusta aos dias atuais, com inúmeros estudos e centenas de publicações científicas. 9 Padesky (2010) escreve um capítulo homenageando o pai da terapia cognitiva. Nesse capítulo, a autora separa as contribuições cientificas de Beck de forma cronológica. Para fins didáticos, seguiremos de maneira semelhante. Em 1952, Beck publicou seu primeiro artigo, um estudo de caso sobre delírio esquizofrênico. O artigo serve de base para o modelo cognitivo da esquizofrenia na atualidade, e outros importantes artigos científicos foram publicados nessa mesma década. Padesky (2010, p. 21) comenta que “um estudo realizado no fim da década de 1950 prenunciou o fim de sua carreira psicanalítica e o começo da terapia cognitiva, muito embora ninguém, nem mesmo Beck, houvesse previsto a importância que a terapia adquiria no futuro”. Tal estudo foi realizado para a comprovação do modelo psicanalítico da depressão, porém, o autor encontrou resultados diferentes do esperado. O próprio autor discorre sobre esse momento em sua carreira: As origens primeiras de minhas formulações acerca da terapia cognitiva da depressão não me são muito claras no momento. Tanto quanto posso recordar, os primeiros movimentos se manifestaram em meu projeto, iniciado em 1956, para validar certos conceitos psicanalíticos da depressão. Acreditava que aquelas formulações psicanalíticas estivessem corretas, e que não tinham conseguido alcançar maior aceitação devido a certas “resistências” naturais dos psicólogos acadêmicos e dos psiquiatras, atribuíveis, em parte, à falta de dados de suporte empírico. Acreditando que seria possível desenvolver técnicas para levar adiante os estudos controlados necessários, empenhei-me numa série de investigações destinadas a fornecer dados convincentes. Um segundo e talvez mais forte motivo era meu desejo de apontar a configuração psicológica precisa característica da depressão. Com o objetivo de desenvolver uma forma breve de psicoterapia, dirigida especificamente ao alívio dessa psicopatologia focal. (Beck et al. 1997, p. 7) A psicanálise trabalhava com a teoria de que a depressão ocorria por sentimentos de raiva direcionadas para dentro, ou raiva retroflexa. Beck, como psicanalista, desejava demonstrar empiricamente essa teoria. No entanto, o autor relata a sequência dos eventos com base nos resultados obtidos da seguinte forma: Conquanto as descobertas iniciais de meu estudo empírico parecessem apoiar minha crença nos fatores psicodinâmicos específicos da depressão, a saber, a hostilidade retrofletida, e expressa com uma “necessidade de sofrer”, que pareciam contradizer essa hipótese. Tais anormalidades levaram-me a uma avaliação crítica da teoria psicanalítica da depressão e, por fim, à avaliação da estrutura completa da psicanálise. Os dados de pesquisa anômalos levaram finalmente à conclusão de que os pacientes deprimidos não têm uma necessidade de sofrer. Na verdade, as manipulações experimentais indicaram que o paciente deprimido se inclinava, mais do que o não deprimido, a evitar 10 comportamentos evocadores de rejeição ou desaprovação, favorecendo respostas eliciadoras da aceitação e aprovação de outrem. Essa discrepância acentuada entre as descobertas de laboratório e a teoria clínica levaram a uma reavaliação agonizante de meu próprio sistema de crenças. Ao mesmo tempo, tornei-me algo dolorosamente consciente de que a promessa anterior da psicanálise, dos primeiros anos de 1950, não se mantivera ao chegar-se à metade ou ao final daquela década, na medida em que meus companheiros no estudo da psicanálise e outros colegas chegavam a seu sexto e sétimo anos de analise, sem qualquer melhor marcante em seu comportamento ou em seus sentimentos! Mais ainda, observei que muitos de meus pacientes deprimidos reagiam desfavoravelmente às intervenções terapêuticas baseado na hipótese da “hostilidade retrofetida ou da “necessidade de sofrer”. (Beck et al., 1997, p. 8) Além disso, Beck intencionava comprovar a teoria psicanalítica de que a depressão ocorria principalmente por sentimentos de hostilidade voltados para dentro, que também foi denominado de raiva retroflexa. Segundo o autor, a hipótese inicial não foi sustentada, “o conteúdo dos sonhos dos pacientes deprimidos era similar ao conteúdo dos pensamentos que tinham quando acordados (autocrítica, pessimismo e negatividade)” (Padesky, 2010, p. 21). Pereira e Rangé (2011, p. 21) detalham o experimento da seguinte forma: Como psicanalista e pesquisador, a intenção inicial de Beck foi estudar qual seria o processo psicológico central envolvido nas depressões. Sua hipótese inicial foi de que a “raiva internalizada” seria o processo psicológico central dos transtornos depressivos, e elegeu os sonhos como objeto de estudo para validar essa ideia. Investigou, inicialmente, o conteúdo dos sonhos de pacientes deprimidos e não deprimidos, não encontrando uma diferença significativa em conteúdos hostis ou agressivos entre os dois grupos (1959). Sua hipótese alternativa foi, então, a de uma necessidade de sofrer ou um masoquismo, e elaborou um segundo estudo, quantificando o conteúdo masoquista dos 20 primeiros sonhos de pacientes deprimidos (n = 18) e não deprimidos (n = 12), encontrando uma diferença significativa na quantidade de temas masoquistas nos sonhos de pacientes deprimidos comparados com os de não deprimidos (1959). Ele realizou a seguir um estudo maior que confirmou o resultado anterior: uma maior quantidade de conteúdo masoquista nossonhos do grupo de pacientes deprimidos quando comparado ao grupo dos não deprimidos. Além disso, encontrou também um paralelo entre o conteúdo masoquista dos sonhos de pacientes deprimidos e seu comportamento em estado de alerta; isso o levou ao questionamento de que “a necessidade de sofrer” poderia ser encontrada, além de nos sonhos, em outros fenômenos cognitivos nos indivíduos depressivos quando acordados. A manipulação experimental desses pacientes levou Beck e seus colaboradores a abandonar a hipótese de necessidade de sofrer – o masoquismo – como o principal elemento psicológico na depressão. A conclusão final desses estudos foi de que “certos padrões cognitivos poderiam ser responsáveis pela tendência do paciente a fazer julgamentos com um viés negativo de si mesmo, de seu ambiente e do futuro que, embora menos proeminentes no período fora do episódio depressivo, se ativariam facilmente durante os períodos de depressão”. Com base nos achados empíricos, Beck entendeu que a depressão era um transtorno de pensamento, seu livro Depression: clinical, experimental, and 11 theoretical aspects, publicado em 1967, foi reconhecido como um marco na terapia cognitiva da depressão (Padesky, 2010). A autora explica que, nesse período, Beck definiu o termo pensamentos automáticos, além dos termos tríade cognitiva e teoria esquemática. O Inventário de Depressão de Beck II, que capta as alterações no humor, na motivação e no funcionamento físico, havia sido publicado em 1961. No final da década de 1970, Beck e colaboradores publicaram o livro Terapia Cognitiva para depressão. Sobre essa publicação, Padesky (2010) comenta que o livro trouxe ideias revolucionárias sobre o manejo clínico do paciente com depressão. Nesse período, Beck apresentou o termo empirismo colaborativo como um dos princípios da relação terapêutica. Ainda nessa década, os estudos de Beck foram replicados por diversos estudiosos e “Beck também obteve renome internacional na teoria e no prognóstico do suicídio.” ( Padesky 2010, p. 23). Nesse contexto, em 1974, foram publicadas as escalas de desesperança e de intenção de suicídio. Os estudos avançaram e solidificaram- se, e outras pesquisas com importantes inovações conceituais sobre o modelo cognitivo da ansiedade também foram iniciadas na mesma época. O modelo cognitivo da esquizofrenia foi desenvolvido por Beck em 1979 e continua até a atualidade. Já o modelo cognitivo da ansiedade foi, segundo Padesky (2010), a contribuição mais conhecida da década de 1980. Em 1988, Beck validou a escala de ansiedade, e seu modelo cognitivo foi validado empiricamente no tocante às intervenções e ao tratamento para os transtornos ansiosos. Beck aprofundou, nesse período, os modelos cognitivos para estresse e raiva e iniciou o desenvolvimento da terapia cognitiva no abuso de substâncias. Na década de 1990, a expansão da TC foi notável, e o número de pesquisas em diversos países para validar os modelos propostos ganhavam força. Padesky (2010, p. 25) explica esse processo da seguinte forma: A terapia cognitiva espalhava-se rapidamente pelo mundo, à medida que os textos de terapia cognitiva eram traduzidos para muitas línguas diferentes. Embora desse continuidade a suas pesquisas e aperfeiçoasse os tratamentos da depressão, do suicídio e dos transtornos da ansiedade, Beck cada vez mais voltava-se às aplicações da terapia cognitiva a problemas mais complexos. Para fazê-lo, ele articulou novos aspectos da teoria cognitiva e esclareceu como conceitos cognitivos tradicionais poderiam explicar experiências humanas tão diversas quanto o transtorno de pânico e esquizofrenia. 12 Ainda no início de 1990, Beck escreveu o livro sobre transtornos de personalidade. Seu modelo cognitivo foi empregado para o entendimento com base em sua teoria de esquema; “alguns anos depois, ele ampliou sua teoria de esquemas, incluindo os conceitos de “modos”, definidos como “redes de componentes cognitivos, afetivos, motivacionais e comportamentais” e “cargas” que “explicam as flutuações nos gradientes de intensidade das estruturas cognitivas” (Padesky, 2010, p. 25). No final da década de 1990, Beck aprimorou o modelo para todas as formas de esquizofrenia. Nos primeiros anos dos séculos XXI, Beck escreveu um livro sobre o transtorno bipolar. Trata-se do seu 15º livro. Padesky (2010) encerra a cronologia das obras de Beck comentando que ele continua expandindo, ampliando e elaborando os estudos sobre a terapia cognitiva até os dias atuais. TEMA 4 – OS AXIOMAS DA TERAPIA COGNITIVA No ano de 2000, Beck e Alford publicam o livro O poder integrador da terapia cognitiva. No primeiro capítulo desse livro, os autores citam o conceito de axioma segundo Karl Popper. O termo é derivado do grego e significa categoria, reputação e dignidade (Mora, 2000). O autor explica que, “por derivação, axioma significa ‘o que é digno de ser estimado, acreditado ou valorizado’”. Assim, em sua acepção mais clássica, o axioma equivale ao princípio de que, por sua própria dignidade, isto é, por ocupar certo lugar num sistema de proposições, deve ser avaliado como verdadeiro” (Mora, 2000, p. 243). Beck e Alford (2000, p. 24) citam Popper (1959, p. 71-72) e explicam que “os axiomas devem estar livres de contradição, devem ser suficientes para permitir a dedução de todas as afirmações pertencentes à teoria; e, finalmente, os axiomas devem ser necessários para a derivação das afirmações pertencentes à teoria”. Assim, compreende-se que, para a teoria ser científica, ela necessita de seus axiomas. Dessa forma, entendemos os axiomas como as raízes da TC, que são descritas desta forma pelos autores: no axioma 1, os autores trazem o conceito de esquemas, que são estruturas de cognição com significado, ou seja, o indivíduo interpreta suas vivências e a relação dessas vivências contextuais com seu self; já no axioma 2, o significado tem função adaptativa e controla vários sistemas psicológicos, como exemplo, o comportamental, o atencional e de memória, bem como o emocional. Dessa forma, as influências sobre o sistema cognitivo e outros sistemas são interativas (axioma 3). 13 No axioma 4, os autores falam sobre a especificidade do conteúdo cognitivo, que seria o padrão cognitivo, emocional e comportamental de cada categoria de interpretação da pessoa. O conceito de especificidade cognitiva é citado por Knapp e Col (2004, p. 21) desta forma: Na hipótese da especificidade de conteúdo, Beck e colaboradores (1987) propõem que os transtornos emocionais trem um conteúdo cognitivo específico, ou seja, uma temática própria de cada transtorno. Por exemplo, a temática em torno da desvalorização e da perda seria própria da depressão; perigo e ameaça seriam a temática encontrada na ansiedade; perigos específicos situacionais, nas fobias; intrusão de pensamentos involuntária e ameaçadora, na paranoia; e assim por diante. No axioma 5, Beck e Alford (2000, p. 25) falam a respeito das distorções cognitivas ou preconcepções. Os autores entendem que “as distorções cognitivas incluem erros no conteúdo cognitivo (significado), no processamento cognitivo (elaboração de significado), ou ambos”. No axioma 6, seguindo a noção de distorções cognitivas, os autores reforçam a ideia de que as distorções cognitivas geram as vulnerabilidades cognitivas, entendidas como predisposições ao adoecimento psíquico. Nesse contexto, podemos compreender da seguinte forma: se um paciente apresenta vulnerabilidade cognitiva, esta se relaciona com a especificidade de conteúdo para cada transtorno. Assim, por exemplo, na depressão, o indivíduo teria propensão para distorções sobre si, o outro e o mundo, e a especificidade seria a tristeza ou a desesperança (Beck; Alford, 2000). Já o axioma 7 explica de maneira clara um importante conceito cognitivo, que é a tríade cognitiva. Os autores ressaltamque: A psicopatologia resulta de significados maladapatativos construídos em relação ao self, ao contexto ambiental (experiência), e ao futuro (objetivos), que juntos são denominados de a tríade cognitiva. Cada síndrome clínica tem significados maladapatativos característicos associados com os componentes da tríade cognitiva. Todos os três componentes são interpretados negativamente na depressão. Na ansiedade, o self é visto como inadequado (devido a recursos deficientes), o contexto é considerado perigoso, e o futuro parece incerto. Na raiva e nos transtornos paranoides, o self é visto como sendo maltratado ou abusado pelos outros, e o mundo é visto como injusto e em oposição aos interesses da pessoa. A especificidade do conteúdo cognitivo está relacionada desta maneira à tríade cognitiva. (Beck; Alford, 2000, p. 25) O axioma 8 trata dos dois níveis de significado. Segundo os autores, há o significado público e o significado pessoal ou privado. No significado pessoal, o indivíduo extrai generalizações com base nas ocorrências vivenciadas e, nesse 14 processo, inclui-se o domínio pessoal. Acerca do axioma 9, Beck e Alford (2000, p. 25) falam dos níveis de cognição, que são: (a) pré-consciente, o não intencional, o automático (pensamentos automáticos); (b) o nível consciente; e (c) o nível metacognitivo, que inclui respostas ‘realísticas’ ou ‘racionais’ (adaptativas). Estas têm funções uteis, mas os níveis conscientes são de interesse primordial para a melhora clínica em psicoterapia. Por fim, o axioma 10 diz respeito aos esquemas denominados de estruturas teleonomicas (estruturas que se ajustam a determinado fim) com funções adaptativas, ou seja, “determinado estado psicológico (constituído pela ativação de sistemas) não é nem adaptativo nem maladapatativos em si, apenas em relação a, ou no contexto do ambiente social e físico mais amplo no qual a pessoa está” (Beck; Alford, 2000, p. 26). Uma vez definidos os axiomas da teoria cognitiva, os autores encerram esse tema afirmando que os axiomas permitem o desenvolvimento de inúmeras hipóteses teóricas; afirmam também que eles não são estáticos, pois podem evoluir tal como a TC evolui. TEMA 5 – OS PRINCÍPIOS DA TC Para encerrarmos esta aula, falaremos sobre os princípios da TC descritos no livro Terapia Cognitiva: teoria e prática, de Beck (1997). Contudo, é importante trazermos os princípios descritos por todas as variações de terapia cognitivo- comportamental. Segundo Dobson e Dobson (2010, p. 13): Vislumbramos as três proposições ou princípios , seguintes, que estão presentes em todos os tratamentos da terapia cognitivo- comportamental: 1. A hipótese de acesso, que afirma que, o conteúdo e o processo de nosso pensamento, é passível de ser conhecido. Os pensamentos não são “inconscientes” ou pré-conscientes. Ou de alguma forma indisponíveis à consciência. Ao contrário, as abordagens cognitivo-comportamentais sustentam a ideia de que, com treinamento apropriado e atenção, as pessoas podem se tornar cientes de seu próprio pensamento. 2. A hipótese de mediação, que afirma que nossos pensamentos medeiam nossas respostas emocionais às variadas situações nas quais nos encontramos. O modelo cognitivo- comportamental não endossa a ideia de que as pessoas simplesmente tenham uma resposta emocional a um acontecimento ou situação, ou pensamento o acontecimento é central para a maneira como nos sentimos. Da mesma forma, são nossas cognições ou pensamentos que influencia fortemente nossos padrões comportamentais em várias situações de vida. [...] 3. A hipótese de mudança, que é um corolário das duas ideias anteriores, estabelece que pelo fato de as cognições serem passiveis de conhecimento e mediarem as respostas a situações diferentes, podemos intencionalmente modificar o modo pelo qual respondemos aos acontecimentos a nosso redor. Podemos nos tornar mais funcionais e mais adaptados por meio da compreensão de nossas 15 reações emocionais e comportamentais, assim como usar as estratégias cognitivas sistematicamente. Diante do exposto, partiremos agora para a breve descrição dos princípios da TC de Aaron Beck descrita por Judith Beck. A autora explica que o primeiro princípio da TC aborda a contínua formulação cognitiva dos problemas que o paciente traz para a sessão. Assim, o terapeuta avalia os relatos dentro do enquadramento tríplice, ou seja, busca compreender os pensamentos que mantêm os sentimentos e os comportamentos problemáticos. Nessa formulação, o terapeuta identifica quais os fatores precipitantes que influenciaram nas percepções do paciente e, a partir desse ponto, o terapeuta levanta hipótese sobre os eventos desenvolvimentais e os padrões interpretativos que o paciente fizer. O segundo princípio ressalta a necessidade de uma aliança terapêutica segura. Por meio dela, o paciente se sente confortável para contar seus problemas. Para a autora, “os ingredientes básicos necessários em uma situação de aconselhamento: cordialidade, empatia, atenção, respeito genuíno e competência” (Beck, 1997, p. 21) são primordiais para a aliança terapêutica adequada. Além disso, a autora comenta que o respeito, a escuta atenciosa, as declarações empáticas e o resumo acurado dos pensamentos e sentimentos, além do otimismo realista expressos pelo terapeuta, são estratégias importantes para a aliança terapêutica adequada. Na terapia cognitiva, a dupla terapêutica trabalha de maneira colaborativa, e o paciente é estimulado a ter uma participação ativa no processo. Esse é o terceiro princípio; para a autora, o terapeuta encoraja o paciente a trabalhar em equipe e decidir sobre os tópicos de cada sessão, a frequência das sessões e as atividades combinadas para serem realizadas nos intervalos entre as sessões. Assim, segundo Beck (1997, p. 21), “a princípio, o terapeuta é mais ativo em sugerir uma direção para as sessões de terapia e em resumir o que eles discutiram durante uma sessão”. Já o quarto princípio enfatiza que a terapia cognitiva é orientada em meta e focalizada em problemas. Na sessão inicial, o terapeuta solicita ao paciente que enumere seus problemas e pense em metas específicas. Nesse contexto, o terapeuta auxilia na avaliação de pensamentos e armadilhas que possam impedir que as metas sejam alcançadas. A autora comenta que o terapeuta avalia quais intervenções são necessárias de acordo com os relatos do paciente. 16 No quinto princípio, a autora afirma que a terapia cognitiva inicialmente enfatiza o presente, porém: A atenção volta-se para o passado em três circunstâncias: quando o paciente expressa uma forte predileção a fazer isso; quando o trabalho voltado em direção a problemas atuais produz pouca ou nenhuma mudança cognitiva, comportamental e emocional ou quando o terapeuta julga que é importante entender como e quando ideias disfuncionais importantes se originaram e como essas ideias afetam o paciente hoje. (Beck, 1997, p. 22) No sexto princípio, é comentado que a terapia cognitiva é educativa, visa ensinar o paciente a ser seu próprio terapeuta e enfatiza a prevenção de recaída. Algumas tarefas do terapeuta seguindo as orientações desse princípio são: psicoeducação sobre a natureza e trajetória do transtorno, psicoeducação sobre a o modelo cognitivo e enquadramento tríplice, definido anteriormente como pensamento, sentimento e comportamento. A autora ressalta que o sétimo princípio fala que a terapia cognitiva visa estipular um tempo limitado. Contudo, observa que “nem todos os pacientes fazem progresso suficiente em apenas alguns meses. Alguns pacientes requerem um ou dois anos de terapia (ou possivelmente mais) para modificar as crenças disfuncionais muito rígidas e os padrões de comportamento que contribuem para sua angústia crônica” (Beck, 1997, p. 23). Já no oitavo princípio fala-se da estrutura da sessão dentro do modelo cognitivo.Veremos posteriormente o passo a passo da estrutura da sessão; por hora, ressaltamos que, embora a TC siga a estrutura da sessão, ela visa, principalmente, maximizar o tempo de sessão e oferecer organização para o processo. De acordo com nono princípio, a terapia cognitiva objetiva ensinar os pacientes a identificar, avaliar e responder a seus pensamentos e crenças disfuncionais. Para isso, é utilizada uma variedade de técnicas para alcançar os objetivos de mudança de pensamento, humor e comportamento (décimo princípio). Integrando todos os princípios citados, Beck (1997, p. 25) ressalta que: O modelo cognitivo, de que os nossos pensamentos influenciam as nossas emoções e comportamento. É bastante direto. Os terapeutas cognitivos experientes, no entanto, realizam muitas tarefas ao mesmo tempo: conceituar o caso, estabelecer rapport, socializar e educar o paciente, identificar problemas, colher dados, testar hipótese e resumi- las. O terapeuta cognitivo novato, em contraste, usualmente precisa ser mais ponderado estruturado, concentrando-se em um elemento de cada vez. Embora a meta final seja entretecer os elementos e conduzir a terapia o mais efetiva e eficientemente possível, os iniciantes devem primeiro dominar a tecnologia da terapia cognitiva, o que é mais bem realizado de uma forma direta. 17 O conhecimento dos princípios da terapia cognitiva, portanto, é essencial para que o terapeuta aprimore o método e a sua forma de atendimento sem se afastar da base axiomática que fundamenta o modelo descrito por Beck. Os princípios, nesse sentido, são condutores essenciais para que o terapeuta possa ser considerado cognitivista. 18 REFERÊNCIAS BECK, A., T.; ALFORD, B. A. O poder integrador da terapia cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000. BECK, A. T. et al. Terapia cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artmed. 1997. BECK, J. S. Terapia Cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed. 1997. DOBSON, D.; DOBSON, K. S. A terapia cognitivo-comportamental baseada em evidências. Porto alegre: Artmed. 2010. EPSTEIN, M. 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