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PSIQUIATRIA I DEPENDÊNCIA QUÍMICA 7 Aspectos gerais das dependências químicas DEFINIÇÃO DE DROGA: é toda entidade química ou mistura de entidades químicas não básicas para a manutenção da saúde (o que exclui, por exemplo, água e oxigênio), que altera a função biológica ou a estrutura biológica do individuo ASPECTOS HISTÓRICOS · As drogas de uso mais comum fazem parte da existência humana há milhares de anos · O ópio, por exemplo, é usado para fins medicinais há, pelo menos, 3500 anos; referencias a cannabis de uso medicinal podem ser encontradas em antigos herbários chineses: o vinho é mencionado com frequência na bíblia; e os povos nativos do hemisfério ocidental fumavam tabaco e mascavam folhas de coca · Com o desconhecimento de novas drogas e o desenvolvimento de novas vias de administração, surgiram novos problemas relacionados a seu uso. Transtornos por uso de substancias são condições psiquiátricas complexas em que, assim como em outros transtornos psiquiátricos, tanto os fatores biológicos como as circunstancias ambientais tem relevância etiológica. TRIPÉ DAS DEPENDÊNCIAS · Dependência comportamental: atividades de busca pela substancia e evidencias relacionadas de padrões de uso patológico ganham destaque · Dependência física: se refere aos efeitos físicos (fisiológicos) de múltiplos episódios de uso da substância · Dependência psicológica: também denominada habituação, caracteriza-se por uma fissura (um desejo intenso) contínua ou intermitente pela substancia para evitar um estado disfórico TERMINOLOGIAS · Dependência: o uso repetido de uma droga ou substancia química, com ou sem dependência física. Dependência física indica um estado fisiológico alterado devido a administração repetida de uma droga, cuja cessação resulta em uma síndrome específica. · Abuso: uso de qualquer tipo de droga, em geral autoadministrada, de um modo que desvia dos padrões médicos ou aceitos socialmente. · Uso indevido: semelhante ao abuso, mas normalmente se aplica ao uso problemático de fármacos receitados por médicos · Adição: uso repetido e crescente de uma substância, cuja privação faz surgir sintomas de sofrimento e compulsão irresistível de usar o agente novamente, e que leva, também, a deterioração física e mental. · Intoxicação: síndrome reversível causada por uma substancia especifica (ex: álcool) que afeta uma ou mais das seguintes funções mentais: memória, orientação, humor, discernimento e funcionamento comportamental, social ou profissional. · Abstinência: síndrome especifica de cada substancia que ocorre após a interrupção ou redução da quantidade da droga ou substancia de uso regular durante um período prolongado. A síndrome se caracteriza por sinais e sintomas fisiológicos, além de alterações psicológicas, como perturbações no pensamento, sentimentos e comportamento. Também chamado de síndrome de abstinência ou síndrome de descontinuação. · Tolerância: fenômeno no qual, após a administração repetida, uma determinada dose da droga produz um efeito reduzido, ou doses cada vez maiores são necessárias para se obter o efeito observado com a dose original. A tolerância comportamental reflete a capacidade do individuo de desempenhar tarefas apesar dos efeitos da droga. · Tolerância cruzada: refere-se à capacidade de uma substancia de ser substituída por outra, sendo que cada uma normalmente produzo os mesmos efeitos fisiológicos e psicológicos (ex: Diazepam e barbitúricos). Também conhecida como dependência cruzada. · Neuroadaptação: alterações neuroquímicas ou neurofisiológicas no corpo que resultam da administração repetida de uma droga. A neuroadaptação explica o fenômeno de tolerância. Adaptação farmacocinética se refere a adaptação do sistema de metabolização no corpo. Adaptação celular ou farmacodinâmica se refere a capacidade do sistema nervoso de funcionar apesar de níveis sanguíneos elevados da substancia nociva. · Codependência: termo usado para se referir a familiares afetados ou que influenciam o comportamento do indivíduo que abusa da substancia. Relacionado ao termo facilitador, que é a pessoa que contribui para o comportamento aditivo do individuo (ex: fornecer drogas diretamente ou os meios para adquiri-la). Facilitação também inclui a relutância de um familiar em aceitar a adição como um transtorno psiquiátrico ou negar que o individuo abusa de uma substância. CONSIDERAÇÕES GERAIS · Abordar estes transtornos continua sendo um desafio. Apenas 1 em cada 3 dependentes químicos abandona o uso de substancias · O impacto social e de saúde dos diferentes tipos de drogas é crescente e gera maiores demandas de tratamento · O primeiro desafio é criar vínculos adquiridos com esses pacientes, muitas vezes desmotivados ou obrigados pelos familiares a pedir ajuda (ou pela lei) · É importante mudar pensamentos distorcidos em relação ao uso da droga e melhorar habilidades interpessoais do usuário (TCC) · Entrevistas motivacionais utilizam a empatia, a reflexão e a avaliação dos prós e contras do uso da substancia para ajudar o paciente a manter a adesão ao tratamento e a motivação para mudar EPIDEMIOLOGIA · 2bi de pessoas consomem álcool no mundo · 1.3 bi é fumante · 5% dos adultos do mundo usa substancias licitas pelo menos uma vez ao ano · As drogas de abuso são responsáveis por até 13% das mortes mundiais e pela perda de quase 9% dos anos a viver · Até 30% dos atendimentos em emergências psiquiátricas de grandes centros do Brasil · Nos PSs gerais, só o álcool é associado a quase 70% dos homicídios, 40% dos suicídios, 50% dos acidentes automobilísticos, 60% das queimaduras fatais, 60% dos casos de afogamento, 40% das quedas fatais. · Metade dos brasileiros usa álcool, 3,5% usa maconha e 2% derivados de cocaína. Tais números tem crescimento constante desde o início da série histórica em 2006. · Um terço dos usuários de maconha e 50% das de cocaína são dependentes · 17% dos usuários de álcool tem algum transtorno pelo uso (abuso ou dependência) · O número de bebedores regulares (uma ou mais vezes por semana) e o numero de bebedores pesados episódicos (cinco ou mais doses para homens e quatro ou mais para mulheres) cresce desde o inicio da série histórica em 2006. FATORES ORGÂNICOS · Genética, fisiologia, ambiente e meio social, em importâncias e mecanismos ainda não totalmente esclarecidos fazem o uso voluntário transformar-se em frequente, seja problemático ou não. · O sistema de recompensa, movido a dopamina, que é o principal neurotransmissor afetado pela maioria das drogas e liberado por elas com muito mais quantidade e potencia do que os recompensadores naturais, como sexo e comida, é quem gera a repetição do comportamento de consumo · Mesmo com a interrupção do uso, persistem as memórias ligadas a ele que, em um extremo, desencadeiam vontades intentas, as ‘fissuras’, que empurram o dependente a um novo consumo, e, com isso, ao restabelecimento rápido do padrão mal adaptativo anterior. EXPLICAÇÕES PSICODINÂMICAS · De acordo com as teorias clássicas, o abuso de substancia é um equivalente masturbatório (alguns usuários de heroína descrevem o ‘barato’ inicial como semelhante a um orgasmo sexual prolongado), uma defesa contra impulsos de ansiedade ou uma manifestação de regressão oral (dependência) · Hipóteses psicodinâmicas recentes relacionam o uso de substancia como uma expressão das funções de um ego perturbado (a incapacidade de lidar com a realidade) · Como forma de automedicação, o álcool pode ser usado para controlar o pânico; os opioides, para diminuir a raiva; e anfetaminas, para aliviar a depressão. · Alguns aditos apresentam grande dificuldade em reconhecer seus estados emocionais internos, uma condição denominada alexitimia (ser incapaz de encontrar palavras para descrever os próprios sentimentos) FATORES DE APRENDIZADO E CONDICIONAMENTO – FATORES COGNITIVOS · As drogas podem reforçar comportamentos anteriores ao interromper um estado nocivo ou aversivo como dor, ansiedade e depressão. Em algumas situações sociais, o uso de drogas, além deseus efeitos farmacológicos, pode funcionar como reforço se resulta em status especial ou aprovação de amigos. · Cada uso da droga evoca reforço positivo rápido, seja como resultado do “barato” (a euforia induzida pela droga), seja como alivio da perturbação do afeto, alivio dos sintomas de abstinência ou uma combinação desses efeitos. Além disso, algumas drogas podem sensibilizar sistemas neurais quanto a seus efeitos de reforço. · Usuários de drogas reagem a estímulos relacionados a drogas com aumento de atividade nas regiões límbicas, incluindo a amigdala e o cingulado anterior. Essa ativação relacionada a drogas foi demonstrada com diversas substancias, incluindo cocaína, opioides e cigarros (nicotina). Vale salientar que as mesmas regiões ativadas por estímulos relacionados a cocaína em seus usuários são ativadas por estímulos sexuais tanto em controles normais quanto em usuários de cocaína. · Além do reforço operante dos comportamentos de uso e de busca por drogas, outros mecanismos de aprendizado provavelmente contribuem para dependência e recaída · Fenômenos de abstinência de opioides e álcool podem ser condicionados (no sentido clássico ou pavloviano) a estímulos ambientais ou interoceptivos. · Durante um longo período após a abstinência (de opioides, nicotina ou álcool), o adito exposto a estímulos ambientais anteriormente associados ao uso ou abstinência da substancia pode experimentar abstinência condicionada, fissura condicionada ou ambas. · O desejo de consumo mais intenso é despertado por condições associadas a disponibilidade ou ao uso da substancia, como observar outra pessoa usar heroína ou acender um cigarro ou receber oferta de drogas de um amigo. · Esses fenômenos de aprendizado e condicionamento podem estar superpostos em todo tipo de psicopatologia preexistente, mas dificuldades preexistentes não são requisitos para o desenvolvimento de comportamento de busca pela substancia intensamente reforçado. MOTIVOS · O mais comum é o interesse por uma sensação prazerosa ou de euforia. Pode haver desejo de sentir-se melhor, especialmente quando há ansiedade, angústia, estresse ou depressão. · Também pode haver uso na busca de melhores resultados ou desempenho. · Nos adolescentes, os fatores mais frequentes são a curiosidade, pressão dos colegas ou intenção de reproduzir uma imagem idealizada. EFEITOS · Toda substância psicoativa age no SNC produzindo alterações de comportamento, humor e cognição. · Os psicotrópicos de abuso, além dessas alterações, têm grande propriedade reforçadora e são passiveis de autoadministração · Além dos efeitos psicotrópicos, há a propensão ao prejuízo físico, ou seja, dano a órgãos e sistemas, envolvendo toxicidade aguda e alterações fisiológicas consequenciais · A via de administração pode ser um indicador indireto de outros problemas ou riscos associados (como doenças infecciosas por uso E.V. ou compartilhamento de parafernália que lese mucosa, como cachimbos) ETAPAS · Uso experimental: inicial, infrequente e esporádico · Uso recreativo: em situações sociais ou relaxamento · Uso frequente: regular, não compulsivo, que não necessariamente causa prejuízos significativos ao funcionamento da pessoa · Uso nocivo ou abuso: continuado ou recorrente com prejuízo legal, físico ou mental ao usuário · Dependência: uso continuado com aumento de frequência, quantidade, tempo gasto para obtenção, uso e recuperação dos efeitos da droga, desejo em reduzir ou parar o consumo, problemas em variadas esferas da vida do indivíduo, uso impulsivo, tolerância e sintomas de abstinência. · A dependência química é considerada uma doença CRÔNICA E RECIDIVANTE, caracterizada por busca, desejo e consumo intenso de uma ou mais droga, apesar de suas consequências negativas. Esse uso produz mudanças estruturais e de funcionamento do cérebro. ESTÁGIOS MOTIVACIONAIS DO DEPENDENTE · Pré-contemplação: ‘não quero mudar, não aceito orientação’ · Contemplação: ‘reconheço o problema, mas gosto da bebida e preciso beber (ambivalência)’ · Preparação: ‘reconheço o problema, preciso de ajuda’ · Ação: ‘parei de beber, comecei a me tratar’ · Manutenção: ‘dá vontade de beber, mas não quero recair’ · Recaída: ‘bebi de novo’ PRINCIPAIS SUBSTÂNCIAS DE INTERESSE DIAGNÓSTICO: álcool, opioides, canabinoides, sedativos/hipnóticos, cocaína e derivados, estimulantes e cafeína, alucinógenos, tabaco, solventes e voláteis. ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO GERAL “Prevenir é melhor que remediar” · Politicas de maior sucesso em nível mundial são as medidas governamentais mais intrusivas que geram restrição de acesso, o que se choca frontalmente com diversos ‘lobbies’ (políticos ou mercadológicos) · No Brasil há um vazio de advocacia pública, sobretudo quanto as drogas licitas. ONGs provavelmente assumirão o protagonismo que deveria ser do poder público, já sendo assim com as drogas lícitas · Programas educacionais, sobretudo em escolas, aumentam conhecimento, mas não reduzem consumo. Seus impactos são pequenos e fugazes. E reforçar informações sobre perigos e efeitos de substancias pode ter efeito inverso em adolescentes por estimular curiosidade e estimular consumo nos que buscam estímulos ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO CLÍNICO · Potencializar tendencias de mudança · Fazer intervenções motivacionais breves · Ser paciente e trabalhar com perspectiva de tratamento prolongado · Não encarar falhas terapêuticas anteriores como sinal de mau prognóstico, mas sim como chances de melhorar esquemas pregressos e aproveitar eventuais benefícios · Trabalhar com objetivos e metas claras · Deixar claro que TRANSTORNO POR USO DE SUBSTÂNCIAS É DOENÇA CRÔNICA · Mapear cotidiano para entender situações de risco de uso e de risco de recaídas