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KARL LARENZ METODOLOGIA A DA CIENCIA DO DIREITO 3. a edição Tradução de José Lamego FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN I LISBOA Tradução do original alemão intitulado: .METHODENLEHRE DER RECHTSWISSENSCHAFT. KARL LARENZ 6.a edição, reformulada, 1991 © Springer-Verlag Berlin Heidelberg Reservadostodos os direitos de harmoniacom a lei Edição da FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN Av. de Berna I Lisboa 1997 Depósito Legal N. o 119 196/97 ISBN 972-31-0770-8 Aos meus interlocutoresde muitos anos Claus-Wilhelm Canaris , Joachim Hruschka, Detlef Leenen, Jürgen Prolss ÍNDICE GERAL LISTADAS ABREVIATURAS XV PREFÁCIO À 6.a EDIÇÃO XIX DO PREFÁCIO À 1.a EDIÇÃO.....................................XXI INTRODUÇÃO 1 I - PARTE HISTÓRICO-CRíTICA TEORIA DO DIREITO E METODOLOGIA NA ALEMANHA DESDE SAVIGNY Capítulo I A METODOLOGIA DE SAVIGNY 9 Capítulo 11 A «JURISPRUDÊNCIADOS CONCEITOS»DO SÉCULOXIX 21 1. A «genealogiados conceitos»de PUCHTA 21 2. O «métodohistórico-natural»do JHERINGda primeirafase 29 3. O positivismo legal racionalistade WINDSCHEID ..... 34 4. A teoria «objectivista»da interpretação..................... 39 Capítulo 111 A TEORIA E METODOLOGIA JURÍDICASSOBA INFLUÊN- CIA DO CONCEITO POSITIVISTA DE CIÊNCIA 45 1. A teoria psicológicado Direito de BIERLING 49 2. A passagemdeJHERINGa umaJurisprudênciapragmática 55 I. Os modosde manifestaçãodo Direito e asciênciascorres- pondentes 261 Capítulo I INTRODUÇÃO: CARACTERIZAÇÃO GERAL DA JURISPRU- DÊNCIA 261 x 3. A primeira fase da «Jurisprudênciados interesses» . 4. A passagemaovoluntarismocomo Movimentodo Direito Livre . 5. A viragempara a sociologiado Direito . 6. A «teoriapura do Direito» de KELSEN . 7. O «positivismojurídico institucionalista»de OTA WEIN- BERGER . Capítulo IV O ABANDONO DO POSITIVISMO NA FILOSOFIA DO DIREITO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX . I. A «TeoriadaCiênciado Direito» de STAMMLER e asua doutrinado «Direito justo» . 2. Neokantismo«sudocidentalalemão»e teoria dos valores 3. Idealismoobjectivo e dialéctica . 4. A teoria fenomenológicado Direito . Capítulo V A DISCUSSÃOMETODOLÓGICA ACTUAL I. Da«Jurisprudênciadosinteresses»à <Jurisprudênciadevalo- ração» . 2. A questãodos critérios de valoraçãosupralegais . 3. Conteúdoda norma e estruturada realidade . 4. A buscatia soluçãojusta do casoconcreto . 5. Tópica e procedimentoargumentativo . 6. Vinculaçãoà lei e modelo subsuntivo . 7. Sobre a questãodo sistema . 8. Sobrea discussãojusfilosófica relativa à justiça 11 - PARTE SISTEMÁTICA 63 77 83 91 109 113 115 125 138 151 163 163 172 182 190 201 215 230 241 XI 2. A Jurisprudênciacomociêncianormativa.A linguagemdos enunciadosnormativos 270 3. A Jurisprudênciacomo ciência «compreensiva» 282 a) Compreendermedianteo interpretar 282 b) A «estruturacircular» do compreendere a importância da «pré-compreensão» 285 c) Interpretaçãoe aplicaçãodasnormascomoprocessodia- léctico 293 4. O pensamentoorientadoa valoresna Jurisprudência.... 297 a) O pensamentoorientadoa valoresno âmbitoda aplicação do Direito 300 b) O pensamentoorientadoa valoresno âmbitodadogmá- tica jurídica 312 c) Acercadastesesde NIKLAS LUHMANN sobrea dog- mática jurídica 320 5. A importânciadaJurisprudênciaparaa actividadejurídica prática 326 6. O contributo cognoscitivoda Jurisprudência.. 333 7. A metodologiacomoauto-reflexãohermenêuticadaJuris- prudência 339 Capítulo 11 A DOUTRINA DA PROPOSIÇÃOJURÍDICA 349 I. A estruturalógica da proposiçãojurídica 349 a) As partesintegrantesdaproposiçãojurídica(completa) 349 b) A proposiçãojurídicacomoproposiçãodispositiva.Crí- tica da teoria imperativista 353 2. Proposiçõesjurídicas incompletas 359 a) Proposiçõesjurídicas aclaratórias 360 b) Proposiçõesjurídicas restritivas 362 c) Proposiçõesjurídicas remissivas 364 ti) Ficções legais como remissões 366 3. A proposiçãojurídica como elementode uma regulação 370 4. Confluência(concurso)de váriasproposiçõesjurídicasou regulações .. 372 XII 5. O esquemalógico da aplicaçãoda lei . a) O silogismode determinaçãodaconsequênciajurídica b) A obtençãoda premissamenor": o caráctermeramente limitado da «subsunção» . c) A derivaçãodaconsequênciajurídicapor intermédioda conclusão . Capítulo 111 A CONFORMAÇÃOE APRECIAÇÃOJURÍDICA DA SITUA- çÃO DE FACTO . 1. A situaçãodefactocomoacontecimentoe comoenunciado 2. A selecçãodasproposiçõesjurídicaspertinentesà confor- maçãoda situaçãode facto . 3. As apreciaçõesrequeridas .. a) Juízosbaseadosna percepção . b) Juízosbaseadosna interpretaçãoda condutahumana c) Outros juízos proporcionadospela experiênciasocial ti) Juízosde valor . e) A irredutívelmargemde livre apreciaçãopor partedo juiz . 4. A interpretaçãodas declaraçõesjurídico-negociais . a) As declaraçõesjurídico-negociaiscomoarranjosdecon- sequênciasjurídicas . b) Sobrea interpretaçãodos negóciosjurídicos . c) Sobrea lIlassificaçãodoscontratosobrigacionaisemtipos contratuaislegais . 5. A situaçãode facto verificada . a) Sobrea comprovaçãodos factos no processo . b) A distinçãoentrea «questãode facto» e a «questãode direito» . Capítulo IV A INTERPRETAÇÃO DAS LEIS 1. A missãoda interpretação . a) A funçãoda interpretaçãono processodeaplicaçãoda lei b) O escopoda interpretação:vontadedo legisladorou sen- tido normativo da lei? . 379 380 383 387 391 391 396 399 399 401 402 406 413 419 419 421 424 429 429 433 439 439 439 445 2. Os critérios da interpretação . a) O sentido literal . b) O contextosignificativo da lei . c) Intençãoreguladora,fins e ideiasnormativasdo legis- lador histórico . ti) Critérios teleológico-objectivos . e) O preceitode interpretaçãoconformeà Constituição j) A inter-relaçãodos critérios de interpretação . g) Comparaçãoda interpretaçãodalei coma interpretação dos negóciosjurídicos . 3. A interpretaçãode factoresconformadores . a) A aspiraçãoa uma resoluçãojusta do caso . b) A alteraçãoda situaçãonormativa . 4. Problemasespeciaisda interpretação . a) Interpretação«estrita»e «ampla»;a interpretaçãode«dis- posiçõesexcepcionais» . b) Sobrea interpretaçãodo Direito consuetudinárioe dos precedentes . c) Sobrea interpretaçãoda Constituição . Capítulo V MÉTODOS DE DESENVOLVIMENTO JUDICIAL DO DIREITO . 1. O desenvolvimentojudicial do Direito como continuação da interpretação . 2. A integraçãodaslacunasdalei (desenvolvimentodo Direito imanenteà lei) . a) Conceitoe espéciesde lacunasda lei .. b) A integraçãodelacunas«patentes»,emespecialporana- logia . c) A integraçãode lacunas «ocultas», em especial por reduçãoteleológica . ti) Outroscasosde correcçãoteleologicamentefundamen- tada do texto legal . e) Constataçãode lacunase integraçãode lacunas .. j) A integraçãodelacunascomocontributodeconhecimento criativo . 3. A soluçãode colisõesde princípiose normasmediantea «ponderaçãode bens» . 4. Desenvolvimentodo Direito para além do plano da lei (desenvolvimentodo Direito superadorda lei) . XIII 450 450 457 462 469 479 484 490 491 491 495 500 500 504 510 519 519 524 524 540 555 564 569 572 574 588 XIV a) Desenvolvimentodo Direito de acordocom asnecessi- dadesdo comérciojurídico . b) Desenvolvimentodo Direito deacordocoma «natureza das coisas» . c) Desenvolvimentodo Direito deacordocomumprincípio ético-jurídico : á) Limites do desenvolvimentodo Direito superadordalei 5. O significado dos «precedentes»para a constituiçãodo «Direito judicial» . 588 593 599 606 610 LISTA DAS ABREVIATURAS Capítulo VI A FORMAÇÃO DO CONCEITO E DO SISTEMA NA JURIS- PRUDÊNCIA . 1. O sistema«externo»ou conceptual-abstracto . a) Tarefae possibilidadesdaformaçãojurídicado ウ ゥ ウ セ ュ 。 b) O conceitoabstractoe o sistema«externo»por seumter- médio articulado . c) A «construção»jurídicacomoinstrumentode sistemati- zação . á) As teoriasjurídicas e a sua corroboração . e) A tendênciainerenteao pensamentoabstractorparao esvaziamentode sentido . j) Excurso:A distinçãode Hegelentreconceitoabstracto e conceito concreto . 2. Tipos e sériesde tipos .. a) O «tipo. como forma depensamentoem geral . b) A importânciado tipo na ciênciado Direito . c) A apreensãodo tipo jurídico-estrutural.: .. á) A importânciadostipos jurídico-estruturaisparaa for- maçãodo sistema(sériesde tipos) .. 3. O sistema«interno» . a) A importânciadosprincípiosjurídicosparaa formação do sistema . b) Conceitosjurídicos determinadospela função ., .., , c) O carácter«aberto»e fragmentáriodo sistema«interno» NÓTULA DO TRADUTOR: «Um filho do seutempo» . PANORAMA BIBLIOGRÁFICO GERAL . ÍNDICE DE ASSUNTOS . 621 621 621 624 627 638 644 650 655 655 660 664 667 674 674 686 693 701 715 723 AcP AG ALR ArchôR ARSP BAG BFH BGB BGH BGHSt BGHZ BSG BStBl. Archiv für die civilistischePraxis(publica-sedesde1818; sai seis vezespor ano). (N. do T.). Aktiengesellschaft[sociedadeanónima]. AllgemeinesLandrechtde 1794. Archiv für ôffentlichesRecht(antigasérie,1. 1-39, 1885- -1920; nova sériea partir de 1921; a periodicidadeé tri- mestral). (N. do T.). Archiv für Rechts-undSozialphilosophie(fundadoem 1907 porJosefKohler e Fritz Berolzheimer;a suapublicaçãofoi retomadaem 1949por Rudolf Laun e TheodorViehweg; saem4 númerospor ano). (N. do T.). Bundesarbeitsgericht(tambémEntscheidungendesBunde- sarbeitsgerichts)[Tribunal Federaldo Trabalho;também: Acórdãosdo Tribunal Federaldo Trabalho]. Bundesfinanzhof(tambémEntscheidungendes Bundesfi- nanzhofs)[Tribunal Federalde Finanças;também:Acór- dãosdo Tribunal Federalde Finanças]. BürgerlichesGesetzbuch[Código Civil]. Bundesgerichtshof[SupremoTribunal Federal]. Entscheidungendes Bundesgerichtshofsin Strafsachen [Acórdãodo SupremoTribunal Federalemmatériapenal]. Entscheidungendes Bundesgerichtshofsin Zivilsachen [Acórdãodo SupremoTribunalFederalemmatériacível]. Bundessozialgericht(também:EntscheidungendesBundes- sozialgerichts)[Tribunal SocialFederal;também:Acórdãos do Tribunal Social Federal]. Bundessteuerblatt(publica-sedesde1951;ediçãodo Minis- tério Federaldas Finanças,Bona). (N. do T.). XVI BVerfG BVerfGE BVerwG DJZ DRiZ DVerwBI. DRWiss. EGBGB FarnRZ G GG GmbH GoltdArch. GVG HaftpflG HGB JbRSozRTh JherJb. JGG JuS JZ Bundesverfassungsgericht[Tribunal Constitucional Federal]. EntscheidungendesBundesverfassungsgerichts[Acórdãos do Tribunal ConstitucionalFederal]. Bundesverwaltungsgericht[SupremoTribunal Administra- tivo Federal]. DeutscheJuristen-Zeitung(fundadopor Laband,Stenglein, Staübe Liebmann;publicou-sede 1896a 1939). (N. do T.). DeutscheRichterzeitung(publica-sedesde1909; periodi- cidade mensal). (N. do T.). DeutschesVerwaltungsblatt(publica-sedesde 1948-49; periodicidadebimensal). (N. do T.). DeutscheRechtswissenschaft. Einführungsgesetzzum BürgerlichenGesetzbuch[Lei de introduçãoao Código Civil]. Ehe und Familie (Zeitschrift für Familienrecht)(publica- -se desde1954; periodicidademensal). Gesetz[Lei]. Grundgesetzfür die BundesrepublikDeutsch1and[Lei Fun- damentalda RepúblicaFederalda Alemanha]. Gesellschaftmit beschrãnkterHaftung [Sociedadepor quotas]. GoltdammersArchiv für Strafrecht. Gerichtsverfassungsgesetz[Lei deOrganizaçãoJudiciária]. Reichshaftpflichtgesetzde 7.6.1871. Handelsgesetzbuch[Código Comercial].... Jahrbuchfiir Rechtssozio1ogieund Rechts-theorie(o 1.0volume surgiu em 1970; periodicidadeanual). (N. do T.). JheringsJahrbücherfür die Dogmatik des Bürgerlichen Rechts(continuaçãodosJahrbücherfür die Dogmatikdes heutigenRõmischenund deutschenPrivatrechts,fundados por Rudo1f Jhering: 1.0 voI., Jena, 1857; periodicidade anual). (N. do T.). Jugendgerichtsgesetzde 4.8.1953 [Lei dos Tribunais de Menores]. JuristischeSchulung(revista)(publica-sedesde1961; perio- dicidade mensal). (N. do T.). Juristenzeitung(é a continuaçãode DeutscheRechtszeits- chrift (1946-1950)e de SüddeutscheJuristen-Zeitung(1946- -1950); periodicidadebimensal). (N. do T.). KG LAG LeipzZ LG LindMõhr (LM) LitUrhG MDR NJW OHG OJZ OLG OVG RdA Rdz. RG RGZ RTh SavZKanA SavZRomA SeuffA SJZ StGB StVG Ufita XVII Kommanditgesellschaft[sociedadeem comandita]. Gesetzüber den Lastenausgleichde 14.8.1952. Leipziger Zeitschrift für DeutschesRecht. Landgericht [Tribunal regional]. NachschlagwerkdesBundesgerichtshofs,editadopor Lin- denmaiere Mõhring (publica-sedesde1951). (N. do T.). Gesetz,betr. das Urheberrechtan Werken der Literatur undderTonkunstde 19.6.1901[Lei sobredireitosdeautor relativos a obras literárias e musicais]. Monatsschriftfür DeutschesRecht(publica-sedesde1947; periodicidademensal). (N. do T.). NeueJuristicheWochenschrift(publica-sedesde1947-48; hebdomadário).(N. do T.). Offene Handelsgesellschaft[sociedadecomercialaberta]; (equivalente à nossa sociedade em nome colectivo). (N. do T.). OsterreichischeJuristen-Zeitung. Oberlandesgericht[SupremoTribunal estadual]. Oberverwaltungsgericht[SupremoTribunal Administrativo estadual]. Rechtder Arbeit (publica-sedesde1947; saem6 números por ano). (N. do T.). Randziffer [número de margemde página]. Reichsgericht[Tribunal do Reich]. EntscheidungendesReichsgerichtsin Zivilsachen[Acór- dãos do Tribunal do Reich em matéria cível]. Revista «Rechtstheorie»(publica-sedesde 1970; saem4 númerospor ano). (N. do T.). Zeitschrift der Savigny-Stiftungfiir Rechtsgeschichte,Kano- nistischeAbteilung (publicaçãoiniciadaem 1911). (N. do T.). ZeitschriftderSavigny-Siftungfür Rechtsgeschichte,Roma- nistische Abteilung (publicação iniciada em 1880). (N. do T.). SeuffertsArchiv für Entscheidungen. SüddeutscheJuristenzeitung(publicou-sede 1946a 1950; deu origem ao Juristenzeitung).(N. do T.). Strafgesetzbuchde 15.5.1871 [Código Penal]. Stra{3enverkehrsgesetzde 19.2.1952[Códigoda Estrada]. Archiv für Urheber-, Film-, Funk- und Theaterrecht (publica-sedesde 1928). (N. do T.). XVIII ZGB ZHR ZPO ZZP SchweizerischesZivilgesetzbuch[Código Civil suíço]. Zeitschrift für dasgesamteHandelsrecht(publica-sedesde 1858 - do vol. 1 ao vol. 60, sob o título Zeitschrift für dasgesamteHandelsrecht;do vol. 61 ao vol. 123, sob o título Zeitschrift für das gesamteHandels-und Konlrurs- recht; posteriormente,Zeitschrift für dasgesamteHandels- recht und Wirtschaftsrecht; periodicidade bimestral). (N. do T.). Zivilprozej3ordnung[Código de ProcessoCivil]. Zeitschrift für Zivilprozej3 (saem 4 númerospor ano). (N. do T.). ... PREFÁCIOÀ SEXTA EDIÇÃO A concepçãode baseapresentadanestelivro manteve-seinal- terada. A exposiçãofoi clarificada ou complementadanalgumas passagens,e, por vezes,tambémligeiramenteencurtada.Procurei proporcionaro contactocom a literatura surgida desdea última edição, sempreque tal considereinecessário. Em anexoà exposiçãoda «TeoriaPura do Direito» de HANS KELSEN, no capítulo 3 da Parte I, fiz umabreveincursãonadou- trina mais recentede OTA WEINBERGER, que reformuloua de KELSEN emtermosquenãopodemdeixardeserconsideradosComo substanciais. Olching bei München,Janeiro de 1991 KARL LARENZ .. DO PREFÁCIOÀ PRIMEIRA EDIÇÃO o título destelivro carecede umarestriçãoemváriossentidos. O seuobjectoé aciência«dogmática»do Direito, incluindoa apre- ciaçãojudicial de casos;nãosãoosmétodosda história do Direito, da sociologiado Direito e do Direito comparado.Alémdisso,por «ciênciado Direito» entende-seaqui apenasum determinadotipo de ciênciado Direito - aquelequesenosoferecena ciênciajurí- dica alemãda nossaépoca. Trata-sede uma ciênciajurídica que seorientaprincipalmentepela lei (ou, sesepreferir, pela «propo- siçãojurídica») e nãopeloscasosjá decididos;nemestecarácter sepodeconsiderarmodificadopelofacto de a apreciaçãojudicial do casoter hojeentrenósumestatutodiferentedo queteveoutrora. Ela aparece-noscomefeito,na actualidade,já nãocomoumamera «subsunção», mascomoumprocessointelectualmultímodo,cujo resultadoserepercuteno conteúdodaprópria proposiçãojurídica. Dissosetratará empormenornaspáginasdestelivro. Finalmente, a análisedosmétodosqueaquisefaz reporta-sepredominantemente, aindaquenãoemexclusivo,ao Direito Civil. O queé naturalmente uma consequênciada especializaçãodo autor, masnão deixa de ter um alcancesubstancial:pois julgo não errar afirmandoque o movimentometodológicotemhojea suamaior intensidadeno campo doDireito Civil. Isto resulta, por um lado, da circunstânciade o «positivismo»ter resistidodurantemaistempono campodo Direito Civil do quenoutroscampos;e, poroutro lado, de umcontactomais íntimo comosmétodosdo «Direito do caso»,nopós-guerra.A neces- sidadede esclarecimentometodológicoé por issoparticularmente instanteno Direito Civil. A metodologiade umaciênciaé a suareflexãosobrea própria actividade.Ela nãopretendesomente,porém,descreverosmétodos XXII aplicadosna ciência, mastambémcompreendê-los,isto é, conhecer a sua necessidade,a suajustificaçãoe os seuslimites. A necessi- dade e a justificação de um métododecorre do significado, da especificidadeestrutural do objecto que por meio dele deve ser elucidado.Não sepodeportanto tratar da ciência doDireito sem simultaneamentetratar tambémdo próprio Direito. Toda e qual- quer metodologiado Direito se funda numa teoria do Direito, ou quandomenosimplica-a. Ela exibenecessariamenteum duplo rosto - um que está voltado para a dogmáticajurídica e para a aplicação prática dos seusmétodos,outro que se volta para a teoria do Direito e assim, em última análise, para a filosofia do Direito. Nestadupla direcção residea dificuldadeda metodo- logia, mas também o seu particular encanto. O estado actual dosproblemasda metodologiajurídica só podeserplenamentecompreendidopor quemconheçaa evolução da teoria e da metodologia do Direito nos últimos 150 anos. Preocupei-mepor isso em expor esta evolução numa parte «Histórico-Crítica». Não trará ela grandesnovidadesa muitos; masnão achei conveniente,apesarde o ter ponderadorepetida- mente,relegar estaparte para as notasde pé de página ou para um apêndice.Na versãopresente,ela realiza uma dupla finali- dade: liberta a Parte Sistemáticade discussõesque seriam de outro modoinevitáveis,e oferecea quemestejaaindapoucofami- liarizado com a problemática - e portanto antes do mais ao estudante- uma via de acessomais fácil. A leitura deste livro requer capacidadee disponibilidadepara acompanharpor conta própria argumentosnem sempresimples. Não exige no entanto conhecimentosespeciais,para além daquelesque qualquerestu- dante de Direito já adquiriu a meio do seu curso. Munique, Agosto de 1960 KARL LARENZ INTRODUÇÃO Cadaciência lançamão de determinadosmétodos,modosde proceder,no sentidoda obtençãode respostasàs questõespor ela suscitadas.Quaissãoosmétodosa querecorrea ciênciado Direito? Por «ciênciado Direito» entende-se nestelivro aquelaciênciaque seconfrontacoma soluçãodequestõesjurídicasno contextoe com baseemumordenamentojurídicodeterminado,historicamentecons- tituído, ou seja, a tradicionalmentedenominadaJurisprudência. Ao Direito reportam-setambémoutrasciências,comoa históriado Direito e a sociologiado Direito. Compreende-sequea históriado Direito recorraaos métodosda história e a sociologiado Direito aos métodossociológicos.Mas o que é que ocorre relativamente à ciênciado Direito em sentidoestrito, ou seja,à Jurisprudência? Tempohouve,e nãoestáaindamuito distante,emqueaosolhos dos juristasnão era problemáticaa questãode que dispunhamde métodosquerde soluçãode casosjurídicos querde tratamentodo セ ゥ イ ・ ゥ エ ッ vigenteno seuconjuntoquese ficavamaquémdasexigên- CiaS colocadaspelasoutrasciências.Hoje não é assim.Fala-sede «perdasde certezano pensamentojurídico» (I), considera-sea opçãometódicacomoarbitrária,propende-sea aceitarcomosatis- fatóriasnãojá assoluçõesreconhecidamenteadequadasmasapenas «plausíveis»ou «susceptíveisdeconsenso»,ou remetem-seosjuristas para as ciênciassociais como as únicas dondepoderiamesperar (I) De acordo com o título do escrito de G. HAVERKATE dado à estampaem 1977*. . * GORGHAVERKA TE, Gewi{3heitsverlusteimjuristischenDenken:Zurpoli- tlschenFunktion der juristischenMethode,Berlim, 1977. [N. do T.]. 2 conhecimentosrelevantes.A isso subjaza constataçãode que na apreciaçãojurídica - v.g., considerardeterminadocomportamento como «negligente»- se insinuamsempree permanentementevalo- rações.Mesmoondeo juiz acolheou rejeitaum raciocínioanaló- gico, «pondera»bensou interessesem confrontocom outrosbens ou interessesou toma em contanovascambiantes,uma alteração das relaçõesda vida - o que faz hoje com muito maior fre- quênciaqueanteriormente-, aindaaí e sempresubjazemvalora- ções. Mas é comummentereconhecidoque os juízos de valor não são susceptíveisde confirmaçãocientífica, pois que se não fundamempercepções,como os juízos sobrefactos, que sãosus- ceptíveisde corroboraçãoatravésda observaçãoe da experimen- tação,e assimapenaspossibilitamconferir expressãoà convicção pessoalde quem emite o juízo. Nem um procedimentodedutivo logicamentecorrectogaranteresultadosintrinsecamenteadequados, quandona cadeiadedutiva se introduzempremissasassentesem valorações.Paraalém disso, surgeo afastamentoda posiçãolar- gamentedominantede que o Direito seriaquandonão exclusiva- mente, pelo menos preponderantemente,identificável na lei. Enquantoeraestaa opinião corrente,o jurista podia contentar-se com os métodosda interpretaçãoda lei, da aplicaçãoda lei (<<ade- quadamente»interpretada)ao caso singular e finalmente com a conformaçãoe aplicaçãode conceitosextraídosdo material que se apresentava.Hoje sabemosque a maior partedas leis sofrem a suaconfiguraçãodefinitiva, e destemodoa suasusceptibilidade de aplicaçãoaos casossingulares,apenasmediantea concreti- zaçãono processocontínuoda actividadejurisprudencial,e que muitasproposiçõesjurídicasencontraramacolhimentodo Direito vigente através da actividade jurisprudencial. A heurística do Direito não seesgotade modo algumna aplicaçãoda lei. A meto- dologia jurídica tem de ter em conta estas ideias. Isto não significa, contudo,que o procedimentometódicoseja prescindívelpor partedosjuristas,nemtão-poucoqueos métodos até aqui utilizados se revelam globalmenteimprestáveis(2). As leis continuama desempenharna nossavida jurídica, tal como dàntes,um enormepapel: os juízesestãoobrigadosa elasrecorrer (2) Sobre a imprescindibilidadedo pensamentojurídico metodológicoe os seuslimites, cf., acertadamente,BYDLINSKI, in: AcP 1988,pág. 447 e segs. 3 sempreque se adequema uma situaçãode facto. De outro modo deixariamas leis de ser «coagentes»e falhariam a sua tarefa de direcção no seio da comunidade.Carecemassim e semprede interpretação,e visto que estadeveconvalidaro que o legislador (de modo racional, com consideraçãodo escopoda regulaçãoe das relações reguladas)pretendeudizer (dispor), não pode o intérprete aqui procederde modo arbitrário ou discricionário. As decisõesjudiciais, mesmoquandonelasse plasmamjuízos de valor, não podemaceitar-seàs cegas;requeremconfirmação,no sentido de verificar se são compatíveiscom outras decisõese princípios jurídicos reconhecidos,se são «materialmenteade- quadas».O que é de todo imposível sema observânciade deter- minadasexigênciasmetódicas.No quediz respeitoàs valorações, mas tambémà interpretaçãoe frequenteexigênciade esclareci- mento da condutahumana(seja uma declaraçãode vontade,um assentimento,uma renúncia),um conceitode ciência que admi- tisse como «adequados»apenas os enunciadosproduzidos no âmbito da lógica ou da matemáticaou dos factosconstatadospela experiênciarevelar-se-iaexcessivamenteredutor, não só relativa- menteà ciência do Direito, mas tambémface às outras ciências do espírito, que igualmentetratam da interpretaçãoe análiseda condutahumana. Neste livro deveráficar patenteque a ciência do Direito desenvolvepor si métodosde um pensamento«orien- tado a valores»,que permitemcomplementarvaloraçõesprevia- mente dadas, vertê-las no caso singular e orientar a valoração que de cadavez é exigida, pelo menosem determinadoslimites, a tais valoraçõespreviamenteachadas.Nestamedidasãoas valo- rações susceptíveisde confirmaçãoe passíveisde uma crítica racional. Há no entantoque afastara ideia de que os resultados obtidos por essavida poderiamalcançaro mesmograu de segu- rançae precisãode uma deduçãomatemáticaou de uma medição empreendidade modo rigorosamenteexacto. Tratar-se-iaainda e todavia de ciência, de uma actividade planificada e dirigida à obtençãodeconhecimentos.É que em vez de tentar inadverti- damentecompatibilizar com a ciência do Direito um conceito (estrito) de ciência rigorosamenteadequadoa outras ciências e denegarà ciência do Direito a capacidadede obtenção de conhecimentos,pois que não satisfaz os requisitos de tal con- 4 ceito, dever-se-ia«procurardeterminara especificidadeda Juris- prudênciatomando o Direito como ponto de partida» (3). Determinara especificidadeda Jurisprudência,dos métodos e modosde pensamentonela utilizados, a partir da especificidade do Direito exigeum conhecimentomaisaproximadodo seuobjecto. É com efeito fácil demonstrarque qualquermetodologiajurídica dependeda concepçãode Direito que lhe subjaz. O «Direito» é um objecto por demais complexo; a ele reportam-senão só as distintasciênciasparticularescomo tambéma filosofia. A meto- dologia jurídica não pode existir sema filosofia do Direito. Não pode, por exemplo, responderà questão de se deverá o juiz contentar-secom uma «correcta» (independentementedo que por tal se entenda)aplicaçãodas normaspreviamentedadasou pro- curar, para além delas, uma soluçãodo litígio \ セ オ ウ エ 。 ᄏ - e em queé quepoderemosreconhecerseumadecisãoé \セオウエ。ᄏN E como em todo o caso a Jurisprudênciatrata tambémda compreensão de textos - leis, decisõesjurídicas, assimcomo de contratose declaraçõesnegociaisde privados- por maioriade razãoreveste- -se a hermenêutica,a doutrina da compreensão,relativamentea essedomínioda actividadedo jurista, da maior importância, quando não de um alcancepor si só decisivo. Por outro lado, modos de pensamentoque se manifestamnas actividadesdos juristas só sãosusceptíveisde ser apreendidosna condiçãode se lhes perse- guir, por assim dizer, continuamenteo rasto. Somenteatravés dos exemplosque se oferecema partir da actividade decisória judicial e da dogmáticajurídica se tornamos enunciadosde uma metodologiajtlrídica completamentecompreensíveis,comprová- veis e úteis paraa práticadosjuristas. O autoré assimcompelido a conduziro leitor frequentementea diferentescampos,de modo alternado,o querequeralgumapaciência.Do leitor não seespera somenteum registopassivo,masum pensarem conjuntorelativa- mente às questões. (3) Nestestennos- em relaçãocom a sua crítica à teoria do Direito de HANS KELSEN -, FRIEDRICH MÜLLER, Normstrukturund Nor- mativittit, 1966, pág. 19. E também,GOING, Grundzügeder Rechtsphilo- sophie, 4. a ed., pág. 103, sustentaque é «falso pretenderque fora do conhecimentodedutivoe do procedimentoexperimentalnão é possívelqual- querconhecimentoe queparaalémdassuasfronteirascomeçariao âmbito das opiniões subjectivasarbitrárias». 5 Algumas palavrasmais acercada ParteHistórica. Teria sido pensávelcomeçara exposiçãoapenasno capítulo V da ParteI, c?ma panorâmicada situaçãoactualda doutrina. A quemestiver amda escassamentefamiliarizado com tal problemáticapoderá mesmoaconselhar-sea começarcom a leitura dessecapítulo. Só que paraumacompreensãocompletada problemáticanecessita-se do recursoà históriado pensamentodos últimos 150 anos.Nomes 」 セ セ ッ SAVIGNY, JHERING e HECK, mas também OSKAR BULOW e EUGEN EHRLICH, KELSEN, BINDER e RAD- BRUCH são expoentesde posiçõesque, as mais das vezescom ligeiras alterações,gozamaindahoje de largo curso. Na diversi- dadede todasestasposiçõespode descortinar-seuma identidade de problemática.Tal problemáticagravita em torno de conceitos como os de validadee positividadedo Direito, de normatividade e determinaçãoontológicado Direito, de participaçãodas activi- dadeslegislativase jurisprudencialbemcomoda doutrinana con- forn;açãodo Direito, do conceitode ciência. Bem entendido,que se tem deparadonovos problemase que as perspectivasse têm セ ッ 、 ゥ ヲ ゥ 」 。 、 ッ com frequência.Mas, num conspectoglobal, estacon- tmuidadeproblemáticaé, as mais das vezes de modo latente e imperceptível, surpreendentementegrande(4). Decorre do pró- prio objectoda análisee não deveráportantodeixar de ser reve- lada ao leitor. Tambémnão é por mero acasoque começopor SAVIGNY. Não que antesdele não tenhamexistido já métodos da ciência do Direito (5) ou até mesmoo seu tratamentocientí- fico (6). Pouco antesde SAVIGNY, o seu conhecidoopositor na questãoda codificação,THIDAUT, tinha publicadoreflexõessobre (4) Demasiadolonge vai, a meu ver, na sustentaçãodestacontinui- dadeda teoria e metodologiajurídicaspós-jusnaturalistas,RAFFAELE DE GIORGI.no seulivro WahrheitundLegitimationim Recht, 1980. Crê poder reconduzl-laao facto de, desdeSavignyaté aosnossosdias todosos autores partirem da positividade do Direito. ' . (5) Sobre os métodosdos glosadorese dos primeiros humanistas,o ・セsャャャッ de WIEACKER, Privatrechtsgeschichteder Neuzeit*, 2. a ed., pags.52 e segs., 66 e segs., 88 e segs. . (6) Como em LEmNIZ, no seu escrito de juventude«Nova methodus dlscendaedocendaequeJurisprudentiae». * Existe traduçãoem línguaportuguesa(de A. M. BOTELHO HESPANHA): FRANZ WIEACKER, História do Direito Privado Moderno, ed. da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1980. [N. do T.]. 6 a interpretaçãojurídica (7). Mas a metodologiade SAVIGNY é a primeira após o ocasodo Direito natural (moderno); ele não se limitou a expô-la por diversasvezes, mas empreendeua sua própria aplicação.A suametodologiainfluenciou duradouramente a literaturajuscientíficado séculoXIX, mesmoondese intentava a sua refutação. .. (7) A este respeito, cf. KITZLER, Die Auslegungslehredes Anton Friedrich Justus Thibaut, 1986. I - PARTE HISTÓRICO-CRíTICA TEORIA DO DIREITO E METODOLOGIA NA ALEMANHA DESDE SAVIGNY .. I A METODOLOGIA DE SAVIGNY Quemse acostumoua ver a EscolaHistórica do Direito, que SAVIGNY ajudouafundar,sobretudona suaoposiçãoàs escolas «filosóficas» do jusnaturalismotardio ficará decerto surpreen- dido ao ler nas suaslições de Inverno de 1802 (I) que a «ciência da legislação»- como aí se designaa ciência do Direito - é «primeiro uma ciência histórica, e depois, também,uma ciência filosófica» e que ambas as coisas se devem unificar porque a ciênciado Direito tem de ser «a um tempo e integralmente, (1) Possuímos duas exposlçoes da metodologia jurídica de SAVIGNY: ü Cursode Inverno de 1802-1803,apontamentostirados por JAKüB GRIMM e publicadosem 1951 por WESENBERG - os «pri- meirosescritos»- e aversãomaiselaboradaincluídano voI. 1.o do System des heutigen RomischenRechts (Sistemado Direito Romano actual) de 1840. Entreestasduasexposições,largamentedistanciadasno tempo,apa- receuo célebreescritoprogramáticoVom Beru!unsererZeit jür Gesetzge- bung und Rechtswissenschaft(Sobre a vocaçãodo nosso tempo para a legislaçãoe a ciênciado Direito), 1814. Só que as observaçõesmetodoló- gicas aí incluídasnão chegama constituir um todo completo; deixam ver até que ponto SAVIGNY se afastarajá do ponto de partidados primeiros escritos, graçasà sua concepçãohistórica e organológica,já então por ele plenamentedesenvolvida,mas não têm em confronto com o escrito ulterior, o «Sistema»,nenhumsignificadoautónomo,e não precisam,por- tanto, de ser aqui especialmenteversadas.- As páginascitadasno texto entreparêntesisreferem-se,primeiro, à ediçãodo curso feita por WESEN- BERG, e, depois, à edição do «Sistema»de 1840. Da literatura relativa aos primeiros escritos metodológicosde SAVIGNY desejariasalientar: SCHULTE, Die juristische Methodenlehredes jungen Savigny, tese iné- dita, Kiel, 1954; KIEFNER, «Der junge Savigny», in: AkademischeFeier aus Anla{3 des 200. Wiederkehrdes Geburtstagesvon F. C. von Savigny, original editadopor LESER (paraa secçãode CiênciaJurídicada Univer- sidade de Marburgo), 1979. 10 históricae filosófica». Seráisto porventuraum «resíduo»jusnatu- ralístico no pensamentode SAVIGNY, depois superadopelo escritor,ou manteve-seSAVIGNY fiel à posiçãoqueaqui defende? O que salta logo à vista é que ele usao termo «filosófico» nessas lições como sinónimode «sistemático»;maso elemento«sistemá- tico» também desempenhaum papel considerávelna teoria do métododo Sistema.E o sentidoem que SAVIGNY equiparanos seusprimeirosescritosos termos«sistemático»e «filosófico» vem a transparecernas palavras seguintes:«Todoo sistemaconduz à filosofia. A exposiçãode um simples sistemahistórico conduz a uma unidade, a um ideal, em que aquela se baseia- e isto é filosofia» (pág. 48). Com o que, porém,vem SAVIGNY a dis- tinguir a teoria filosófica do Direito em si mesma,ou o Direito natural, do elementofilosófico ou sistemáticoda ciência (posi- tiva) do Direito: a última podeser estudada«tanto com o Direito natural como semele» (pág. 50). Parao jurista, a filosofia «não é necessária,mesmocomo simplesconhecimentoprévio». No ele- mento «filosófico» da ciência do Direito não deve, pois, subentender-sea aceitaçãode quaisquerprincípiosjusnaturalistas, mas apenasa orientação, característicada própria ciência do Direito, no sentidode umaunidadeimanentepressupostapor esta última, orientaçãoque, segundoSAVIGNY, é comum à ciência do Direito e à filosofia. Nestesentidose do tambémno Sistema (pág. 46) que a forma científica que se dá à matéria aspira «a revelar e a aperfeiçoara suaunidadeinterior» e que, nessaaspi- ração, ou seja, enquantoprocedede modo sistemático,se apa- renta à ヲゥャッセッヲゥ。 a ciência do Direito. Em contraposiçãocom o primado do costumeque defenderá ulteriormente,SAVIGNY equiparaainda no seu curso o Direito positivo ao Direito legislado.Todavia, a legislaçãoaconteceno tempo e isto conduz «à concepçãode uma história do Direito queestreitamenteseconjugacom a históriado Estadoe a história dos povos, visto que a legislaçãoé uma actividade do Estado» (pág. 17). Além disso, SAVIGNY distingueumaelaboraçãointer- pretativade umaelaboraçãohistóricae de umaelaboraçãofilosó- fica (sistemática)do Direito. Comoobjectoda interpretaçãoaponta ele «a reconstruçãodo pensamentoqueé expressona lei, na medida em que seja cognoscívela partir da lei». O intérprete precisa de «se colocar na posiçãodo legisladore deixar que se formem, por esseartifício, os respectivosditames».Paraessefim a inter- 11 pretaçãoprecisade três elementos:«um elementológico, um ele- mento gramatical e um elementohistórico» (pág. 9). Para que se «possaatingir o pensamentoda lei», têm de tomar-seem consi- deraçãoas circunstânciashistóricas do seu aparecimento;além disso, a interpretaçãonecessitade conhecertanto as particulari- dades como o significado de cada texto para o conjunto, pois «a legislação só se exprime ao nível de um todo» (pág. 25) e o «todo» do Direito só em sistemaé reconhecível.Assim, quer o elementohistórico quer o sistemáticotêm o seu pesona inter- pretaçãode cadanorma(pág. 18). Ao mesmotempo,porém,cada um desseselementosserve de base a uma especialelaboração da ciência do Direito. A elaboraçãohistórica deve tomar «o sis- temano seutodo e pensá-locomo algo progressivo,isto é, como história do sistemada Jurisprudênciano seuconjunto»(pág. 32). Por sua vez, à elaboraçãosistemáticacompeteolhar o múltiplo na sua articulação, interessando-lhequer o desenvolvimentode conceitos,quer a exposiçãodas regrasjurídicas segundoo seu «nexo interno», quer, por fim, o preenchimentodas lacunasda lei - expressãoque não se encontraainda em SAVIGNY - por intermédio da analogia. Significativa do rumo «positivista-legalista»(2) que é próprio dos primeiros escritosde SAVIGNY é a sua rejeiçãodo que ele chama interpretação«extensiva»e «restritiva». Entendeele por isso uma interpretaçãoampliadoraou limitadora da letra da lei, de acordo,naturalmente,com o fim ou com a razãode serda lei. (2) JOACHIM RÜCKERT, na sua sólida monografia, Idealismus, Jurisprudenzund Politik bei F. C. von Savigny, 1984, procedeà demons- tração de que SAVIGNY vai no sentido de uma postura intelectual que se pode denominarde «idealismoobjectivo», no mais amplo sentido, na acepçãoda filosofia actual, mas sem arrimo a um determinadosistema filosófico. Estaposturaseriaperceptíveldesdeos primeirosescritos.Neste contexto, RÜCKERT contestaa expressãopor mim acima utilizada, mas não por acasocolocadaentreaspas,de «positivista-legalista».Tal não será adequadose a isso se pretenderligar uma ideia a que SAVIGNY era com- pletamenteestranho,a de que o conteúdoda lei seria discricionariamente (<<arbitrariamente»)estabelecidopelo legislador. Com tal expressãopre- tende caracterizar-sesomentea estrita vinculação do intérprete ao texto da lei, tal como era supostapor SAVIGNY. TambémR. OGOREK fala no seu livro Richterkonigoder Subsumtionsautomat,1986, pág. 149, do «programametodológicode uma verdadeiraorientaçãopositivistados pri- meiros tempos» de SAVIGNY. 12 Só que essefim ou razão- afirma SAVIGNY - não セ 。 コ parte, por via de regra, do conteúdoda norma: por consegumte,tem de ser «encontrado e aposto artificialmente» pelo intérprete (pág. 40). Aliás, mesmoquandoo legislador indicou a razãoda lei, não o fez paraa constituir «numaregracomum»,mas セ ー ・ ョ 。 セ para que a regra constituídase esclarecessepor essemelO; セ。i não deverserutilizada como uma regraautêntica.DestamaneIra rejeitaaqui SAVIGNY uma interpretação«teleológica»:o juiz deve atendernão ao que o legislador busca atingir, mas só ao que na realidadepreceituou;ou mais precisamente:ao que nas ー 。 ャ セ ᆳ vras da lei, segundoo seu sentido lógico, gramaticale a extraIr da conexãosistemática,verdadeiramenteencontrouuma expressão como conteúdoda suadeterminação.O juiz não tem que aperfei- çoar a lei, de modo criador - tem apenasque executá-la:«um aperfeiçoamentoda lei é, decerto, possível, mas deve ser obra unicamentedo legislador, e nuncado juiz» (pág. 43). Não obs- tante, SAVIGNY admitea analogia,que, como acentua,consiste em descobrirna lei, quandohajaum casonão especialmenteregu- lado por ela, uma regra especialque proveja a um caso seme- lhante e reduzi-la a uma «regrasuperior» que decidirá entãodo casodão regulado.Esteprocessovirá a distinguir-sedo rejeitado processode interpretaçãorestritiva ou extensiva,na medida em que com ele nada se acrescentaà lei, antes é «a ャ・ァセウャ。 ̄ッ que por si própria se complementa»(pág. 42). O que, eVIdente- mente, pressupõeque a regra especialestatuídana lei pode ウ セ イ vista como expressãode uma regrageral não estatuídanessaleI, mas nela contida segundoo seu espírito - pressuposiçãoque SAVIGNY não fundamentamais detidamente;sendo, contudo, nítido quepor detrásdelaestáa concepção,imputávelao ェ オ ウ ョ 。 エ オ セ ralismo tardio (3), de que as regras «especiais»contidas na leI devem ser entendidas como consequênciasde certos princí- pios mais gerais e mais amplos, aos quais, abstraindodo que têm de particular, podem reconduzir-se,do mesmo modo que (3) Quanto à influência do Direito natural (racionalista-moderno)na Escola Histórica, cf. BEYERLE, DRWiss. IV, pág. 15 e segs.; KOS- CHAKER, Europa unddas romischeRecht,pág. 279; THIEME, Das Natur- recht und die europiiischePrivatrechtsgeschichte,pág. 46; e WIEACKER, Privatrechtsgeschichte,pág. 372 e segs. 13 foi por aditamentodo que têm de específicoque elas surgiram no espírito do legislador. Esta concepçãosofre uma profunda alteraçãono momento em que SAVIGNY passoua considerarcomo fonte originária do Direito não já a lei, mas a comum convicçãojurídica do povo, o «espírito do povo» - o que aconteceu,pela primeira vez, no seu escrito Vom BerufunsererZeit. A única forma em que uma tal convicçãologra constituir-senão é, manifestamente,a de uma deduçãológica, mas a de um sentimentoe intuição imediatos. Ora, na sua origem, essesentimentoe essaintuição não podem estarreferidosa uma norma ou regra - concebívelapenascomo produtode um pensamentoracional, por serjá geral e abstracto; eles só podem ter por objecto as concretase ao mesmotempo típicas formas de conduta que, justamentepela consciênciada sua «necessidadeintrínseca»,são observadaspelo conjunto dos cidadãos,ou seja,asprópriasrelaçõesda vida reconhecidascomo típicasdo pontode vista do Direito. Estasrelaçõesda vida (como, por exemplo,o matrimónio, a patria potestas,a propriedadeimo- biliária e a compra e venda), na medida em que se pensam e organizamcomo uma ordemjuridicamentevinculante, consti- tuem os «institutosjurídicos» - que assim se convertem,para SAVIGNY, na origem e no fundamentode toda a evoluçãodo Direito. CoerentementearrancaSAVIGNYno Sistematambém do conceitode instituto jurídico, que ostenta,como ele diz, uma «naturezaorgânica»(pág. 9) tanto no «nexo vital dos elementos que o constituemcomo na sua evolução progressiva» (pág. 9). O instituto jurídico é pois um todo, pleno de sentido e que se transformano tempo, de relaçõeshumanasconsideradascomo típicas, nunca logrando, por isso, ser expostointeiramentepelo somatóriodas normasque lhe dizem respeito.Não são as regras jurídicasque, no seucomplexo,produzemos institutosjurídicos, antes - acentuaSAVIGNY - são essasregras que, por «abs- tracção»(pág. 11), seextraem«artificialmente»da «intuiçãoglobal» dos mesmos institutos (considerados«no seu nexo orgânico») (pág. 16). «Semprejuízode toda a conformaçãoe elaboraçãocon- ceptual»,é, pois, «na intuição do instituto jurídico» que as regras encontram«o seu último fundamento» (pág. 9). Paraa interpretaçãodas regrascontidasna lei, significa esta concepção- em contrastecom o que defendia SAVIGNY no seuescritode juventude- que essasregrasnão podemcompreen- 14 der-sesó por si, mas apenaspela intuição do instituto jurídico, pela qual, de resto, tambémse norteouo legisladorao formulá- -las. Entre essa intuição e a forma abstractade cada regra - que diz respeitosemprea um único aspecto,artificialmente iso- lado, do conjunto da relação- existe, segundoSAVIGNY, um «desajustamento»,cuja superaçãoconstantementese impõeà ciência do Direito. Assim como o legisladortem de ter semprepresente «a intuição integral do instituto jurídico» como todo «orgânico» e há-de, a partir dela, «por um processoartificial, estabelecer a preceituaçãoabstractada lei», se quer que estacorrepondaaos respectivosdesígnios,assim quem precisade aplicar a lei tem, por seu turno, e «por um processoinverso, de lhe restituir o nexoorgânicode quea lei mostraumasimplessecção»(pág. 44). Isto quer dizer que o pensamentojurídico não pode mover-se a um nível único, que tem semprede conciliar intuição e con- ceito: pois, se a intuição lhe representao todo, o conceito (e a regraatravésdele constituída)só consegueabrangerum aspecto parcial, e, por isso, precisade ser constantementealargadoe rec- tificado de novo por intermédioda intuição. Podeafirmar-seque se esta doutrina tivesse sido defendidacom seriedadeabsoluta por SAVIGNY e observadapelos respectivossucessores,nunca estespoderiamter chegadoa trilhar os caminhosda «Jurispru- dência dos conceitos» formal. No entanto- e daqui decorre,a nossover, a reduzidaefi- cácia que teve na prática a sua metodologia-, SAVIGNY não conseguemostrar-noscomo se efectua o trânsito da «intuição» do instituto para a «forma abstractada regra» jurídica, e desta, finalmente, paraa intuição originária. É casoparaperguntarmos se os institutos jurídicos se deixam «intuir» sem que o intuído assumadesdelogo uma expressãocategorial,e, por outro lado, se é possível«acrescentar»às regrasem si, depois de se terem constituídopor «abstracção»- ou seja, por uma desintegração do instituto e um abandonoconscienteda sua totalidade- o seu primitivo «nexo orgânico», quando é certo que este nexo só se dá na intuição, e, por conseguinte,se furta à apreensãoconcep- tual. Efectivamente,se a unidadede um instituto jurídico só se セ ヲ ・ イ ・ 」 ・ na intuição, é claro que não podesercompreensívelcien- tificamente; mas nessecaso tambémnão se vislumbra caminho algum que nos possafazer regressaraté lá, uma vez formadas as regrasabstractase iniciada a elaboraçãocientífica. A ciência 15 não conseguirámais do que abstrair das regras, já de si abs- tractas,conceitoscadavez mais distanciadosda «intuiçãoglobal» do instituto. A estepropósitoé significativo o modo como o pró- prio SAVIGNY construiu o seu sistemado Direito privado (4). SAVIGNY estabeleceum conceito abstractode relaçãojurídica como um «poder de vontade»,procedendodepois, e de acordo com os possíveis«objectosdo poder de vontade» (pág. 335), a umadivisão lógico-formal das relaçõesjusprivatísticasqueo leva à aceitaçãode «trêscategoriasfundamentaisde direitos» (pág. 345). O que estruturao sistemanão é, pois, o nexo «orgânico» dos institutos, mas o nexo lógico dos conceitos (gerais abstractos). Ora não se podeintroduzir nestes,a posteriori, a «intuiçãoglobal» do instituto jurídico. A outra conclusãose chegariase o conjunto de significaçõesde um instituto jurídico (e, genericamente,do Direito) fosse concebidocomo um conceito geral concreto em sentido hegeliano;entãoo conceitoabstractorequeridopelanorma já nos apareceriacomoumaunilaterizaçãonecessária,quepoderia ser vista como tal corrigida atravésdesseconjunto de significa- ções (do conceitogeral concreto),nos casos-limiteem que con- duzissea uma perversãodo sentido. E precisamenteporque, ao acentuar,com razão, o carácterprimário dos institutos jurídicos em face das simples regras jurídicas, SAVIGNY entendiaque a apreensãoconvenientede um instituto (como um todo de sen- tido) só era possível pela intuição - confinando o pensamento conceptualnuma apreensãode regras jurídicas necessariamente abstractas,à maneirada lógica formal - pode dizer-seque ele preparouo caminho à «Jurisprudênciados conceitos» formal de PUCHTA. Quantoa pontosespecíficos,voltamosa encontrar,na teoria da interpretaçãodo Sistema, muitas das ideias dos primeiros escritos.Tambémaqui vem a indicar-se,como objecto da inter- pretaçãoda lei, a «reconstruçãodo pensamentoínsito na lei» (pág. 213). O intérpretedeve colocar-se«em espírito na posição do legislador,e repetir em si, artificialmente,a actividadedeste, (4) Com razão observaW. WILHELM, Zur juristischen Methoden- lehre im 19. Jahrhundert (1958), pág. 61, sobre a teoria da sistemática jurídica de SAVIGNY: «O afastamentoconsequentede toda a sistemática jusnaturalista,que se havia anunciadona teoria da Escola Histórica, não teve efectivaçãona prática científica». 16 ou seja, deixar que a lei brote como que de novo no seu pensa- mento». Como os quatros «elementos»da interpretação,voltam a apontar-seo gramatical,o lógico, o histórico e o sistemático. Mas já não se trata aqui de quatro espéciesde interpretação,e sim de «diferentes actividades que têm de proceder em con- junto, se sepretendeque a interpretaçãocheguea seu termo» (pág. 215). O elemento sistemático refere-se«ao nexo interno que liga em uma grandeunidadetodosos institutos e regrasjurí- dicas», dependendoo êxito da interpretação«de que, primeiro, tomemosvivamentepresenteaosnossosolhos a actividadeespiri- tual de que proveio a expressãode pensamentoque estáperante nós e, segundo, de que tenhamos suficientementepresentea intuição do todo histórico-dogmático,única fonte de que o parti- cular podecolheralgumaluz, paraque sevenhamimediatamente a apreenderas relaçõesdesseconjunto no texto que nos é ofere- cido» (pág. 215). Em confrontocom os primeirosescritos,verifi- ca-se assim que o acento aqui se desloca, com maior nitidez, da «expressão»para as «ideias» e para a «actividadedo espírito» - orientada,em última instância,parauma «intuição» global - de que brota a regra jurídica (5); no que se exprime o afas- (5) Não me parece, no entanto, correcto contar SAVIGNY, como ocorregeralmente,entreos representantesda teoria«subjectivista»da inter- pretação,ou seja, de uma concepçãoque vislumbrao objectoda interpre- taçãona セ ョ 、 。 ァ 。  ̄ ッ de um facto empírico, a «vontade»do legisladorhistó- rico psicologicamenteentendida (ou, na variante de HECK, daqueles «interesses」 。 オ セ ゥ ウ ᄏ que o motivaram). Quando SAVIGNY exige que o intérpreterepita no seu espírito a actividadedo legisladorpela qual a lei surgiu e assim deixe que a lei surja de novo no seu pensamento,exige bem mais do que a verificação de certos factos: exige, nomeadamente, uma actividadeespiritual própria, que forçosamenteo leva além do que porventurao legisladorhistórico concretamenteterá pensadocom as suas palavras. A «livre actividadedo espírito», diz ele (System,I, pág. 207), quesecontémna interpretação,determina-seassimpelo escopode «conhecer a lei na sua verdade».Nessaactividade espiritual deve o intérprete, tal como o legislador,deixar-seorientarpela«intuição do instituto jurídico», isto é, deve procurar,atrásdos pensamentosdo legislador, o pensamento jurídico objectivo que se realiza no instituto jurídico. A «teoria subjectiva da interpretação»,que mais tardeé desenvolvidae defendidapor WINDS- CHEID e BIERLING, pressupõeum conceitopsicológicode vontadeque é tão estranhoa SAVIGNY como o conceito realista e racionalista de lei subjacenteà «teoriaobjectivistada interpretação»de BINDING, WACH 17 tamentodo positivismo legalista estrito das obras da juventude, determinadopela nova teoria das fontes do Direito. Ainda mais claro resultaesseafastamentoquandose tomam em consideraçãoas afirmaçõesque SAVIGNY faz agora sobre o fim ou, como ele diz, sobre a razão de ser da lei. Decerto que acentuatambémagoraque essarazão «se distingue do con- teúdoda lei», não devendover-se,porventura,como um elemento da mesmalei (pág. 218); simplesmente,permite-sea sua utili- zaçãono trabalho interpretativo,emborae sempre«com grande precaução»(pág. 220). No casode ser indeterminadaa expressão que se usa na lei, deve apelar-se,não só para o «nexo interno da legislação»,mas também para o fim especial dessalei, na medidaem que sejacomprovável(pág. 228); não sendocompro- vável um fim especial,podeinvocar-semesmouma«razãogeral», ou, comohoje diríamos,um pensamentojurídico geral (pág. 228). Igualmenteem contrastecom os primeirosescritos,admiteagora SAVIGNY tanto uma interpretaçãoextensivacomo uma interpre- taçãorestritiva, e pararectificação,precisamente,de umaexpressão defeituosa.Nestecaso,é, antesde tudo, «por um caminhohistó- rico» (pág. 231) que se procuramconheceros pensamentosque o legislador ligou à expressãoimperfeita, mas, em segundavia, de novo aqui pode ser útil, ao lado do «nexo interno», a especial razãode ser da lei. Só conhecidoassimo «verdadeiropensamento da lei», a expressãonormativa pode ser rectificada (pág. 233), devendoestarectificaçãoimpedir que a normase apliqueem con- tradiçãocom o seu fim e, além disso, fazer com que se conheçam «os verdadeiroslimites da (sua) aplicação»,de sorte a que esta não ocorra«imperfeitaou desnecessariamente»(pág. 234). Ao con- trário, porém, do que já vimos para a interpretaçãosimples, SAVIGNY volta a não admitir aqui que a expressãoda lei se rectifique com basenumapura«razãogeral», ou seja, numa«ideia jurídica geral», recursoque já teria, todo ele, «o carácterde um aperfeiçoamentodo Direito distinto da interpretação»(pág. 238). e KüHLER. Ambasas teorias,cadaurnana suaunilateralidade,sãoexpressão da épocapositivista, inconciliável com a unidade interna pressupostapor SAVIGNY entreDireito e relaçãoda vida juridicamenteordenada(instituto jurídico) e entrerazãomaterial-objectivae vontadedo legislador. Identificar a concepçãode SAVIGNY com uma ou outra destasteorias,ambastempo- ralmentecondicionadas,correspondenecessariamentea não a compreender precisamentenaquilo que constitui a sua especificidadee a sua grandeza. 18 Uma concepçãoquenitidamentedivergeda do escritodejuven- tude desenvolve-a,por último, SAVIGNY em matéria de inte- graçãodas lacunaspor analogia. Em vez da remissãode cada regraespecialparaa regra«superior»implicitamentecontidanela, temosagorao regressoà intuição global do instituto jurídico cor- respondente.SAVIGNY distinguedois casos.O primeiro verifica- -se quandosurge«umarelaçãojurídica nova, desconhecida,para a qual, por isso, não existecomo arquétiponenhuminstituto jurí- dico no Direito positivo constituídoaté então». Nesta hipótese, precisa«de se formar um tal instituto jurídico arquétipo,de acordo com a lei do parentescoíntimo com institutos já conhecidos» (pág. 291). Trata-se,pois, de uma nova criação, que se tem de prender,tanto quantopossível,com o que anteriormenteexistia. Mais frequente,todavia, é o segundocaso,que se verifica quando (num instituto jurídico já conhecidosurgeumanovaquestãojurí- \ Nセ」。ᄏN A estahá entãoque responder«segundoo parentescoíntimo dasproposiçõesjurídicaspertencentesa esseinstituto», na medida em que convenhaa uma justa compreensãodas razões,ou seja, dos fins especiaisdessasproposiçõesjurídicas. Toda a analogia repousa«napressupostacoerênciainternado Direito»; esta,porém, nem sempreé apenasuma consequêncialógica, como «a simples relaçãoentrecausae efeito», mastambémumaconsequência«orgâ- nica», isto é, uma consequênciaque resulta «da intuição global da naturezaprática das relaçõesjurídicas e dos seusarquétipos» (pág. 292). Resumindo:desdeo começo é característicade SAVIGNY a exigênciaàe uma combinaçãodos métodos«histórico» e «siste- mático», referindo-seaquele à formação de cada lei dentro de uma certa situaçãohistórica e propondo-seeste compreendera totalidadedas normase dos institutosjurídicos subjacentescomo um todo englobante.Ao passo,porém,queo escritode juventude entendeo sistemajurídico exclusivamentecomo um sistemade regras jurídicas - que se encontramentre si numa tal ligação lógica que as regrasespeciaisse vêem como brotandode certas regras gerais, às quais podem ser reconduzidas-, a obra da maturidadeparte ao invés da ideia do nexo «orgânico» entre os «institutosjurídicos» quevivem na consciênciacomum.Dos insti- tutos jurídicos - pensaagoraSAVIGNY - é que as regrasjurí- dicasparticularesvêm posteriormentea extrair-seatravésde uma «abstracção»;por isso, têm aquelesde estar,na «intuição»,cons- 19 tantementepresentesao intérprete,paraqueestepossacompreender com justezao sentido da norma particular. Na obra de maturi- dade, SAVIGNY liberta-se da estrita vinculação ao teor literal da lei defendidano seu escrito de juventude,em favor de uma consideraçãomais vigorosado fim da lei e do nexo de significa- ções fornecidaspela global intuição do instituto. Não esclarece, no entanto,como é possívelreconduzirde novo a regrajurídica particularsurgidapor «abstracção»à unidadede sentidodo insti- tuto jurídico correspondente,e tirar destaunidadequaisquerdeter- minações,quando tal unidade só se oferecede modo intuitivo, não sendoacessívelao pensamentoconceptual.Falta de clareza que não deve ter pesadopouco no facto de as sugestõesmetodo- lógicasda obra de maturidadenão teremmerecidoa atençãoque sepoderiaesperarda grandeinfluênciade quegozouSAVIGNY . Pois o que veio a influir mais tarde foi, além da perspectiva histórica, a ideia de sistemacomo sistema«científico» construído a partir dos conceitos jurídicos - ideia que serviu de ponto de arranquepara a «Jurisprudênciados conceitos»,em que não deve incluir-se, ou então apenascom reservas,o nome do pró- prio SAVIGNY (6). (6) Acertadamentediz KRIELE (Theorie der Rechtsgewinnung, 2. a ed., 1976, pág. 71), que mesmo que SAVIGNY tenha contribuído para o desembocarnuma «esterilizaçãoda ciência do Direito» (atravésda «Jurisprudênciados conceitos»),tal seriaumaconsequênciaindirectae não intencionaL «O seu propósito era a desenvoluçãoorgânica do Direito». ... 11 A «JURISPRUDÊNCIA DOS CONCEITOS» DO SÉCULO XIX 1. A «genealogia dos conceitos» de PUCHTA A ideia de sistemaconsubstanciouna ciência jurídica uma herançada doutrina do Direito natural. Mas ela tinha as suas raízes profundas na filosofia do idealismo alemão. FICHTE e SCHELLING tentaramconstruir o Mundo a partir de um único ponto, de um princípio último «transcendental»,querdizer: apreen- dê-lo reflexivamente.HEGEL, por sua vez, intentou apresentar o «verdadeiro»como o «todo», isto é, como o movimentodo con- ceito «concreto»girandosobresi próprio e não só englobandocomo em si superandoo respectivocontrário. No prefácioà Rechtsphilo- sophie (Filosofia do Direito), fala-se da «arquitectónicada racio- nalidade» do Estado para se aludir à «complexaorganizaçãoda moralidadeem si mesma». O «sistema» significa aqui, portanto, muito mais do que mera clarezae facilidade de domínio de uma certamatéria; significa a única maneirapossívelpor que o espírito cognoscenteconsegueassegurar-seda verdade:o critério da «racio- nalidade» intrínseca,como exigênciaimprescindívelda verdadeira cientificidade. Por isso é que SAVIGNY (que nestamedidanão foi insensívelà filosofia da sua época)acentuoudesdeocomeço, ao lado do carácter«histórico» e com idênticaimportância,o carácter «filosófico» ou sistemáticoda ciênciado Direito - vindo a segui- -lo, de resto, nestaelevadavaloraçãodo sistemacientífico, quase todos os juristas representativosda Alemanha do século XIX. A matéria obtiveram-nasobretudoa partir das fontes de Direito romanas,matériacuja sistematizaçãofoi a principal tarefae o prin- cipal contributo da «pandectística»do séculoXIX (I). (1) Sobre o surgimento do sistema das Pandectas,cf. o ensaio de SCHWARZ, SavZRomA42, 578. 22 A ideia de «sistema»significa o desabrocharde uma unidade numa diversidade, que desse modo se reconhececomo algo coeso do ponto de vista do sentido. No entanto, essa unidade que o sistemahá-de exprimir pode pensar-sede duas maneiras diferentes e alcançar-se,por conseguinte,por caminhos dife- rentes(l). Podepensar-se,antesde tudo, à maneirada unidade de um «organismo» - como uma totalidade significativa que habita a diversidade e que só nela e com ela se manifesta. É desta espéciea unidade do «conceito concreto» de HEGEL, sendoainda nestaacepçãoque SCHELLING usa o conceito de «organismo»,como uma categoriageral e não simplesmentebio- lógica e). o carácter«orgânico» do instituto jurídico e da sua unidade, de que SAVIGNY fala no Sistema,também só assim pode ser compreendido.O caminhopor que se chegaa uma tal unidadeé paraSCHELLING o de uma intuição «interna»,espiri- tual, «intelectual»; para HEGEL, o do pensamento«especula- tivo». A outra maneira em que a unidade pode pensar-seé a do conceitogeral «abstracto»,«limpo» de tudo o que haja de par- ticular, sendoa estetipo de unidadeque conduza lógica formal. Num sistema «orgânico» como o que pretendiamos filósofos idealistas,os elementosconstitutivosdo sistemagravitam, todos eles, em volta de um centro. A «unidade» do sistemarepousa na irredutível relação de todos os elementosconstitutivos com essecentro fundado em si próprio (como a desteúltimo repousa nos elementosconstitutivos, que se definem, justamente,pela posição que ocupamem face dele). Trata-se,portanto, de algo comparável.. a um círculo, ao passo que, ao invés, o sistema de conceitos que se determina pelos princípios da lógica for- mal se assemelha,digamos, a uma pirâmide (4). O conceito «supremo»,que ocupao vértice da pirâmide, paira muito acima da base, embora seja isso que lhe permite - imaginemos a pirâmide como transparente- uma extensão de perspectiva maior. À medida que subimos da base para o vértice, vai-se (2) Sobre esta diferença cf. também STAHL, Die Philosophie des Rechts, vaI. 11, 2. a P. (1833), pág. 146 e segs. (3) Cf. a minha exposiçãoda filosofia do Direito e do Estado do idealismo alemão em Handbuch der Philosophie IV, pág. 132. (4) FRANZ JERUSALEM, Kritik der Rechtswissenschaft,1948, pág. 133 e segs.,designauma tal «pirâmidede conceitos»como «sistema em sentido impróprio». 23 estreitandoa largura dos estratos;de estratopara estrato,perde a pirâmide em largura o que ganhaem altura. Quanto maior a largura, ou seja, a abundânciada matéria, tanto menor a altura, ou seja a capacidadede perspectiva- e vice-versa. À largura correspondea compreensãoe à altura a extensão(o âmbito da aplicação)do conceito «abstracto».O ideal do sistemalógico é atingido quandono vértice se coloca o conceitomais geral pos- sível, em que se venhama subsumir, como espéciese subespé- cies, todos os outros conceitos, de sorte a que de cada ponto da basepossamossubir até ele, atravésde uma série de termos médios e semprepelo caminho da eliminação do particular. Foi PUCHTA quem, com inequívocadeterminação,conclamou a ciênciajurídica do seutempoa tomar o caminhode um sistema lógico no estilo de uma «pirâmidede conceitos»,decidindoassim a sua evoluçãono sentidode uma «Jurisprudênciados conceitos formal» (5). Sem dúvida que seguiu SAVIGNY quanto à teoria das fontes do Direito e utilizou como ele uma linguagem que correspondeao pensamento«organológico» de SCHELLING e dos românticos. Mas no fundo, foi o método do pensamento conceptualistaformal que verdadeiramenteensinou. «As pro- posiçõesjurídicas singulares que constituem o Direito de um povo - lemosno seu Cursus der Institutionen (Curso das Insti- tuições) I, 35 - encontram-se,umasem relaçãoàs outras, num nexo orgânico que se esclarece,antes de tudo, através da sua decorrência do espírito do povo, na medida em que a uni- dadedestafonte se estendea tudo aquilo que por ela foi produ- zido». Porém, de modo imediato e como se tal fora evidente, (5) De todo o modo, é nisto que consisteo significado de PUCHTA para a metodologiajurídica. Com razão considera-oWIEACKER (Priva- trechtsgeschichte,pág. 400) o fundadorda clássicaJurisprudênciados con- ceitos do séc. XIX. Como justamenteobservaW. WILHELM, ob. cito pág. 86: «SAVIGNY preocupa-sesempreem dar o mesmopeso aos ele- mentoslógicos e orgânicosdo Direito, dentro da própria sistemática,de forma a impedir que a lógica predomine,sendonele ainda sensívela pre- vençãoem face da aparênciaenganadorada certezalógica. Na sistemática de PUCHTA, ao invés, a lógica é dominante.O «todo histórico-sistemático» do Direito reduziu-seprogressivamenteao aspectodogmático,vale dizer, ao aspectológico. Contra a concepçãoque aqui é defendidada primazia da lógica na doutrina de PUCHTA, cf. R. OGOREK, Richterkanigoder Subsumtionsautomat,1986, pág. 208, nota 38. 24 essenexo «orgânico» dasproposiçõesjurídicas (e não, como em SAVIGNY, dos institutos jurídicos!) (6) transmuda-seem um nexo lógico entreconceitos,vendo-sealém disso, essenexo lógico como fonte de conhecimentode proposiçõesjurídicas ainda não inteligidas. «É missãoagorada ciênciareconheceras proposições jurídicas no seu nexo sistemático,como sendoentre si condicio- nantese derivantes,a fim de poder seguir-sea sua genealogia desdecadaumadelasatéao princípio comume, do mesmomodo, descerdo princípio até ao maisbaixo dos escalões.Nesteempreen- dimento,vêm a trazer-seà consciênciae à luz do dia proposições jurídicasque, ocultasno espíritodo Direito nacional,não setinham ainda exprimido, nem na imediata convicçãoe na actuaçãodos elementosdo povo, nem nos ditamesdo legislador, ou seja, que patentementesó sevêm a revelarenquantoprodutode umadedução da ciência. E eis como a ciênciavem a entrarcomoterceirafonte do Direito ao lado dasoutrasduas,sendoo Direito, quemediante ela surge, o Direito da ciência, ou, porque é trazido à luz pela actividade dos juristas, o Direito dos juristas» (pág. 36). O que PUCHTA, aqui e em outros lugares(pág. 101), designa por «genealogiados conceitos» não é, assim, outra coisa senão a pirâmidede conceitosdo sistemaconstruídosegundoas regras da lógica formal. PUCHTA entendeque possuio «conhecimento sistemático»reclamadopor ele, quem «consegueseguir, tanto no sentidoascendentecomo no descendente,a proveniênciade cada conceito atravésde todos os termos médios que participam na sua ヲ ッ イ ュ 。 セ ッ ᄏ (pág. 101). Como exemplodessa«escalaconcep- tua!» apresentaele o conceitode servidãode passagem,que, num primeiro plano, será um direito subjectivo e, «por conseguinte, um poder sobreum objecto» (7); num segundoplano, um direito «sobreumacoisa» ou, como nós diríamosum direito real; depois, «um direito sobrecoisa alheia, e, por conseguinte,uma sujeição parcial destaúltima»; noutroplano ainda,como a particularespécie (6) Por certo que também existe um sistemadas relaçõesjurídicas, diz PUCHTA, mas estasmais não são do que «combinaçõesdos direitos a partir de cujo conceito há que deduzir o sistemajurídico». O modo como isto acontecevem a indicar-se adiante no texto. (7) Como define PUCHTA (Lehrbuch der Pandekten,I, 28), «existe um direito (em sentido subjectivo) quandopor força do Direito (em sen- tido objectivo) um objecto cai em poder de certa pessoa». 25 destasujeiçãoda coisa é o uso, dir-se-á que a servidãode pas- sagempertence«ao génerodos direitos de uso sobre coisas» e, assimsucessivamente.Ora, seé, semdúvida, legítimo desmontar e definir da maneira que se expõe um conceito jurídico como estede servidão,como se poderãoconhecerporsemelhantepro- cessoproposiçõesjurídicasde que ninguémtenhatido antesqual- quer espéciede consciência?A ideia de PUCHTA é a seguinte: cadaconceitosuperiorautorizacertasafirmações(por ex., o con- ceito de direito subjectivoé de que se trata de «um poder sobre um objecto»); por conseguinte,se um conceito inferior se sub- sumir ao superior,valerãoparaele «forçosamente»todasas afir- maçõesque se fizerem sobreo conceitosuperior(parao crédito, como uma espéciede direito subjectivo, significa isto, por ex., que ele é um «poder sobreum objecto que estejasujeito à von- tade do credor e que se poderáentão vislumbrar, ou na pessoa do devedor, ou no comportamentodevido por este último»). A «genealogiados conceitos»ensina, portanto, que o conceito supremo, de que se deduzemtodos os outros, codeterminaos restantesatravés do seu conteúdo. Porém, de onde procede o conteúdodesseconceitosupremo?Um conteúdoterá ele de pos- suir, se é que dele se podem extrair determinadosenunciados, e esseconteúdonão deve procederdo dos conceitosdele infe- ridos, sob pena de ser tudo isto um círculo vicioso. Segundo PUCHTA, esteconteúdoprocededa filosofia do Direito: assim consegueum pontode partidasegurocom queconstruirdedutiva- mentetodo o sistemae inferir novasproposiçõesjurídicas. Mas, se analisarmosmais em concreto,o a priori jusfilosófico do sis- temade PUCHTA não é senãoo conceitokantianode liberdade. Dele deduz PUCHTA, nos §§ I a 6 do seu Cursus der Institu- tionen, o conceitode sujeito de direito como pessoa(em sentido ético) e o direito subjectivocomo o poderjurídico de uma pessoa sobre um objecto. Somenteapós ter, daquelemodo, como que suspendidodo firmamentoda Ética o vértice da pirâmidede con- ceitos, PUCHTA desceàs planurasdo Direito positivo e até aos subconceitosjurídicos últimos, pelo que, naturalmente,a subs- tância ética do conceito-chavese reduz progressivamente,a tal ponto quevem a tornar-se,em último termo, irreconhecível.Com o que - e este é o erro mais sério da Jurisprudênciados con- ceitos formal - as simples proposiçõesjurídicas, relativas, por ex., à servidão ou a qualquer outro instituto jurídico, vêm a 26 ser avaliadasnão segundoo seu particular escopoou segundoa sua função no contexto significativo do instituto jurídico corres- pondenteou de uma regulamentaçãomais ampla, mas apenas segundoo escalãoda pirâmidede conceitosem queelasse integram. Parao entendimentode PUCHTA e para o enquadramento da Jurisprudênciados conceitos formal na história das ideias resultam,por conseguinte,duascoisas.A primeira é que a cons- trução dedutivado sistemadependeabsolutamenteda pressupo- siçãode um conceitofundamentaldeterminadoquantoao seucon- teúdo,conceitoquenãoé, por suavez, inferido do Direito positivo, masdadopreviamenteà ciênciajurídica pela filosofia do Direito. Só pode ser «Direito» o que se deixe subordinara esseconceito fundamental.Nesta medida, a Jurisprudênciados conceitosnão prescinde em PUCHTA de um fundamento suprapositivo(8). Em boaverdade,as ideiaséticasfundamentaisdo idealismoalemão, sobretudode KANT, mantêm-sevivas aindaque sob formasextre- mamentesublimadase esmaecidas,no próprio sistemados con- ceitosde um WINDSCHEID ou de úm von TUHR - e também (8) É portanto incorrecto equipararde modo puro e simples Juris- prudênciados conceitose positivismo, como frequentementese faz. Com acertoescreveJERUSALEM, Kritik der Rechtswissenschat,pág. 149, sobre a Jurisprudênciados conceitos,ao estilo de PUCHTA: «os próprios con- ceitospostospelo legisladorprecisamtambémde retirar a sualegitimação do conceitodo sistema,com o que a Jurisprudênciados conceitosnitida- mente se opõe ao positivismo». Os conceitosmais elevadosdo sistema inculcam aqq.ele conteúdomínimo que todo o conceito jurídico tem de conter se quiser ainda possuira qualidadede conceito «de Direito». Mas nisto supõe-seque o legislador não pode arbitrariamente decidir o que é Direito - coisa que (no quadro do facticamentepossível)ele está em condiçõesde, no fundo, fazer, de acordo com a tese central do ᆱ ー ッ セ ゥ エ ゥ ᆳ vismo» -, e sim apenasenquantose conserveno quadro dos conceItos fundamentaisque lhe são antecipadamentedados. É claro que esta ideia só releva na medida em que os conceitosmais elevadosdo sistemanão venhama ser, por seu turno, extraídos- indutivamente- do material experimentalque é o conteúdoda lei positiva, mas possaminteligir-se e certificar-seatravésde outros meios. No momento em que - graças ao conceito positivista de ciência, de que PUCHTA está"llinda longe - .a indução (ou «redução»)a partir de um material experimentalempírico apareceucomo o único meio lícito de construçã?conceptual,a jオイゥウーセᆳ dência dos conceitosveio inevitavelmentea cair naquela fantasmagona lógica com que a identificam, e muito justamente,desdeentão, os seus opositores,como o JHERING da última fase e sobretudoPH. HECK. 27 nos conceitos fundamentaisdo nosso Código Civil -, mesmo que destaconexãopouco se saibajá nos últimos anosdo século e que se venhapor fim a abandonaruma fundamentaçãojusfilo- sófica. Enquanto,por exemplo, no conteúdode conceitosjurí- dicos como o de pessoa,o de responsabilidade,o de imputabili- dade, se referir algumacoisa do seu sentido ético, ou enquanto no «sujeitode direito» senão vir apenas,comoacontecena «teoria pura do Direito», um mero ponto formal de referência,ou seja, um puro «conceito de relação» (9), mas se lhe confiram certas qualidadesdo ponto de vista do conteúdo,a ligação da ciência do Direito com a filosofia não estará completamentediluída. Por outro lado, porém, urge acentuarque a influência da filo- sofia (idealista) em PUCHTA se limita à determinação,quanto ao conteúdo,do seu conceito fundamental.A maneiracomo ele constrói os conceitosulteriores,ou seja, o processológico-dedu- tivo, deriva não da filosofia idealista, designadamenteda hege- liana, mas, como hoje geralmentese reconhece(lO), do raciona- lismo do séculoXVIII, em especialdo pensamentode CHRIS- TIAN WüLFF. Ainda sobreesteponto, de o métodode PUCHTA e a «Juris- prudênciados conceitos»não seremcomparáveisao métodohege- liano, urge dizer que ninguém se deve deixar confundir com a circunstânciade em ambos os casosse tratar, aparentemente,de um processo«dedutivo» (ll). Na verdade,o sentido da «dedução» é completamentediverso num caso e noutro. PUCHTA, como SAVIGNY, subdivideo campode aplicaçãodo conceito superior de que parte adicionandoa este notas especificadorasque, tanto quanto possível, formem antíteseslógicas e dessemodo esgotem todos os casos de aplicação pensáveis (exemplo: um direito subjectivo ou é um direito sobre uma coisa ou então contra uma pessoa;não existe uma terceira solução). Cada um dos conceitos (9) V. sobreeste pontoS.MARCK, Substanz-undFunktionsbegriffin der Rechtsphilosophie,1925, especialmentepág. 83 e segs. (10) KOSCHAKER, Europa und das romische Recht, pág. 278 e segs.;WIEACKER, Privatrechtsgeschichteder Neuzeit,págs.373 e segs. e 400 e segs.; cf. igualmenteFR. JERUSALEM, Kritik der Rechtswis- senschaft,pág. 146 e sego (11) Acerca da relação de PUCHTA com HEGEL, cf. SCHÓN- FELD, em Festschrift für Binder, 1930, pág. 1 e segs. 28 «derivados»contémtodas as notas do conceitoque lhe é superior (e mais uma, pelo menos),e pode«subsumir-se» neste.O conceito superior mantém-seportanto fixo pela indicaçãodas notas que a ele exclusivamentecabem,isto é pela «definição»;na marchapara novas determinações,ele não varia, o seu conteúdo permanece intacto. Pelocontrário,em HEGEL, a «dedução»significa o desen- volvimento de um conceitopor força e atravésdos momentoscon- ceptuaisque nele estão ínsitos (12). Através deles, ganha o con- ceito paraa consciênciaum conteúdomais rico do que aqueleque inicialmente apresentava,conteúdoque pode, por seu turno, ser reduzidoem vista de um novo conceito. É claro que um conceito (<<concreto»)desenvolvidodestamaneiranão se deixa fixar numa definição(com o reconhecimentode certasnotasdistintivasfirmes), pelo que nenhum conceito particular ou nenhumaregra jurídica poderá«subsumir-se»a ele. Por isso, a filosofiado Direito hege- liana nadatem, ou quasenada, de uma divisão de conceitosjurí- dicos em géneros,espéciesou subespécies,antesafirma, na sua ideia de «conceitoconcreto»,o conteúdosignificativo do Direito e dasnecessáriasinstituiçõesjurídicas.Paraqueesseconteúdosig- nificativo se realize nas regrasjurídicas e nas decisõesjudiciais, é ainda necessário,segundoHEGEL, que se proceda semprea uma conformação(pelo legisladorou pelo juiz) que não é apenas subsunçãológica, masum agir de acordocom certo sentidoe que como tal ocorre, no tempo, e portanto no domínio da historici- dade(13). A Jurisprudênciados conceitos, na sua pretensãode subsumir, em último termo, a conceitosjurídicos fixos todos os fenómenosjurídicos, e de lhes atribuir, destasorte, uma vez por todas, uma posiçãoirreversível, o seu «lugar lógico» numa estru- tura de conceitosrigorosamentecircunscritos,não toma em conta este momento da conformação. PUCHTA abandonoupois a relação,acentuadapor SAVIGNY, das «regrasjurídicas»com o «instituto jurídico» que lhes é subja- cente, em favor da construçãoconceptualabstracta,e"colocou, (12) Por isso, diz acertadamenteCHRISTA DULCKEIT-von ARNIM (PhilosophischesJahrbuch 66, pág. 80) que o método deHEGEL é «não dedutivo»,quea dialécticanãoé dedução,mas«intuição,experiência,movi- mento de adaptaçãoà dinâmica intrínsecada própria coisa». (13) Cf. os §§ 3, 212, 214 e 216, da Rechtsphilosophiede HEGEL e GERHARD DULCKEIT, Philosophieder Rechtsgeschichte,pág. 26 e segs. 29 no lugar de todos os outros métodos - e também no de uma interpretaçãoe desenvolvimentodo Direito orientadosparao fim da lei e o nexo significativo dos institutosjurídicos-, o processo lógico-dedutivoda «Jurisprudênciados conceitos»,preparandoo terreno ao «formalismo»jurídico que viria a prevalecerdurante mais de um século, sem que a contracorrenteintroduzida por JHERING conseguissepor longo tempo sobrepor-se-Ihe.Forma- lismo que, como acentuaWIEACKER (14), constitui «a defini- tiva alienaçãoda ciência jurídica em face da realidade social, política e moral do Direito». Não foi assimpor mero acasoque o movimentocontrapostoarrancou,de início, não do terrenoda filosofia, mas da recentementesurgidaciênciaempíricada reali- dade social, isto é, da sociologia. 2. O «método histórico-natural>. do JHERING da primeira fase Nenhum pensadordo Direito foi, de par com SAVIGNY, de tão grandeimportânciapara a evoluçãoda metodologiajurí- dica como RUDOLF von JHERING. Aberto às mais diversas solicitações,experimentoucomo poucoso desconcertoespiritual do séculoXIX. É sabido que a obra jurídica de JHERING se caracterizapor uma profunda linha divisória (15): enquantono primeiro período da sua criação, sobretudono Geist des r6mis- chen Rechts(Espírito do Direito Romano) e no ensaio introdu- tório aosJheringsJahrbücher,ele não apenasapoiou a Jurispru- dênciados conceitosformal e de construçãode PUCHTA, mas a elevou, inclusivamente, ao seu cume, no segundo período perseguiu-acom sarcasmomordentee procurou substituí-lapor (14) Privatrechtsgeschichte,pág. 401. (15) Em contrário do que vai afirmado, FIKENTSCHER, Methoden des Rechts,voI. IH, pág. 202 e segs.,sublinhaa continuidadede pontos de vista em toda a obra de JHERING. R. OGOREK (cf. supra,nota 5), pág. 221, nota 90, e pág. 228, aponta para que JHERING, apesarda mudançada sua concepçãosobre o conteúdodo Direito, teria mantido inalteradaa suaaceitaçãode uma força produtivada Jurisprudênciarelati- vamenteà formação de novas proposiçõesjurídicas. O que é decisivo, porém, é em que é que consisteesta«força produtiva»nas diversasfases de pensamentode JHERING. 30 umaorientaçãodiferente. Nestemomento,só nos interessao JHE- RING do primeiro período, o seu contributo para a teoria da Jurisprudênciados conceitosformal. Mas convém que desdejá se acentueque, justamentenesteprimeiro período, são visíveis no pensamentode JHERING certos traços que serão decisivos no segundoperíodo:o abandonodascategoriaséticasda filosofia idealista, a que se apegaramtanto SAVIGNY como PUCHTA, e a orientaçãoparao tipo de pensamentodasciênciasda natureza suas contemporâneas.Com efeito, só assim se explicará aquela superaçãodo pensamentológico-formal que então provocou no próprio JHERING a suaviolenta reacçãoe o seurumo parauma Jurisprudênciapragmáticade raiz sociológica. As primeiraspalavrasde introduçãoao Geist des romischen Rechts(16) pouco deixam ainda transparecera esterespeito. «Nós partimos - diz JHERING (I, pág. 12) - da concepção,hoje prevalecente,do Direito como um organismoobjectivo da liber- dade humana» - o que soa a PUCHTA, se não mesmo a STAHL (17). Surpreendenteé já, porém, a afirmação(I, pág. 13) de que, ao falar-se aqui de organismo, se entendeatribuir «ao Direito as qualidadesde um produto da natureza»;e que isto não é um simplesmodo de dizer, mas algo que JHERING toma ao pé da letra, mostram-noas suasulteriores observaçõessobre o queele chamao método«histórico-natural»da ciênciado Direito. Mais espantosoé, todavia, que JHERING comparelogo a seguir e por duasvezes(I, págs.40 e 41) o Direito com uma«máquina», quando par'Ól o pensamentoromântico, em que SAVIGNY tem necessariamentede incluir-se, o «organismo»,quese imaginainfor. mado por uma «força constitutiva» interna, está no pólo oposto do «maquinismo»,que é feito e mantido em movimentopor uma mão alheia. A utilização indiscriminadade imagensque mutua- mentese repelem,como «organismo»e «máquina»,é significativa da despreocupaçãofilosófica de JHERING, sebemque, no geral, ele se atenhaà de organismo(compreendida,evidentemente,em (16) Citamosde acordo com a 1. a edição (ParteI, 1852; PartelI, 2, 1858. (17) SegundoW. PLEISTER, Personlichkeit, Wille und Freiheit im Werke Jherings, 1982, pág. 186, a concepçãode personalidadede JHE- RING patente no «Geist...» é tributária sobretudode STAHL. 31 sentido «naturalístico»),pois a ideia de máquina,mais conforme com o seu modo de pensardo segundoperíodo, assomaneste apenasmarginalmente. A função sistemáticada ciência do Direito, a que, em com- paraçãocom a histórica e a interpretativa,JHERING atribui um «nível superior»,consisteaqui em desmontarcadaum dos insti- tutos e as correspondentesproposiçõesjurídicas nos seus «ele- mentos lógicos», em destilar estesúltimos na sua purezae em deles extrair então, atravésde combinações,tanto as normasjá conhecidascomo normasnovas. O resultadodestadesarticulação e rearticulaçãológica é o de que «a ciência, em vez da imensa multidão dasmais diversasproposiçõesjurídicas,ganhaum número nítido de corpos(!) simples,com quepode,casolhe peçam,recons- tituir de novo aquelasproposições.A vantagem,porém, não se limita apenasa estasimplificação,pois os conceitosconseguidos não são puras decomposiçõesde proposiçõesjurídicas dadas, a partir dasquais, só estasúltimas sepossamreconstruir:vantagem ainda maior reside no incrementoque, atravésdisso, o Direito dectua a partir de si próprio - num crescer desde dentro. «Mediantea combinaçãode elementosdiversos, a ciência pode criar novos conceitose proposiçõesjurídicas: os conceitos são produtivos- acasalam-see geramnovosconceitos»(I, pág. 29). Deixandode lado a última comparação,queobviamentenão pode ser tomadaao pé da letra, verificamosque estaspalavrascontêm um enigma: admitindo-seque, com um maior ou menor número de combinaçõesarbitráriasde conceitosjurídicos singulares,na medidaem que não se excluamuns aosoutros, se podemteorica- mente compor novas proposiçõesque tenhama forma lógica de proposiçõesjurídicas,por que razãodevemestasproposiçõesvaler como Direito? JHERING não faz qualqueresforçoparajustificar a efectivavalidadedessasproposiçõeslogicamentepossíveis;nem estava,de resto, em condiçõesde o fazer, pois, ao contrário de PUCHTA, não arrancade um conceitofundamentalque sejaprévio ao, l?ireito positivo e que a estesirva de alicercemas, pelo con- trano, o seu método de construçãode conceitos, que se asse- melha ao das ciências«exactas»da natureza,repousaexclusiva- mentena indução. Só que não sabemosde nenhumestudiosodas ciênciasda naturezaa quem passassepela
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