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AULA 2 BASES EPISTEMOLÓGICAS, TEÓRICAS E EMPÍRICAS DA PSICOTERAPIA COGNITIVO- COMPORTAMENTAL Profª Andréia Cristina dos Santos Kleinhans 2 INTRODUÇÃO Representação, manipulação e organização do conhecimento Um dos assuntos de difícil resolução nas ciências cognitivas é saber como o cérebro representa a informação. A compreensão sobre o tema representação do conhecimento é essencial para os estudos da terapia cognitiva, uma vez que Beck utilizou a base desse conhecimento para a explicação dos principais conceitos: pensamentos automáticos, crenças nucleares, crenças intermediárias e esquemas. Nesta aula, abordaremos como o cérebro representa a informação e organiza o conhecimento. Aprenderemos também sobre os conceitos elaborados por Beck com base na representação do conhecimento na memória. TEMA 1 – COMO O CÉREBRO REPRESENTA A INFORMAÇÃO A representação do conhecimento é a forma como a mente organiza as informações percebidas e as armazena na memória para que a pessoa compreenda seu mundo interno e, ao mesmo tempo, tenha consciência do mundo ao seu redor. Caminha e Vasconcelos (2003, p. 23) ressaltam que o conhecimento sobre o processo representacional permitirá ao terapeuta maior amplitude no uso das intervenções no contexto clínico. Sobre o assunto, os autores apontam que: Os princípios básicos da Psicologia Cognitiva apontam para o sistema representacional humano como o principal fator de gerenciamento dos processos psíquicos tanto básicos quanto superiores, num processo que engloba desde a atenção e a percepção até a capacidade metacognitiva humana. O conhecimento da dinâmica das representações mentais, bem como dos processos delas derivados, tem importante implicação para o clínico cognitivo-comportamental. Nos últimos tempos, muitas publicações nessa área têm se preocupado apenas com a questão da técnica aplicada diretamente com o paciente, deixando de lado muitos fundamentos que, se conhecidos pelos clínicos, possuem muitas vezes maior aplicabilidade e maiores índices de eficácia. Precisamos conhecer o conteúdo das representações mentais de nossos pacientes, pois são elas as responsáveis pela formação das crenças centrais, que, posteriormente, se organizam em esquemas programáticos operacionais. Você deve estar se perguntando: o que é representação do conhecimento? Para respondermos a essa pergunta, vamos buscar a resposta no livro Psicologia Cognitiva. Segundo Sternberg (2010, p. 221), “infelizmente, não há métodos empíricos diretos disponíveis para observar a representação do conhecimento. Por outro lado, é improvável que estejam em um futuro imediato. Quando não há 3 métodos empíricos diretos disponíveis, restam vários métodos alternativos”. O autor cita a possibilidade da avaliação por meio da análise racionalista, que usa a base do conhecimento declarativo e procedimental por um lado, mas também explica que há outra forma muito utilizada pela ciência cognitiva para a compreensão de como a mente representa a informação. Nas palavras do autor, “há duas fontes principais de dados empíricos sobre a representação do conhecimento, que são os experimentos padronizados de laboratório e os estudos neuropsicológicos” (Sternberg, 2010, p. 223). O conhecimento declarativo, como o próprio nome indica, é o conhecimento que podemos declarar, isto é, o indivíduo expressa em palavras o que sabe; já o conhecimento procedimental é aquele que envolve os passos ou procedimentos necessários para realizar alguma tarefa, seja ela simples ou complexa. Os estudiosos utilizam esses meios para compreender como, de fato, ocorre a representação do conhecimento na mente humana. Vários autores, como Gazzaniga e Heatherton (2005) e Sternberg (2010), explicam que a psicologia cognitiva busca entender as representações por meio das imagens mentais e do conhecimento, mas também aquelas representações em formas simbólicas por palavras ou proposições abstratas. Os autores comentam que a ciência não conseguiu definir ainda nos dias de hoje como o cérebro representa a informação; e ressaltam que há muito para ser descoberto nesse campo. Sternberg (2008, p. 223), por exemplo, explica que: Algumas ideias são melhores e mais facilmente representadas em imagens, e outras, em palavras. Por exemplo, suponha que alguém lhe pergunte: “Qual é o formato de um ovo de galinha?” Talvez você considere mais fácil desenhá-lo do que descrevê-lo. Para muitas formas geométricas e para muitos objetos concretos, as imagens parecem de fato expressar muitas palavras sobre o objeto de uma forma econômica. Entretanto, se alguém lhe perguntar: “o que é a justiça?”, pode ser muito difícil descrever um conceito tão abstrato em palavras. Fazê-lo na forma de imagens seria ainda mais difícil. Nesse sentido, Gazzaniga e Heatherton (2005) descrevem dois dos principais estudos que afirmam que a representação é realizada por imagens. O primeiro estudo, realizado na década de 1970 por Shepard e colaboradores, relata um experimento em que os participantes olhavam letras e números e, em seguida, eram convidados a dizer se o objeto estava em sua orientação normal ou em uma imagem espelhada. Os objetos eram apresentados em inúmeras posições (cabeça para baixo, invertidos ou em rotações intermediárias). Nesse estudo, os estudiosos descobriram que: 4 O tempo que os participantes levavam para determinar se um objeto era uma imagem normal ou espelhada dependia do seu grau de rotação – quanto mais o objeto estava rotado em relação à posição em pé, mais tempo levava a discriminação, com o tempo de ração mais longo ocorrendo quando o objeto estava inteiramente de cabeça para abaixo. A partir dessas evidências, os pesquisadores concluíram que, a fim de realizar a tarefa, os participantes rotavam mentalmente representações ou imagens dos objetos, para “enxergá-los” na posição em pé. Presumivelmente, quanto mais distante da posição normal estava o objeto, mais tempo levava a tarefa, por ser necessária uma maior “rotação” da representação. (Cooper; Shepard, 1973, citados por Gazzaniga; Heatherton, 2005, p. 251) Stephen Kosslyn e colaboradores, na década de 1970, realizaram um estudo para verificar se a representação mental ocorria em forma de imagem cerebral. Os autores explicam que: Os participantes eram solicitados a esquadrinhar imagens mentais de mapas que tinham memorizado. Os mapas (de ilhas fictícias) incluíam alguns marcos diferentes, como cidades, lagos e montanhas. Os participantes tinham de visualizar um marco na ilha e, depois de um breve intervalo, imaginar um ponto movendo-se desse marco até um segundo marco localizado em outro local do mapa. Os resultados indicaram que o tempo necessário para imaginar o ponto se movendo entre os marcos aumentava proporcionalmente à distância real entre os marcos, conforme indicada no próprio mapa. Consistentemente com os achados anteriores relatados pelo grupo de Shepard, esses dados sugeriam que as pessoas representam informações num formato de imagem ou fotografia. (Kosslyn; Ball; Reiser, 1978, citados por Gazzaniga; Heatherton, 2005, p. 251) Embora vários estudos tenham sido descritos afirmando que a representação ocorre por imagens mentais, outros estudos levantaram a possibilidade de as representações serem proposicionais, ou seja, baseiam-se em fatos sobre o mundo e relacionam-se à memória semântica, que é a memória do conhecimento factual (Gazzaniga; Heatherton, 2005). Para resolver essa questão, o entendimento do processo dialético do conhecimento pode auxiliar. Sendo assim, outros pesquisadores sintetizaram o conhecimento sobre representação por imagem ou por fatos, afirmando que o conhecimento é representado das duas formas. É o que relata Sternberg (2008), quando cita a teoria do código duplo: Segundo a teoria do código duplo, usamos códigos de imagens e verbais para representar a informação (Paivio,1969, 1971). Esses dois códigos organizam as informações em conhecimento sobre o qual se pode agir, que se pode armazenar de alguma forma e mesmo recuperar para uso posterior. De acordo com Paivio, as imagens mentais são códigos analógicos. Os códigos analógicos são uma forma de representação de conhecimento que preserva as principais características perceptuais do que quer que esteja sendo representado para os estímulos físicos que estamos observando em nosso ambiente. Por exemplo, árvore e rios podem ser representados por códigos analógicos. Assim como os movimentos dos ponteiros em um relógio analógico são análogos a 5 passagem do tempo, as imagens mentais que formamos em nossas mentes são análogas aos estímulos que observamos. Por outro lado, segundo Paivio, nossas representações mentais das palavras são sobretudo um código mental. Um código simbólico é uma forma de representação de conhecimento que for escolhida arbitrariamente para representar algo e que não se parece com esse algo em termos perceptuais. Assim um relógio digital usa símbolos arbitrários (em geral, numerais) para representar a passagem do tempo, nossas mentes usam símbolos arbitrários (palavras e suas combinações) para representar muitas ideias. (Paivio, 1969, 1971, citado por Sternberg, 2008, p. 226) Até o momento, podemos entender que o conhecimento pode ser representado tanto por imagem (e inúmeras pesquisas trabalham com essa ideia) quanto de forma proposicional ou factual. Nesse sentido, Gazzaniga e Heatherton (2005, p. 253) lançam uma outra pergunta: como o cérebro codifica uma representação ou, ainda, como as representações são implementadas? Segundo os autores: A ideia básica é que a representação se manifestara na atividade de uma rede distribuída de neurônios. Embora o número real de neurônios abrigando uma representação no cérebro provavelmente fique na ordem dos milhares de milhões, podemos compreender uma representação distribuída considerando o comportamento de apenas alguns. Por exemplo, suponha que as nossas representações mentais de diferentes frutas dependem da atividade de três neurônios, além disso, que cada um desses três neurônios tem três diferentes níveis possíveis de atividade (ou índices de descarga): lento, médio e rápido. Dado esse contexto diferentes padrões de atividade entre esses três neurônios podem ser usados para representar diferentes frutas – um limão pode ser presentado quando todos os três neurônios estão descarregando rapidamente; um pêssego, quando todos os três neurônios estão descarregando lentamente; uma pera, quando o primeiro neurônio está descarregando lentamente e o segundo e o terceiro estão descarregando rapidamente. Nesse sentido, a representação mental é o padrão relativo de ativação através de uma rede de neurônios; padrões diferentes de ativação sinalizam representações diferentes. Com base nesses relatos, já podemos concluir que a representação do conhecimento se dá tanto de forma imagética quanto por símbolos/proposições, e cada conhecimento é codificado por uma rede distribuída de neurônios. Diante da importância da compreensão de como o cérebro representa a informação, Caminha e Vasconcelos (2003) abordam a distorção que ocorre por meio da representação. É nesse ponto que o tema tem relevância para o contexto da terapia cognitiva, uma vez que o terapeuta trabalhará com o conteúdo informado pelo paciente; em muitas situações (para todo ser humano), o pensamento estará distorcido. Os autores abordam esse aspecto da seguinte forma: Precisamos compreender, ainda, que as representações mentais operam por dois princípios básicos – redução e distorção. A redução se 6 refere ao armazenamento de pontos dos objetos representados e não dos objetos em sua integra constitucional. Essa característica é uma estratégia darwiniana da mente humana que produz a economia psíquica e evita o esgotamento da memória e da capacidade do processamento de informação. A distorção, por sua vez, se refere ao fato de o ato de representar em humanos ser indissociável das impressões e variações das emoções, dos afetos. É justamente pelo componente afetivo que acabamos por distorcer a realidade. (Caminha; Vasconcelos, 2003, p. 25) Os autores comentam ainda que, no contexto terapêutico, a construção representacional ocorre por meio de esquemas, protótipos, conceitos, estereótipos, roteiros ou pela elaboração de relações que podem se retroalimentar. Segundo os autores, “se as representações mentais proporcionam um sistema mental econômico, há, ainda, outra capacidade que as representações possuem, que é a da formação de esquemas mentais” (Caminha; Vasconcelos, 2003, p. 25). Mais adiante, falaremos sobre os esquemas na definição inicial dada por Aaron Beck. Por ora, vamos entender os principais pontos aprendizagem importantes para este tema: • as representações mentais são a forma como o conhecimento é organizado; • as representações mentais podem ocorrer de maneira dupla, tanto por imagem como por conceitos e proposições; • as representações são implementadas pelo disparo distribuído em redes de neurônios, e isso explica o porquê de o cérebro conseguir codificar milhares de informações; • o ato de representar ocorre por redução de informações e distorção; • a distorção ocorre porque o processo representacional é indissociável das impressões e das variações emocionais do indivíduo; • as representações são organizadas em esquemas mentais. TEMA 2 – ESQUEMAS MENTAIS Aaron Beck baseou sua teoria cognitiva em diversos autores. Um deles foi Jean Piaget, psicólogo suíço que propôs uma teoria do desenvolvimento infantil cujo foco eram os processos cognitivos para a aprendizagem. Nas palavras de Beck, “ao formular minha primeira teoria da depressão, fiz uso dos primeiros psicólogos cognitivos, como Allport, Piaget, especialmente, George Kelly” (Beck, 2002, citado por Padesky, 2010, p. 32). Dessa forma, podemos compreender que 7 a psicologia cognitiva e os diversos autores espalhados pelo mundo vinham trabalhando em seus estudos com o conceito de esquema. Desse modo, Beck utiliza esse conhecimento descrevendo o esquema em sua teoria. Os autores Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018, p. 374) trazem uma explicação sobre os esquemas segundo Piaget: Piaget propôs que novos esquemas são formados durante cada fase de desenvolvimento. Os esquemas são maneiras de pensar com base na experiência pessoal. [...] para o autor, os esquemas são formas organizadas de dar sentido a experiência, e eles mudam conforme a criança aprende novas informações sobre objetos e eventos no mundo. Piaget acreditava que cada fase tinha como base a anterior por meio de dois processos da aprendizagem: a assimilação, em que uma nova experiencia é colocada em um esquema existente, e a acomodação, em que um novo esquema é criado ou um já existente drasticamente alterado de modo a incluir novas informações que, de outra maneira, não se encaixariam no esquema. Por exemplo: uma criança de 2 anos vê um dogue alemão e pergunta:” O que é isso?”. O pai responde que é um cachorro. Mas ele não se parece em nada como o chihuahua da família. A criança precisa assimilar o dogue alemão ao esquema de cachorro existente. A mesma criança de 2 anos pode ver uma vaca pela primeira vez e gritar: “cachorrinho!”, afinal de contas, a vaca tem quatro patas e pelos e é aproximadamente do mesmo tamanho de um dogue alemão. Assim, coma base no esquema de cachorro que a criança desenvolveu, o rotulo “cachorrinho” pode ser considerado lógico. Mas seu pai lhe diz: “Não, querida, isso é uma vaca!”, veja, ela não diz “au-au”, diz “muu!”, e é muito maior do que um cachorro”. Como a criança não consegue ajustar facilmente essa nova informação ao esquema de cachorro existente usando o processo de assimilação, ela deve agora criar um novo esquema, vaca, por meio do processode acomodação. Para Piaget, portanto, os esquemas de aprendizagem envolvem a assimilação do conteúdo e a acomodação das informações no sistema. Em seguida, ocorre o equilíbrio, que será desorganizado a cada nova informação percebida. Esse processo de aprendizagem Piaget denominou de esquema. É possível encontrar a definição de esquema na terapia cognitiva em diversas obras de Beck. Por exemplo, Beck, Freeman e Davis (2005, p. 38) realizam um resumo sobre o uso e conceito do termo: O conceito de “esquema” tem uma história relativamente longa na psicologia do século XX. O termo, que pode ser traçado até Bartlett (1932, 1958) e Piaget (1926, 1936/1952), tem sido utilizado para descrever aquelas estruturas que integram eventos e atribuem significado a eles. O conteúdo dos esquemas pode ter a ver com relacionamentos pessoais, como atitudes em relação a si mesmo e aos outros, ou com categorias impessoais (por exemplo, objetos inanimados). Esses objetos podem ser concretos (uma cadeira) ou abstratos (o meu país). Os esquemas possuem qualidades estruturais adicionais, como a amplitude (seja ela estreita, moderada ou ampla), flexibilidade ou rigidez (sua capacidade de modificação) e densidade (sua relativa proeminência na organização cognitiva).Eles também podem ser descritos em termos de sua valência- o grau em que são energizados em um determinado momento do tempo. O nível de 8 ativação (ou valência) pode variar de latente a hipervalentes. Quando os esquemas estão latentes, eles não estão participando do processamento da informação; quando ativados, eles canalizam o processamento cognitivo do estágio mais inicial até o final Em uma recente publicação, os autores Wenzel, Brown e Beck (2010, p. 53) ressaltam que os esquemas são “estruturas cognitivas hipotéticas que influenciam o processamento da informação ou que guiam a direção na qual as pessoas canalizam sua atenção e codificam, organizam, armazenam e recuperam informações”. Os autores comentam, ainda, que os esquemas são como lentes através das quais as informações são filtradas e organizadas, mas nem sempre são distorcidas. Na maioria dos casos, a rede de informações denominadas de esquemas é adaptativa porque permite que um grande número de informações, tanto objetivas quanto abstratas, seja processado pelo sistema cognitivo do indivíduo. No livro Terapia cognitiva para os transtornos de ansiedade, Clark e Beck (2012) falam a respeito dos diversos tipos de esquemas no quadro ansioso. De forma semelhante, a mesma classificação pode ser utilizada para inúmeros transtornos, de acordo com a teoria da especificidade cognitiva. Os autores explicam os esquemas cognitivos conceituais, comportamentais, fisiológicos, motivacionais e, por fim, afetivos. Ainda sobre o conceito de esquema, é importante ressaltar que alguns autores utilizam o termo como sinônimo de crença nuclear. Wright, Basco e Thase (2008) comentam que os esquemas podem ser divididos em três grupos. O primeiro grupo são os esquemas simples, definidos como regras sobre ambiente, atividades cotidianas e que exercem pouco efeito sobre quadros de psicopatologia. Os autores exemplificam esses esquemas simples da seguinte forma: “‘Seja um motorista defensivo’; ‘uma boa educação é o que vale’; ‘abrigue- se durante uma tempestade’” (Wright, Basco; Thase, 2008, p. 23). A segunda classificação de esquemas são as crenças e os pressupostos intermediários. Já a terceira classificação fala das crenças nucleares sobre si mesmo. Veremos cada um desses conceitos mais adiante. Por ora, estamos abordando tais exemplos para lembrarmos que esquemas e crenças são utilizados por muitos autores de maneira sinônima. 9 Sobre a utilização intercambiável do termo esquema, Wenzel (2018, p. 81) explica que: Muitos profissionais de saúde mental usam os termos esquema e crenças nuclear de forma intercambiável. Embora crenças nucleares e esquemas sejam construtos sobrepostos, os esquemas são mais amplos do que as crenças nucleares porque fornecem um modelo para o processamento e a assimilação de informações encontradas na vida cotidiana, consistindo não só de cognições, mas também de memórias, emoções e sensações fisiológicas. As respostas comportamentais resultantes são a maneira pela qual uma pessoa lida com a ativação de um esquema doloroso. Em terapia cognitiva, o termo esquema pode ser utilizado para a descrição de padrões disfuncionais geradores de psicopatologia. Beck, Freeman e Davis (2005, p. 39) abordam esse tema da seguinte maneira: No campo da psicopatologia, o termo “esquema” tem sido aplicado a estruturas com conteúdos idiossincráticos altamente personalizados, que são ativados durante transtornos como depressão, ansiedade, ataques de pânico e obsessões e se tornam preponderantes. Quando hipervalentes, esses esquemas idiossincráticos deslocam e, provavelmente, inibem outros esquemas mais adaptativos ou mais apropriados a uma dada situação. Consequentemente, eles introduzem um viés sistemático no processamento da informação. Com base nessa definição, podemos entender que os esquemas são redes de informações adquiridas pelos indivíduos por meio de suas experiências de vida. Há um número infinito de possibilidades e construções de esquemas no processo de aprendizagem. Como vimos, os esquemas filtram e organizam as informações e são necessários para a capacidade de redução. Entretanto, em alguns casos, eles se tornarão desadaptativos e disfuncionais, e sua ativação poderá levar o indivíduo a desenvolver transtornos conforme for o processamento da informação com base nessa matriz de esquema. Beck, Freeman e Davis (2005, p. 39) explicam que: As unidades básicas de processamento, os esquemas, são organizados de acordo com suas funções (e também de acordo com o conteúdo). Diferentes tipos de esquema têm funções diferentes. Por exemplo: os esquemas cognitivos têm a ver com abstração, interpretação e recordação; os esquemas afetivos são responsáveis pela geração de sentimentos; os esquemas motivacionais lidam com desejos e anseios; os esquemas de controle estão envolvidos no automonitoramento, na inibição e na direção das ações. [...] na depressão clínica por exemplo, os esquemas negativos estão em ascendência, resultando em um viés negativo sistemático na interpretação e na recordação de experiências, assim como nas predições de curto e longo prazo, ao passo que os esquemas positivos se tornam menos acessíveis. É fácil para o paciente deprimido ver os aspectos negativos de um evento, mas difícil ver os positivos. Ele consegue lembrar muito mais facilmente os eventos negativos do que os positivos. Ela avalia a probabilidade de resultados indesejáveis como muito maior do que a de resultados positivos. 10 Sobre esquemas desadaptativos, Jeffrey Young e colaboradores desenvolveram a terapia de esquema e descreveram 18 domínios de esquemas desadaptativos que surgem com as experiências ocorridas desde a infância. Além disso, os autores comentam que: Um dos desafios com que nos deparamos hoje é o desenvolvimento de tratamento eficaz para os pacientes com esses transtornos crônicos e de difícil tratamento. Jeffrey Young, um protégé de Beck, aplicou o modelo de Beck aos transtornos da personalidade. [...] Conceitualmente, ele incorporou o conceito de necessidades nucleares, expandiu a ênfase dos esquemas anteriores e apresentou a ideia de estilos de enfrentamento para a terapia cognitiva. Em termos de tratamento, Young deu maior ênfase à compreensão da história anterior do paciente e a seus padrões de vida, desenvolveu várias escalas, apresentou as técnicas do tipo Gestalt e deu uma maior importância à relação terapêutica. Finalmente Young nomeou as expansões da terapia cognitiva para problemas caracterológicos como “terapia de esquemas”, para acentuar a importância dos temas e dos padrões da vida anterior do paciente.(Klosko; Young, 2010, p. 243). Nesse contexto, observamos o que Beck descreveu em seu capítulo. Ainda, Padesky (2010) chama atenção do leitor para a personalidade colaborativa do cientista, a qual, como vimos, auxiliou no desenvolvimento de outras teorias, como a citada terapia de esquemas de Young e colaboradores. TEMA 3 – CRENÇAS NUCLEARES Existem três níveis de cognição descritos na terapia cognitiva: os pensamentos automáticos; as crenças intermediárias ou pressupostos subjacentes; e as crenças nucleares ou centrais. As crenças nucleares ou centrais correspondem a um nível profundo de pensamento. Segundo Beck (1997, p. 30): Começando na infância, as pessoas desenvolvem determinadas crenças sobre si mesmas, outras pessoas e seus mundos. Suas crenças mais centrais ou crenças centrais são entendimentos que são tão fundamentais e profundos que as pessoas frequentemente não os articulam, sequer para si mesmas. Essas ideias são consideradas pelas pessoas como verdades absolutas, exatamente o modo como as coisas “são”. [...] As crenças centrais são o nível mais fundamental de crença; elas são globais, rígidas e supergeneralizadas. Os pensamentos automáticos, as palavras ou imagens reais que passam pela cabeça da pessoa, são específicos à situação e podem ser considerados o nível mais superficial de cognição. As crenças centrais, portanto, são lentes pelas quais o indivíduo interpreta sua realidade; elas surgem pelas experiências diárias, porque a aprendizagem apresenta sentido evolutivo e adaptativo. Knapp (2004, p.23) cita os principais grupos de crenças centrais: 11 1. Crenças nucleares de desamparo (Helplessness): Crenças sobre ser impotente, frágil, vulnerável, carente, desamparado, necessitado. 2. Crenças nucleares de desamor (Unlovability): Crenças sobre ser indesejável, incapaz de ser gostado, incapaz de ser amado, sem atrativos, imperfeito, rejeitado, abandonado, sozinho. 3. Crenças nucleares de desvalor (Unworthiness) Crenças sobre ser incapaz, incompetente, inadequado, ineficiente, falho, defeituoso, enganador, fracassado, sem valor. (Beck, 1995, citado por Knapp, 2004, p. 23). Beck (1997) comenta que, para o terapeuta cognitivo, é importante trabalhar com as crenças disfuncionais, e esse trabalho será basicamente o de auxiliar o paciente a aprender novas crenças mais funcionais embasadas na realidade. Dentro dessa explicação, recorremos a importantes dados fornecidos por Beck, Freeman e Davis (2005, p. 36): A maneira pela qual as pessoas processam os dados sobre si mesmas e os outros é influenciada por suas crenças e pelos outros componentes de sua organização cognitiva. Quando existe algum tipo de transtorno- uma síndrome sintomática (Eixo I) ou um transtorno da personalidade (Eixo II)- a utilização ordenada desses dados assume sistematicamente um viés disfuncional. Esse viés na interpretação e o consequente comportamento são criadas por crenças disfuncionais. Na figura a seguir, é possível visualizar os três níveis de cognição. Figura 1 – Os três níveis de cognição Fonte: Elaborado com base em Beck, 1997, p. 31, e Knapp, 2004, p. 22. O terapeuta cognitivo poderá utilizar o desenho dessa figura como parte do processo de psicoeducação do paciente. O terapeuta explica para o paciente as características das crenças centrais e utiliza o questionamento socrático (técnica da terapia cognitiva) para auxiliar a mudança estrutural da crença nuclear, além Pensamentos automáticos Crenças intermediárias, pressupostos subjacentes (regras, atitudes, suposições) Crenças nucleares ou centrais (esquemas) 12 de inúmeras outras intervenções que serão aplicadas de acordo com a adequada formulação do caso clínico. Sobre a diversidade de técnicas, Sudak (2008, p. 66) orienta que: Existem várias técnicas para modificar as crenças centrais, e os terapeutas selecionam o que acreditam ser adequado para um determinado paciente. [...] O trabalho com as crenças centrais é mais demorado do que ensinar os pacientes a mudar os seus pensamentos automáticos. Deve-se assegurar aos pacientes que é normal levar tempo para modificar ideias arraigadas. É importante que o terapeuta explique que certas situações podem ser mais propensas a ativar o que resta de uma crença central e que o paciente pode ter a oportunidade de trabalhar novamente para modificar o que restar da crença no futuro. Wenzel, Brown e Beck (2010, p. 105) comentam que “ainda que as habilidades para identificar e avaliar os pensamentos automáticos formem os fundamentos da terapia cognitiva, a mudança cognitiva mais duradoura ocorre quando crenças centrais disfuncionais são identificadas e modificadas”. O trabalho com as crenças centrais é o cerne da terapia cognitiva. Para os autores Caminha e Vasconcelos (2003, p. 27), a crença central é a instância em torno da qual o esquema gravita, se organiza. Ela é intraduzível, ou seja, não há traduções verbais, proposicionais ou imagísticas capazes de dar conta de seu sentido. É uma sensação “visceral”, sentida de modo intenso, e qualquer tentativa de tradução sempre fica aquém do seu verdadeiro significado. Assim, o terapeuta cognitivo vai escolhendo as melhores intervenções ao longo do processo terapêutico para auxiliar na reestruturação das crenças centrais disfuncionais comuns a todo indivíduo. Podemos perceber que os níveis cognitivos estão interligados e são interdependentes. Dessa forma, quando o núcleo de crença (desamor, desamparo ou desvalor) está ativado, ele influenciará a maneira como a pessoa interpreta as situações e fica sujeita a condições proposicionais do tipo “se/então”, denominadas crenças intermediárias. TEMA 4 – CRENÇAS INTERMEDIÁRIAS As crenças intermediárias são o segundo nível de cognição; são extremamente importantes porque refletem as atitudes do indivíduo em cada situação. Elas são também conhecidas como pressupostos subjacentes. Os autores utilizam ambos os termos para falar sobre esse nível de cognição. Também é importante dizer que alguns autores se referem a regras ou estratégias 13 compensatórias quando falam a respeito de crenças intermediárias. Dessa forma, vamos tentar entender como elas funcionam. Segundo Wenzel, Brown e Beck (2010, p. 105): Crenças intermediárias são nomeadas como tais porque são mais facilmente identificáveis e articuláveis e mais amenas de serem mudadas do que as crenças centrais, e elas formam as pontes entre as crenças centrais e os pensamentos automáticos experimentados em uma situação particular. Muitas vezes, crenças intermediárias assumem a forma de atitudes rígidas, regras ou pressupostos sobre como o mundo funciona. Elas muitas vezes assumem a forma de afirmações condicionais, como “Se eu não conseguir A em tudo, então eu sou um fracasso” ou “Se ao menos uma pessoa não gosta de mim, isso significa que eu sou indesejável”. Repare que essas afirmações são irrealistas e criam um padrão impossível com o qual o indivíduo precisa se conformar. Não é surpreendente que as pessoas estejam em risco de perturbações emocionais se elas não conseguirem atingir esses padrões, e geralmente o que acontece é que elas não conseguem porque seus padrões são muito grandiosos. Nesse sentido, Beck (1997, p. 31) divide as crenças intermediárias em atitudes, regras e suposições. Assim, explica que “essas crenças influenciam sua visão de uma situação, o que, por sua vez, influencia como ele pensa, sente e se comporta”. A atitude é determinada pela crença, por exemplo, em afirmações como “sou incompetente”. As regras, por sua vez, segundo a autora, são como expectativas que o indivíduo cria com base na crença, ou seja, “se sou incompetente; devo trabalhar muito”. Já as suposições são condicionais do tipo “se/então”, por exemplo, “se eu trabalhar duro, então serei reconhecido”. No livro A mente vencendo o humor, temos uma perfeita descrição das crençasintermediárias ou dos pressupostos subjacentes. Os autores descrevem um pequeno relato clínico para que possamos perceber as nuances dessas crenças: Susana e Tito estavam casados há um ano e estavam muito apaixonados. Mas, apesar da afeição que tinham um pelo outro, havia muita tensão entre eles e frequentemente discutiam quando estavam se arrumando para ir a festas. Tito estava sempre pronto 10 minutos antes da hora de saírem de casa e se postava junto à porta, batendo o pé com impaciência. A cada intervalo de tempo, mandava uma mensagem de texto para Susana perguntando se ela sabia que horas eram e lembrando-a de que estava na hora de saírem. Susana ficava incomodada e frustrada com os lembretes de Tito e não conseguia entender por que ele sempre tinha tanta pressa. [...] Cada um de nós tem crenças situadas silenciosamente abaixo da superfície. Com frequência, não estamos conscientes desses pensamentos, mas eles também têm forte influência sobre nossos estados de humor, comportamento e reações físicas. Como esses pensamentos geralmente operam em um nível abaixo de nossa consciência, costumamos denominá-los “pressupostos subjacentes”. Pressupostos subjacentes são as regras segundo as quais vivemos. Cada um de nós tem centenas de pressupostos subjacentes, e cada um pode ser 14 expresso como uma afirmação “Se...,então...”.Por exemplo, as reações de Tito e Susana ao se arrumarem para uma festa parecem um pouco desconcertantes. Por que Tito continuava ao lado da porta e mandava lembretes para Susana quando podia ver claramente que isso a incomodava? Por que Susana esperava tanto para se aprontar quando sabia que isso irritava Tito? Os pressupostos subjacentes de Tito e Susana podem nos ajudar a entender as respostas deles. Tito cresceu em uma família que valorizava a pontualidade e operava segundo a regra de que um convite para uma festa ou uma reunião às 7 horas significava que era esperado que os convidados chegassem às 7 horas. Na família de Tito, chegar depois das 7 horas era um sinal de desrespeito. Portanto, ele tinha o pressuposto subjacente “Se não chegarmos na hora, então isso será um desrespeito e os outros ficarão incomodados conosco”. No entanto, na família de Susana, a hora de início de uma festa era vista apenas como uma sugestão. Ninguém esperava estar lá na hora de começar. Na verdade, em sua família, chegar na hora determinada para o início era inesperado e seria uma pressão sobre os anfitriões, os quais provavelmente ainda estariam se preparando para a festa. O pressuposto subjacente de Susana era “Se chegarmos na hora, isso irá pressionar os anfitriões”. É fácil ver como cada um dos pressupostos subjacentes guiava o comportamento deles. No entanto, como Tito e Susana ainda não estavam conscientes desses pressupostos, seus pressupostos conflitantes produziam tensão em seu relacionamento. (Greenberg; Padesky, 2017, p. 152). Ainda segundo os autores, os pressupostos subjacentes guiam as ações e os estados de humor de uma pessoa. Se seguimos regras inflexíveis, ou seja, se sempre agimos da mesma forma, possivelmente agiremos de acordo com os pressupostos aprendidos. Os pressupostos poderão ser facilmente reconhecidos quando observamos a condicional “se/então”. Não serão disfuncionais se não trouxerem variações de humor e conflitos como os relatado no texto de Greenberg e Padesky (2017). Entretanto, se os pressupostos trouxerem sentimentos negativos de forma persistente, terão potencial para gerar problemas para o indivíduo. TEMA 5 – PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS Beck cunhou muitos conceitos importantes utilizados até os dias atuais. De acordo com Padesky (2010), o termo pensamento automático foi descrito por Beck na década de 1960, no livro Depressão: causas e tratamento. A partir de então, tanto a terapia cognitiva quanto as diversas correntes de terapia cognitivo- comportamental utilizam esse termo. Nesse sentido, Beck (1997, p. 87) traz a seguinte explicação para os pensamentos automáticos: Pensamentos automáticos são um fluxo de pensamento que coexiste com um fluxo de pensamentos mais manifesto (Beck, 1964). Esses pensamentos não são peculiares a pessoas com angústia; eles são uma experiência comum a todos nós. A maior parte do tempo, nós mal 15 estamos cientes desses pensamentos, embora com apenas um pouquinho de treinamento possamos facilmente trazer esses pensamentos à consciência. Quando nos tornamos cientes dos nossos pensamentos, podemos automaticamente fazer uma checagem de realidade quando não estamos sofrendo de disfunção psicológica. Algum leitor deste texto, por exemplo, enquanto focaliza o conteúdo deste capítulo, pode ter o pensamento automático: “Eu não entendo isso” e sentir-se levemente ansioso. Ele pode, no entanto, espontaneamente (ou seja, sem percepção consciente) responder ao pensamento de uma forma produtiva: “Eu de fato entendo alguma coisa dele; deixe-me apenas ler esta seção novamente”. Esse tipo de testagem de realidade automática e resposta a pensamentos negativos é uma experiência comum. Pessoas que estão aflitas, no entanto podem não se engajar nesse tipo de exame crítico. A terapia cognitiva lhes ensina ferramentas para avaliar seus pensamentos de uma forma consciente estruturada, especialmente quando eles estão aflitos. Segundo a autora, o terapeuta busca identificar, por meio do questionamento socrático e outras intervenções, quais os pensamentos que modificam as emoções do paciente. Sabemos que, em terapia cognitiva, ocorre a interligação entre a situação vivenciada, a emoção sentida e o comportamento. Dessa forma, o pensamento interfere no que o indivíduo sente e na forma como se comporta. Em termos terapêuticos, a busca pelos pensamentos automáticos disfuncionais permite ao paciente encontrar formas funcionais para lidar com as dificuldades. Para explicar essa ideia, Beck (1997, p. 88) comenta que “os pensamentos automáticos são usualmente breves, e o paciente com frequência está mais ciente da emoção que sente em decorrência do pensamento do que do pensamento em si”. Os pensamentos automáticos não são necessariamente disfuncionais ou negativos. Todavia, de acordo com a história de vida e o desenvolvimento de crenças centrais disfuncionais, é possível que o indivíduo tenha pensamentos automáticos disfuncionais. Os autores utilizam o termo pensamento quente para demonstrar o pensamento automático disfuncional (Beck, 1997; Stallard, 2008; Greenberg; Padesky, 2017). Entretanto, é possível encontrar na literatura cognitiva as seguintes denominações: distorções cognitivas (mais utilizada); armadilha de pensamento (muito utilizada em terapia cognitiva para infância e adolescência) e também são utilizados como sinônimos: erros de pensamento e pensamentos disfuncionais. Stallard (2008, p. 69) discorre sobre as características dos pensamentos disfuncionais: Por que dou ouvidos a meus pensamentos negativos? Para entender isso, precisamos aprender um pouco mais sobre os pensamentos automáticos negativos. Eles têm uma série de coisas em comum: Automáticos – eles acontecem simplesmente. Surgem sem que você 16 tenha pensado neles. Distorcidos – quando você para e confere, descobre que eles nãos se ajustam realmente aos fatos. Contínuos – você não escolhe tê-los e eles não podem ser desligados. Parecem verdadeiros-parecem fazer sentido, então você os aceita como verdadeiros sem parar para desfiá-los e questioná-los. Porque os pensamentos automáticos parecem muito razoáveis, damos ouvidos a eles. Ficamos muito familiarizados com eles porque lhes damos ouvidos com muita frequência. Quanto mais os ouvimos, mais acreditamos e os aceitamos como verdadeiros. Para o autor, temos muitos pensamentos automáticos, mas precisamos buscar aqueles que causam os sentimentos mais intensos, que são denominados pensamentos quentes. Sobre a busca pelos pensamentos quentes, Stallard (2008,p. 72) comenta: “pense sobre os momentos em que você realmente observa uma mudança em como se sente. Tente identificar que pensamentos estão passando pela sua cabeça quando você se sente assim”. O autor ainda discorre sobre a armadilha negativa, por meio da qual os pensamentos automáticos negativos geram desconfortos que acabam por influenciar nossos sentimentos. Ao termos sentimentos desagradáveis, é comum não realizarmos as ações que antes realizaríamos se não estivéssemos sobre o domínio do pensar e do sentir. Como estamos agindo menos, temos mais tempo para pensar nas coisas que estão dando errado. Dessa forma, o pensamento negativo é confirmado, resultando em uma armadilha ou em um ciclo negativo. Sobre as características dos pensamentos automáticos, Beck (1997, p. 89) comenta que: Os pensamentos automáticos podem ser avaliados de acordo com sua validade e sua utilidade. O tipo mais comum de pensamento automático é distorcido de algum modo e ocorre apesar das evidências objetivas em contrário. Um segundo tipo de pensamento automático é preciso, porém a conclusão que o paciente extrai pode ser distorcida. Por exemplo, “Eu não fiz o que eu prometi [para minha colega de quarto]” é um pensamento válido, mas a conclusão “Portanto, eu sou uma má pessoa” não é. Um terceiro tipo de pensamento automático é também preciso, porém decididamente disfuncional. Por exemplo, Sally estava estudando para um exame e pensou: “Eu vou levar horas para terminar isso. Eu ficarei acordada até as três da manhã.” Esse pensamento foi sem dúvida correto, entretanto aumentou sua ansiedade e reduziu sua concentração e sua motivação. Uma resposta razoável a esse pensamento seria abordar sua utilidade “É verdade que levará um tempo longo para terminar isso, mas eu posso fazer; eu já fiz antes. Lidar com quanto tempo levará me faz sentir infeliz e eu não me concentrarei tão bem. Provavelmente levará ainda mais tempo para terminar. Seria melhor concentrar-me em terminar uma parte em um momento e dar-me crédito por tê-la terminado”. Avaliara a validade e/ou utilidade de pensamentos automáticos e adaptativamente responder a eles em geral produz uma mudança positiva no afeto. Ainda sobre as características dos pensamentos automáticos, Beck (1997) diz que são espontâneos, ou seja, não são embasados em reflexão; são breves, 17 fugazes e podem ocorrer de forma verbal ou imaginária. “As pessoas com frequência aceitam seus pensamentos automáticos como verdadeiros, sem reflexão ou avaliação. Identificar, avaliar e responder a pensamentos automáticos (de uma forma mais adaptativa) usualmente produz uma mudança positiva no afeto” (Beck, 1997, p. 89). 18 REFERÊNCIAS BECK, A, T.; ALFORD, B. A. O poder integrador da terapia cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000. BECK, A. T.; FREEMAN, A.; DAVIS D. D. Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade. Porto Alegre: Artmed, 2005. BECK, A. T., RUSH, A. J., SHAW, B. F., & EMERY, G. Terapia cognitiva da depressão (S. Costa, Trad.). Porto Alegre: Artmed, 1997. BECK, J. S. 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