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Introdução à FÍSICA QUÂNTICA Lev Vertchenko Larissa Vertchenko 1 “Uma das alegrias de ser estudante de Física consiste na condição de se apreciar a beleza desta teoria e os monumentais avanços que ela nos permite fazer em nossa compreensão das propriedades da matéria”. Stephen Gasiorowicz Os autores deste livro em frente à entrada do Instituto Niels Bohr, da Universidade de Copenhagen, onde Larisa Vertchenko trabalha, e diante da escrivaninha de Niels Bohr, em seu escritório (julho de 2022). 2 SUMÁRIO pág. Capítulo 1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 3 Capítulo 2 – UM MUNDO DIFERENTE ...................................................................................... 6 Capítulo 3 - EVOLUÇÃO DAS IDÉIAS: UM RESUMO MUITO BREVE ......................................... 13 Capítulo 4 - A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER ........................................................................... 25 Capítulo 5 - A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER INDEPENDENTE DO TEMPO .............................. 36 Capítulo 6 - A NOTAÇÃO DE DIRAC ......................................................................................... 55 Capítulo 7 - SISTEMAS DE DOIS NÍVEIS .................................................................................... 65 Capítulo 8 - O ÁTOMO DE HIDROGÊNIO .................................................................................. 80 Capítulo 9 – SPIN ...................................................................................................................... 86 Capítulo 10 - DESCRIÇÃO QUÂNTICA DO EXPERIMENTO DE INTERFERÊNCIA ......................... 94 Apêndice – SOLUÇÕES DAS QUESTÕES .................................................................................. 106 3 CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO O presente material surgiu da organização das notas de aulas que um dos autores, Lev Vertchenko, elaborou para lecionar a disciplina “física quântica” a estudantes de licenciatura em física da PUC-Minas, desde a primeira turma do curso. Posteriormente o trabalho foi enriquecido com a contribuição da sua filha, Larissa Vertchenko, que se deparou com o desafio de abordar conteúdos da teoria quântica com estudantes de áreas tecnológicas na Universidade Técnica da Dinamarca (DTU). Geralmente, estudantes de licenciatura em física contam em seu currículo com apenas um semestre de física quântica, enquanto no bacharelado costumam ser ofertados dois semestres. É consenso que, mesmo contemplando essa disciplina com uma carga curricular extensa, a assimilação da mesma é lenta e difícil. Quais as razões de ser desejável que estudantes de licenciatura em física tenham uma disciplina de física quântica? Podemos afirmar que, sem sombra de dúvida, a verdadeira revolução da física no século 20 deu-se com a física quântica e seu formalismo, que constitui a mecânica quântica. A teoria da relatividade especial, que usualmente também se abriga debaixo do guarda-chuva da física moderna, é na verdade um apêndice à teoria eletromagnética de Maxwell. Assim, ignorar a física quântica é viver somente com a física até o século 19. Toda a microeletrônica da qual usufruímos é fundamentada pela física quântica. É impossível filosofar hoje em dia desconhecendo-se as implicações da física quântica para as noções de realidade. Ciências que se ocupam da mente discutem o seu possível papel na explicação de fenômenos mentais. Isso tudo justifica a pressão que se faz para que as ideias quânticas sejam apresentadas antecipadamente, no ensino médio. Como participar da seleção de seus conteúdos desconhecendo-a? Acreditamos que o nosso trabalho também possa beneficiar estudantes de áreas técnicas que necessitem conteúdos de física quântica, como a engenharia eletrônica ou a ciência dos materiais, cujos currículos, dando ênfase, naturalmente, às suas aplicações, não disponibilizam carga horária ao entendimento do seu formalismo. Em língua portuguesa existem excelentes livros voltados ao tratamento conceitual da física quântica, como os “Conceitos de Física Quântica”, volumes 1 e 2, de Osvaldo Pessoa Jr., ricos em referências sobre o assunto, e o “Quem tem medo da Física Quântica”, de Ramayana Gazzinelli, professor do qual um de nós teve o privilégio de ser aluno na década de 1980. No entanto, uma leitura proveitosa dos “Conceitos de Física Quântica” exige algum domínio do formalismo da teoria, assim como alguma maturidade filosófica. Concordamos com o Prof. Ramayana quando ele afirma no prefácio do seu livro: “Muitos conceitos da mecânica quântica só podem ser compreendidos por meio de seu formalismo matemático, que infelizmente não pode ser substituído por palavras...” Em sua espetacular obra “Lições de Física”, Richard Feynman coloca a seguinte questão: por que não podemos apresentar inicialmente todas as leis ou equações fundamentais da física e a seguir simplesmente não nos ocuparmos de deduzirmos as suas consequências ou aplicações? A resposta é que essas leis ou equações demandam tempo e pré-requisitos ao seu entendimento. 4 Essa é uma das razões da disciplina física quântica ser oferecida ao final da graduação: é desejável que o aluno já esteja familiarizado com a física ondulatória, com os números complexos e com as álgebras linear e vetorial para ancorar o formalismo da mecânica quântica. A outra razão, acreditamos, é o grau de abstração exigido: estranhas ondas associadas ao cálculo de probabilidade, grandezas físicas associadas a operadores, a generalização do espaço vetorial de forma a abrigar a descrição dos estados quânticos, etc. Não é pretensão dessas notas a substituição dos muitos excelentes livros de mecânica quântica, mas eles normalmente se destinam a uma carga horária muito superior à das licenciaturas. Além disso, temos percebido que o estudante costuma submergir em seus cálculos, sobretudo no tratamento dos potenciais quânticos e do átomo de hidrogênio, sem perceber que a teoria quântica, na verdade, se resume a umas poucas regras de álgebra linear. A percepção de que a essência da mecânica quântica está nessas poucas regras é o objetivo destas notas, onde se procura antecipar o uso elegante da notação de Dirac e da expressão de operadores por matrizes. Não nos demoraremos aqui com os potenciais quânticos e nem nos deteremos com o átomo de hidrogênio, assuntos que se encontram muito bem tratados nos diversos livros de mecânica quântica. Apesar do material, obviamente, por seu caráter introdutório, se ocupar da mecânica quântica não-relativística, o seu formalismo pode, com os cuidados adequados, ser estendido também para a descrição quântica de fenômenos luminosos, como a polarização da luz. Os “cuidados adequados” significam que interação do fóton com o material não desce ao nível mais fundamental, já que este exige a teoria da eletrodinâmica quântica, que foge aos propósitos dessas notas. Assim, a ausência de alguns conteúdos que são tradicionalmente abordados em textos introdutórios é compensada, de certa forma, pelo tratamento quântico da luz. Filtros polarizadores de luz são encontrados com facilidade, inclusive os de polarização elíptica (próxima da circular) como os usados nos óculos do cinema 3D. Estes filtros permitem que se façam experiências simples, em sala de aula, que ilustram na prática as previsões estatísticas do formalismo da mecânica quântica. Também não nos deteremos em discussões acerca das interpretações da mecânica quântica, para as quais remetemos o leitor aos já mencionados livros de Osvaldo Pessoa. Ao contrário, procuraremos nos nortear pela filosofia de Feynman, quando ele coloca que uma vez conhecidas as “regras do jogo”,vamos ver o quão longe podemos chegar com elas na explicação dos fenômenos físicos. A propósito do Feynman, faremos aqui adaptações da sua frutífera abordagem de sistemas de dois níveis. Apesar do mesmo usar a notação de Dirac, achamos que algumas coisas em seus textos podem ser simplificadas com as regras de álgebra linear que acompanham a notação. Assimilados os conteúdos expostos nessas notas, acreditamos que o estudante-leitor poderá alçar voos mais altos dentro da mecânica quântica não-relativística, podendo ser atraído às maiores altitudes, como o interessante livro “Quantum Paradoxes”, de Aharonov e Rohrlich. A exposição dos conteúdos dar-se-á em meio a atividades propostas na forma de questões constituídas de exercícios e problemas. Usamos esta estratégia como tentativa de se quebrar uma leitura passiva do material, em acordo com o que a psicopedagogia tem redescoberto, ou seja, a importância de se fazer anotações durante a leitura. É importante frisar que estas atividades não são apenas coadjuvantes da leitura, mas fazem parte do corpo principal das notas, e frequentemente a solução destas é pré-requisito para a exposição seguinte. Sugerimos ao estudante sempre tentar inicialmente resolver as questões por conta própria, sendo que as 5 soluções estão disponibilizadas em material complementar. Disponibilizadas as soluções para os problemas mais complexos, as respectivas questões podem ser abordadas como “exemplos resolvidos”. No capítulo 2 fazemos uma descrição qualitativa do fenômeno de interferência, enfatizando os conceitos de “experimento corpuscular” e “experimento ondulatório”, contidos no princípio da complementaridade de Bohr. O capítulo termina com a apresentação do chocante experimento das bombas de Elitzur-Vaidman, com a intenção de mostrar que o mundo quântico é completamente diferente ao mundo com o qual os estudantes estão acostumados. No capítulo 3 fazemos uma muito breve apresentação das principais ideias na evolução em direção à mecânica quântica com a qual trabalhamos hoje. No capítulo 4 nos inspiramos na mecânica ondulatória de Hamilton-Jacobi para mostrar que a equação de Schrödinger é natural se procuramos associar ondas a partículas. É desejável que o estudante tenha noções da síntese (e análise) de Fourier. No capítulo 5 a equação de Schrödinger independente do tempo é obtida e mostramos como ela deve ser usada no tratamento dos potenciais quânticos. No capítulo 6 introduzimos a notação de Dirac, esforçando-nos em mostrar a semelhança dos estados quânticos com os vetores aos quais os estudantes encontram-se familiarizados, e mostramos a expressão dos operadores por meio de matrizes. Ali aplicamos essa notação à descrição quântica dos fenômenos de polarização da luz. No capítulo 7 aplicamos o formalismo já alcançado no tratamento de um sistema de dois níveis, exemplificado pelo dipolo elétrico da molécula de amônia. Apesar de claramente baseado no texto de Feynman, procuramos simplificar algumas passagens com o uso do formalismo desenvolvido no capítulo anterior. A interação dessa molécula com o campo elétrico oscilante de uma onda eletromagnética permite entender o processo de emissão estimulada do LASER e a regra de transição entre níveis de energia pela absorção de um fóton, postulada por Bohr. No capítulo 8 abordamos a equação de Schrödinger em três dimensões para obter propriedades do operador momento angular e mostramos, de forma bastante resumida, como essa equação leva aos orbitais do elétron no átomo de hidrogênio. No capítulo 9 apresentamos o spin do elétron, enfatizamos a sua semelhança com o operador momento angular e procuramos justificar a necessidade de se usar as matrizes de Pauli na sua descrição. Tendo iniciado o nosso trabalho com a discussão dos aspectos quânticos do experimento de interferência, a ele retornamos no capítulo 10 para, já munidos do formalismo necessário, rediscuti-lo dentro dos quadros da mecânica quântica, concluindo o trabalho. 6 CAPÍTULO 2 – UM MUNDO DIFERENTE Neste capítulo pretendemos mostrar, qualitativamente, que a física quântica nos apresenta um mundo completamente diferente daquele ao qual estamos acostumados. Para isso é conveniente abordarmos o experimento de interferência em uma perspectiva quântica. Bem adiante, no capítulo 10, voltaremos a esse assunto, porém já munidos de um instrumental que permitirá uma descrição formal, quântica, do experimento. O capítulo 1 do volume 3 das “Lições de Física” de Feynman proporciona um excelente texto sobre esse assunto. Nele, Richard Feynman, inclusive, afirma que toda a essência da física quântica já está contida nesse experimento. Com o objetivo de proporcionar o desapego das ideias clássicas no tratamento dos fenômenos quânticos, faremos um “tratamento de choque”, ao concluirmos o presente capítulo com o experimento das bombas de Elitzur-Vaidman. 2.1. Um pouco de ótica física A ótica geométrica, lidando com o conceito de raio luminoso, é capaz de explicar os fenômenos da reflexão e refração. No entanto, ela é incapaz de descrever os fenômenos da interferência e difração, que exigem tratar a luz como onda, no que constitui a ótica física. O conceito de raio aparece aqui como a direção perpendicular à frente de onda, constituída pelo conjunto de pontos da onda que estão em uma mesma fase, como ao longo de uma mesma crista. Por exemplo, ondas planas, em que as cristas são paralelas, correspondem a um feixe de raios paralelos. Antes de partirmos para a abordagem quântica, vamos rever a descrição clássica do experimento de interferência de duas fendas, primeiramente realizado por Thomas Young em 1801. O arranjo experimental utilizado é esquematizado na figura 2.1.a, onde uma fonte de luz incandescente ilumina um anteparo com um minúsculo orifício, que tem como objetivo proporcionar coerência à luz que atravessa as duas fendas. Dizemos que duas fontes são perfeitamente coerentes se as ondas eletromagnéticas provenientes das mesmas mantêm uma diferença de fase constante entre si ao longo do tempo. Fontes incandescentes são ditas incoerentes por difundirem frentes de ondas aleatórias sem relação entre si. No anteparo que serve de tela observamos a distribuição da intensidade luminosa, que é a potência luminosa por unidade de área, constituindo um padrão de interferência, contendo franjas claras e escuras. As franjas claras resultam de uma interferência construtiva, onde as cristas das ondas se somam, enquanto nas franjas escuras ocorre o encontro de cristas com vales, resultando em interferência destrutiva. Na abordagem do experimento pela física ondulatória clássica primeiramente combinamos (somamos) o campo elétrico da onda eletromagnética proveniente de cada fenda para depois calcularmos a intensidade na tela, que é proporcional ao quadrado do campo elétrico resultante em cada ponto. Assim, os máximos de intensidade ocorrem quando a diferença entre os caminhos das fendas à tela constituir um número inteiro de comprimentos de onda, enquanto para os mínimos a diferença entre os caminhos deve ser igual 7 a um número ímpar de meios comprimentos de onda. A figura 2.1.b ilustra o padrão de interferência observado. Figura 2.1. (a) Esquema do arranjo da experiência de fendas duplas de Young com fonte de luz incoerente, onde as linhas sólidas marcam o encontro de duas cristas, promovendo interferência construtiva. (b) Padrão de interferência observado na tela adiante. Atualmente é muito fácil dispormos de um LASER (sigla de light amplification by stimulated emission of radiation), como os apontadores de apresentações, para reproduzirmos esse experimento. LASERs foram disponibilizados a partir da década de 1960. O processo de emissão estimulada da radiação proporciona um feixe de luz capaz de iluminar de forma coerente fendas situadas dentro da sua área transversal.Dessa forma o anteparo com orifício anterior às fendas tornou-se desnecessário, bastando iluminá-las com um feixe de LASER para se observar em uma tela adiante a figura de interferência. 2.2. Aspectos quânticos do experimento de interferência Experimentos de interferência e difração que usam luz constituem assunto da física ondulatória clássica, que será revista ao início do capítulo 10. Assim, o que tais experimentos têm a ver com a física quântica? Experimentos de interferência e difração também podem ser realizados com partículas materiais quânticas como elétrons, nêutrons, etc. A atribuição de características ondulatórias a tais partículas, tornando-as “quânticas”, é um dos principais aspectos da física quântica. O experimento de interferência de duas fendas pode ser realizado enviando-se um feixe de baixíssima intensidade em direção às fendas, constituído de luz ou partículas materiais quânticas, de forma que apenas uma partícula passe pelas fendas de cada vez e marque um ponto na tela de detecção. Não é possível saber onde cada partícula se posicionará 8 individualmente na tela. Essa aleatoriedade presente na física quântica incomodava Einstein, que afirmou “Deus não joga dados.” Para ilustrar tal afirmação, vamos supor que seguramos sobre a mesa um lápis em posição vertical, apoiado sobre sua própria ponta, e ao soltá-lo ele cai em uma direção aleatória. Poderíamos argumentar que essa aleatoriedade poderia ser removida se observássemos os detalhes da ponta do lápis ao microscópio, o que nos permitiria prever a direção em que ele cai. Algo semelhante deveria acontecer com os sistemas quânticos. Ficou famoso o debate entre Einstein, defendendo que a mecânica quântica é incompleta, e Bohr, que defendia sê-la, apesar de seus estranhos aspectos, uma teoria completa, parecendo sair vitorioso o ponto de vista de Bohr. À medida que o número de partículas detectadas vai aumentando, vemos surgir na tela, gradualmente, o padrão de intensidade previsto pela física ondulatória clássica e que caracteriza o experimento de interferência (figura 2.2). Como garantimos anteriormente que apenas uma partícula passa pelas fendas, temos que descartar a hipótese que as partículas se empurram para formar o padrão de interferência. Além disso, as partículas não se esparramam, nem se fragmentam, pois seus fragmentos não são detectados. Mas, então, quem interfere com quem? A resposta a essa pergunta é o “estado quântico” da partícula que sofre interferência. Enquanto a interpretação do estado quântico é dependente da filosofia adotada, como mostram os livros “Conceitos de Física Quântica”, de Osvaldo Pessoa Jr., o seu significado prático, para propósito de cálculos de previsão estatística, constitui o cerne do presente livro. Veremos que o estado quântico nos possibilita fazer uma operação para prever as probabilidades de detecção da partícula na tela. E quando o número de partículas enviado à tela for grande, devemos ver estas probabilidades coincidirem com o que se espera da física ondulatória clássica. Feynman, no primeiro capítulo do volume 3 de seus “Lições de Física”, nos apresenta um excelente texto, que é considerado um clássico, sobre os aspectos quânticos do experimento de interferência. Ele enfatiza que, se tentamos descobrir por qual fenda a partícula passa, o padrão de intensidade característico da interferência é destruído, resultando no padrão que se espera quando são usadas partículas clássicas (figura 2.3). Veremos no capítulo 10 que basta a informação da trajetória da partícula estar disponível para que o padrão de interferência não ocorra. Isto nos leva a classificar os experimentos em duas categorias: experimento “ondulatório”, quando ele não permite saber a trajetória da partícula e ocorre o padrão de interferência, e experimento “corpuscular”, no qual a trajetória da partícula pode ser inferida e não ocorre o padrão de interferência. Com essas definições, o “princípio da complementaridade” de Bohr afirma que um experimento é corpuscular, ou ondulatório, mas não os dois ao mesmo tempo. Além disso, veremos a seguir que experimentos quânticos devem ser considerados em sua totalidade; analisar as partes do experimento separadamente e depois adicionar os resultados da análise não leva a resultados corretos. 9 Figura 2.2. Formação gradual do padrão de interferência, quando as partículas são lançadas uma a uma sobre as fendas. Figura 2.3. Padrão de distribuição das partículas na tela quando a informação da trajetória pode ser obtida pelos detectores de trajetória colocados após as fendas. 10 2.3. O experimento das bombas de Elitzur-Vaidman O arranjo da figura 2.4 retrata o interferômetro de Mach-Zehnder. Ele é constituído de dois divisores de feixe, semi-refletores, que refletem 50% dos fótons incidentes e transmitem os demais, e de dois espelhos, 100% refletores. Os divisores de feixe fazem com que as ondas eletromagnéticas que percorrem os dois braços do interferômetro atinjam o detector 1 com a mesma fase, em interferência construtiva, enquanto acrescentam uma diferença de fase de π entre as ondas que percorrem os dois braços para atingir o detector 2 em interferência destrutiva. Assim, todos os fótons que incidem no interferômetro são detectados no detector 1, e nenhum é detectado no detector 2. Figura 2.4. O interferômetro de Mach-Zehnder, constituído pelos semi-espelhos (ou divisores de feixe) BS1 e BS2, pelos espelhos M1 e M2, e pelos detectores D1 e D2. Ocorre interferência construtiva em D1 e destrutiva em D2. QUESTÃO 2.1: (a) O experimento que usa o interferômetro de Mach-Zehnder é corpuscular ou ondulatório? (b) Se o segundo divisor de feixe for removido, o experimento passa a ser corpuscular ou ondulatório? (c) Na ausência do segundo divisor de feixe, qual é a percentagem de fótons que se espera contar em cada detector? 11 Podemos agora discutir o experimento das bombas de Elitzur-Vaidman, que mostra o quanto é estranho o mundo da física quântica. Imagine bombas cujo detonador, muito sensível, é constituído por um espelho de modo a ser acionado pela reflexão de um único fóton. O fabricante dessas bombas não pode garantir que todas as suas bombas funcionem, e um especialista em demolições necessita de um conjunto de bombas que todas, sem exceção funcionem. É possível imaginar um experimento que permita a obtenção de uma amostra de bombas em bom estado, sem que elas explodam? Pensando em termos clássicos, não é: equivaleria a testar palitos de fósforo riscando-os. Mas vamos supor que substituímos um dos espelhos do interferômetro de Mach-Zehnder pelo espelho do detonador da bomba, como na ilustrado na figura 2.5. Figura 2.5. O interferômetro de Mach-Zehnder com um dos espelhos substituído pelo espelho do detonador de uma bomba. QUESTÃO 2.2: (a) Se a bomba está defeituosa, o experimento é corpuscular ou ondulatório? Nesse caso, quantos fótons devem ser detectados em cada um dos detectores? (b) Se a bomba funciona, o experimento é corpuscular ou ondulatório? (c) Se a bomba não explodir e um único fóton for detectado no detector 2, a bomba funcionará ou é defeituosa? Assim, detectando-se um único fóton no detector 2, desligamos a incidência de fótons sobre o interferômetro e removemos a bomba, que sabemos funcionará. Obviamente uma fração das 12 bombas explodirá durante a realização do experimento, mas conseguiremos obter uma amostra de bombas que teremos a certeza de que funcionarão. Esse experimento mostra que experimentos quânticos possuem um caráter holístico, devendo ser considerados em sua totalidade. A presença de uma bomba em funcionamento fornece indicação da trajetória do fóton e torna o experimento corpuscular, ainda que, estranhamente, nenhum fóton a atinja. 13 CAPÍTULO 3 – EVOLUÇÃO DAS IDÉIAS: UMRESUMO MUITO BREVE A adjetivação “quântica” à física que estamos abordando deve-se à constatação de que grandezas que se supunham contínuas, como os valores da energia da partícula e da carga elétrica, aparecem como múltiplos de uma quantidade elementar, o quantum. Isto faz com que o espectro de valores destas grandezas contenha partes discretas. Estes valores discretos são atributos de elementos como elétrons, átomos, moléculas, etc., que fazem com que a própria matéria seja vista como discreta em sua constituição. Uma grandeza é chamada de “discreta” quando ela pode ser associada a números inteiros, isto é, pode ser contada. Logo, não somente a matéria é discreta, como também podem ser suas propriedades. No capítulo que abre a sua espetacular coleção “Lições de Física”, Feynman coloca a seguinte questão: “Se, em algum cataclisma, todo o conhecimento científico for destruído e só uma frase for passada para a próxima geração, qual seria a afirmação que conteria a maior quantidade de informação na menor quantidade de palavras?” Ele responde que seria a hipótese atómica, em que todas as coisas são feitas de átomos. Hoje já nos acostumamos com a ideia do átomo desde o jardim de infância, mas somente no século 20 essa ideia passou a ser aceita. Na antiga Grécia a hipótese atômica foi proposta por Leucipo e Demócrito com argumentação filosófica, para conciliar o conflito entre a essência das coisas, que deveria ser imutável, com a multiplicidade das coisas que observamos. Os átomos seriam imutáveis e a multiplicidade observada resultaria de combinações diferentes dos mesmos. Modernamente, podemos considerar que a hipótese atômica foi proposta em termos científicos por Dalton, em 1803, explicando as reações químicas como um rearranjo de átomos. Na física, podemos considerar que a hipótese atômica, discretizando a matéria, começa a se estabelecer com os trabalhos de Boltzmann e Maxwell para a explicação de propriedades dos gases, como a pressão, fazendo uma estatística sobre as moléculas que os constituem, e com a formulação estatística da entropia pelo último. (Em 1866 Boltzmann defendeu a “teoria cinética dos gases” como tese de doutorado e a sua formulação estatística para a entropia é de 1877. Em 1873 Maxwell publicou o artigo intitulado “Moléculas”, em que explica a pressão dos gases em termos destes constituintes.) Hoje aceitamos como natural a constituição da matéria por átomos e moléculas, mas a hipótese atomista teve que esperar pelos trabalhos de Einstein (1905) e Smoluchowski (1906) sobre a explicação do movimento browniano para começar a ser aceita. Até então predominava o ponto de vista dos energetistas, de que a matéria, assim como a energia, era contínua, e Boltzmann foi duramente atacado, cometendo suicídio em uma crise de depressão. Mas os átomos também revelaram uma estrutura, constituída por elementos ainda menores, as partículas subatômicas como os prótons, elétrons e nêutrons. Experimentos de colisões em altas energias mostram que os prótons e nêutrons também apresentam uma estrutura, atualmente 14 explicada fazendo uso da combinação de quarks de vários tipos, caracterizados por “cores” e “sabores”. Em 1897 Thomson mostrou que os raios emitidos por um eletrodo negativo, o catodo, aquecido e submetido a uma diferença de potencial elétrico, chamados “raios catódicos”, são constituídos por cargas negativas. Esse experimento marcou a descoberta dos elétrons e em 1904 Thomson propôs um modelo atômico em que os elétrons se distribuiriam dentro de uma esfera de carga positiva como as passas em um pudim. Em 1909, Millikan mostrou que o elétron possui uma carga elementar ao equilibrar com a aplicação de um campo elétrico a força gravitacional de gotículas de óleo eletrizadas. Posteriormente, bombardeando finas folhas de ouro com partículas α, que são núcleos de átomos de Hélio, portanto, cargas positivas, Rutherford observou que algumas partículas sofriam desvios muito superiores aos que poderiam ser explicados se a carga positiva estivesse uniformemente distribuída nos átomos de ouro, e em 1911 mostrou que esses desvios poderiam ser explicados se a carga positiva é encontrada em um volume que corresponde a uma minúscula fração do volume atômico, o núcleo do átomo. É interessante ver como o desenvolvimento posterior do modelo atômico se encontra com o desenvolvimento do estudo da luz. Nos livros de física é comum a introdução à teoria quântica pelo estudo do modelo de Planck, de 1900, sobre a radiação do “corpo negro”. Estamos acostumados com o fenômeno da incandescência, quando corpos a temperaturas altas emitem luz. Em fins do século 19, físicos se voltaram ao estudo de fontes de luz de emissão térmica, sendo o corpo negro, que é constituído por uma cavidade em um certo meio, com uma pequena abertura para o exterior, considerado um emissor térmico ideal. As paredes da cavidade, estando a uma certa temperatura, são constituídas de cargas (prótons e elétrons) em agitação térmica. Estas cargas em agitação, umas sem compromisso com as demais, emitem uma radiação que é rotulada de térmica e que, após um grande número de espalhamentos pela parede da cavidade, acaba saindo pela pequena abertura (figura 3.1). A análise da radiância espectral da luz que sai pela abertura do corpo negro, isto é, da potência por área da abertura, por intervalo de comprimento de onda, revela um perfil como o apresentado na figura 3.2. Figura 3.1. O “corpo negro”. 15 Figura 3.2. Perfis da radiância espectral para três temperaturas do corpo negro. Duas relações associadas a esta radiação eram bem conhecidas: (a) a lei de deslocamento de Wien, relacionando o comprimento de onda na qual a emissão é máxima, λm, à temperatura absoluta T do corpo emissor através da expressão T m -3102,8977685 = (3.1) (para λm em unidade de metro), e (b) a lei de Stefan-Boltzmann, relacionando a potência Pbol (em todos os comprimentos de onda, chamada de “potência bolométrica” em astrofísica) por área A da abertura do corpo negro à temperatura das suas paredes pela expressão 4T A Pbol = , (3.2) onde a constante de Stefan-Boltzmann é 428106697,5 −−−= KWm . A primeira foi derivada em 1893, através da análise da redistribuição de energia em uma cavidade esférica refletora em contração adiabática. Ela implica que o máximo da emissão ocorre em comprimento de onda que vai diminuindo quando se aumenta a temperatura do corpo emissor, o que pode ser constatado observando-se a mudança de cor de uma barra de ferro incandescente. A segunda lei foi obtida experimentalmente por Stefan, em 1879, e deduzida teoricamente por Boltzmann, considerando a cavidade do corpo negro preenchida por um gás de radiação e usando 1ª lei da termodinâmica. A radiância espectral está relacionada à densidade de energia uλ (por intervalo de comprimento de onda dλ em torno de um comprimento de onda λ) da radiação na cavidade através de 16 4 cu R = , (3.3) onde c é a velocidade da luz no vácuo. QUESTÃO 3.1: Considerando que dentro da cavidade a radiação é isotrópica, deduza a equação 3.3. QUESTÃO 3.2. A radiação emitida pela camada da estrela chamada fotosfera é considerada “termalizada”, podendo a parte “contínua” do seu espectro ser adequadamente descrita pela radiação do corpo negro, como mostra a figura 3.3 (a parte contínua apresenta-se “machucada” devido às linhas da absorção da luz pelos elementos presentes na atmosfera da estrela). Nesse caso, substituindo-se, na equação 3.2, a área do orifício pelo qual sai a radiação pela área esférica da superfície da fotosfera pode-se estimar a temperatura dessa camada, que é chamada de “temperatura efetiva” da estrela. O disco do Sol que observamos refere-se à fotosfera. (a) O fluxo luminoso (bolométrico) proveniente do Sol que atinge a Terra é chamado de “constante solar” e vale1360 W/m2. Considere a distância média da Terra ao Sol de 1,5 x 1011 m e determine a luminosidade (potência luminosa) bolométrica do Sol. (b) Sendo o raio do Sol Rʘ = 6,960 x 108 m, determine a sua temperatura efetiva. (c) Use a Lei de Wien, dada pela equação 3.1, para estimar o comprimento de onda no qual é máxima a emissão do Sol e compare-o com o observado. Figura 3.3. A parte contínua do espectro de uma estrela e o seu espectro real. 17 Tratando as ondas eletromagnéticas dentro da cavidade classicamente, como osciladores bidimensionais devido aos dois possíveis estados de polarização das ondas, Rayleigh obteve a densidade de energia no interior da cavidade, por intervalo de frequências dν em torno da frequência ν da radiação, dada por 2 3 8 u kT c = , (3.4) onde T é a temperatura da parede da cavidade e k é a constante de Boltzmann. Na derivação dessa expressão foi calculado o número de possíveis modos de oscilação para o campo eletromagnético confinado à cavidade, por unidade de volume e intervalo de frequências dν em torno da frequência ν, que é 2 3 8 n c = , (3.5) e associada uma energia média de kT a cada modo de oscilação, de acordo com o que se obtém quando o teorema da equipartição da energia da termodinâmica é aplicado a um oscilador harmônico. A relação assim obtida concorda com o perfil da radiância observado para o corpo negro nos comprimentos de onda altos, mas diverge drasticamente nos comprimentos de onda baixos. O problema é que o número de modos de oscilação cresce com a diminuição do comprimento de onda, fazendo a densidade de energia “explodir” para os modos de alta frequência, o que é chamado de “catástrofe do ultravioleta”. Planck, bastante envolvido com o problema de se encontrar um modelo que descrevesse a radiância espectral do corpo negro, percebeu que ele se ajustaria ao observado se no cômputo da energia média para obter a densidade de energia fosse admitido que a energia associada a cada modo de oscilação, de frequência ν, assumisse valores quantizados ...,2,1, == nnhEn (3.6) onde 346,63 10h J s−= passou a ser conhecida como constante de Planck. Observem que a constante h possui a mesma dimensão do momento angular. QUESTÃO 3.3: Calcule o momento angular de uma esfera maciça, homogênea, de massa M = 1,0 kg e raio R = 0,10 m, girando em torno do seu eixo com um período de rotação de T = 0,1 s, e compare o resultado com o valor da constante de Planck. QUESTÃO 3.4: Considere um oscilador macroscópico, constituído por uma partícula de massa M = 0,01 kg presa a uma mola de constante elástica k = 16 N/m e oscilando com a amplitude de A = 1,0 cm. Calcule a energia deste oscilador e quantos pacotes de energia hν ela contém. 18 Usando-se essa quantização da energia juntamente com a distribuição de probabilidades de Boltzmann, a energia média associada a cada modo de oscilação pode ser calculada da seguinte maneira: / 00 / 0 0 / nxnh kT nn nh kT nx n n x h kT d enh e dx E h e e −− == − − = = = = = − Percebendo-se que os somatórios que aparecem nessa expressão são a expansão em série de uma função, isto é, que 0 1 1 n n y y = = − , a energia média pode ser reescrita como ( ) // / 1 1 1 1 1 1 x x x x x x h kTx h kT x h kT d e E h e h h dx e e e − − − − == = = − − = = − − − , ou seja, / 1h kT h E e = − . (3.7) Multiplicando-se essa expressão pelo número de modos de oscilação, por unidade de volume e intervalo de frequências dν, dado pela equação 3.5, chega-se à densidade de energia obtida por Planck, 3 3 / 8 1h kT h u c e = − (3.8) que se mostrou impressionantemente adequada para a descrição da radiância espectral de um emissor térmico. QUESTÃO 3.5: A densidade de energia dada pela equação 3.8 é para a frequência ν, dentro de um intervalo de frequências dν das ondas eletromagnéticas. Obtenha a densidade de energia associada ao comprimento de onda λ, dentro de um intervalo dλ, da radiação do corpo negro, u . QUESTÃO 3.6: Use o resultado do exercício anterior para obter a lei de Wien. QUESTÃO 3.7: Use o resultado do exercício anterior para, juntamente com a equação 3.3, obter a lei de Stefan-Boltzmann. 19 A energia quantizada deveria ser a dos elementos osciladores da parede da cavidade do corpo negro e, portanto, deveria relacionar-se à radiação eletromagnética por eles emitida. Planck publicou essa ideia em 1900 e à época ele era aliado dos energetistas que, como vimos, mantinham uma contenda com os atomistas, sendo-lhe difícil admitir que a matéria seria composta por osciladores elementares e com valores discretos de energia. Assim, ele enxergou a quantização da energia do seu modelo apenas como um artifício para ajustá-lo aos dados experimentais e não se preocupou com a atribuição desta energia a alguma entidade. No entanto, seguiu-se a aplicação frutífera do seu pacote de energia hν a muitas situações importantes para o desenvolvimento da mecânica quântica. Figura 3.4. Arranjo experimental para a observação do efeito fotoelétrico. No efeito fotoelétrico, a luz transfere energia para os elétrons de um metal, podendo arrancá- los e fazer com que circule corrente em um circuito aberto, como ilustrado na figura 3.4. Pode- se aplicar uma diferença de potencial que favoreça ou iniba a circulação da carga. No entanto, foi observado por Hertz em 1887 que luz com o comprimento de onda acima de um determinado valor, que depende do tipo de metal sobre o qual ela incide, não é capaz de arrancar os elétrons, qualquer que seja a sua intensidade. A explicação para isso foi dada por Einstein em 1905, supondo que a luz carrega o pacote de energia proposto por Planck e que a energia cinética máxima que os elétrons do metal podem adquirir pela incidência luminosa é dada pela expressão ,maxKE hf= − , (3.9) em que φ é a “função trabalho”, isto é, a energia de ligação dos elétrons de condução com a rede de íons que constitui o metal (os chamados elétrons “livres” não são completamente livres, 20 mas interagem com o arranjo coletivo de íons positivos dos quais se desprenderam). Assim, o pacote de energia, ao qual o próprio Planck inicialmente não dava importância a qual ente físico estava associado, foi atribuído a uma onda eletromagnética. QUESTÃO 3.8: A função trabalho do alumínio tem o valor de 4,08 eV. Determine o comprimento de onda máximo da onda eletromagnética que é capaz de arrancar elétrons de uma placa de alumínio. Ao contrário do espectro contínuo da radiação térmica, o espectro da luz emitida ou absorvida pelo hidrogênio apresenta linhas discretas, como mostra a figura 3.5. O comprimento de onda dessas linhas espectrais foi descrito por Rydberg em 1888, associando-o aos números inteiros n e m através da expressão 2 2 1 1 1 R n m = − , (3.10) onde R é a constante de Rydberg. Figura 3.5. O espectro do átomo de hidrogênio. Para explicar essas linhas, Bohr em 1913 propôs um modelo em que o elétron orbitava em torno do núcleo do átomo à semelhança de um planeta em torno do Sol. Tratando-se de uma carga que apresenta aceleração centrípeta, de acordo com a teoria eletromagnética o elétron deveria emitir ondas eletromagnéticas e, portanto, perder energia e caminhar em direção a um colapso com o núcleo. Bohr postulou, então, que sob a atração elétrica do núcleo, o elétron deveria descrever órbitas estáveis desde que o seu momento angular orbital fosse quantizado segundo , 1, 2,3,... 2 h l n n = = (3.11) 21 ou, introduzindo a notação 2 h = , l n= . A passagem do elétron de uma órbita a outra se daria pela absorção ou emissão de luz carregando o pacote deenergia de Planck, sendo a diferença de energia das órbitas dada por E h = . (3.12) Assim, além de reforçar a ideia do pacote de energia transportado pela luz, mais uma grandeza passa a ser quantizada: o momento angular, apesar do modelo de Bohr prever valores incorretos para essa grandeza (pelo modelo de Bohr, a órbita de menor energia do elétron deveria ter momento angular , mas posteriormente se verificou que o momento angular orbital dessa órbita é nulo). QUESTÃO 3.9: Use o modelo de Bohr para obter a equação 3.10 e, com isso, a constante de Rydberg como 4 2 3 08 em eR ch = , onde me e e são, respectivamente, a massa e o módulo da carga do elétron, e ε0 é a constante de permissividade elétrica do vácuo. Considere, para simplificar, que o centro de massa do sistema encontra-se exatamente no núcleo de carga positiva. A equação 3.12, postulada por Bohr, pode ser estendida para qualquer sistema cuja transição de energia ocorra pela absorção ou emissão de um fóton. Assim, análises do espectro eletromagnético permitem detectar transições de energia em átomos ou moléculas. Veremos no capítulo 7 que essa equação encontrará uma explicação natural dentro do quadro da mecânica quântica. QUESTÃO 3.10: De acordo com a eletrodinâmica, uma espira conduzindo corrente comporta-se como um magneto, possuindo um dipolo magnético que, na presença de um campo magnético B , apresenta uma energia de interação com o campo U B= − . Esse dipolo magnético está orientado perpendicularmente à superfície limitada pela espira e, sendo A a área dessa superfície e i a corrente na espira, tem o módulo iA = . Considere que no modelo de Bohr o elétron se comporte como uma espira conduzindo uma corrente e i T = , onde T é o período orbital do elétron. Mostre que as órbitas do elétron têm um dipolo magnético de módulo 2 e e n m = . A quantidade 2 e e m é chamada de “magneto de Bohr”. Anteriormente vimos que uma onda eletromagnética carrega o pacote de energia de Planck. Além disso, ela pode também se comportar como uma partícula material em colisões 22 semelhantes às das bolas de bilhar. Em 1923 Compton observou que ao incidir raios-X sobre elétrons que estão praticamente livres (elétrons das camadas externas de átomos pesados) o comprimento de onda da radiação espalhada depende do seu ângulo em relação à direção da radiação incidente. A descrição desse espalhamento pode ser obtida tratando-o como uma colisão elástica dos fótons com os elétrons, porém considerando a energia relativística, resultando em 1 0 (1 cos ) e h m c − = − , (3.13) onde λ0 é o comprimento de onda da radiação incidente, λ1 é o comprimento de onda da radiação espalhada, ϴ é o ângulo entre as direções das radiações incidente e espalhada, e h/mec é chamado de “comprimento de onda Compton” (λC) do elétron. Veremos adiante que λC representa o limite inferior para a escala em que a mecânica quântica não-relativista pode ser aplicada. QUESTÃO 3.11: Obtenha a relação da equação 3.13 tratando o espalhamento Compton como uma colisão elástica entre um fóton e um elétron, usando a expressão relativística para a energia do elétron. Assim, o que é considerado onda, a luz, carrega um pacote de energia e pode se comportar como bolas de bilhar em colisões, reforçando a ideia de seu caráter também corpuscular. Pode-se então perguntar, será que as partículas materiais não terão também características ondulatórias? A ótica geométrica lida com o conceito de raio luminoso, abordando os fenômenos da reflexão e difração, enquanto a ótica física trata a luz como onda para explicar os fenômenos da interferência e difração. Sabemos que a ótica geométrica é o caso particular da ótica física quando o comprimento de onda da luz tende a zero, isto é, é muito menor que as outras dimensões envolvidas. Procurando fazer analogia com o que acontece na ótica, no século 19 foi elaborada a teoria de Hamilton-Jacobi, em que deveria haver também uma mecânica ondulatória da qual a mecânica newtoniana emergiria como caso limite: as trajetórias das partículas estariam relacionadas às suas ondas de forma análoga à que os raios luminosos se relacionam às ondas luminosas. Chegaram, inclusive, muito próximo da equação de Schrödinger, com a qual trabalhamos hoje, para a qual faltou um ingrediente indispensável, que foi proporcionado por de Broglie. Conhecendo a teoria de Hamilton-Jacobi, em 1924, em sua tese de doutorado, Louis de Broglie propôs que partículas materiais possuem um comprimento de onda dado por DB h p = , (3.14) 23 sendo p = mv o (módulo do) momento linear da partícula. Esse caráter ondulatório foi verificado em 1927 pelo experimento de difração de elétrons pelo níquel cristalino de Davisson e Germer. QUESTÃO 3.12. Pela equação 3.13 também devemos ter um comprimento de onda. Por que não difratamos ao atravessar uma porta? QUESTÃO 3.13. Qual deve ser a diferença de potencial elétrico que deve ser aplicada para acelerar um elétron a partir do repouso de modo que ele apresente um comprimento de onda de 1 angstron, que é a ordem de grandeza da dimensão atômica e dos espaçamentos inter- atômicos em sólidos? QUESTÃO 3.14. Mostre que usando-se as equações 3.11 e 3.14 as órbitas do elétron no modelo de Bohr podem ser interpretadas como ondas estacionárias sobre o seu perímetro. Muito bem, partículas materiais apresentam um comprimento de onda, mas que ondas são essas? Qual é a propriedade que se propaga com essas ondas? A resposta a essas perguntas começa a ser respondida por Schrödinger, que havia inicialmente desprezado a proposta de de Broglie, mas que em seguida a usou na elaboração da sua equação, publicada em 1926, que deveria descrever a onda associada a uma partícula material. Para uma partícula de massa m localizada sobre o eixo x, a equação de Schrödinger escreve-se como 2 2 2 ( , ) ( , ) ( , ) 2 x t V x t i x t m x t − + = , (3.15) onde i é o número imaginário (i2 = -1), V é a energia potencial à qual a partícula está submetida e Ψ é chamada de “função de onda”. Apesar da equação de Schrödinger parecer muito estranha em um primeiro contato com ela, no próximo capítulo veremos que essa equação é natural se pretendemos associar uma onda a uma partícula, de forma que essa onda resulte no pacote de energia de Planck e obedeça à relação dada pela equação 3.14. Inicialmente Schrödinger tentou interpretar a onda da sua equação como se a partícula se espalhasse pelo volume da onda, o que não era razoável, pois se assim o fosse, seria possível cortar um pedaço da onda do elétron e obter um pedaço do mesmo. Foi Max Born que elaborou a interpretação estatística para a mecânica quântica, onde a função de onda é um instrumento de cálculo para probabilidades, ficando a probabilidade de encontrar a partícula em um intervalo dx em torno de uma posição x dada por dP dx= , (3.16) o asterisco (*) indicando o complexo conjugado da função de onda. 24 É importante mencionarmos que, paralelamente, Heisenberg apresentou a sua mecânica quântica na forma matricial e que Schrödinger e Dirac mostraram fazer as mesmas previsões da mecânica quântica ondulatória de Schrödinger. Foi Dirac, inclusive, que tornou elegante o formalismo da mecânica quântica, colocando-o no formato que hoje estudamos. Apesar da função de onda representar uma estranha onda, envolvendo números complexos e estando associada a probabilidades, ainda assim o seu estudo pode ser ancorado nas ideias que temos das ondas. Logo, começaremos o estudo da mecânica quântica pela equação de Schrödinger. 25 CAPÍTULO 4: A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER Seja 𝑦 uma propriedade que se propaga com um pulso ao longo da direção x. Este pulso apresenta a sua forma constante, não dependendo do tempo, no referencial S’, que se propagajunto com ele. Usando as transformadas de Galileu, que relacionam as coordenadas do sistema em que o pulso é observado propagando-se com uma velocidade 𝑣 às coordenadas do sistema que se propaga junto com o pulso, ele pode ser descrito pela expressão 𝑦 = 𝑓(𝑥′) = 𝑓(𝑥 ± 𝑣𝑡), (4.1) em que o sinal “+” está associado à propagação no sentido negativo e o sinal “-“ à propagação no sentido positivo. Desejando expressar um trem de ondas periódico propagando-se, podemos usar a mesma expressão, 𝑦 = 𝑓𝑃(𝑥 ± 𝑣𝑡), (4.2) em que na função acrescentamos o índice “P” para indicar tratar-se de função periódica. O argumento da função na equação 4.2 possui a dimensão de comprimento. No entanto, é usual escrevermos o argumento de funções periódicas na forma adimensional. Para isso fazemos uso da frequência angular, 𝜔 = 2𝜋 𝑇 e do número de onda 𝑘 = 2𝜋 𝜆 , onde T e λ são, respectivamente, o período e o comprimento de onda do trem de ondas. A velocidade de sua propagação escreve- se como 𝑣 = 𝜔 𝑘 e a expressão que o descreve fica 𝑦 = 𝑓𝑃(𝑥 ± 𝜔 𝑘 𝑥), (4.3) ou 𝑦 = 𝑓𝑃 [ 1 𝑘 (𝑘𝑥 ± 𝜔𝑡)] , (4.4) onde notamos que os termos entre parêntesis são adimensionais. Fazendo a conversão de notação que acompanha a mudança de variável, ( )F f k = , ficamos com 𝑦 = 𝐹𝑃(𝑘𝑥 ± 𝜔𝑡). (4.5) No entanto, em física ondulatória trabalhamos com o vetor número de onda, �⃗� , orientado na direção de propagação da onda e contribuindo para a sua fase por meio do produto escalar com o vetor posição, �⃗� ∙ 𝑟 . Para mantermos coerência com essa descrição, se desejamos usar a letra “𝑘” para o módulo do número de onda (𝑘 > 0), a propagação de uma onda na direção negativa do eixo x deverá conter em sua fase o termo – 𝑘𝑥. Dessa forma devemos usar o sinal “-“ em frente ao termo 𝜔𝑡 na expressão acima, ficando um trem de ondas propagando-se na direção negativa do eixo x descrito por 𝑦 = 𝐹𝑃(−𝑘𝑥 − 𝜔𝑡) . (4.6) 26 Essa alteração de sinal é justificada através da conversão de notação F( ) ( )F = − , da qual obtemos a expressão 𝑦 = F (𝑘𝑥 + 𝜔𝑡), (4.7) que é compatível com a escolha do sinal “+” em frente ao termo 𝜔𝑡 na equação 4.5 para indicarmos a propagação das ondas na direção negativa do eixo x. Olhando para as equações 4.5 e 4.6 e seus significados, vemos que fica cômodo mantermos o sinal “-“ diante do termo 𝜔𝑡 para ambos os sentidos de propagação da onda, mas considerando a natureza vetorial do número de onda (usando 𝑘 < 0 para a propagação no sentido negativo). Resumindo, qualquer que seja o sentido de propagação do trem de ondas ao longo do eixo x, podemos expressá-lo por 𝑦 = 𝐹𝑃(𝑘𝑥 − 𝜔𝑡), (4.8) ficando o sentido determinado pelo valor positivo ou negativo de 𝑘. Toda esta discussão parece ser supérflua e poderia até mesmo ser evitada se levássemos em consideração a descrição tridimensional das ondas, que faz uso do vetor �⃗� . Porém, é usual iniciarmos o estudo da equação de Schrödinger com o caso unidimensional, em que a partícula está localizada ao longo do eixo x. Sendo necessária uma descrição que contemple ondas propagando-se em qualquer direção, o desenvolvimento a seguir fará uso da expressão da equação 4.8 pelas razões já expostas. Além disso, como veremos adiante, o sentido de propagação do fluxo de probabilidade dependerá também de 𝑘 e prestar atenção à natureza vetorial deste será útil. QUESTÃO 4.1: Mostre que a expressão dada pela equação 4.8 é solução da “equação da onda” 2 2 2 2 2 1y y x v t = , onde v k = é a velocidade de propagação da onda. Vamos supor que desejamos associar, de alguma forma, uma onda a uma partícula. Uma onda perfeitamente monocromática, isto é, com um único número de onda k bem definido não serve se desejarmos que a partícula seja razoavelmente localizada, pois essa onda monocromática oscila por igual sobre todo o eixo das posições, como mostra a figura 4.1.a. Se a onda associada à partícula permitir a localização da mesma, com uma incerteza δx, devemos ter algo como o “pacote de onda” da figura 4.1.b. 27 Figura 4.1. (a) Uma onda perfeitamente monocromática e (b) um pacote de onda, com a incerteza δx de localização da partícula. Tal pacote de onda pode ser descrito por um somatório de ondas senoidais e cossenoidais de diferentes números de onda e, portanto, de diferentes comprimentos de onda, que é conhecido por “síntese de Fourier”, representada por ( , ) [ sen( ) cos( )]k k k k k Y x t A kx t B kx t = − + − , (4.9) onde, em um processo inverso, dado o pacote, os coeficientes Ak e Bk são determinados por meio do método conhecido como “análise de Fourier”. A figura 4.2 ilustra graficamente como gradativamente pacotes de onda vão surgindo à medida que são adicionadas ondas de k’s diferentes. Figura 4.2. Adição de duas senóides com comprimentos de onda diferentes. 28 As equações diferenciais relacionam derivadas. Vamos, então, obter derivadas espaciais e temporais da função dada pela equação 4.9, para depois compará-las: ( , ) [ cos( ) sen( )]k k k k k Y x t k A kx t B kx t x = − − − (4.10) 2 2 2 ( , ) [ sen( ) cos( )]k k k k k Y x t k A kx t B kx t x = − − + − (4.11) ( , ) [ cos( ) sen( )]k k k k k k Y x t A kx t B kx t t = − − − − (4.12) e assim por diante. A relação entre ωk e k é conhecida como relação de dispersão. Observando as equações acima, notamos que se usarmos uma relação de dispersão e adequarmos os coeficientes Ak e Bk talvez consigamos obter uma relação linear entre essas derivadas. No capítulo anterior vimos que o pacote de energia de Planck é escrito como 2 2 h E h = = = , (4.13) enquanto a relação de de Broglie implica em um momento linear da partícula dado por 2 2 h h p k = = = . (4.14) A energia de uma partícula livre é a sua energia cinética, 2 21 2 2 K p E E mv m = = = . (4.15) Se usarmos as equações 4.13 e 4.14 na equação 4.15, obtemos a relação de dispersão 2 2 k k m = (4.16) correspondente a uma partícula livre com características ondulatórias. Se usarmos essa expressão para ωk na equação 4.12 teremos 2( , ) { [ cos( ) sen( )]} 2 k k k k k Y x t k A kx t B kx t t m = − − − − (4.16) e, observando a equação 4.11, ficamos tentados a substituir o que está dentro das chaves na equação 4.16 pela derivada espacial segunda da equação 4.11, na esperança que os coeficientes Ak e Bk possam ser ajustados. Mas a comparação dos termos que contém os senos e cossenos nas equações 4.16 e 4.11 implica em Ak = Bk e Ak = -Bk, condição que não pode ser satisfeita para coeficientes não nulos. Não querendo descartar completamente a ideia de relacionar a equação 29 4.16 com a derivada espacial segunda da equação 4.11, vamos tentar fazê-lo acrescentando um fator C, ficando 2 2 ( , ) ( , ) 2 Y x t Y x t C t m x = (4.17). Agora a comparação dos termos com senos e cossenos implica em Ak = CBk e Bk = -CAk, condição que pode ser satisfeita se o fator C é o número imaginário i (i2 = -1). Fazendo C = i na equação 4.17 e multiplicando os dois lados da equação por iħ, chegamos em 2 2 2 ( , ) ( , ) 2 i Y x y Y x t t m x = − , (4.18) e fazendo a identificação Y = Ψ, chegamos na equação de Schrödinger para a partícula livre, que é a equação 3.14 do capítulo anterior com a energia potencial da partícula V = 0. Vemos, portanto, que as relações de Planck e de Broglie das equações 4.3 e 4.4 são ingredientes indispensáveis para a obtenção da equação de Schrödinger usando considerações da mecânica ondulatória. Se essas relações estivessem disponíveis à época da formulação da mecânica ondulatória da teoria de Hamilton-Jacobi, muito provavelmente se teria chegado à equação de Schrödinger ainda no século 19 (e, obviamente, ela nãoreceberia esse nome). A mecânica quântica permite fazer previsões estatísticas sobre medições de grandezas físicas. Nessa teoria, as grandezas físicas passíveis de medição são associadas a operadores. Operadores são entes matemáticos que atuam sobre uma função, transformando-a em outra função. Alguns exemplos de operadores: 2. ( ) 2 ( ) 3 . ( ) 3 ( ) . ( ) ( ) A Af x f x B x Bf x x f x d d C Cf x f x dx dx = = = = = = A previsão da mecânica quântica para o valor médio que um conjunto de medidas deve apresentar é obtida fazendo-se um “sanduíche” com o operador correspondente à grandeza física medida e a função de onda, na forma ( ) ( , ) ( , )A t dx x t A x t + − = (4.19) Cabe aqui uma importante observação. Se x refere-se à posição de uma partícula, nessa representação x não varia com o tempo; x refere-se à numeração do eixo das posições e não muda. O que varia com o tempo é o valor médio do operador x, cuja evolução temporal é governada pela evolução temporal da função de onda 30 ( ) ( , ) ( , )x t dx x t x x t + − = . (4.20) Essa evolução temporal do valor médio, governada pela evolução temporal da função de onda, ocorre na representação de Schrödinger. Na representação de Heisenberg é o operador que evolui com o tempo. De alguma forma, as grandezas da mecânica clássica devem emergir da mecânica quântica, em acordo com o chamado “princípio da correspondência”. Desse modo, ao momento linear de uma partícula é adequado associar um operador com valor médio dado por d p m x dt = , (4.21) ou, fazendo uso da equação 4.20, p m dx x x t t + − = + . (4.22) Por enquanto estamos considerando a partícula livre. A equação de Schrödinger para a partícula livre, 2 2 2 ( , ) ( , ) 2 x t i x t m x t − = (4.23) permite obter 2 22 i t m x = (4.24) e, consequentemente, 2 22 i t m x = − . (4.25). Inserindo as derivadas temporais, dadas pelas equações 4.24 e 4.25, na equação 4.22, temos 2 2 2 22 p dx x x i x x + − = − . (4.26) QUESTÃO 4.2: (a) Mostre que uma integração por partes da equação 4.26, juntamente com a condição 0 x= = (se a partícula encontra-se em uma região finita do eixo x, ela não está no infinito) resulta em .p dx i x + − = 31 (b) Lembrando que p dx p + − = , qual deve ser a expressão do operador momento linear? Na mecânica clássica o hamiltoniano de uma partícula livre é simplesmente a sua energia cinética, 2 2 livre p H m = . Sendo o operador momento linear p i x = , se aplicarmos o princípio da correspondência devemos ter 2 2 2 2 1 1 2 2 2 2 livre p H pp m m m i x i x m x = = = = − e notamos que a equação 4.23 assume a forma ( , ) ( , )livreH x t i x t t = . (4.27) Se a partícula não está livre, isto é, se está submetida a uma energia potencial V, é natural acrescentarmos ao hamiltoniano da partícula livre a energia potencial, ficando o operador hamiltoniano dado por 2 2 22 livreH H V V m x = + = − + . (4.28) OBSERVAÇÃO: Em física, e em particular na mecânica quântica, trabalha-se também no espaço do momento linear. Porém, no espaço das posições x, operadores que são função de x apenas, como a energia potencial, atuam sobre as funções apenas multiplicando-as: ( ) ( ) ( )Vf x V x f x= . Como estamos operando no espaço das posições, pudemos fazer simplesmente V V= na equação 4.28. Substituindo, então, na equação 4.27 o operador hamiltoniano da partícula livre pelo hamiltoniano dado pela equação 4.28, ficamos com 2 2 22 H V i m x t = − + = , (4.29) que é a equação de Schrödinger completa (equação 3.14 do capítulo anterior), adequada para o caso unidimensional que descreve uma partícula sobre o eixo x: 2 2 2 ( , ) ( , ) ( , ) 2 x t V x t i x t m x t − + = . 32 QUESTÃO 4.3: Mostre que mesmo se usarmos a equação de Schrödinger completa para obtermos as derivadas temporais da função de onda e de sua conjugada, presentes na equação 4.22, juntamente com a condição da energia potencial ter valores reais (V*=V), como deve ser, chegamos à mesma expressão para o operador momento linear, p i x = . Enquanto na mecânica quântica relativística partículas podem ser criadas do vácuo ou aniquiladas, uma característica importante da mecânica quântica não-relativística, aqui tratada, é que nela não ocorre o surgimento, nem o desaparecimento, da partícula. Portanto, a probabilidade total de se encontrar a partícula é sempre 100%, cuja expressão para o caso unidimensional da partícula poder ser encontrada somente sobre o eixo x, ∫𝑑𝑃 =∫ 𝑑𝑥𝛹∗𝛹 +∞ −∞ = 1 (4.30) é chamada de “condição de normalização da função de onda”. O produto Ψ*Ψ é chamado de “densidade de probabilidade”. Na teoria eletromagnética existe uma “equação da continuidade” associada à conservação da carga. Somente podemos alterar a carga total dentro de um volume limitado por uma superfície fechada introduzindo ou retirando cargas desse volume. O processo de transportar carga pela superfície fechada é descrito pelo fluxo do vetor densidade de corrente ( j ) pela superfície fechada. Assim a variação da carga total Q dentro de um volume V limitado por uma superfície fechada S se expressa como V S dQ dV j da dt t = = − (4.31) onde ρ é a densidade volumétrica de carga, da é o elemento de área, perpendicular à superfície S e apontando para fora dela, e o sinal “menos” leva em conta que um fluxo de j para fora da superfície diminui a carga dentro dela. Aplicando o teorema da divergência no último termo, fazendo ( ) S V j da j dV = , chegamos à expressão j t = − , (4.32) que é conhecida como “equação da continuidade” para a carga elétrica. De forma análoga, já que a probabilidade também se conserva, deve também existir uma equação da continuidade na mecânica quântica, relacionando a densidade de corrente de probabilidade j à densidade de probabilidade Ψ*Ψ. Isto é, se a probabilidade de encontrar a partícula varia dentro de uma região fechada, isso se deve ao fluxo de j para dentro ou fora dessa região. 33 QUESTÃO 4.4: (a) Para o caso unidimensional, a equação da continuidade, dada pela equação 4.32, escreve-se como j x t = − . Sendo a densidade de probabilidade = , use a equação de Schrödinger para a partícula livre, relacionando as derivadas espacial e temporal da função de onda, para mostrar que a densidade de corrente de probabilidade é * * 2 j im x x = − . (4.33) (b) Mostre que mesmo para o caso da partícula submetida a uma energia potencial V, a expressão para a densidade de corrente de probabilidade acima mencionada continua sendo compatível com a equação da continuidade, contanto que a energia potencial seja real, isto é, V = V* (como deve ser mesmo). Uma importante consequência da definição acima para a densidade de corrente de probabilidade é que a função de onda deve ser necessariamente espacialmente contínua. Como a expressão para j, dada pela equação 4.33, envolve uma derivada espacial da função de onda e de seu complexo conjugado, se houver uma descontinuidade da função de onda em alguma posição, aparecerá uma derivada de módulo tendendo a infinito naquele ponto, implicando em uma densidade de corrente de probabilidade infinita naquela posição, o que não é razoável. Além da previsão do valor médio para um conjunto de medições de uma grandeza física, a mecânica quântica permite também a previsão da sua incerteza. De forma semelhante ao que se faz na estatística clássica, a incerteza ΔA prevista para a grandeza A (associada ao operador Ã) está relacionada à sua variância através da expressão( ) ( ) 22 A A A = − . (4.34) OBSERVAÇÃO: Na estatística a variância é o quadrado do desvio padrão. QUESTÃO 4.5: Mostre que a variância também pode ser escrita como ( ) 2 22A A A = − . Na mecânica quântica a comutação de operadores (ou operador comutação), definida por ,A B AB BA = − , tem grande importância. Usando-se a álgebra de operadores, pode-se mostrar que o produto das variâncias de dois operadores com valores médios dados por números reais obedece à desigualdade 34 ( ) ( ) 22 2 1 , 4 A B i A B . (4.35) QUESTÃO 4.6: Mostre que ,p x i = . QUESTÃO 4.7: Mostre que com a relação de comutação ,p x i = , a desigualdade 4.35 implica na relação de incerteza de Heisenberg 2 p x . QUESTÃO 4.8: Vimos que a álgebra de operadores prevê uma relação entre a incerteza da posição e a incerteza do momento linear dada por 2 px . Na presente sequência de exercícios mostraremos que o mínimo desta relação, 2 , ocorre para uma função de onda gaussiana. Serão necessárias as integrais: − − =dxe x 2 3 2 2 122 − − − − = −= dxedxex xx 0 2 − − =dxex x . (a) Considere uma função de onda gaussiana 2xeC −= , em que as constantes C e α são reais. Obtenha o valor da constante C para que esta função fique normalizada, em acordo com a condição expressa pela equação 4.30. (b) Calcule x , 2x e determine a incerteza x . (c) Sendo o operador xi p = , calcule p , 2p e determine a incerteza p . (d) Faça o produto px e analise o resultado perante a relação de Heinsenberg acima mencionada. 35 Uma importante consequência da relação expressa pela equação 4.35 é que as medições de grandezas físicas associadas a operadores que não comutam estarão sujeitas a relações de incerteza semelhantes à de Heisenberg e trarão consigo necessariamente incertezas de valor mínimo determinadas por essas relações. QUESTÃO 4.9: Grosso modo, a extensão x de um pacote de onda como o da figura 4.1(b) está relacionada à faixa de números de onda k que são usados para construí-lo através de 1x k . Mostre que essa relação leva à relação de incerteza de Heisenberg quando se faz uso da relação de de Broglie, expressa pela equação 4.14. 36 CAPÍTULO 5 – A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER INDEPENDENTE DO TEMPO Para que a equação de Schrödinger possa prever as energias acessíveis à partícula é conveniente descrevê-la em uma forma em que a parte com dependência espacial fica separada da parte com dependência temporal. Se a energia potencial da partícula é apenas uma função da posição, V = V(x), vamos tentar obter uma função de onda que possa ser fatorada em uma parte espacial e outra temporal, isto é, ( , ) ( ) ( )x t x t = . Com isso, a equação de Schrödinger é escrita como 2 2 2 ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 2 x t V x x t i x t m x t − + = (5.1) que, com a atuação da derivada espacial na parte espacial e da derivada temporal na parte temporal, fica 2 2 2 ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 2 d d t x V x x t i x t m dx dt − + = . (5.2) Dividindo-se todos os termos pelo produto ( ) ( )x t ficamos com o lado esquerdo como função apenas da variável espacial e o lado direito como função apenas da variável temporal: 2 2 2 1 1 ( ) ( ) ( ) 2 ( ) ( ) d d x V x i t m x dx t dt − + = . (5.3) Se uma função que depende apenas da coordenada espacial é igual a outra função que depende apenas da coordenada temporal, isto é, se F(x) = G(t), ambas as funções não podem depender nem de x, nem de t, ou seja, têm que ser iguais a uma constante. Para a equação 5.3 vamos chamar intencionalmente essa constante de E. Assim, a parte temporal fica 1 ( ) ( ) d i t E t dt = , ou ( ) ( ) d iE t t dt = − , (5.4) cuja solução é simplesmente /( ) ( 0) iEtt t e −= = , (5.5) como pode ser facilmente verificado. Já a parte espacial fica 37 2 2 2 1 ( ) ( ) 2 ( ) d x V x E m x dx − + = , ou 2 2 2 ( ) ( ) ( ) 2 d V x x E x m dx − + = , (5.6) onde no termo entre parêntesis reconhecemos o operador hamiltoniano dado pela equação 4.28 do capítulo anterior, isto é, ( ) ( )H x E x = . (5.7) Quando um operador atuando em uma função resulta em um número que multiplica a função, a função é chamada de autofunção desse operador, e o número é o autovalor desse operador, correspondente à sua autofunção. Vemos que a equação 5.7 representa justamente esse caso para o operador hamiltoniano, e a interpretação que é dada para os seus autovalores é que eles constituem as possíveis energias da partícula. QUESTÃO 5.1: Mostre que a função /( ) ipxx e = é autofunção do operador momento linear. Qual é o auto-valor correspondente? QUESTÃO 5.2: Mostre que a função /( ) ipxx e = é autofunção do operador hamiltoniano da partícula livre (V = 0). Qual é o auto-valor correspondente? Enquanto não mostramos como se calculam as autofunções do hamiltoniano para uma partícula que não está livre, por estar submetida a uma energia potencial, vamos discorrer sobre alguns aspectos gerais envolvendo tais funções. Antes de medirmos a energia da partícula, ela pode estar em uma superposição de estados descritos por autofunções correspondentes a diferentes energias, de forma análoga à de uma partícula em um experimento ondulatório, no qual parece haver uma superposição de “algo” passando por diferentes trajetórias e depois interferindo. Sendo Ψi(x) a autofunção do hamiltoniano correspondente à energia Ei, isto é, ( ) ( )i i iH x E x = , essa superposição escreve-se, para um certo tempo ta, como 1 1 2 2( , ) ( ) ( ) ( ) ( ) ... ( ) ( )a a a i a i i x t c t x c t x c t x = + + = . (5.8) Uma regra da maior importância: a probabilidade de uma medição nesse tempo ta resultar em uma das energias, por exemplo Ej, é dada por *( ) ( ) ( )j a j a j aP t c t c t= , (5.9) 38 e, logo após a medição, a superposição “colapsa”, ficando a função de onda dada pela autofunção correspondente à energia encontrada Ej: medição i i j i c = → Do mesmo jeito que a função de onda anterior à medição obedece à condição de normalização descrita pela equação 4.30 do capítulo anterior, as autofunções do hamiltoniano também devem, cada uma, obedecer a essa mesma condição, já que a partícula será encontrada em uma delas após a medição: * 1i idx + − = . (5.10) Mostraremos adiante que, como as energias são números reais e, portanto, o operador hamiltoniano pertence à categoria dos operadores “hemitianos”, as autofunções correspondentes a energias diferentes obedecem à “condição de ortogonalidade”: * 0i jdx + − = (se i jE E ). (5.11) Assim, as autofunções do hamiltoniano são chamadas de “ortonormais”, isto é, obedecem à condição de normalização dada pela equação 5.10 e à condição de ortogonalidade, dada pela equação 5.11. Essas duas condições podem ser escritas em uma mesma expressão como * ,i j i jdx + − = , (5.12) onde o símbolo ,i j é chamado de “delta de Kronecker”, valendo 1 quando i = j e sendo nulo quando i j . QUESTÃO 5.3: Seja a função de onda constituída por uma superposição de autofunções i do hamiltoniano, i i i c = . (a) Mostre que a condição de normalização de implica em * 1i i i c c = e interprete o resultado. (b) Mostre que *i ic dx + − = . QUESTÃO 5.4: Seja a mesma função de onda i i i c = da questão anterior descrevendo o estado da partícula. Calcule o valor médio do operador hamiltoniano para esse estado e interprete o resultado. 39 Vamos supor que a função de onda está em um estado de superposição descrito pela equação 5.8 e, para simplificar, consideraremos o tempo ta = 0, ficando 1 1 2 2( ,0) (0) ( ) (0) ( ) ... (0) ( )i i i xc x c x c x = + + = . (5.13) Como cada uma das autofunções do hamiltoniano tem a evolução temporal na forma da equação 5.5, em um tempo t > 0 a função de onda evolui de acordo com 1 2 // / 1 1 2 2( , ) (0) ( ) (0) ( ) ... (0) ( ) iiE tiE t iE t i i i x t c e x c e x c e x −− − = + + = , (5.14) ou seja, os coeficientes da expansão da função de onda em termos das autofunções do hamiltoniano ficam dados por / ( ) (0) i iE t i ic t c e − = . (5.15) Ora, a regra para cálculo da probabilidade de encontrar uma das energias, dada pela equação 5.9, deve valer para qualquer tempo, pois as leis da física não podem depender do instante em que se resolveu começar a cronometrar o tempo. Assim, a probabilidade de encontrar a energia Ei em um tempo t > 0 é ( ) * / /* *( ) ( ) ( ) (0) (0) (0) (0) (0)i i iE t iE t i i i i i i i iP t c t c t c e c e c c P − − = = = = , que mostra que essa probabilidade não muda com o tempo e, por isso, as autofunções do hamiltoniano são chamadas “estados estacionários”. O cálculo mais simples, porém muito importante, de autofunções e respectivos autovalores do hamiltoniano para uma partícula não-livre é o do chamado “poço quadrado infinito”, no qual a partícula está confinada por paredes impenetráveis em uma certa região, sendo que dentro dessa região a sua energia potencial é nula. O nome “infinito” deve-se ao fato, como examinaremos adiante no tratamento do “potencial degrau”, de uma barreira ser completamente impenetrável por uma partícula de energia finita quando a sua energia potencial for infinita. Vamos considerar o poço infinito da figura 5.1, em que a partícula está confinada na região 0 < x < L. 40 Figura 5.1. Poço quadrado infinito, de extensão L. Como as paredes do poço são completamente impenetráveis, não existe probabilidade alguma de encontrar a partícula na região anterior ou posterior ao poço. Assim, ( ) 0x = para 0x e para x L . Dentro do poço a equação de Schrödinger independente do tempo escreve-se como 2 2 2 ( ) ( ) 2 d x E x m dx − = , ou 2 2 2 2 ( ) ( ) d m x E x dx = − . (5.16) Para indicar que do lado direito da equação 5.16 temos um número negativo multiplicando Ψ(x), vamos escrevê-lo como –k2, sendo 2 2 2mE k = , (5.17) e a equação 5.16 torna-se 2 2 2 ( ) ( ) d x k x dx = − , (5.18) cuja solução geral é 41 ( ) sen( ) cos( )x A kx B kx = + . (5.19) No capítulo anterior vimos que a função de onda deve ser necessariamente contínua, para evitar o aparecimento de uma densidade de corrente de probabilidade infinita. Sabendo que a função de onda é nula para 0x , a continuidade da função de onda em x = 0 implica em ( 0) 0x B = = = . Como também a função de onda é nula para x L , devemos ter, assim, ( ) sen( ) 0x L A kL = = = , o que implica em , 1, 2,3,...nk n n L = = (5.20) onde acrescentamos o índice “n” ao parâmetro k para mostrar que este está associado a um número inteiro n. Uma observação: n é inteiro, mas não pode ser nulo, pois para n = 0 teríamos k = 0 e, já sendo B = 0, a função de onda seria nula em qualquer posição, não havendo, consequentemente, partícula alguma. A equação 5.17 pode ser reescrita como 2 2 2 k E m = , (5.21) e assim, como o parâmetro k está relacionado a um número inteiro n pela equação 5.20, a energia também o está, ficando 2 2 2 2 , 1,2,3,... 2 n n E n mL = = (5.22) Ou seja, uma partícula confinada tem a sua energia assumindo valores discretos e ficando, desse modo, quantizada. Além disso, o confinamento impede um estado fundamental de energia nula. É importante dizer que se simplesmente identificarmos o parâmetro k com o número de onda e usarmos a relação de de Broglie p k= (equação 4.14 do capítulo anterior) na expressão da energia cinética, 2 2 p m , obtemos a expressão 5.21 para a energia da partícula, mas para chegarmos nos valores dados pela equação 5.22 é necessário o emprego da equação de Schrödinger. QUESTÃO 5.5: Mostre que uma estimativa da energia do estado fundamental de uma partícula confinada em um poço infinito pode ser obtida pela relação de incerteza de Heisenberg, x p , usando-se p p e x L . 42 QUESTÃO 5.6: Mostre que se uma partícula está confinada em uma região inferior ao seu comprimento de onda Compton, dado por C h mc = , as suas possíveis energias tornam-se relativísticas. A energia de uma partícula é considerada relativística se ela não pode ser desprezada perante a sua energia de repouso, mc2. Isso mostra que o comprimento de onda Compton fornece o limite inferior para a escala de aplicação da mecânica quântica não- relativística. QUESTÃO 5.7: Sendo as autofunções do hamiltoniano do poço infinito, de extensão L, dadas por sen( )n nA k x = , onde , 1, 2,3,...nk n n L = = : (a) obtenha o valor da constante A para que essas funções fiquem normalizadas; (b) verifique que as autofunções correspondentes a energias diferentes são, como já foi mencionado, ortogonais entre si, isto é, *( ) ( ) 0n mdx x x + − = para os números inteiros n e m, com n m . QUESTÃO 5.8: Resolva o problema de encontrar as autofunções do hamiltoniano e os correspondentes autovalores, isto é, as energias permitidas à partícula, para o chamado “poço infinito simétrico”, que se estende de 2 L x = − até 2 L x = + , e compare-os com os resultados anteriormente obtidos para o poço que se estende de x = 0 até x = L. Pode haver alguma diferença física entre os dois casos? Acabamos de constatar, pela questão 5.7, que autofunções do poço infinito, correspondentes a um espectro discreto de autovalores são ortonormais, isto é, obedecem à condição de ortonormalidade ditada pela equação 5.12. Mas como ficaria essa condição para as autofunções do momento linear, do tipo que apareceu nas questões 5.1 e 5.2, correspondentes a autovalores diferentes, se não existir restrição para esses autovalores de modo que eles possam constituir um espectro contínuo? Isto é, sendo /( ) ipxp x Ae = e /( ) iqxq x Ae = autofunções do operador d p i dx = correspondentes aos autovalores p e q, como fica a condição * ( ) ( )p qdx x x + − se p e q podem assumir quaisquer valores reais? Para respondermos a essa pergunta, devemos travar conhecimento com a função “delta de Dirac”. Existe uma categoria de funções, chamadas de “delta de Dirac” e representadas como δ(x), que possuem as seguintes propriedades: 43 (a) ( ) 0x a − = para x a , isto é, são nulas quando o seu argumento não é nulo; (b) ( ) 1dx x a + − − = , logo, não são nulas em x = a, onde, na verdade, ocorre uma singularidade; (c) ( ) ( ) ( )dx f x x a f a + − − = . QUESTÃO 5.9: Mostre que a função 0 0 para e ( ) lim 1 para 2 x x x x → = − = = − obedece às propriedades acima e é, portanto, uma função delta de Dirac. Da teoria das transformadas de Fourier sabe-se que ( ) 2 ( )ik a bdk e a b + − − = − . Logo, 2 2 2* ( ) / ( )( ) ( ) 2 ( )i q p x i q p up qdx x x A dxe A du e A q p + + + − − − − − = = = − . Se fizermos 1 2 A = , teremos * ( ) ( ) ( )p qdx x x q p + − = − , (5.23) uma expressão semelhante à da condição de ortonormalidade para autofunções de espectro discreto de autovalores, ditada pela equação 5.12, apenas fazendo a troca do “delta de Kronecker” pelo “delta de Dirac”. A expressão da equação 5.23 é, portanto, a condição de ortonormalidade para autofunções de espectro contínuo de autovalores. Como a equação de Schrödinger é de segunda ordem quanto à derivação espacial, para o tratamento das demais formas de energia potencial necessitamos, além de considerar que a função de onda deve ser contínua, examinar o que acontece com a sua derivada espacial primeira. Vamos considerar um ponto x e comparar
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