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Complexidade, Transdisciplinaridade e Subjetividade

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Complexidade, transdisciplinaridade e produção de subjetividade. 
 
 
 
 O pensamento contemporâneo enfrenta uma questão importante que gostaríamos de 
situar como ponto de partida para nossa reflexão. Trata-se do tema da complexidade, uma 
questão específica, embora não menos difícil e delicada, que queremos discutir em sua relação 
com as noções de transdisciplinaridade e produção da subjetividade. Estaremos propondo esta 
reflexão de um certo lugar no qual estas três noções se atravessam. Este lugar é o dos estudos 
da subjetividade em uma perspectiva transdisciplinar. Acreditamos que na fronteira das 
disciplinas, na zona de indeterminação que se produz entre elas, é possível tratar o tema da 
subjetividade em sua complexidade. 
 
 Quando falamos de complexidade não queremos este único sentido que lhe é atribuído 
pelo senso comum. Complexo não é só o complicado, o que ainda não se explicou ou que 
insiste como um limite para o conhecimento. Na ciência contemporânea, ao contrário, o 
complexo é a propriedade de certos fenômenos cuja explicação exige de nós o esforço de 
evitarmos as simplificações reducionistas. Tal esforço resiste a uma tendência que foi 
dominante no campo da ciência moderna que, por princípios metodológicos, fazia da 
explicação uma busca do simples. Explicar, neste sentido, é apreender o fenômeno em sua 
simplicidade. Portanto, o que não é simples é complicado, precisando ser explicado, isto é, 
simplificado, reduzido às suas unidades simples. 
 
 E como se define esta simplicidade? Para a ciência moderna é simples o que é isolado, 
descrito e explicado por uma disciplina. É simples o que se submete à luz de um paradigma 
científico. A simplicidade de um problema da ciência é resultado da semelhança ou adequação 
entre a questão investigada e o paradigma dominante, no sentido atribuído a este conceito 
por Thomas Kuhn[1]. É graças ao paradigma que unifica as teorias de um dado campo 
científico, que é possível identificar e isolar um problema evitando a forma complicada como 
ele inicialmente se apresenta. A simplicidade é, portanto, o resultado de um ação depurativa 
da ciência moderna. E conseqüentemente, tal ciência se caracteriza por manter-se no 
isolamento de seu meio ambiente – o laboratório, a academia ou a Universidade – purificando 
os fenômenos, simplificando-os, separando-os do mundo natural ou laboratorial de onde 
provêm[2]. Na oposição entre simplicidade e complexidade, opta-se pelo primeiro termo, 
definindo-se o compromisso científico. 
 
 No entanto, a ciência se transforma, já que é dela essa vontade de superação que lhe 
garante uma história e mesmo um progresso. Sem entrar no mérito da discussão se já somos 
pós-modernos ou se jamais fomos plenamente modernos, o fato é que a simplicidade não é 
mais o ponto de convergência da ciência contemporânea. Verificamos em exemplos da física, 
da química e da biologia atuais que há um franco movimento de divergência frente ao simples. 
E dessa maneira, aquela atitude depurativa e aquele princípio de isolamento – isolamento do 
fenômeno em relação à complicação do mundo e isolamento da ciência quanto às outras 
formas de saber – cedem lugar a uma nova forma de experimentação que abre a ciência para o 
contato com a complexidade em sua dimensão irredutível. Um conjunto de novos objetos de 
investigação – como os atratores caóticos, as estruturas dissipativas e os sistemas longe do 
equilíbrio termodinâmico descritos por Prigogine, ou a diferenciação embriológica tal como 
descrita por Waddington – impõe uma abordagem que considere a evolução para níveis de 
complexidade superiores[3]. A ciência contemporânea assumiu o desafio de pensar o processo 
de auto-organização daqueles sistemas que evoluem, dissipando estruturas e criando para si 
novas formas. Vale aqui citar Prigogine e Stengers em sua avaliação do tema da complexidade: 
 
 
 
 “A atualização dos processos de auto-organização em termodinâmica pertence à 
evolução contemporânea das ciências da natureza. Quer se trate da biologia, com a 
nova importância assumida pelas questões ecológicas, da física, ou do 
desenvolvimento dos conceitos formais que permitem colocar um problema idêntico 
em diferentes registros (catástrofes, objetos fractais, estabilidade e flutuação, ordem 
pelo ruído, etc.), o problema já não consiste hoje em reduzir a complexidade ou em 
evitá-la, mas em procurar os meios para a descrever, para compreender de que 
maneira a evolução para uma complexidade crescente, ainda por definir, pertence 
propriamente à história natural da natureza. 
 
 Mas a transformação determinada pelo fato de aceitar a complexidade como 
problema legítimo das ciências não é apenas intelectual, é também potencialmente 
social. Vimos que a separação entre o real simples e o aspecto complexo operada 
pelas ciências clássicas naturais e clássicas justifica a separação autoritária entre os 
que sabem, que têm acesso aos ‘fatos’ elementares, isolados nos laboratórios, e os 
que ficam prisioneiros das ilusões (...) Por conseguinte, atualmente as ciências 
naturais aprenderam, pelo menos em princípio, que é necessário sair dos 
laboratórios, dos lugares protegidos onde seus paradigmas se elaboram. Elas sabem 
doravante que as situações idealizadas, simples, não são suscetíveis de lhes fornecer 
uma chave universal. Devem, pois, voltar a ser ‘ciência da natureza’, confrontadas 
com a múltipla riqueza que durante muito tempo se arrogaram o direito de esquecer 
na sua busca de uma verdade geral, de uma simplicidade oculta”[4]. 
 
 
 
 Eis, então, o desafio assumido pela ciência da complexidade: superar o antigo 
isolamento e produzir no encontro com outros saberes. E desse desafio, sua forma paroxística 
é a aposta transdisciplinar, isto é, o pensamento que se produz no atravessamento das 
disciplinas, não no interior delas, mas entre elas. 
 
 O tema da complexidade nos força, portanto, a pensar o problema das fronteiras dos 
objetos e dos saberes. Na verdade, se estamos de acordo com o fato de que os recortes 
binarizantes e excludentes operados pelos paradigmas das ciências, construídos nos últimos 
séculos, já não bastam para que possamos investigar/criar o mundo, impõe-se a construção de 
uma outra postura, um outro modo de operar sobre/com as práticas. Observe-se que aqui já 
estamos optando por nos referir a práticas e não a objetos-alvo de certas teorias. Estamos 
começando a transitar por entre práticas cujas fronteiras apresentam porosidade maior, 
aberturas suscetíveis à ação de saberes variados que ao serem colocados fora de seus campos 
específicos são forçados a atravessar planos até então desconhecidos. A operação, aqui, não é 
mais a de recortar por dicotomização, separação de objetos e saberes a eles correspondentes, 
mas a de transversalização. Temos, então um novo problema. Necessitamos de outros 
conceitos. Necessitamos, até mesmo de uma outra maneira de concebê-los. 
 
 Imediatamente o que se destaca é a necessidade de discutir a noção de problema e sua 
relação com a noção de conceito. Quando falamos de problema evocamos a filosofia 
bergsoniana e o modo como ela toma a situação problemática em seu duplo aspecto: criação 
de um problema e solução de um problema. 
 
 Esse duplo aspecto corresponde aos movimentos divergentes do pensamento. Este se 
realiza através do método da inteligência (preocupação com a vida utilitária, com a adaptação 
e, portanto com a solução de problemas), mas também pelo método da intuição (preocupação 
com o movimento, com o que é da ordem do devir e, portanto com a criação de problemas). 
Os movimentos divergentes do pensamento permitem a realização de duas modalidades 
cognitivas: a ciência (inteligência) e a filosofia (intuição). 
 
 
 
 Tomemos o problema da clínica já que ela nos coloca este duplo aspecto. De um lado, a 
clínica se apresenta como um campo de problemas a serem resolvidos exigindoo esforço 
intelectual de construção de estratégias de intervenção. De outro, ela se constitui como um 
plano problemático a ser criado exigindo o esforço intuitivo de desmontagem dos problemas 
estabelecidos e a invenção de novos problemas, de novos modos de existência. Este é o 
sentido, acreditamos, de uma clínica da produção da subjetividade, uma clínica não do sujeito, 
mas da subjetivação, não da mera solução dos problemas, mas da criação de novas questões. 
Mas afirmar este duplo aspecto da clínica não pode significar uma dicotomização entre uma 
dimensão técnica, porque preocupada com a solução de problemas e uma dimensão ético-
estético-política porque criadora da clínica. 
 
 A nova operação – a de transversalização –, impõe um processo de desestabilização 
daquilo que era até então nomeado como o campo da clínica: objetos bem definidos e teorias 
internamente consistentes, sujeitos do conhecimento e objetos a serem conhecidos, 
territórios bem marcados de ação, especialistas cônscios de seu discursos. Com a 
desestabilização, o que emerge é o plano de constituição da clínica onde as dicotomias dão 
lugar aos híbridos[5], as fronteiras apresentando seus graus de abertura, suas franjas móveis 
por onde os saberes se argúem, as práticas se mostram em sua complexidade. A criação do 
plano da Clínica é, portanto, não só a invenção de novos problemas como de estratégias de 
solução dos impasses gerados nas novas configurações. 
 
 Neste sentido, com a desestabilização do campo da clínica, não se perde a preocupação 
com as questões estratégicas embora estas não mais se definam como puramente técnicas. Se 
acompanhamos a etimologia da palavra técnica, que provêm de techné, significando o fazer,, 
não é possível conceber a clínica sem esta dimensão pragmática. No entanto, esta dimensão 
apresenta-se aqui, menos como método ou inventário de procedimentos e formas de ação e 
mais como um processo constante de invenção de estratégias de intervenção em sintonia com 
os novos problemas constituídos. 
 
 O caráter híbrido das estratégias de intervenção está exatamente no ponto onde a 
solução de problemas convoca seu rearranjo, a invenção de um novo território onde tal 
problema será necessariamente outro. A solução de um problema se confunde com a criação 
de um outro problema. É por isso que podemos dizer que na clínica importa muito mais a 
criação de novas entradas do que a “descoberta” de saídas. 
 
 Inventamos, no plano problemático da clínica um conceito-ferramenta capaz de 
acompanhar estes movimentos de hibridação que lhe são próprios: o conceito de clínica 
transdisciplinar. Nesse caso, o conceito proposto parece agravar aquilo que consideramos 
como próprio da noção ela mesma de conceito. 
 
 Segundo Deleuze & Guattari o conceito não deve ser entendido como a definição de 
uma essência nem como a descrição de um estado de coisa, mas se apresenta como uma 
“cartografia de circunstância”[6]. Enquanto tal, apresenta-se como o plano de emergência de 
algo, isto é, a rede de circunstâncias engendradoras de dada realidade. O conceito, portanto, 
expressa um processo de produção. Neste sentido, o conceito de subjetividade diz menos 
respeito a uma forma ou estrutura subjetiva do que a um processo de subjetivação, assim 
como o conceito de clínica transdisciplinar é a expressão do plano de constituição da clínica. 
 
 Enquanto produção, o conceito não se apresenta como uma totalidade fechada. Em O 
que é a filosofia?[7] Deleuze & Guattari dizem que não há conceito simples, pois todo conceito 
tem componentes, sendo, portanto, uma multiplicidade. É por isso, também que podemos 
afirmar que o conceito possui contorno indefinido, irregular, já que nunca totaliza 
completamente seus componentes (do contrário seria um puro caos). 
 
 Mas, se o conceito desempenha função de todo, isso se realiza paradoxalmente sem 
que as partes sejam efetivamente totalizadas na unidade do conceito. Em o Anti-Édipo[8] esta 
idéia já aparecia quando diziam que deve se distinguir o todo que totaliza, que unifica, 
submetendo seus componentes, subsumindo o diverso na identidade do Um e o todo que não 
totaliza porque se põe como uma “totalidade ao lado das partes”. “E se encontramos uma 
totalidade assim ao lado das partes, é um todo dessas partes, mas que não as totaliza, uma 
unidade de todas essas partes, mas que não as unifica, e que se acrescenta a elas como uma 
nova parte composta à parte” [9]. 
 
 Tomemos o conceito de grupo para dar consistência a esse sentido de uma totalidade 
ao lado. O caráter à parte do todo faz dele menos um elemento de homogeneização de seus 
componentes do que uma forma de comunicação “aberrante” entre partes não comunicantes. 
Na clássica conceituação de grupo temos a definição dele como “um todo mais do que a soma 
das partes”[10]. O sentido aqui é justamente o de uma totalidade que estabelece, por meio da 
identificação, uma homogeneização de suas partes, de suas diferenças, estabelecendo entre 
elas “comunicações” unificadoras. O grupo, tomado como dispositivo de desindividualização 
ou de coletivização, imprime outro sentido à idéia de totalidade, já que está à parte, ao lado 
de seus componentes, atiçando a diferenciação, produzindo mil platôs. 
 
 Esta irregularidade do contorno do conceito lhe garante uma força de transversalização. 
Cada conceito reenvia a outros conceitos, formando rede, conexões, tanto em sua história, 
quanto em seus devires. 
 
 A história de um conceito diz respeito ao seu movimento de ziguezague, atravessando 
planos e problemas diversos. Em um conceito há sempre pedaços ou componentes oriundos 
de outros conceitos que respondiam a outros problemas de planos discursivos diversos. O 
devir de um conceito é a relação de entrecruzamento dos conceitos situados num mesmo 
plano. Cada conceito reenvia a outros conceitos em seu devir ou em suas conexões presentes. 
Dizem Deleuze & Guattari: “Todo conceito, possuindo um número finito de componentes, 
bifurcará sobre outros conceitos compostos de modos diferentes, mas que constituem outras 
regras do mesmo plano, respondendo a problemas conectáveis, participando de uma co-
criação”[11]. 
 
 O conceito enquanto multiplicidade, criado pela associação de componentes 
heterogêneos, é sempre singular e composto. Singular porque toda criação é uma 
singularização e composto porque a criação aqui é realizada por elementos heteróclitos. Neste 
sentido, o conceito não é universal, já que é uma realidade criada. Como diz Nietzsche, em 
suas obras póstumas (1884-1885): “os filósofos não devem se contentar em aceitar os 
conceitos que lhes dão, para somente limpá-los e fazê-los reluzir, mas é preciso que eles 
comecem a fabricá-los, criá-los, pô-los e persuadir os homens a recorrer a eles”.[12] 
 
 O caráter composto do conceito é o que lhe confere consistência. Segundo Deleuze & 
Guattari, a consistência diz respeito ao grau de indiscernibilidade do conceito, isto é, aquilo 
que se passa nas regiões de vizinhança ou de contágio, o que se passa entre os domínios. Os 
componentes de um conceito mantêm-se nele distintos porém inseparáveis. Essa 
inseparabilidade se dá como zonas de devir ou de vizinhança internas ao conceito 
(endoconsistência). Mas o conceito tem também uma consistência que se forma na relação 
com outros conceitos. Na rede formada, rede de conexões dos regimes de variação, constroem 
pontes sobre o plano conceitual (exoconsistência). 
 
 Em O que é a filosofia?, Deleuze & Guattari exemplificam essa análise com o conceito de 
eu tal como ele aparece na forma do cogito cartesiano, o eu de Descartes. Esse conceito possui 
três componentes: duvidar, pensar e ser, de tal forma que o sentido do conceito se dá como 
uma multiplicidade em relação e cuja fórmula sintética é a do: penso, logo existo. 
 
 O conceito se condensa no “ponto É”: É de existir, Ede Eu. Eu duvido, eu penso, eu sou. 
Em Descartes a força dessa condensação se deve a duas funções dominantes a essa época: 
função de universalização/totalização e função de individualização. Entretanto, como nos 
lembram Deleuze & Guattari, essa tentativa de totalização neste ponto de condensação, 
mesmo aí, não é forte o suficiente para impedir que os componentes intensivos do conceito se 
arranjem em zonas de indiscernibilidade por onde eles se atravessam tornando-se 
inseparáveis. 
 
 Uma primeira zona de vizinhança se estabelece entre duvidar e pensar: Eu que duvido, 
não posso duvidar que penso. Uma segunda zona se estabelece entre pensar e ser: para 
pensar é preciso ser. Mas se, em Descartes, as funções universalizadora e individualizadora são 
dominantes, permitindo a pregnância do conceito de Eu, no pensamento contemporâneo, 
outras funções vêm tomar o lugar daquelas. 
 
 Num artigo publicado na revista Confrontation[13], Deleuze afirma que “um conceito 
não morre quando se quer, mas apenas quando novas funções em novos campos o tornam 
caduco”[14]. Um conceito, portanto, realiza funções, põe a funcionar relações sendo ele 
próprio feito delas, de tal modo que é melhor construir novas funções e descobrir novos 
campos do que ficar preso em um movimento circular crítico-reativo. 
 
 Nesse artigo, Deleuze pergunta-se acerca da função do conceito de sujeito. 
Primeiramente, ele teria desempenhado uma função de universalização no campo do 
pensamento e da linguagem. Em segundo lugar, o conceito de sujeito desempenhou uma 
função de individualização, no campo onde o indivíduo é uma pessoa que fala e a quem se 
fala: relação eu-tu. São os dois aspectos do sujeito: o eu (je) universal e o eu (moi) individual. 
 
 No pensamento contemporâneo, mudanças parecem indicar o aparecimento de novas 
funções e a exigência de novos conceitos. O tema da singularização ocupa papel de destaque 
cada vez maior na contemporaneidade. O singular é o que se situa na vizinhança, é o que 
possui consistência, formando o plano da multiplicidade não referido a nenhum sujeito ou 
unidade preliminar. No lugar da universalização, vigora a função de singularidade. 
 
 A função de singularidade substitui, portanto, a função de universalidade. Na clínica 
pudemos identificar essa passagem quando distinguimos “o caso da clínica” da “clínica de um 
caso”. A primeira dizendo respeito à experiência da clínica em seu processo de singularização, 
isto é, uma clínica se fazendo ou em constante construção (o plano da clínica). Já a segunda, 
referindo-se às tentativas de buscar no testemunho fidedigno do “caso” a confirmação dos 
universais da clínica – fórmulas técnicas e conceitos naturalizados (édipo, castração, 
sexualidade). 
 
 
 
 Contemporânea a essa função, há uma outra que é a função de individuação não 
pessoal dos acontecimentos. Pode-se chamar esta individuação de hecceidade ou 
individuações não pessoais pois revestidas de um caráter neutro, impessoal e impreciso que 
foge do jogo entre o eu e o tu. Estas individuações configuram domínios do indeterminado, 
isso que nas línguas saxônicas se expressaria com a quarta pessoa do singular, o it. O que se 
individua, aqui, não é um Eu ou uma pessoa, mas um acontecimento em sua singularidade, e 
em sua indefinição: um vento, um grito, um cachorro magro na rua, uma vida, uma estação, 
etc. 
 
 Deleuze conclui que “a noção de sujeito perdeu muito de seu interesse em nome das 
singularidades pré-individuais e das individuações não pessoais”.[15] 
 
 Essas novas funções apontam para um outro conceito afeito aos movimentos de 
singularização e individuação. Daí o conceito clínico de subjetividade enquanto processo de 
subjetivação e diferenciação. Estes conceitos e as funções a eles correlatas compõem alguns 
dos eixos da construção do plano da clínica transdisciplinar. 
 
 Afirmamos: “Toda clínica é transdisciplinar”. Para sustentar tal afirmação, teremos que 
realizar movimentos que não traçam um percurso linear e necessário. Trata-se, ao contrário, 
de uma construção que podemos dizer rizomática, já que se faz por múltiplas entradas, por 
diferentes e novas direções. 
 
 Percorrer caminhos cheios de bifurcações, ousar rotas que nos levam sempre a outras 
inesperadas rotas. Fazer certas escolhas, certos desvios e não outros. Tomar da diferença seu 
potencial de diferir. Afirmar que, num certo sentido, somos sempre marinheiros de primeira 
viagem ou, pelo menos, que devemos nos esforçar para sê-los. 
 
 
 
 
[1] KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1987. 
 
[2] Acerca desta ação purificadora da ciência moderna, cf. LATOUR, Bruno. Jamais fomos 
modernos. São Paulo: Ed. 34, 1997. 
 
[3] Para uma melhor compreensão desses novos objetos da ciência contemporânea sugerimos 
a leitura de PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. Enciclopédia Einaudi. v. 26 Sistema.Lisboa: 
Imprensa Nacional, 1993. 
 
[4] Idem, p. 109-110. 
 
[5] Cf. LATOUR, 1997. 
 
[6] DELEUZE, Gilles. Mil platôs não formam uma montanha, eles abrem mil caminhos 
filosóficos. In: ESCOBAR, Carlos Henrique de (org.) Dossier Deleuze. Rio de Janeiro: Hólon, 
1991. 
 
[7] DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia? São Paulo: Ed. 34, 1993. 
 
[8] DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O Anti -Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Rio de 
Janeiro: Imago, 1976. 
 
[9] DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. op. cit, p. 61. 
 
[10] LEWIN, Kurt. Princípios de Psicologia Topológica. São Paulo:Cultrix, 1973. 
 
[11] DELEUZE,Gilles & GUATTARI, Félix, 1993, p. 24. 
 
[12] NIETZSCHE, Friedrich. Os pensadores, vol XXXII. São Paulo: Abril, 1974. 
 
[13] DELEUZE, Gilles. Un concept philosophique. Confrontation (20):89-90, 1989. 
 
[14] DELEUZE, Gilles. op. cit, p.89 
 
[15] op.cit, p. 89.

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